GANEP
GIOVANNI ZENEDIN TARGA
TERAPIA NUTRICIONAL NO TRATAMENTO DA FÍSTULA PANCREÁTICA PÓSPANCREATECTOMIA POR CÂNCER DE PÂNCREAS
CURITIBA
2010
GIOVANNI ZENEDIN TARGA
TERAPIA NUTRICIONAL NO TRATAMENTO DA FÍSTULA PANCREÁTICA PÓSPANCREATECTOMIA POR CÂNCER DE PÂNCREAS
Monografia
apresentada
como
conclusão do Curso Ganep de
Especialização
em
Terapia
Nutricional no formato pós-graduação
lato sensu.
Orientador: Prof. Doutor Dan Linetzky
Waitzberg
CURITIBA
2010
RESUMO
A fístula pancreática ocorre em mais de 15% das cirurgias de pancreatoduodenectomia no tratamento
cirúrgico do câncer de pâncreas. A esta complicação está relacionada uma alta morbidade e
mortalidade. O seu tratamento ainda permanece um desafio apesar dos avanços da medicina sendo
o tratamento conservador a melhor opção terapêutica existente no manejo da fístula pancreática.
Neste contexto, a terapia nutricional desempenha um papel chave não servindo apenas como fonte
calórica aos pacientes, mas efetivamente tendo um papel importante no fechamento espontâneo das
fístulas pancreáticas. A nutrição enteral mostra-se superior que a nutrição parenteral na redução da
secreção das fístulas pancreáticas e o uso de análogos da somatostatina ainda permanece
controverso.
Palavras-chave: Fístula Pancreática. Nutrição. Câncer de Pâncreas.
ABSTRACT
Pancreatic fistula occurs in more than 15% of pancreaticoduodenectomy surgeries in the treatment of
pancreatic cancer. A complication that is associated with high morbidity and mortality. Its treatment
remains a challenge despite advances in medicine and conservative treatment is the best treatment
option exists in the management of pancreatic fistula. In this context, the nutritional therapy plays a
key role not only serving as an energy source for patients, but actually having a role in spontaneous
closure of pancreatic fistulas. Enteral nutrition it is superior to parenteral nutrition in reducing the
secretion of pancreatic fistulas and the use of somatostatin analogues remains controversial.
Keywords: Pancreati Fistula. Nutrition. Pancreatic Cancer.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 4
2 PERÍODO PRÉ-OPERATÓRIO ............................................................................... 6
3 O QUE É UMA COMPLICAÇÃO CIRÚRGICA? ...................................................... 8
4 DEFINIÇÃO DE FÍSTULA PANCREÁTICA............................................................. 9
5 FÍSTULAS PANCREÁTICAS PÓS-PANCREATICODUODENECTOMIA............. 12
6 FATORES DE RISCO ............................................................................................ 13
6.1 CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS GERAIS ........................................................... 13
6.2 PARÂMETROS INDICATIVOS DO ESTADO DO PÂNCREAS .......................... 14
6.3 FATORES RELACIONADOS À CIRURGIA ........................................................ 15
7 DIAGNÓSTICO ...................................................................................................... 17
8 TRATAMENTO ...................................................................................................... 18
8.1 TRATAMENTO CONSERVADOR....................................................................... 18
8.2 USO DE DRENO ................................................................................................. 18
9 TRATAMENTO NUTRICIONAL ............................................................................. 20
9.1 ASPECTOS RELACIONADOS À NUTRIÇÃO PARENTERAL E FÍSTULA
PANCREÁTICA ......................................................................................................... 21
9.2 USO DE SOMATOSTATINA E ANÁLOGOS....................................................... 23
10 TRATAMENTO CIRÚRGICO ............................................................................... 26
10.1 MORTALIDADE ................................................................................................ 26
10.2 SOBREVIDA ..................................................................................................... 27
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 29
REFERENCIAS ......................................................................................................... 30
4
1 INTRODUÇÃO
A adequada terapêutica nutricional é um elemento básico para o sucesso da
cirurgia oncológica.
A desnutrição nos pacientes portadores de neoplasia maligna resulta de
eventos multifatoriais que em conjunto causam uma alteração significativa da
qualidade de vida e também uma redução importante da sobrevida. A desnutrição
determina ao paciente oncológico um risco aumentado de complicações e de morte
durante o tratamento de quimioterapia, radioterapia ou cirurgia. (NITENBERG;
RAYNARD, 2000, p. 137-168)
Para se obterem os melhores resultados do tratamento e sobrevida é
importante que todo paciente com diagnóstico de câncer seja submetido a uma
avaliação nutricional seguida por aconselhamento nutricional.
Esta etapa visa à orientação do suporte nutricional do paciente oncológico e
também alertar o médico sobre a necessidade de medidas mais invasivas de terapia
nutricional como a via enteral ou parenteral de alimentação sempre tendo por
objetivo final a interrupção ou reversão do processo de desnutrição do paciente
oncológico.
A desnutrição é uma situação nutricional extremamente prevalente nos
pacientes portadores de doenças malignas. Os principais fatores determinantes são
a redução na ingestão total de alimentos, as alterações metabólicas provocada pelo
tumor e o aumento da demanda calórica pelo crescimento do tumor. (BARRERA,
2002, p. 563-571)
A desnutrição é prevalente não somente naqueles que se encontram dentro
de unidades hospitalares, mas também aqueles que estão realizando seus
tratamentos ambulatorialmente. Bozzetti (2009, p. 279-284) demonstrou taxas de
perda de peso superior a 10% em 39,7% dos pacientes oncológicos ambulatoriais e
um risco nutricional maior que três em 33,8% dos pacientes. Também observou
maiores taxas de perda de peso nos pacientes com tumores do trato gastrointestinal
alto, baixo performance status e estágios avançados da neoplasia.
A desnutrição no período pós-operatório do paciente submetido a qualquer
tipo de cirurgia, em especial a cirurgia oncológica, dificulta o processo de
cicatrização tecidual aumentando as taxas de deiscência de sutura e fístulas 1,4.
5
Causando um aumento das taxas de complicações cirúrgicas dos pacientes
portadores de neoplasias malignas.
Nas últimas décadas, a terapia nutricional passou a ter um papel importante
no tratamento de complicações cirúrgicas. Devido às características nutricionais do
paciente oncológico, o uso desta forma de terapêutica parece ter um papel ainda
mais fundamental no tratamento destas complicações. E explorar o assunto trará
informações fundamentais para prática clínica deste tipo de intervenção cirúrgica.
6
2 PERÍODO PRÉ-OPERATÓRIO
A avaliação do estado nutricional dos pacientes cirúrgicos deve ser uma
prioridade no plano de tratamento estabelecido para os pacientes. Tem por objetivo
auxiliar na determinação do risco cirúrgico, na seleção dos pacientes candidatos ao
suporte nutricional pré-operatório, na seleção dos pacientes que necessitarão de
suporte nutricional no pós-operatório, na escolha da forma de intervenção nutricional
e na identificação dos pacientes desnutridos.
A utilização da terapia nutricional no período pré-operatório de cirurgias
oncológicas de grande porte tem por finalidade a prevenção da morbidade e
mortalidade relacionada ao procedimento cirúrgico a ser realizado.
Para que ocorra uma redução significativa da morbidade pós-operatória é
necessário que a ingestão protéico-calórica seja suficiente para atender as
necessidades calóricas do paciente na fase antes e após a cirurgia até o momento
que o mesmo torne-se autônomo do ponto de vista nutricional.
Muita controversa existe sobre o tema de intervenção nutricional na fase préoperatória e as seguintes dúvidas devem ser esclarecidas:
•
qual tipo de paciente é indicado à terapia nutricional no período préoperatório?
•
qual é a melhor forma de terapia nutricional (enteral ou parenteral) na fase
pré-operatória?
Em 1997, um consenso entre as seguintes entidades norte-americanas – National
Institute of Health, American Society for Parenteral and Enteral Nutrition,
American Society for Clinical Nutrition – recomendaram o uso de nutrição
parenteral por um período de 7-10 dias na fase pré-operatória em pacientes
severamente desnutridos e com neoplasias malignas do trato digestório. Seguido
por uma continuidade do tratamento por mais cinco dias após a cirurgia. Esta
intervenção nutricional determinaria uma diminuição de 10% na taxa de
complicações pós-operatórias. (KLEIN et al., 1997, p. 683-706) Redução
considerada expressiva em um tipo de cirurgia com alta morbidade.
No entanto, em recente publicação da American Society for Parenteral &
Enteral Nutrition August e Maureen (2009, p. 472) demonstraram o benefício na
morbidade e da mortalidade com o uso de nutrição parenteral no pré-operatório em
7
pacientes com desnutrição severa ou moderada e câncer. (BRAGA et al., 1999, p.
428-433)
Com relação ao uso da terapia nutricional enteral no período pré-operatório
de cirurgia oncológica de grande porte não foi encontrado evidências significativas
que justifiquem seu uso de rotina. (JPEN, 2009, p. 472)
Bons resultados na redução de complicações pós-operatórias foram
demonstrados por Braga et al. (1999, p. 428-433) com a utilização de formulações
imunomoduladoras, ou seja, formulações ricas em arginina, ribonucleotídeos e n-3
ácidos graxos. O autor recomenda o uso sete dias antes e após a cirurgia para
tratamento do adenocarcinoma de pâncreas, estômago e colorretal com significativa
redução da morbidade pós-operatória nestas cirurgias.
Em uma revisão mais completa Waitzberg et al. (2006, p. 1592-1604)
encontrou resultados significativos com a utilização de suplementação oral
imunomoduladora na fase pré-operatória. Observou-se uma redução de 39% a 61%
na taxa de complicação infecciosa pós-operatória, uma redução significativa do
tempo de internação hospitalar e uma redução de 46% na taxa de fístula
anastomótica em pacientes submetidos a cirurgias eletivas do trato gastrointestinal.
Sugerindo fortemente a utilização deste tipo de intervenção nutricional como
tratamento profilático de complicações pós-operatórias. (WAITZBERG et al., 2006, p.
1592-1604)
Com certeza a intervenção nutricional na fase pré-operatória merece mais
estudos randomizados para se chegar a conclusões importantes sobre este assunto.
8
3 O QUE É UMA COMPLICAÇÃO CIRÚRGICA?
Para uma melhor compreensão do tema proposto é importante a definição do
que é uma complicação cirúrgica.
Atualmente ainda se depara com uma ausência de uma definição única sobre
o que é complicação cirúrgica e também uma ausência de um sistema de
classificação das complicações cirúrgicas. (CLAVIEN et al., 2009, p. 187-196)
Dindo e Clavien (2008, p. 939-941) propuseram uma definição de
complicação cirúrgica que consiste em qualquer desvio de uma evolução pósoperatória ideal. Nesta situação, nenhum achado patológico pode ser encontrado na
fase pós-operatória e qualquer desvio desta evolução constitui uma complicação
cirúrgica. (DINDO; CLAVIEN, 2008, p. 939-941)
Outros autores como Sokol e Wilson (2008, p. 942-944) propuseram outras
formas de definição de complicação, no entanto críticas foram realizadas e a
definição proposta acabou por não ser amplamente utilizada. (SOKOL; WILSON,
2008, p. 942-944)
9
4 DEFINIÇÃO DE FÍSTULA PANCREÁTICA
Não existe uma definição de fístula pancreática universalmente aceita.
Enquanto alguns autores enfatizam mais o volume da drenagem e sua duração,
outros enfatizam principalmente a concentração de amilase no fluido. A falta de
padronização levou a publicação de trabalhos onde a incidência da fístula
pancreática varia de 10% a 29% dependendo da definição utilizada. (BASSI et al.,
2005, p. 8-13)
Com objetivo de unificação de uma definição, o International Study Group on
Pancreatic Fístula (ISGPF) criou uma definição e graduação da severidade da fístula
pancreática (tabela 1). (BASSI et al., 2005, p. 8-13) Esta definição tem por objetivo
uma padronização do relato da ocorrência da fístula pancreática pós-operatória.
TABELA 1 - CRITÉRIOS PARA GRADUAÇÃO DA FÍSTULA PANCREÁTICA DE
ACORDO COM O INTERNATIONAL STUDY GROUP OF PANCREATIC FISTULA
Critério
Sem fistula
Amilase do dreno
<
3
amylase
vezes
a
sérica
Fístula Grau A
Fístula Grau B
Fístula Grau C
> 3vezes a amilase
> 3vezes a amilase
> 3vezes a amilase
sérica normal
sérica normal
sérica normal
Bem
Indefinida
Doente/Aparente
normal
Condições
Bem
clínicas
mal
Tratamento
Não
Não
Sim
Sim
Ecografia/TAC
Negativa
Negativa
Negativa
Positiva
Drenagem
Não
Não
Geralmente
Sim
Sinais de infecção
Não
Não
Sim
Sim
Readmissão
Não
Não
Sim
Sim/Não
Septicemia
Não
Não
Não
Sim
Reoperação
Não
Não
Não
Sim
Morte relacionada
Não
Não
Não
Sim
específico
persistente
(>
3
sem)
hospitalar
a fístula
FONTE: Bassi et al. (2005, p. 8-13)
10
A fístula pancreática, conforme esquema desenvolvido pelo ISGPF é definida
como qualquer quantidade de drenagem de fluido proveniente de dreno colocado no
sítio cirúrgico e que ocorre no terceiro dia pós-operatório ou após este, no qual o
fluido apresenta um conteúdo de amilase três vezes superior ao nível da amilase
sérica normal. Pacientes que apresentam um conteúdo de amilase inferior a limite
normal não são considerados como portadores de fístula pancreática.
Está definição também separa em três categorias diferentes a fístula
pancreática baseado na severidade do impacto clínico da mesma durante a
evolução pós-operatória do paciente. No entanto, independente da classificação que
será utilizada vários autores concordam em relatar que o mais importante fator
prognóstico é o diagnóstico precoce da fístula pancreática associado ao início
imediato do tratamento.
Pacientes sem fístula. O grupo de pacientes sem fístula não apresentam
elevadas concentrações de amilase no fluido drenado e qualquer outra seqüela de
fístula. Tratamentos específicos para fístula pancreática não devem ser instaurados.
(BASSI et al., 2005, p. 8-13)
•
Fístulas grau A. Neste grupo, as fístulas são temporárias, assintomáticas,
evidenciadas somente pela elevada concentração de amilase no fluido
drenado. Conseqüências clínicas mais severas deste tipo de fístula
pancreática não são evidenciadas. Conseqüentemente, tratamentos não são
instaurados. Exames de imagem, quando realizados, não demonstram a
existência de coleções peripancreáticas. Não é necessário antibiótico,
suplementação nutricional, análogos de somatostatina, drenagem percutânea,
reoperação ou reinternação hospitalar. Normalmente são consideradas fístula
insignificantes. (BASSI et al., 2005, p. 8-13)
•
Fístula grau B. As fístulas grau B são fístulas sintomáticas, nas quais métodos
diagnósticos e terapêuticos devem ser instituídos. Pacientes podem relatar
dor abdominal, febre, náuseas, intolerância a alimentação oral. Exames de
imagem podem mostrar a presença de coleções peripancreáticas suspeitas.
Antibioticoterapia, suplementação nutricional e/ou drenagem percutânea são
indicados para controle e preservação de exarcebação das fístulas grau B. Os
drenos colocados no momento da cirurgia deverão permanecer até depois da
alta hospitalar sendo normalmente retirados após três semanas de
tratamento. (BASSI et al., 2005, p. 8-13)
11
•
Fístula grau C. As fístulas grau C são consideradas fístulas severas e
clinicamente significativas requerendo um tratamento mais intensivo. A
suplementação oral, antibióticos endovenosos, análogos da somatostatina
são indicados. A saída de secreção pelos drenos persiste por mais de três
semanas, enquanto que os exames de imagem demonstram uma piora do
local operado e/ou coleções intra-abdominais peripancreáticas.
Pacientes
portadores deste grau de fístula apresentam-se clinicamente doentes em
estado crítico ou instáveis e vulneráveis a septicemia, disfunção de órgãos e,
eventualmente, morte.
12
5 FÍSTULAS PANCREÁTICAS PÓS-PANCREATICODUODENECTOMIA
A pancreatoduodenectomia consiste na cirurgia de escolha para o tratamento
de neoplasias de cabeça de pâncreas e da região periampular. Com a evolução da
medicina observou-se uma redução da mortalidade após este tipo de cirurgia com
algumas séries mostrando taxas inferiores a 5% 11-13. No entanto, a morbidade
relacionada a esta cirurgia permanece extremamente alta com taxas observadas de
30%-50% 11,12 e com a ocorrência principal das seguintes complicações: fístula
pancreática, abscesso intra-abdominal e infecção cirúrgica.
A mais significante causa de morbidade após pancreatoduodenectomias é a
ocorrência da fístula pancreática. Taxas superiores a 15% são relatadas após este
tipo de cirurgia 11,12 apesar do alto volume de cirurgias de algumas instituições. A
ocorrência da fístula pancreática determina um aumento do tempo de internação
hospitalar, aumento significativo do custo do tratamento, necessidade de utilização
de procedimentos investigacionais e é potencialmente letal.
A fístula pancreática está associada com o acontecimento de outras
complicações,
como:
sangramento,
abscesso
intra-abdominal,
esvaziamento
gástrico lento e infecção cirúrgica. Diferentes técnicas cirúrgicas foram descritas com
o objetivo de reduzir a incidência da fístula pancreática, como: ligadura do ducto
pancreático, uso de cola de fibrina para fechamento do ducto e ao redor da
anastomose, oclusão do ducto com neoprene, uso de somatostatina para inibição da
secreção pancreática além de diferentes variações da técnica da anastomose
pancreático-jejunal. No entanto, nenhuma das diferentes propostas mostrou
significância estatística na redução da ocorrência da fístula pancreática. (ARANHA et
al., 2006, p. 561-569)
13
6 FATORES DE RISCO
Alguns fatores clínicos e cirúrgicos vêm sendo estudados na tentativa de
elucidação dos principais fatores de risco para a ocorrência da fístula pancreática.
Para melhor análise do assunto, dividiram-se os fatores de risco em três categorias:
•
características clínicas gerais;
•
parâmetros indicativos do estado do pâncreas;
•
fatores relacionados a cirurgia e manuseio pós-operatório.
6.1 CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS GERAIS
Segundo estudo clínico realizado por Okabayashi et al. (2007, p. 557-563)
fatores como idade, sexo, índice de massa corporal, tabagismo e etilismo não
configuram fatores de risco significativos para a ocorrência da fístula pancreática. Da
mesma maneira que a ocorrência de doenças concomitantes como hipertensão
arterial sistêmica, diabetes melito, doença cardiovascular, doença pulmonar e
presença de câncer em outros órgãos também não são considerados fatores de
risco para a sua ocorrência.
Acrescentando o estudo clínico de Okabayashi et al. (2007, p. 557-563) o
autor Yang et al. (2005, p. 2456-2461) também não encontrou como significativo
outros fatores clínicos como história de icterícia, estado nutricional do pacientes
analisado somente através da dosagem de albumina sérica, além dos fatores já
discutidos como idade e sexo.
O diagnóstico histológico da doença pancreática ou da doença na região
peripancreática influencia na incidência da fístula pancreática. As neoplasias císticas
benignas e a neoplasia ampular estão associadas com uma maior incidência da
fístula pancreática no pós-operatório, ambas com resultados significativos
demonstrados por Kazanjian et al. (2005, p. 849-855) Em contraste, o
adenocarcinoma de pâncreas está associado a menor incidência da fístula
pancreática. Provavelmente a causa para esta observação de menor incidência da
fístula em casos de adenocarcinoma de pâncreas, deva-se ao tamanho do ducto
pancreático e a consistência do parênquima pancreático.
14
A utilização de “stent” na via biliar antes da pancreatoduodenectomia não
apresenta consenso na prática clínica e também na sua relação com a ocorrência da
fístula pancreática. Sohn et al. (2000, p. 258-268) na sua revisão de 567 pacientes
submetidos a pancreatoduodenectomia entre 1994 e 1997 concluiu que a utilização
de “stent” biliar na fase pré-operatória aumenta o risco de fístula pancreática e
aumenta a taxa de infecção cirúrgica. Bassi et al. (2005, p. 8-13) demonstrou que o
uso de “stent” biliar em 47% dos seus casos, no entanto não observou associação
significativa entre a presença de “stent” biliar pré-operatório e fístula pancreática.
6.2 PARÂMETROS INDICATIVOS DO ESTADO DO PÂNCREAS
Baseado em Okabayashi et al. (2007, p. 557-563) e Yang et al. (2005, p.
2456-2461) o fator de risco mais significativo para ocorrência da fístula pancreática,
foi à ausência de textura fibrótica do parênquima pancreático restante após a
pancreatectomia. Portanto, os pacientes que não apresentam uma textura fibrótica
do pâncreas, identificada durante a cirurgia, tem um fator de risco significativo para
ocorrência da fístula pancreática no pós-operatório.
Esta característica do estado do parênquima pancreático também foi
demonstrado como fator de risco para a fístula pancreática em outros estudos
clínicos. (SUC et al., 2003, p. 57-65); (LIN et al., 2004, p. 951-959); (POPIELA et al.,
2004, p. 1484-1488) Acredita-se que isto se deve a capacidade do tecido
pancreático firme e fibrótico de permitir uma sutura mais segura na anastomose
pancreato-jejunal, enquanto que um parênquima pancreático amolecido e friável
dificultaria a realização de tal anastomose. Sugere-se também que o pâncreas
fibrótico também teria uma função exócrina limitada e conseqüentemente uma
menor predisposição a fístula.
Segundo Castro et al. (2005, p. 1117-1123) e Yang et al. (2005, p. 2456-2461)
o diâmetro do ducto pancreático consiste um fator importante e significativo para a
ocorrência da fístula pancreática pós-operatória. No qual, um diâmetro inferior a 3
mm do ducto pancreático principal consiste em um fator de risco significativo.
15
6.3 FATORES RELACIONADOS À CIRURGIA
Na análise univariada do estudo realizado por Okabayashi et al. (2007, p.
557-563) demonstrou-se que a perda sanguínea intra-operatória superior a 825 ml, a
alimentação enteral precoce (primeiro dia do pós-operatório) e a amilase sérica
superior a 195 UI/l constituíam fatores de risco significativos para a ocorrência da
fístula pancreática. Não foram demonstrados resultados expressivos com as
seguintes variáveis: pancreatoduodenectomia com técnica de preservação do piloro,
tempo cirúrgico, transfusão intra-operatória, radioterapia intra-operatória, tempo de
internação hospitalar, uso de octreotide no pós-operatório.
Após a análise multivariada do mesmo estudo, Okabayashi et al. (2007, p.
557-563) considerou como fatores de risco significativos para a ocorrência da fístula
pancreática a ausência de textura fibrótica do pâncreas, amilase sérica superior a
195 UI/l e manuseio pós-operatório com uso de alimentação enteral precoce. A
estimativa de perda sanguínea não foi considerada como um fator de risco
significativo.
O manuseio cirúrgico do tecido pancreático remanescente após a
pancreatoduodenectomia parece ser o ponto-chave para a ocorrência da fístula
pancreática. Várias técnicas de reconstrução foram desenvolvidas para diminuir a
ocorrência
da
fístula
pancreática
como
a
anastomose
ducto-mucosa
da
pancreatojejunostomia, invaginação da pancreatojejunostomia, uso de stent
transasnastomótico e outras modificações da técnica clássica.
Poon et al. (2002, p. 42-52) demonstrou que a anastomose ducto-mucosa é
mais segura que a invaginação quando se analisa a ocorrência da fístula
pancreática. Os mesmos dados foram reafirmados com o estudo de Veillette et al.
(2008, p. 476-481) que demonstrou maior taxa de fístula pancreática na anastomose
término-terminal com invaginação do pâncreas quando comparada a anastomose
término-lateral mucosa-mucosa.
Marcus, Cohen e Ranson (1995, p. 635-648) demonstraram que a
anastomose ducto-mucosa está associada à baixa taxa de fístula pancreática em
pacientes de baixo risco que foram classificados como tendo um ducto pancreático
com diâmetro superior a 3 mm e parênquima pancreático fibrótico, enquanto que a
técnica de invaginação é mais segura para ducto com diâmetro inferior a 3 mm e
parênquima pancreático amolecido e friável.
16
Kazanjian et al. (2005, p. 849-855) em estudo retrospectivo de 437 casos
consecutivos de pancreatoduodenectomia, não encontrou relação significativa entre
a fístula pancreática e a técnica cirúrgica da pancreatoduodenectomia com
preservação do piloro ou a técnica clássica. Como já citado anteriormente, também
não mostrou relação entre a ocorrência à fístula pancreática e a quantidade da
perda sanguínea intra-operatória ou o tempo cirúrgico da pancreatoduodenectomia.
Segundo Munoz-Bongrand et al. (2004, p. 198-203) a técnica de reconstrução
ideal é a pancreatogastrostomia onde refere um taxa de fístula pancreática de 12%,
ou seja, semelhante as maiores séries com uso da reconstrução pancreatojejunal.
Relata como vantagem desta técnica cirúrgica a possibilidade de aspiração através
de sonda nasogástrica, reduzindo as conseqüências da fístula pancreática e
menores taxas de re-operação e mortalidade.
17
7 DIAGNÓSTICO
A suspeita de fístula pancreática deve surgir em todo paciente que apresenta
um desvio da evolução normal no pós-operatório de uma cirurgia pancreática de
grande porte. Isto pode ser manifestado por um desconforto no abdome superior
(freqüentemente associado a febre), leucocitose, taquicardia crescente ou
simplesmente uma sensação de não estar sentindo-se bem após uma aparente
recuperação normal pós-operatória. Acrescido a estes fatores, está à ocorrência de
drenagem persistente de fluido com alta concentração de amilase, alteração da
coloração da drenagem ou infecção da ferida cirúrgica ou hemorragia.
Na presença da suspeita de fístula pancreática, um exame de tomografia
computadorizada deverá ser realizado para investigação de coleções intraabdominais. Caso o resultado deste exame de imagem confirma a presença de
coleções, fora do trajeto de drenos de sucção colocados durante a cirurgia, deverá
ser realizado, se possível, drenagem percutânea destas coleções ou re-operação
com cirurgia aberta.
18
8 TRATAMENTO
A ocorrência da fístula pancreática determina um aumento da morbidade
relacionada a pancreatoduodenectomia. É de grande importância o início precoce do
tratamento, uma vez realizado o diagnóstico da fístula pancreática.
8.1 TRATAMENTO CONSERVADOR
É consenso hoje que a intervenção cirúrgica precoce apresenta resultados
ruins nos casos de fístulas pancreáticas após pancreatoduodenectomia. O
tratamento conservador apropriado tem um índice de sucesso superior a 90%.
(MUNOZ-BONGRAND et al., 2004, p. 198-203) Para os pacientes com poucas
repercussões sistêmicas da fístula pancreática, ou seja, para os pacientes que não
apresentam febre, taquicardia, leucocitose, infecção severa da ferida cirúrgica e
abdome sem sinais de peritonite, são indicados o tratamento com medidas
conservadoras. Estas medidas incluem cobertura antibiótica apropriada, terapia
nutricional adequada e repouso pancreático.
Um aspecto importante para o sucesso do tratamento conservador da fístula
pancreática é o seu rápido diagnóstico quando da sua ocorrência e a utilização de
técnicas de drenagem percutânea de coleções intra-abdominais que pode chegar a
um terço dos casos.
8.2 USO DE DRENO
Para o tratamento da fístula pancreática, quando da sua ocorrência, é
necessário que durante o trans-operatório, o cirurgião coloque um dreno fechado de
sucção contínua em posição anterior a anastomose pancreato-jejunal e outro dreno
em posição postero-lateral a anastomose jejuno-biliar. O dreno biliar poderá ser
retirado no 4º dia pós-operatório quando o trânsito intestinal retornar ao normal e o
paciente receber alimentação oral. O dreno pancreático deverá ser retirado quando
o paciente estiver recebendo uma dieta oral regular e o fluido drenado não
apresentar características de fístula pancreática. (KAZANJIAN et al., 2005, p. 849855)
19
A presença de drenagem com volumes altos não são por si só diagnósticas
de fístula pancreáticas. É necessária a confirmação através do envio do material
drenagem para determinação da amilase. Na ocorrência da fístula pancreática, o
paciente poderá ser tratado ambulatorialmente caso esteja alimentando-se bem e
sem sinais de septicemia. Na presença de febre ou leucocitose, um exame de
tomografia computadorizada deverá ser realizado para investigação de coleções
intra-abdominais. Na presença de coleções, o método ideal de drenagem é a via
percutânea guiada por exame de imagem. Kazanjian et al. (2005, p. 849-855) relata
tratamento conservador em 95% (n=55) dos seus casos de fístula pancreática com
tratamento ambulatorial na maior parte deles e em somente quatro casos sendo
necessária drenagem guiada por imagem.
A ocorrência da fístula pancreática determina uma maior incidência de outras
complicações pós-operatórias como demonstrado por Kazanjian et al. (2005, p. 849855)
Entre
as
complicações
mais
freqüentes
da
cirurgia
de
pancreatoduodenectomia, cita-se o esvaziamento gástrico lento, a infecção cirúrgica
e o abscesso intra-abdominal com necessidade de drenagem. Na presença da
fístula pancreática, além das complicações relatadas anteriormente, existe também
uma maior incidência de fístula biliar, septicemia, estenose da anastomose biliar e
maior taxa de re-operação.
20
9 TRATAMENTO NUTRICIONAL
Em pacientes com diagnóstico de fístula pancreática, os esforços da equipe
assistencial devem ser realizados com o objetivo de proporcionar um aporte
nutricional adequado ao paciente com diagnóstico desta complicação, sem que
ocorra uma estimulação da secreção exócrina do pâncreas.
A terapia nutricional apresenta sua importância sustentada em dois aspectos
principais. Primeiro, a terapia nutricional auxilia a compensar o dano nutricional
resultante da diminuição da chegada de secreções pancreáticas ao intestino.
Segundo, auxilia na diminuição do volume da fístula pancreática. (VOSS; PAPPAS,
2002, p. 345-353)
Estudos experimentais recentes e achados clínicos sobre a mobilidade e
funcionamento do intestino delgado e também o aparecimento de novas dietas
deram suporte para o uso de nutrição enteral na fase pós-operatória precoce. No
entanto, ao administrar-se a nutrição enteral para um paciente com diagnóstico de
fístula pancreática pode surgir dois questionamentos principais:
•
A secreção exócrina do pâncreas vai sofrer influência da administração da
nutrição enteral no intestino delgado?
•
A nutrição parenteral pode ser substituída pela mais fisiológica e barata
nutrição enteral? (KLEIN et al., 1997, p. 683-706)
Desde que a função exócrina do pâncreas resulta da atividade do nervo vago
e da liberação de hormônios gastrointestinais em resposta a chegada do alimento,
provavelmente não ocorre um aumento da secreção exócrina do pâncreas com a
administração da dieta enteral diretamente no jejuno após o ângulo de Treitz. (QIN et
al., 2003, p. 2270-2273) A nutrição enteral após a segunda alça jejunal apresenta-se
igualmente efetiva, em comparação com a nutrição parenteral, na redução do débito
da fístula pancreática. (VOSS; PAPPAS, 2002, p. 345-353)
Qin et al. (2003, p. 2270-2273) comparou aspectos relacionados à fístula
pancreática (quantidade de secreção da fístula pancreática, amilase e proteína) em
pacientes alimentados através de nutrição enteral ou nutrição parenteral. Nos
pacientes que receberam nutrição enteral foi encontrado uma quantidade
discretamente maior de secreção pancreática, amilase e proteína na primeira
semana de tratamento, porém sem importância estatística (p>0,05). No entanto,
21
resultados significativos foram encontrados na segunda semana de tratamento com
nutrição enteral, na qual observou-se redução significativa dos níveis de secreção
pancreática, amilase e proteína nos pacientes com nutrição enteral ao comparar-se
aos pacientes que receberam nutrição parenteral.
Na teoria, a redução da drenagem da fístula pancreática deve aumentar as
chances de fechamento espontâneo da mesma.
Portanto, a nutrição enteral é a via nutricional de escolha no paciente com
fístula pancreática e somente naqueles pacientes que não conseguem atingir as
necessidades nutricionais alvo devem iniciar o suporte nutricional por via parenteral.
A presença de situações em que o intestino não esteja adequadamente funcionando
ou em que a tolerância à nutrição enteral esteja dificultada como íleo prolongado,
síndrome compartimental abdominal e fístula pancreática complexa, a nutrição
parenteral deverá ser iniciada. (GIANOTTI et al., 2009, p. 428-435)
9.1 ASPECTOS RELACIONADOS À NUTRIÇÃO PARENTERAL E FÍSTULA
PANCREÁTICA
A nutrição parenteral total como forma de proporcionar repouso intestinal e
pancreático tem sido proposta como terapia auxiliar no tratamento da fístula
pancreática permitindo o descanso do pâncreas e o fornecimento das necessidades
calóricas diárias do paciente. Em vários estudos animais, ficou comprovado que o
uso de nutrição parenteral total reduz a atividade pancreática manifestada pela
redução do volume de secreção pancreática e pela redução do seu conteúdo
enzimático. No entanto, a utilização da nutrição parenteral não demonstrou efeitos
adversos ou benéficos no curso da fístula pancreática em humanos desempenhando
apenas a função de fornecimento das necessidades nutricionais. (QIN et al., 2003, p.
2270-2273)
A utilização de formulação parenteral lipídica em pacientes com fístula
pancreática permanece controversa apesar de evidências demonstrarem não serem
prejudiciais.
Qin et al. (2003, p. 2270-2273) demonstrou que a utilização de formulações
parenterais com emulsões lipídicas não alteram o volume da secreção pancreática e
nem as concentrações de proteína, amilase, HCO3-, Na+, K+ e Cl-. Estes dados
22
sugerem que a nutrição parenteral pode não estimular a secreção pancreática,
mesmos as formulações com lipídeos.
Gianotti et al. (2009, p. 428-435) relata que o uso de lipídeos endovenosos é
seguro se a hipertrigliceridemia é evitada. Triglicerídeos abaixo de 12 mmol/l são
recomendados.
A
suplementação
diária
de
multivitaminas
e
de
elementos-traço
é
recomendada nos pacientes recebendo nutrição parenteral e fístula pancreática. Foi
demonstrado déficit destes elementos em níveis teciduais e séricos, porém ainda
não é recomendadas a suplementação com doses acima das usuais. (GIANOTTI et
al., 2009, p. 428-435)
Um potencial complicação que deve ser evitada com o uso da nutrição
parenteral é a síndrome da realimentação. Pacientes devem receber 25 Kcal/Kg por
dia não devendo ultrapassar 30 Kcal/Kg por dia. Estes valores devem ser reduzidos
a 15-20 Kcal/Kg por dia em situações de pacientes críticos com Síndrome da
Resposta Inflamatória Sistêmica ou na presença de risco de Síndrome de
Realimentação. (GIANOTTI et al., 2009, p. 428-435)
A presença do alimento no estômago e duodeno desencadeia o reflexo
gastropancreático e duodenopancreático que resultam na estimulação da secreção
pancreática exócrina. Entretanto, estes efeitos não são evidentes quando os
nutrientes são administrados diretamente no jejuno. Qin et al. (2003, p. 2270-2273)
demonstrou um aumento do volume da secreção pancreática e das concentrações
de proteína, amilase e bicarbonato em pacientes recebendo nutrição enteral através
de jejunostomia, porém sem importância estatística se comparado com pacientes
com fístula pancreática recebendo nutrição parenteral.
Dados semelhantes também foram encontrados no estudo de Bodoky et al.
(1991, p. 144-148) que demonstrou que a secreção pancreática não se altera se a
nutrição enteral é administrada a partir da segunda alça jejunal quando comparada
com a utilização da nutrição parenteral no tratamento da fístula pancreática. No
entanto, os efeitos da nutrição enteral e da alimentação oral na secreção pancreática
precisa de uma maior quantidade de estudos em humanos, porém os estudos
experimentais existentes mostram que a alimentação oral, intra-gástrica e intraduodenal produzem uma significativa estimulação da secreção pancreática. Em
contraste, a alimentação enteral (após a segunda alça jejunal) apresenta menos
efeitos estimulatórios da secreção pancreática sugerindo o uso da alimentação
23
enteral via jejunostomia ou via sonda nasojejunal como as vias de alimentação
preferencial nos casos de fístula pancreática.
A jejunostomia deverá ser confeccionada durante a cirurgia inicial para
tratamento do câncer pancreático ou através de técnica percutânea. Caso não exista
uma via de alimentação enteral bem estabelecida, seja por falha neste aspecto
durante a cirurgia ou retirada acidental da sonda nasojejunal no pós-operatório, é
indicada a nutrição parenteral.
Como demonstrado por Veillette et al. (2008, p. 476-481) a alimentação
enteral iniciada no primeiro dia após a cirurgia está relacionada a manutenção e
sustentação dos níveis séricos de proteína, manutenção do índice de massa
corporal, precoce recuperação do número de linfócitos periféricos e diminuição do
tempo de hospitalização. Acredita-se que estes achados juntos determinem na
manutenção do estado nutricional do paciente submetido a pancreatoduodenectomia
e resultando na cicatrização adequada da pancreatojejunoanastomose e significativa
redução da incidência da fístula pancreática.
Nas situações em que existe dificuldade de adaptação a dieta enteral
manifestada pela presença de distensão intestinal, diarréia ou vômitos ou quando o
exame clínico do abdome demonstra sinais de doença grave a opção da nutrição
parenteral se faz necessária. A tolerância a nutrição enteral poderá ser aumentada
com a utilização de formulações com pequenos peptídeos e triglicerídeos de cadeia
média ou formulação com concentrações nulas ou quase nulas de lipídeos.
(GIANOTTI et al., 2009, p. 428-435)
9.2 USO DE SOMATOSTATINA E ANÁLOGOS
Descoberta em 1972, a somatostatina é um tetradecapeptídeo que
naturalmente ocorre no pâncreas, mucosa intestinal e neurônios mesentéricos tendo
uma atividade inibitória ampla. Por causa destes efeitos, a somatostatina tem sido
utilizada no manejo da hemorragia digestiva alta, diarréia secretória, síndrome de
Dumping e tumores secretantes de peptídeos. Na década de 80, passou a ser
utilizada como terapia auxiliar no tratamento conservador de pacientes com fístulas
pancreáticas. Entretanto, devido a uma meia-vida extremamente curta (1,1 a 3,0
minutos), a somatostina deve ser utilizada em infusão contínua.
24
Alguns anos depois, análogos da somatostatina (octreotide, lanreotide) foram
desenvolvidos. O octreotide apresenta uma meia-vida de 90 a 120 minutos e pode
ser administrada, por via subcutânea, de duas a três vezes por dia. Quando
comparado a somatostatina, o octreotide também reduz as secreções do pâncreas e
do estômago e apresenta uma maior especificidade em relação aos seus alvos.
Tanto a somatostatina quanto o octreotide, foram demonstrados como efetivos no
tratamento das fístulas entéricas. (QIN et al., 2003, p. 2270-2273) Desde a década
de 90, alguns autores apresentaram resultados favoráveis do uso da somatostatina
ou octreotide no manejo conservador das fístulas pancreáticas. A administração de
tais drogas foram descritas como responsáveis pela significativa redução do débito
da fístula e aceleração do seu fechamento espontâneo. (LI-LING; IRVING, 2001, p.
190-199); (TAKACS; HAJNAL; NEMETH, 2000, p. 215-220)
No estudo realizado por Qin et al. (2003, p. 2270-2273) foi utilizado o
octreotide associado a nutrição enteral e a nutrição parenteral em pacientes com
fístula pancreática e observou-se uma redução do volume da secreção pancreática,
das concentrações de proteína e de amilase sugerindo que seu uso pode ser
benéfico e auxiliar no fechamento espontâneo da fístula pancreática quando da sua
ocorrência. No entanto, as taxas de fechamento da fístula não se alteram com a
utilização ou não da somatostatina ou análogos como o octreotide. (QIN et al., 2003,
p. 2270-2273)
Alguns estudos foram realizados com o objetivo de avaliar o uso profilático da
somatostatina ou dos seus análogos na taxa de fístula pancreática após
intervenções cirúrgicas no pâncreas. Yeo et al. (2000, p. 419-429) randomizou 211
pacientes submetidos a pancreatoduodenectomia em um grupo controle que
recebeu solução salina e um grupo que recebeu octreotide no pós-operatório. A taxa
de fístula pancreática foi de 11% no grupo octreotide e de 9% no grupo controle,
portanto não conseguiu demonstrar no seu estudo que o uso de octreotide reduz a
taxa de ocorrência da fístula pancreática. Recentemente, Berberat et al. (1999, p.
15-22) revisou seis estudos controlados e randomizados e avaliou a eficácia do
octreotide na prevenção de complicações pos-operatorias em pacientes submetidos
a cirurgias pancreáticas de maior porte. Ele concluiu que o uso profilático do
octreotide pode reduzir significativamente a taxa de complicações.
Por fim, conclui-se que ainda faltam evidências que recomendem o uso
rotineiro da somatostatina ou de seus análogos na prevenção e no tratamento das
25
fístulas pancreática. (MUNOZ-BONGRAND et al., 2004, p. 198-203); (MAHVI, 2009,
p. 1187-1188)
26
10 TRATAMENTO CIRÚRGICO
O tratamento cirúrgico da fístula pancreática somente é indicado se ocorrer
uma piora dos parâmetros clínicos do paciente com sinais e peritonite, infecção
cirúrgica severa, deiscência da ferida e hemorragia tardia. A cirurgia consiste em
alguns aspectos principais: lavagem abdominal com reposicionamento dos drenos,
controle da hemorragia, sutura para controle de pequenas deiscências, desconexão
da anastomose pancreática e ocasionalmente totalização da pancreatectomia.
Aranha et al. (2006, p. 561-569) relatou uma taxa de fístula pancreática após
pancreatoduodenectomia de 16,4% de sua série de 396 casos, destes casos apenas
6% ocorreram após ressecções por adenocarcinoma de pâncreas e um total de 13%
ocorreram após ressecções por pancreatite crônica e 28% por neoplasia
periampulares. (ARANHA et al., 2006, p. 561-569)
10.1 MORTALIDADE
Atualmente encontra-se controversas sobre mortalidade em relação a fístula
pancreática. Alguns estudos não demonstram diferença de mortalidade nos
pacientes com fístula pancreática e sem a mesma (KAZANJIAN et al., 2005, p. 849855); (TAKACS; HAJNAL; NEMETH, 2000, p. 215-220), enquanto outros mostram
aumentos substanciais das taxas de mortalidade na ocorrência da fístula
pancreática. (ARANHA et al., 2006, p. 561-569); (VEILLETTE et al., 2008, p. 476481) Destaca-se o estudo realizado por Veillette et al. (2008, p. 476-481) que
encontrou um índice de mortalidade de 9,3% no grupo de pacientes com fístula
pancreática sendo este valor oito vezes superior ao grupo sem fístula. (VEILLETTE
et al., 2008, p. 476-481)
Uma crítica importante aos estudos que não encontraram diferenças entre as
taxas de mortalidade com ou sem fístula pancreática é a maneira de cálculo desta
taxa. O estudo pode considerar no cálculo da taxa de mortalidade somente o óbito
que ocorre até 30 dias do pós-operatório ou pode considerar além dos 30 dias de
pós-operatório se o óbito ocorreu na mesma internação hospitalar do procedimento
cirúrgico. Quando este fator é considerado, mesmo que o óbito ultrapasse os trinta
27
dias do pós-operatório, ocorre um aumento significativo da mortalidade relacionada a
ocorrência da fístula pancreática. (VEILLETTE et al., 2008, p. 476-481)
A
mortalidade
geralmente
está
relacionada
a
hemorragia
maciça.
(VEILLETTE et al., 2008, p. 476-481) Segundo Veillette et al. (2008, p. 476-481) o
óbito ocorre em média 36 dias após a cirurgia e pode ser originado da rotura de
pseudoaneurismas da artéria hepática.
10.2 SOBREVIDA
Para determinar se o desenvolvimento da fístula pancreática após a
pancreatoduodenectomia afeta a sobrevida geral do paciente, Kazanjian et al. (2005,
p. 849-855) na sua análise retrospectiva, separou os pacientes que apresentavam o
mesmo diagnóstico histológico criando um grupo de pacientes portadores de
adenocarcinoma ductal do pâncreas (n=168) e um grupo de pacientes com
adenocarcinoma ampular (n=79).
As curvas de Kaplan-Meier estão demonstradas nas figuras 1 e 2.
FIGURA
1
–
SOBREVIDA
EM
CINCO
ANOS
DE
PACIENTES
COM
ADENOCARCINOMA DUCTAL DE PÂNCREAS E A INFLUENCIA DA FISTULA
PANCREATICA.
FONTE: Kazanjian et al. (2005, p. 849-855)
28
FIGURA
2
–
SOBREVIDA
EM
CINCO
ANOS
DE
PACIENTES
COM
ADENOCARCINOMA DE PAPILA DUODENAL E A INFLUENCIA DA FISTULA
PANCREATICA.
FONTE: Kazanjian et al. (2005, p. 849-855)
A sobrevida geral em cinco anos para os pacientes portadores de
adenocarcinoma de pâncreas foi de 25% e para os portadores de adenocarcinoma
ampular foi de 66%. A ocorrência da fístula pancreática
29
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A
fistula
pancreática
permanece
um
problema
comum
após
a
pancreatoduodenectomia para o tratamento do câncer de pâncreas afetando
significativamente a morbidade e a mortalidade destes pacientes. Um dos aspectos
mais importantes para o prognóstico do paciente com fístula pancreática é a
realização de um diagnóstico precoce de sua ocorrência e um início imediato do seu
tratamento. O tratamento conservador da fístula pancreática, deixando a reintervenção cirúrgica para situações especiais, apresenta um grande índice de
sucesso na maior parte das situações. (MUNOZ-BONGRAND et al., 2004, p. 198203)
A terapêutica nutricional é de extrema importância para o paciente com a
fístula pancreática por permitir ao mesmo o aporte das necessidades nutricionais
necessárias nesta condição clínica e por auxiliar no fechamento espontâneo da
fistulas.
A nutrição enteral mostra-se superior a nutrição parenteral nas taxas de
redução da drenagem de secreção pancreática, amilase e proteínas, o que favorece
o fechamento espontâneo das fistulas pancreáticas. (QIN et al., 2003, p. 2270-2273)
O uso da nutrição parenteral deverá ficar restrito a situações clínicas graves como
íleo prolongado, síndrome compartimental abdominal e fístulas complexas.
Existem evidências demonstrando que o uso terapêutico reduz a secreção
pancreática, de amilase e proteínas, porém não altera a taxa de fechamento
espontâneo da fístula pancreática. (QIN et al., 2003, p. 2270-2273) Por fim, o uso de
análogos da somatostatina no tratamento e prevenção das fistulas pancreáticas
permanece controverso necessitando de mais estudos clínicos para elucidação
completa do tema.
30
REFERENCIAS
1. ARANHA, G.V.; AARON, J.M.; PICKLEMAN, J. et al. Current management of
pancreatic fístula after pancreaticoduodenectomy. Surgery, v. 140, p. 561-569.
2006.
2. AUGUST, D.A.; MAUREEN, B. Huhmann and the American Society for Parenteral
and Enteral Nutrition. (A.S.P.E.N.) Journal of parenteral and enteral nutrition v.
33, p. 472. 2009.
3. BARRERA, R. Nutritional support in câncer patientes. Journal of parenteral and
enteral nutrition, n. 26, p. 563-571. 2002.
4. BASSI, C.; DERVENIS, C.; BUTTURINI, G. et al. Postoperative pancreatic fístula:
an international study group (ISGPF) definition. Surgery, v. 138, p. 8-13. 2005.
5. BRAGA, M.; GIANOTTI, L.; RADAELLI, G. et al. Perioperative immunonutrition in
patients undergoing cancer surgery: results of a randomized double-blind phase 3
trial. Archives of surgery, v. 134, n. 4, p. 428-433. 1999.
6. BERBERAT, P.O.; FRIESS, H.; UHL, W. et al. The role of octreotide in the
prevention of complications following pancreatic resection. Digestion, v. 60, p. 1522. 1999. Suppl 2.
7. BODOKY, G.; HARSANYI, L.; PAP, A. et al. Effect of enteral nutrition on exocrine
pancreatic function. American journal of surgery, v. 161, p. 144-148. 1991.
8. BOZZETTI, F. Screening the nutritional status in oncology: a preliminary report on
1,000 outpatients. Support Care Cancer, v. 17, p. 279-284. 2009.1.
9. CASTRO, S.M.M.; OBERTOP, H.; GOUMA, D.J. et al. Incidence and management
of pancreatic leakage after pancreatoduodenectomy. British journal of surgery, v.
92, p. 1117-1123. 2005.
10. CLAVIEN, P.A.; BARKUN, J.; OLIVEIRA, M.L. et al. The Clavien-Dindo
Classification of Surgical Complications. Annals of surgery, v. 250, p. 187-196.
2009.
11. DINDO, D.; CLAVIEN, P. What Is a Surgical Complication? World journal of
surgical, v. 32, p. 939–941, apr. 2008.
12. GIANOTTI, L.; MEIER, R.; LOBO, D.N. et al. Guidelines on parenteral nutrition:
pancreas. Clinical Nutrition, v. 28, p. 428-435. 2009.
31
13. KAZANJIAN, K.K.; HINES, O.J.; EIBL, G. et al. Management of pancreatic
fístulas after pancreaticoduodenectomy: results in 437 consecutive patients.
Archives of surgery, v. 140, p. 849-855. 2005.
14. KLEIN, S.; KINNEY, J.; JEEJEEBHOY, K. et al. Nutrition support in clinical
practice: review of published data and recommendations for future research
directions — Summary of a conference sponsored by the National Institutes of
Health, American Society for Parenteral and Enteral Nutrition, and American Society
for Clinical Nutrition. American journal of clinical nutrition, v. 66, n. 3, p. 683-706.
1997.
15. LI-LING, J.; IRVING, M. Somatostatin and octreotide in the prevention of
postoperative pancreatic complications and the treatment of enterocutaneous
pancreatic fistulas: a systematic review of randomized controlled trials. British
journal of surgery, v. 88, p. 190-199. 2001.
16. LIN, J.W.; CAMERON, J.L.; YEO, C.J. et al. Risk factors and outcomes in
postpancreaticoduodenectomy pancreaticocutaneous fístula. Journal of
gastrointestinal surgery, v. 8, p. 951-959. 2004.
17. MAHVI, D. Defining, controlling, and treating a pancreatic fístula. Journal of
gastrointestinal surgery, v. 13, p. 1187-1188. 2009.
18. MARCUS, S.G.; COHEN, H.; RANSON, J.H. Optimal management of the
pancreatic remnant after pancreaticoduodenectomy. Annals of surgery, v. 221, p.
635-648. 1995.
19. MUNOZ-BONGRAND, N.; SAUVANET, A.; DENYS, A. et al. Conservative
management of pancreatic fístula after pancreaticoduodenectomy with
pancreaticogastrostomy. Journal of the American College Surgeons, v. 199, p.
198-203. 2004.
20. NITENBERG, G.; RAYNARD, B. Nutritional support of the cancer patient: issues
and dilemmas. Hematology, v. 34, p. 137-168. 2000.
21. OKABAYASHI, T.; KOBAYASHI, M.; NISHIMORI, I. et al. Risk factors, predictors
and prevention of pancreatic fístula formation after pancreatoduodenectomy. Journal
of hepato-biliary-pancreatic surgery, v. 14, p. 557-563. 2007.
22. POON, R.T.; LO, S.H.; FONG, D. et al. Prevention of pancreatic anastomotic
leakage after pancreaticoduodenectomy. American journal of surgery, v. 183, p.
42-52. 2002.
32
23. POPIELA, T.; KEDRA, B.; SIERZEGA, M. et al. Risk factors of pancreatic fístula
following pancreaticoduodenectomy for periampullary cancer.
Hepatogastroenterology, v. 51, p. 1484-1488. 2004.
24. QIN, H.L.; SU, Z.D.; HU, L.G. et al. Parenteral versus early intrajejunal nutrition:
effect on pancreatitic natural course, entero-hormones release and its efficacy on
dogs with acute pancreatitis. World journal of gastroenterology, v. 9, p. 22702273. 2003.
25. SHRIKHANDE, S.V.; D’SOUZA, M.A. Pancreatic fisulta after pancreastectomy:
evolving definitions, preventive strategies and modern management. World Journal
of Gastroenterology, v. 14, n. 38, p. 5789-5796, oct. 2008.
26. SOHN, T.A.; YEO, C.J.; CAMERON, J.L. et al. Do preoperative biliary stents
increase postpancreaticoduodenectomy complications? Journal of gastrointestinal
surgery, v. 4, p. 258-268. 2000.
27. SOKOL, D.K.; WILSON, J. What is a surgical complication? World journal of
surgical, v. 32, p. 942-944, feb. 2008.
28. SUC, B.; MSIKA, S.; FINGERHUT, A. et al. Temporary fibrin glue occlusion of the
main pancreatic duct in the prevention of intra-abdominal complications after
pancreatic resection: prospective randomized trial. Annals of surgery, v. 237, p. 5765. 2003.
29. TAKACS, T.; HAJNAL, F.; NEMETH, J. et al. Stimulated gastrointestinal hormone
release and gallbladder contraction during continuous jejunal feeding in patients with
pancreatic pseudocyst is inhibited by octreotide. International journal of
pancreatology, v. 28, p. 215-220. 2000.
30. VEILLETTE, G.; DOMINGUEZ, I.; FERRONE, C. et al. Implications and
management of pancreatic fistulas following pancreaticoduodenectomy the
Massachusetts General Hospital experience. Archives of surgery, v. 143, n. 5, p.
476-481. 2008.
31. VOSS, M.; PAPPAS, T. Pancreatic Fistula: current treatment options.
Gastroenterology, v. 5, p. 345-353. 2002.
32. WAITZBERG, D.L.; SAITO, H.; PLANK, L.D. et al. Postsurgical infections are
reduced with specialized nutrition support. World journal of surgical., v. 30, n. 8, p.
1592-1604, aug. 2006.
33. YANG, Y.; TIAN, X.; ZHUANG, Y. et al. Risk factors of pancreatic leakage after
pancreaticoduodenectomy. World Journal of Gastroenterology, v. 11, n. 16, p.
2456-2461. 2005.
33
34. YEO, C.J.; CAMERON, J.L.; LILLEMOE, K.D. et al. Does prophylactic octreotide
decrease the rates of pancreatic fístula and other complications after
pancreaticoduodenectomy? Results of a prospective randomized placebo-controlled
trial. Annals of surgery, v. 232, p. 419-429. 2000.
Download

1218--FistulaPancrea..