ORDEM E PROGRESSO: UMA PERSPECTIVA UTÓPICA OU PEDAGÓGICA? Marta Cristiane Aquino de Lima Universidade Federal do Rio Grande do Norte Neste artigo pretende-se apresentar resultados de um estudo exploratório e comparativo sobre as imagens do povo brasileiro na Primeira República e na década de 1930 através do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Com isso, temos como eixo de análise duas questões centrais: 1. Na construção da ordem nacional da Primeira República como o Positivismo influencia o fazer pedagógico? 2. Que relações podem ser estabelecidas entre o Positivismo e os fins pragmáticos da proposta pedagógica dos pioneiros da Escola Nova? Cabe explicitar que não há uma preocupação com a prática educativa no seu sentido estrito, mas com os destinatários das propostas que circulam no Brasil deste momento histórico. Fundamentalmente, é importante perceber que o que se efetiva são as questões econômicas, culturais e políticas, atuando na maioria das vezes como molas propulsoras das constantes mudanças que a educação vem sofrendo. Nesse sentido, serão traçadas algumas linhas de comparação do pensamento pedagógico vigente naquela época e as questões político-econômicos que orientavam a concepção da educação brasileira e seus fins pragmáticos. E em seguida, numa abordagem das linhas norteadoras da filosofia positivista. Considerando que esta corrente filosófica em relação à educação se coloca como uma fonte de obtenção do poder espiritual. Por onde começar? Que diretrizes devo seguir para conseguir meus objetivos? São questionamentos que fazem parte do quotidiano de qualquer sujeito inserido numa sociedade. Na maioria das vezes, ele responde essas questões sutilmente ou bruscamente quando é confrontado pela sociedade, demarcando e delimitando os seus seguidores. Será? A educação implicaria nessa tomada de posição? Quais foram então as bases que consolidaram o pensamento pedagógico brasileiro na Primeira República? Estas e outras indagações afloram no momento em que se pensa na questão do pensamento pedagógico brasileiro da República Velha e nos seus pressupostos. De modo especial, será possível perceber as diversas características e desígnios que a ordem “ganhou” nesse período, cujo progresso enquadrava-se como resultante dessa perspectiva? Novas diretrizes foram estruturadas para a educação, em que seu sentido deveria condizer com a demanda política e econômica. Com o surgimento da industrialização proveniente o impulso dado pela agricultura – a economia cafeeira - exigiu do homem uma maior especificidade quanto ao manuseio da máquina e um novo comportamento ante a esse sistema. Além disso, a ciência torna-se o elemento fundamental para o progresso da indústria e da sociedade com um todo. Como a ciência poderia intervir no fazer pedagógico brasileiro no final do século XIX? Daí a necessidade de perguntar quais os se pressupostos o sustentou? De um lado, a Revolução Burguesa reconhecida como classe provedora de capital e suas conquistas no âmbito socioeconômico. De um outro lado, a consolidação da concepção burguesa na educação, através do pensamento pedagógico positivista. Um fator essencial para compreender como funcionam as influências do positivismo no pensamento pedagógico brasileiro, é preciso entender nas idéias que esta doutrina representa. Segundo Gadotti (1996, p.108), doutrina que consolida a ordem pública, desenvolvendo nas pessoas uma “sábia resignação” ao seu status quo. (...) só uma doutrina positiva serviria de base da formação científica da sociedade. Neste caso, a ciência consistia num aspecto expansionista e de ascensão de riqueza, cabendo a sociedade estar em harmonia com essa política de observação. É essencial ter sempre presente o contexto que a República foi proclamada, como também a influência do pensamento pedagógico. O capitalismo encontrava-se numa fase imperialista (aliança da Inglaterra, França e Império Russo para enfrentar a Alemanha associada com o Império Austro-Húngaro), na qual o mundo foi dividido, em busca de matérias-primas para alimentar e desenvolver os parques industriais e de mercados para a venda dos respectivos produtos, ameaçados pela concorrência da Alemanha em ascensão. Vem à tona a Primeira Guerra Mundial resultante do choque dos dois blocos. Com efeito, nessa agitação acontece a Revolução Russa que desponta um novo regime político, social e econômico liderado pela classe operária – socialismo. A relação do Brasil com a corrente positivista inicia-se a partir de 1850, quando começaram a circular entre professores e estudantes de engenharia as idéias de Augusto Comte. Nessa época, Benjamin Constant, professor de matemática da Escola militar, também iniciava a sua formação positivista, tornando-se posteriormente o seu mais conhecido divulgador. Na proclamação da República, os principais líderes positivistas deixaram claro que estavam em desacordo com a forma como ela fora proclamada e também não aprovaram tal como se encontrava organizada. A República tornou-se possível, em grande parte, através da aliança dos fazendeiros de café – notadamente o de São Paulo –, aos militares de tendência positivista. Esses dois grupos tinham, entretanto, dois projetos distintos em relação à forma de organização do novo regime: os primeiros defendiam o federalismo e os segundos eram centralistas, portanto partidários de um poder central forte. Mas, o principal, nesse particular é que o movimento republicano era constituído de um conjunto amplo de interesses. Após proclamação, formou-se o Governo Provisório, com o Marechal Deodoro como chefe de governo. Nesse governo, foi decretado o regime republicano e federalista e a transformação das antigas províncias em “estados” da federação. O Império do Brasil chamava-se, agora, a República, Estados Unidos do Brasil. Em caráter de urgência foram tomadas também as seguintes medidas: a “grande naturalização”, que ofereceu a cidadania a todos os estrangeiros residentes; a separação entre a Igreja e Estado e o fim do padroado; a instituição do casamento e do registro civil. Em torno dos coronéis giravam membros das oligarquias locais e regionais. O seu poder residia no controle que exerciam sobre os eleitores. Todos eles tinham o seu “curral” eleitoral, isto é, eleitores cativos que votavam sempre nos candidatos por eles indicados, em geral através de troca de favores fundados na relação de compadrio. Assim, os votos despejados nos candidatos dos coronéis ficaram conhecidos como “votos de cabresto”. Dessa forma, conseguia obter favores dos governadores estaduais ou federais o que, por sua vez, lhe dava condições para preservar o seu domínio. De acordo com Carvalho (1987, p. 44-5) em relação ao voto na Primeira República, o voto antes de ser direito, é uma função social, é um dever. No Império como na República, foram excluídos os pobres (seja pelo censo, seja pela exigência da alfabetização, os mendigos, as mulheres, os menores de idade, as praças de pré, os membros de ordens religiosas). Ficava fora da sociedade política a grande maioria da população. O sentimento de patriotismo é sistematizado nesse período com uma forte aversão ao estrangeiro e aos seus produtos, emergindo uma nova filosofia de vida. Nagle (1976, p.44) afirma que, as primeiras manifestações nacionalistas apareceram de maneira mais sistemática e mais influenciadora, no campo da educação escolar, com a ampla divulgação de livros didáticos de conteúdo moral e cívico, ou melhor, de acentuada nota patriótica. E a educação? Havia algum investimento para incluir os analfabetos? O Brasil era um país de analfabetos. Na realidade, torna-se um processo linear e restrito, o indivíduo se submete no que tange a uma concepção de obtenção de poder da solidariedade humana, a um poder espiritual. Moraes (1983, p.190) revela que, (...) o poder espiritual tem como destino próprio o governo da opinião, isto é, o estabelecimento e manutenção dos princípios que devem presidir às diversas relações sociais. (...) Sua atribuição principal é, pois, a direção suprema da educação, (...) é (...) o sistema completo de idéias e de hábitos necessários à preparação dos indivíduos para a ordem social na qual devem viver, e para adaptar, tanto quanto possível, cada um deles ao objetivo particular que aí deve desempenhar. Para ingressar nas Escolas Superiores era necessário haver completado o curso ginasial de cinco anos ou apresentar doze preparatórios referentes a exames prestados avulsamente. Do ponto de vista cultural nesse período é o que se chamou de bacharelismo, que significava os pais desejarem formar o filho, dar-lhe de qualquer modo um título de doutor. Um pai que não formasse pelo menos um de seus filhos sentia-se envergonhado. Tendo em vista que ser doutor era um meio de enriquecer e de ascender socialmente, dispondo os melhores cargos. O pai estava seguindo uma ordem de valores que devem ser exercidos na sociedade (conseguir o título) para que o mundo progrida (enriquecimento e ascensão social). Dois fatores provocaram mudanças no âmbito social: o processo de imigração e o de industrialização.O estabelecimento do trabalho livre e o início do desenvolvimento industrial foram os motivos básicos do crescimento do trabalhador urbano. Velhas formas de controle e tratamento nas condutas institucionais são repensadas. Novas ideologias são formuladas, apresentando como uma reação da população ao regime político. A proposta filosófica positivista servirá como aporte de entendimento da construção de uma nova ordem nacional. Carvalho (1987) analisa a imagem de uma sociedade brasileira tida como inepta e acrítica. Para ele, o povo brasileiro apresenta sinais de desempenho político atuante, embora estigmatizado. No âmbito educacional, mostra-se com uma grande contingência de analfabetos. Como afirma Nagle (1970, p. 24) em relação ao processo imigratório, teve inequívocos efeitos antipatriarcalistas, ao colaborar para a transformação de muitos aspectos da sociedade patriarcal que continuaram presentes mesmo depois de implantado o regime republicano. Essa ação não se limitou apenas ao ramo agrário, quando os imigrantes exigiram novos padrões de comportamento, nas relações entre trabalhador(...) proprietário e Outra razão a considerar em relação às mudanças sociais se deve ao investimento no processo de industrialização, viabilizando o êxodo rural. Por esse motivo à cidade foi se configurando num estilo de vida agrário-comercial, a divisão do trabalho. Esse processo estava se ampliando e diversificando na sociedade, exigindo uma mão-de-obra mais qualificada, refletindo, assim, na quantidade das escolas e qualidade do ensino. Os imigrantes estrangeiros passaram a exigir uma melhoria no sistema educacional. Por outro lado, as relações sociais provenientes da massificação da urbanização e a criação de novas categorias de empregados, no comércio, em secretarias e no funcionamento público, agiram na questão de requerer um ensino mais eficiente, não só ao ensino do 1º e 2º graus, devendo ser uma prática educativa no seu sentido geral e profissional. É enfatizado desde a escola primária na criança o sentimento de respeito e de orgulho ela terra em que nasceu. A Liga de Defesa Nacional objetivava congregar os pensamentos patrióticos dos brasileiros de todas as classes. A maioria das ideologias atuantes em 1920 objetivavam que a nação progredisse e, por meio de uma educação formadora de “cidadãos”. O objetivo dela almejado pelos nacionalistas era no fim do analfabetismo e democratização do ensino que, por conseguinte, tornaria um país rico em que as pessoas viveriam harmonicamente. Moraes (1983, p. 179) destaca que, o homem não pode jamais construir fora dele senão o que foi concebido por ele. (...) As utopias são para a arte social propriamente dita o que os tipos geométricos, mecânicos, etc., são para as correspondentes. artes É possível perceber que a ordem referida pelas ideologias vigentes na Primeira República se dava numa educação de permanência e desenvolvimento dos bens econômicos para a minoria brasileira. Ou melhor, essas idéias pedagógicas revelam o caráter conservador e reacionado da tendência positivista na educação. Essa tendência positivista inspirou o Brasil na Velha República e no golpe militar de 64. Gadotti (1996, p. 110) faz uma interessante discussão sobre a ideologia positivista, (...) essa ideologia de ordem, o país não seria mais governado pelas racionalidade dos “paixões políticas”, cientistas mas desinteressados pela e eficientes: os tecnocratas. (...) Essa doutrina serviu muito às elites brasileiras quando sentiram seus privilégios ameaçados pela organização crescente das classes trabalhadora. Daí terem recorrido aos dirigentes militares, que são as elites “ordeiras” vislumbradas por Comte. O Brasil apresenta um novo regime econômico, político e social após as constantes influências das Forças Armadas na vida política do país. Com as transformações culturais em que se encontrava o Brasil propagaram de modo intenso os setores educacionais e do ensino. Em 1930, a educação, principalmente a educação pública, passou a ser um elemento importante para a burguesia, agora no poder. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova representa para a época uma grande conquista para os educadores integrados a ABE (Associação Brasileira de Educação). Em virtude disso, os educadores brasileiros com ideologias mais progressistas, empenharam-se em estruturar as escolas e seus métodos retrógrados e seu processo de ensino. O movimento de renovação escolar objetivava maior liberdade para a criança, o respeito às características da personalidade de cada uma, nas várias fases de seu desenvolvimento e que através de uma educação renovada o homem passaria a viver e conviver com as diferenças e obter a paz duradoura. Os conflitos sangrentos fossem extirpados em definitivo e substituídos pelo diálogo e soluções extraído desse convívio com as diferenças. O Manifesto dos Pioneiros possui características fundamentais em relação a sua orientação e finalidades, vejamos algumas: • Concepção de educação natural e integral do indivíduo, com o respeito à personalidade de cada um, mas que o homem é um ser social e tem por isso deveres para com a sociedade. Não se destine as servir a nenhum grupo particular, mas aos interesses do indivíduo e da sociedade em geral que não deve ser conflitante; • a educação deve ser um direito de todos; • o Estado assegurar esse direito; • a escola única, obrigatória, pelo menos até um certo nível e limite de idade, gratuita, leiga, funcionando em regime de igualdade para os dois sexos; • o Estado com uma política global e nacional, abrangendo todos os níveis e modalidades de educação e ensino; Aponta, também, os aspectos responsáveis pela desestruturação do ensino: 1. falta de planos e iniciativas; 2. determinação dos fins da educação (características filosóficas e sociais); 3. aplicação (aspectos técnicos) dos métodos científicos. Nesta corrente histórica, seus representantes são de facções da classe dominante, que não questiona o sistema econômico de como se dava os privilégios e à falta de escola para o povo. Em contrapartida, o pensador progressista Paschoal Leme, atribui a educação como uma questão da transformação radical da sociedade e o seu papel para essa transformação. Em vista do exposto, fica claro que a educação consistia na obtenção do poder espiritual. Observou-se que no Brasil as modificações socioeconômicas tanto no meio rural como urbano, o crescimento populacional (migrantes regionais e estrangeiros), a intensificação do processo de urbanização e industrialização foi um elemento de desenvolvimento e discussão da participação da massa operária na organização da sociedade brasileira. Quando ordem tão desejada pelos nacionalistas e pioneiros for sedimentada por nós em alicerces firmes de utopias e posicionamentos políticos coerentes, a educação não será um objeto à parte do processo que se submete às mudanças econômicas e afins, teremos sim uma educação que está inserida num bolo de ideologias. Verdadeira? Utópica? Pedagógica? Complexa? Fica uma reflexão... Bibliografia CARVALHO, José M. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. GADOTTI, Moacir. Concepção dialética da educação: um estudo introdutório. São Paulo: Cortez & Autores Associados, 1990. _________. História das idéias pedagógicas. 4. ed. São Paulo: Ática, 1996. HOLANDA, Sérgio B. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. KOSHIBA, Luiz et al. História do Brasil. 7. ed. São Paulo: Atual, 1996. LEME, Paschoal. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e suas repercussões na realidade educacional brasileira. R. bras. Est. pedag. Brasília, 65 (150): 255-72, maio/ago. 1984. NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira Republica. São Paulo: EPU/MEC, 1976.