196 Revista Brasileira de Ensino de F sica, vol. 23, no. 2, Junho, 2001 Perl de Velocidade para o Escoamento de Fluido em uma Placa Plana Velocity Prole fo the Fluid Flow in a Flat Plane Katia Barros de Lacerda e A. E. A. Amorim Faculdade de Tecnologia de Jahu, CEETEPS CEP 17212-650, Ja u, SP Recebido em 21/02/2001. Aceito em 12/03/2001 Neste trabalho discutimos a abordagem feita para se estudar o conceito de camada limite usando uma distribuic~ao polinomial para o perl de velocidade no escoamento de um uido em uma placa plana e comparamos os resultados obtidos na literatura com um outro metodo onde a distribuic~ao de velocidade e obtida atraves da serie de Taylor em torno da camada limite. In this work we discuss the approach done to study the layer boundary concept using a polinomial distribution for the velocity prole for the ow of a uid in a at plate and we compare the results obtained in the literature with another method where the distribution of velocity is obtained trough the series of Taylor around the boundary layer. I Introdu c~ ao Nos livros-textos de Mec^anica dos Fluidos utilizados na graduac~ao, um assunto de especial relev^ancia para as Engenharias e a Fsica, trata sobre o escoamento de uidos atraves de corpos submersos. De uma maneira geral, os livros abordam inicialmente o conceito de camada limite, introduzido por Prandtl[1], em 1904, que sugeriu que a analise do escoamento do uido, em torno do objeto, pudesse ser feito em duas regi~oes: uma proxima ao objeto onde os efeitos do atrito s~ao muito importantes, e uma externa, onde o atrito pode ser desprezado. O contorno que delimita estas regi~oes chama-se camada limite. Assim, os livros abordam inicialmente o estudo do escoamento do uido sobre uma placa plana, onde se discute a formac~ao da camada limite. A analise qualitativa deste processo e feita usando o conceito de linha de corrente. Nas linhas adjacentes a placa, aparece uma forca de interac~ao entre o uido e a placa, que produz uma reduca~o na velocidade de escoamento destas linhas. Em virtude da diferenca de velocidade entre estas linhas com as linhas de corrente adjacentes do uido, ocorre o cisalhamento sobre um elemento de uido tomado nesta regi~ao. A forma como ocorre o cisalhamento do uido esta associada com a viscosidade do uido. medida que nos afastamos da placa, o cisalhaA mento diminui. O resultado nal e uma distribuica~o de velocidade entre as linhas de corrente, tambem conhe- cida como perl de velocidade. A forma analtica exata desta distribuic~ao e desconhecida e, por esta raz~ao, s~ao utilizadas algumas express~oes aproximadas nos livrostextos, que satisfazem as condic~oes de contorno do pro assumido que a velocidade do uido, junto blema. E a placa e nula. Esta e a hipotese do n~ao escorregamento. A outra condic~ao assume que a velocidade do uido, num ponto distante da placa, e constante e igual a velocidade do uido sem a placa. Embora o procedimento adotado pelos livros-textos seja muito utilizado, do ponto de vista didatico, o aluno perde a correlac~ao existente entre os coecientes de seu modelo matematico com as condic~oes de contorno do problema. Por outro lado podemos aplicar a serie de Taylor ao perl de velocidade em torno da camada limite, utilizando as mesmas condic~oes de contorno, comparando os resultados com as express~oes dos livros. Neste artigo sera feita uma discuss~ao sobre estas metodologias para se obter o perl de velocidade do escoamento do uido atraves de uma placa plana. Antecipando os resultados, observamos que a soluc~ao obtida usando a expans~ao em serie de Taylor e unica para expans~oes de primeira e segunda ordem. Nestas ordens de expans~ao, a express~ao e valida para camadas limites muito estreitas. Para expans~oes de terceira ordem ou superior, o resultado n~ao e unico, apresentando innitas soluc~oes dependentes dos valores dos coecientes da serie de Taylor. O outro metodo, pelo fato de ser polinomial n~ao apresenta restric~ao no resul- 197 K atia Barros de Lacerda e A. E. A. Amorim tado. Por outro lado, observamos que os coecientes da expans~ao est~ao relacionados com as condic~oes de contorno. Este fato permite ao aluno entender a depend^encia dos coecientes do perl de velocidade com as condic~oes de contorno. Finalmente, notamos que os pers obtidos s~ao id^enticos na forma. Contudo devemos destacar que o metodo da serie de Taylor imp~oe um regime de validade para a aplicac~ao do perl de velocidade para camadas limites estreitas enquanto que o metodo do polin^omio n~ao faz qualquer restric~ao. O trabalho esta organizado na seguinte forma: na sec~ao seguinte discutimos algumas considerac~oes iniciais e apresentamos o modelo. Na ultima seca~o apresentamos as conclus~oes e resultados principais. II Camada limite As camadas do uido, num escoamento real, t^em a sua velocidade relativa a placa v(y) afetada por tens~oes de cisalhamento provocadas pelas interac~oes existentes as partculas do uido que percorrem distintas linhas de corrente. De acordo com Prandtl, identicamos uma regi~ao na qual o uido pode ser tratado como ideal, ja que a velocidade relativa entre as linhas de corrente e a mesma, e uma outra regi~ao na qual a viscosidade desempenha um papel fundamental. Devido ao atrito existente entre o uido e a placa, o escoamento da camada de uido diminui ate parar. Esta hipotese do n~ao escorregamento do uido pressup~oe que a velocidade da camada do uido na placa e nula v (0) = 0.Evid^encias experimentais comprovam este fato[2]. medida que nos afastamos da placa a velocidade A do uido cresce rapidamente ate atingir a velocidade do escoamento inicial vo , a uma dist^ancia Æ da placa, denindo a espessura da camada limite naquele ponto da placa. Nesta situac~ao a velocidade do uido e id^entica a velocidade de escoamento do uido fora da camada limite v (Æ ) = vo . Alguns livros assumem que a variac~ao da velocidade, na borda da camada limite e desprezvel, @v @y y =Æ = 0; (1) utilizando tal equac~ao como condic~ao de contorno. Contudo, devemos frisar que, em um estudo mais realista, as condic~oes de contorno est~ao restritas ao escoamento do uido junto a placa (v (0) = 0) e fora da camada limite (v (Æ ) = vo ). Tais resultados podem ser resumidos como mostra a Figura 1. Figura 1. Camada limite e o perl de velocidade do uido. As echas indicam a magnitude da velocidade do uido. A linha curva e tracejada representa a camada limite. A linha curva e contnua, que delimita as echas, expressa o perl de velocidade do uido. Contudo, a forma exata do perl da velocidade e desconhecida, sendo conhecido apenas os seus valores numericos atraves da soluc~ao de Blasius[3]. Em func~ao disto, alguns autores[3] escrevem o perl de velocidade como uma func~ao polinomial. Para um estudo inicial sobre a forma aproximada do perl de velocidade, os livros-textos assumem uma distribuic~ao das velocidades como uma curva de segundo grau na forma v (y ) = Ay 2 + By + C; (2) onde A e B s~ao determinadas pelas condic~oes de contorno ja mencionadas. Com as condic~oes de contorno impostas na Eq.2, temos vo = AÆ 2 + BÆ; (3) = 0; (4) C e 2AÆ + B = 0: (5) Com estes resultados, as constantes se escrevem vo A = B =2 e Æ2 vo Æ ; (6) ; (7) de forma que o perl de velocidade e dado por v (y ) = vo vo Æ2 (Æ 2 y) : (8) Observe que nesta deduc~ao o resultado nal do perl expressa a depend^encia da velocidade em func~ao da coordenada y e, a primeira vista, a Eq.8 n~ao apresenta de forma clara a depend^encia das condic~oes de contorno no perl de velocidade. Para efeito comparativo iremos deduzir o perl de velocidade usando a serie de Taylor. Considere agora uma expans~ao do perl de velocidade em torno da camada limite, ate a segunda ordem, conservando um ponto xo na placa, como mostra a Figura 2. 198 Revista Brasileira de Ensino de F sica, vol. 23, no. 2, Junho, 2001 1 d2 v v (0) = 0 = vo + Æ2 : 2 dy 2 y=Æ por Assim v (y ) = vo + dy y=Æ 1 d2 v Æ) + (y 2 dy 2 y=Æ (y Æ )2 ; Desta forma, temos que o perl de velocidade e dado v (y ) vo = vo Æ2 2 (y Æ) ; (11) cujo resultado coincide com a express~ao obtida anteriormente na Eq. 8 usando o metodo do polin^omio. Contudo, a validade do resultado dado pela Eq.11 esta restrita a camadas limites estreitas, devido a ordem de expans~ao considerada. Por outro lado, truncando a serie ate termos de terceira ordem e aplicando as mesmas condic~oes de contorno, Figura 2. Expans~ao do perl de velocidade em torno de um ponto da camada limite. dv (10) (9) 0 = vo + Aplicando as condic~oes de contorno temos que o segundo termo do lado direito da equaca~o acima e nulo e que, para y = 0, 1 d2 v Æ2 2 dy 2 y=Æ 1 d3 v Æ3 ; 6 dy 3 y=Æ (12) o perl de velocidade do uido se escreve c v (y ) = vo + Æ 2 d2 v 2 y 1 2 dy 2 y=Æ Æ ! + vo + Æ 2 d2 v 2 dy 2 y=Æ 3 y 1 Æ (13) : Expandindo as pot^encias e separando as express~oes em termos de pot^encia de y=Æ o perl se escreve ! v (y ) = 3vo + Æ 2 d2 v 2 dy 2 vo + Æ y =Æ ! Æ 2 d2 v 2 dy 2 y=Æ d2 v 3vo + Æ 2 2 dy y=Æ y y 3 Æ ! y 2 Æ + (14) : d Observe que com series de terceira ordem ou superiores o perl de velocidade v (y ) e indeterminado, pois depende do valor da segunda derivada da velocidade. Desta forma, este tratamento t^em validade para camadas limites estreitas se e utilizada uma soluca~o exata. Para ordens mais elevadas, a distribuic~ao da velocidade ca indeterminada. Contudo, Shames prop~oe uma soluc~ao particular para este caso de forma que termos da segunda ordem sejam nulos[5]. Portanto, partindo da forma polinomial, o perl de velocidade obtido e v (y ) = vo 3y 2Æ y3 2Æ 3 : (15) Este mesmo resultado e obtido, partindo da Eq.14. Desta forma, pelo fato do coeciente de segunda ordem ser nulo, ent~ao d2 v dy 2 y =Æ = 3vo Æ2 : (16) Substituindo na express~ao, o perl de velocidade reduz a y3 3y : (17) v (y ) = vo 2Æ 2Æ 3 O resultado e o mesmo que o obtido por Shames, considerando um polin^omio. Observe que em ambos os casos estudados, as express~oes para a velocidade do uido s~ao equivalentes, mostrando que os metodos s~ao equivalentes. Contudo a abordagem feita utilizando expans~ao em series de Taylor para o perl de velocidade e mais natural. Os coecientes apresentam um conteudo fsico e matematico bem claro, ressaltando que o limite de validade do perl depende da ordem de grandeza considerada. Para ordens elevadas, o perl 199 K atia Barros de Lacerda e A. E. A. Amorim admite varias soluc~oes e a soluc~ao exata e encontrada para camadas limites estreitas. III Conclus~ oes Neste trabalho, foi efetuado um estudo sobre a abordagem utilizada nos livros sobre o conceito do perl de velocidade para um uido escoando por uma placa plana. A abordagem feita atraves da expans~ao do perl de velocidade em torno da camada limite, utilizando a serie de Taylor, torna mais clara ao aluno, permitindo que o mesmo avalie a validade da soluc~ao obtida em termos da ordem considerada. Termos de terceira ordem ou superior cam indeterminadas. Para termos de segunda ordem, a soluc~ao e exata. A escolha de func~oes polinomiais para o perl de velocidade n~ao permite que se tenha uma ideia clara da relac~ao dos coecientes em termos das condic~oes de contorno, alem do que n~ao imp~oe uma restric~ao sobre a validade deste tratamento, induzindo o estudante a crer que e valido para camadas limites de qualquer tamanho. Agradecimentos Os autores agradecem o apoio nanceiro da FA- PESP. Um dos autores (AEAA) agradece ao prof. Marcos Shoiti pela confecc~ao dos desenhos e leitura do artigo. References [1] L. Prandtl, L., Uber Flussigkeitsbewengung bei sehr kleiner Reibung, Verhandl. des III Intern. Math.-Kongr., Heidelberg, 1904. [2] Rui Carlos Camargo Vieira, Atlas de Mec^anica dos Fluidos, p. 109, Editora Edgard Bl ucher Ltda. 1971. [3] Willian S. Janna, Introduction to Fluid Mechanics, third Ed., International Thomson Publishing, p. 697, 1993. [4] Ennio Cruz da Costa, Mec^anica dos Fluidos, Editora Globo, 1973. [5] Irving H. Shames, Mec^anica dos Fluidos, Editora Edgard Blucher Ltda,Volume I e II, 1973. Traduc~ao Mauro O.C. Amorelli. [6] Dayr Schiozer, Mec^anica dos Fluidos, Editora Argentina,1990. [7] Victor L. Streeter e E. Benjamin Wyllie, Mec^anica dos Fluidos, Editora McGraw-Hill do Brasil Ltda, 1982. Traduc~ao de Milton Goncalves Sanches.