PROTOCOLO HÉRNIA DO ESPORTE HÉRNIA DO ESPORTE: entidade clínica caracterizada por dor crônica unilateral na região inguinal, sempre recorrente aos esforços da atividade esportiva, que alivia ao repouso, sem alterações estruturais que justifiquem os sintomas. INTRODUÇÃO Aproximadamente 5% das lesões originadas da prática esportiva em atletas estão relacionadas com a região inguinal. São escassas as referências na literatura relativas à incidência dessas entidades clínicas dolorosas. Entretanto a chamada “hérnia do esporte” tem sido encontrada em 50% dos atletas que tem dor inguinal com duração maior que 8 semanas. Tipicamente a dor terá início insidioso localizada unilateralmente sobre o canal inguinal e tendão conjunto. Às vezes o atleta poderá se queixar de irradiação da dor para a região do músculo adutor da coxa e testículos. Ela pode ser agravada por movimentos súbitos, tosse, espirro, e é resistente ao tratamento conservador. O termo pubalgia do atleta tem sido por alguns, utilizado e defendido como apropriado para esta entidade clínica, uma vez que na maioria dos casos uma hérnia verdadeira não é vista. No entanto, como a lateralização do sintoma é um elemento integrante do conceito desta síndrome, o termo mais usado tem sido “hérnia do esporte”. Refere-se a um espectro de lesões principalmente envolvendo o tendão conjunto, ligamento inguinal, fáscia transversalis, músculo oblíquo interno e aponeurose do oblíquo externo. É vigente a teoria que descreve o mecanismo para o desenvolvimento da hérnia do esporte como sendo o desequilíbrio entre a força dos músculos adutores da coxa e a relativa fraqueza dos músculos do abdome inferior. Isto leva à distensão ou ruptura de estruturas musculares do abdome inferior; inguinais e medianas, como a conexão dos músculos retos com o púbis. Os achados ao exame físico podem ser discretos, sem a presença de hérnia clinicamente detectável. A hérnia inguinal completamente formada apresentaria saco peritoneal e conteúdo abdominal causando abaulamento, como na figura 1. O paciente com hérnia do esporte, no entanto, pode perceber apenas sensibilidade e desconforto doloroso, na região do Trígono de Hesselbach (área 1 Fig.2) Adicionalmente, poderá estar presente uma dilatação do anel inguinal superficial perceptível ao toque do canal inguinal, e sensibilidade que piora com o ato de sentar sob resistência à partir do decúbito dorsal. Em um trabalho que comparou achados clínicos, os pacientes tiveram mais dor inguinal durante adução sob resistência (88%) do que um púbis com sensibilidade (22%) (9). Figura 1. Figura 2. A dificuldade em fazer o diagnóstico corretamente pode ser complexa uma vez que mais de 27% destes atletas tem múltiplas patologias, e os exames de imagem podem mostrar achados com patologias sobrepostas. Daí passa a ser importante saber a frequência de achados puramente ocasionais e assintomáticos (por exemplo: dor inguinal crônica com hérnia pequena detectada na ultrasonografia aliada a alterações inflamatórias da sínfise púbica na Ressonância Nuclear Magnética). Ao primeiro contato com o paciente julgamos importante ter em mente que três estruturas da região inguinal podem estar alteradas de forma isolada ou concomitante: estruturas músculo-aponeuróticas do canal inguinal, sínfise púbica e músculos adutores da coxa. Exames de imagem, como radiografias pélvicas, podem auxiliar descartando outras patologias. Ultrassonografia abdominal e dos planos musculares da região inguinal são fundamentais na avaliação, bem como RNM do púbis e pelve. A ultrassonografia tem sua acurácia debatida por ser excessivamente dependente do examinador, e considerando este fato ela deverá ser feita por ultrassonografista habitual nesta área anatômica. Várias teorias existem para justificar este tipo de dor crônica, a maioria delas entende como uma síndrome de sobre-uso. Movimentos da coxa como adução, abdução, flexão, extensão, com resultante movimento pélvico produz cruzamento de forças através da sínfise púbica, levando ao estresse da musculatura da parede inguinal perpendicular às fibras das fáscias e músculos. A tração do adutor da coxa contra uma extremidade inferior fixa (exemplo: chute em futebol) pode causar uma força de cruzamento (tesoura) significativa através da hemipelve. Subseqüente enfraquecimento ou ruptura da fáscia transversalis ou tendão conjunto tem sido sugerida como fonte da dor. Outros estudos têm relatado anormalidades na inserção do músculo reto do abdome junto ao púbis ou avulsão de parte das fibras do músculo obliquo interno junto ao tubérculo púbico. Como resultado de achados operatórios, Lacroix et al. acreditam em anormalidades anatômicas no músculo oblíquo externo e sua aponeurose (1). Um estudo de anatomia aplicado em pacientes com hérnia do esporte sugeriu que o aprisionamento de ramos do nervo ílio-inguinal ou ramo genital do gênito-femoral pode ser a fonte da dor (3). Gilmore (2) publicou um trabalho descrevendo desestruturações no canal inguinal caracterizadas por três achados operatórios: 1) ruptura da aponeurose do músculo oblíquo externo causando dilatação do anel inguinal superficial; 2) ruptura no tendão conjunto; 3) deiscência entre um tendão conjunto e o ligamento inguinal (parede posterior sem cobertura muscular adequada). Gilmore atendeu 7008 casos de dor inguinal crônica entre 1980 e 2007. Foram selecionados para cirurgia 4083 pacientes. A maioria das abordagens cirúrgicas são variações das padronizadas técnicas de reparo das hérnias inguinais (2). O tratamento conservador é ocasionalmente efetivo para estas lesões inguinais, mas podem resultar em demorada alternância de medidas gerais que retardam excessivamente um resultado cirúrgico possivelmente rápido. A cirurgia pode ser considerada se os resultados do tratamento conservador falharem em 6 a 8 semanas, a história e o exame físico forem típicos, e particularmente se o paciente for um atleta de alto nível. Kemp e Batt (10) sugerem que o período de recuperação pós-operatória para atingir o retorno completo às atividades esportivas de rotina seja de 6 a 8 semanas, após aplicação gradativa do programa de reabilitação. Durante esta fase qualquer instrumento de reabilitação deve evitar movimentos súbitos e agudos. Qualquer falta de flexibilidade músculo-esquelética ou fraqueza deve ser abordada com ênfase em movimento ao invés de força; correção de postura, deambulação, adução isométrica e exercícios abdominais fracos. Este programa deve ser iniciado gradualmente na primeira semana de pósoperatório, e progredir para atividade completa e intensa. POPULAÇÃO ALVO: pacientes com dor crônica unilateral na região inguinal, sempre recorrente aos esforços, que alivia ao repouso, sem abaulamento herniário visível ou palpável. MANIFESTAÇÃO CLÍNICA • Início insidioso • Unilateral • Relacionada à atividade física • Dor profunda • Reduz com repouso ACHADOS AO EXAME FÍSICO • Sem hérnia detectável • Sensibilidade na compressão inguinal * • Dilatação do anel inguinal externo • Sinal do anel inguinal interno ** (*) Acima do nível do ligamento inguinal; as dores abaixo desta referência e na raiz da coxa deverão relacionar-se mais com distensão ou ruptura dos tendões adutores da coxa. (**) O sinal do anel inguinal interno se caracteriza por dor ao toque da região onde se localiza esta estrutura, a meio caminho entre a crista ilíaca ânterosuperior e o tubérculo púbico, uma polpa digital acima do ligamento inguinal. Examina-se com o paciente em pé e o examinador sentado, palpando-se a crista ilíaca ântero-superior e com o primeiro quirodáctilo comprimindo a parede abdominal muscular no ponto indicado, como mostram as figuras 2,3 e 4. Figuras 2, 3 e 4. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS * # osteíte do púbis # bursite # síndrome de estresse # osteoartrite # anormalidades da coluna lombar # neuropatias de compressão (*) não incluídas as síndromes de início agudo EXAMES Ecografia da região inguinal – planos musculares Radiografia simples da pelve Ressonância Nuclear Magnética da Hérnias completas, incompleta, lipomas, e assimetrias entre os lados Fraturas, calcificações, artroses Pubeíte, rupturas de m. adutores, pelve bursites FLUXO PRÉ-OPERATÓRIO É fundamental que para indicar o tratamento cirúrgico para hérnia do esporte haja a integração de decisões dos dois especialistas: o traumatologista (médico do esporte) e o cirurgião de hérnias. Durante o fluxo pré-operatório transcorrido pelo paciente, o ortopedista tem papel fundamental, pois a exclusão ou inclusão de diagnósticos concomitantes orientará o tratamento. Teremos pacientes com diagnósticos sobrepostos ou únicos, e a expectativa de resultado positivo poderá depender deste complexo comprometimento ósteo-articular-muscular prévio à cirurgia. INDICAÇÃO CIRÚRGICA • RECIDIVA SINTOMÁTICA APÓS TRATAMENTO CONSERVADOR (>8 SEMANAS) – PARA CASOS TÍPICOS. • EM CONJUNTO COM CIRURGIA PARA PROCESSO INFLAMATÓRIO DO PÚBIS E LIBERAÇÃO DE TENDÕES ADUTORES DA COXA – PARA CASOS ATÍPICOS COM SINTOMATOLOGIA MISTA. • QUANDO APRESENTA HÉRNIA INGUINAL DETECTADA NA ECOGRAFIA E/OU NO EXAME FÍSICO. REPARO DA REGIÃO INGUINAL – TÉCNICA HMI (Hernioplastia por miniincisão) O nosso serviço padronizou a técnica HMI para tratamento cirúrgico de hérnia do esporte. Consta da utilização de tela tridimensional (Fig.5), inserida através de inguinotomia de 4 cm feita com anestesia local + sedação. Após dissecção das estruturas do canal inguinal e identificação das alterações anatômicas do caso, procedemos à abertura da parede posterior, medialmente aos vasos epigástricos inferiores. A tela tridimensional é então inserida e aberta na região pré-peritoneal, cobrindo internamente o anel miopectíneo de Fruchaud (Fig.6). A parte anterior da tela cobre o assoalho inguinal, fixada no ligamento inguinal e sobreposta à face anterior do músculo oblíquo interno e tendão conjunto, gerando mais estabilidade a estas estruturas músculo-tendinosas. O fechamento da aponeurose do oblíquo externo encerra o procedimento (Fig. 7, 8, 9,10). Figura 5 Figura 6 SEQUENCIA CIRÚRGICA Figuras 7, 8, 9,10. Posicionamento final da tela (Fig.11,12) Figura 11. Posicionamento final anterior. Figura 12. Posicionamento final posterior. PROGRAMA DE REABILITAÇÃO PLANEJAMENTO PARA REINÍCIO ÀS ATIVIDADES FÍSICAS: • 1° semana pós-procedimento – Período de repouso, o paciente poderá iniciar uma caminhada leve dentro de casa. • 7° ao 14° dia pós-procedimento – Serão realizados exercícios que desenvolvam consciência corporal, mobilizações articulares (com cuidados de articulações que possuam limitações, como hérnia de disco, desgaste de articulação do quadril, ombro...), exercícios respiratórios específicos, reforço muscular global e alongamentos de membros inferiores e superiores, além de exercícios aeróbicos em bicicleta vertical, elíptico e esteira. • 14° dia pós-procedimento - O treinamento nesta etapa começa a se especializar visando a um aumento do condicionamento físico e muscular. O paciente poderá realizar exercícios dentro ou fora da água. Em ambos os meios serão realizados exercícios de fortalecimento muscular de membros superiores, inferiores, alongamentos e exercícios aeróbicos. • 30° dia pós-procedimento – nesta fase o paciente estará liberado para realizar qualquer tipo de exercício físico, dentro ou fora da água, que tenham com o objetivo desenvolver o condicionamento físico e aeróbico, sob supervisão do fisioterapeuta e educador físico. • 60 dias pós-procedimento - Será indicado que o paciente continue praticando exercícios, agora no nível competitivo, com objetivo de tornar o condicionamento físico superior ao surgimento da hérnia. • Poderão ocorrer variações na transição de uma etapa para outra, dependendo de características individuais a serem analisadas pelo fisioterapeuta e educador físico. REFERÊNCIAS 1. Lacroix VJ, Kinnear DG, Mulder DS, Brown RA. Clin J Sport Med. 1998 Jan;8(1):5-9.Lower abdominal pain syndrome in national hockey league players: a report of 11 cases. 2. Brannigan AE, Kerin MJ, McEntee GP. J Orthop Sports Phys Ther. 2000 Jun;30(6):329-32.Gilmore's groin repair in athletes. 3. Zoga AC, Kavanagh EC, Omar IM, Morrison WB, Koulouris G, Lopez H, Chaabra A, Domesek J, Meyers WC. Radiology. 2008 Jun;247(3):797-807. Athletic pubalgia and the "sports hernia": MR imaging findings.. 4. Hackney RG. Br J Sports Med. 1993 Mar;27(1):58-62. The sports hernia: a cause of chronic groin pain. 5. Malycha P, Lovell G.Aust N Z J Surg. 1992 Feb;62(2):123-5.Inguinal surgery in athletes with chronic groin pain: the 'sportsman's' hernia. 6. Joesting DR. Curr Sports Med Rep. 2002 Apr;1(2):121-4. Diagnosis and treatment of sportsman's hernia. 7. Joesting DR. Curr Sports Med Rep. 2002 Apr;1(2):121-4. Diagnosis and treatment of sportsman's hernia.. 8. Fon LJ, Spence RABr J Surg. 2000 May;87(5):545-52. Sportsman's hernia.. 9. Farber AJ, Wilckens JHJ Am Acad Orthop Surg 2007 Aug;15(8):507-14. Sports hernia: diagnosis and therapeutic approach.. 10. Kemp S, Batt ME. Phys Sportsmed 1998 . 26:36-44. The sports hernia: a common cause of groin pain.