2542 Discriminação de Gênero: Uma perspectiva histórica X Salão de Iniciação Científica PUCRS Bolsista Apresentador: Cláucia Piccoli Faganello, Aragon Érico Dasso Júnior (orientador) Centro Universitário Ritter do Reis – Porto Alegre/RS Resumo Para a defesa dos direitos humanos contamos com leis nacionais e internacionais, destacamos aqui o princípio da igualdade, princípio esse afrontado pelos diversos modelos de violência de gênero presentes na nossa sociedade. Nesse trabalho pretendo abordar uma perspectiva histórica da descriminação de gênero, essa abordagem é o início do projeto que será desenvolvido durante 2009, onde pretendo abordar os diversos tipos de violência de gênero, e indicar como o ordenamento jurídico brasileiro os trata, quais os mecanismos disponíveis, principalmente os referentes aos direitos fundamentais, previstos na Constituição Federal, direitos civis e aos direitos penais. Com maior ênfase a violência contra mulheres, destacando os conceitos de gênero, sexo, poder, feminismo, a participação e a representação política, e as conquistas obtidas em nível nacional e internacional, abrangendo desde a violência intrafamiliar, no âmbito doméstico até a violência simbólica, institucional e psicológica. Para essa análise, partiremos da idéia que a violência contra as mulheres é invisibilizada em nossa sociedade, por um pacto de silêncio que acaba por proteger os agressores, que permanecem impunes e com a idéia de que não serão punidos por seus atos, dando continuidade assim as relações abusivas. Também buscamos mostrar que essa violência atinge a todos os níveis sociais, independente de escolaridade, posição financeira ou social. Introdução Em todos os campos os avanços das mulheres são marcantes. E isso nada mais é do que o resultado de uma história de lutas e muitas conquistas, vindas de uma sociedade que foi construída tendo como base simbolizações. Essa simbolização acabou por fundar nossa ordem social, que mesmo depois de tantas revoluções e conquistas ainda é presentes em muitas de X Salão de Iniciação Científica – PUCRS, 2009 2543 nossas sociedades acidentais. O homem sempre foi visto tendo um poder superior e a mulher o único poder que tinha era o da reprodução, fica então evidente um poder do homem sobre a mulher que por muito tempo ficou impedida de agir livremente, um poder que levou ao interesse, que em inúmeros casos passou a ser dominador e a gerar quadros de violência. Surge então uma necessidade de desconstruir esse poder, e reconstruí-lo valorizando a dignidade da pessoa humana, e para isso a luta das mulheres busca reduzir a desigualdade social. Merecem destaques algumas datas que representam a busca das mulheres por seu espaço: Em 1759, a revolucionária francesa, Olympe de Gouges, como denuncia a Declaração dos Direitos do Homem, lança o manifesto "Declaração dos Direitos da Mulher". É decapitada. Em 1827 no Brasil as mulheres passam ter o direito de freqüentar escolas elementares, mas não instituições de ensino mais adiantado. Em Nova York, EUA em 1848 ocorre a Convenção de Seneca Falls, encontro pioneiro sobre direitos das mulheres. Em 1852 no Brasil é editado por Joana Paula Manso de Noronha e lançado o Jornal das Senhoras. Em 8 de março de 1857, em Nova York, EUA, 129 operárias são mortas queimadas pela força policial, numa fábrica têxtil Cotton, por reivindicarem a redução da jornada de trabalho, de 16h por dia para 10h e melhores salários, pois recebiam 1/3 do que os homens. Em 1910 o Congresso Internacional das Mulheres Socialistas instituiu o dia 8 de março como o dia internacional da mulher. Em 1879 o governo brasileiro abriu as instituições de ensino superior do país as mulheres, mas as jovens que ingressaram nas universidades sofriam pressões e desaprovação social. Em 1887, Rita Lobato Velho tornou-se a primeira mulher a receber o grau de médica no Brasil. Em 1893, a Nova Zelândia foi o primeiro país a dar direito de voto às mulheres. Os EUA só aceitaram o sufrágio feminino em 1920 e no Brasil isso só ocorreu com o governo de Getúlio Vargas em 1932, com o novo Código Eleitoral. O Sufrágio feminino na França, Itália e no Japão só foi reconhecido em 1939. Em 1918 a brasileira Bertha Lutz, bióloga, publica na "Revista da Semana" uma carta denunciando o tratamento dado ao sexo feminino. Em 1921, no Rio de Janeiro funda a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. X Salão de Iniciação Científica – PUCRS, 2009 2544 Em 1948 na França,a escritora Simone de Beauvoir publica o livro "O segundo sexo", uma análise da condição da mulher. Em 1951 é aprovada pela Organização Internacional do Trabalho a Convenção de Igualdade de Remuneração entre trabalho masculino e trabalho feminino para função igual. Em 1963 nos EUA, Betty Fridan escreve "A mística feminina" que, juntamente com o "Eunuco feminino" de Germaine Green apresenta uma crítica feminista do papel subordinado da mulher na sociedade. Mulheres norte-americanas, inglesas, italianas, vão as ruas difundindo as idéias: "o privado é político, nosso corpo nos pertence". Em 1975 as Nações Unidas instituem o Ano Internacional da Mulher, após a Conferência do México de 1975. O Plano de Ação do México aprovou a Década da Mulher de 1975 até 1985, e definiu metas a serem atingidas nos dez anos seguintes para eliminar a discriminação. Em 1976, ocorre a Convenção Contra Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher – CEDAW. Os Estados que firmaram a Convenção, entre eles o Brasil, condenaram a discriminação contra as mulheres, em todas as suas formas. E concordaram em buscar, através de todos os meios apropriados e sem demora, uma política adequada para combater as distorções. É o documento-base de todas as outras Convenções. Na Argentina chega ao auge a luta de um grupo de mães conhecido durante a ditadura de Las Locas de Mayo, que costumavam reunir-se diante da sede do Governo argentino para exigir notícias sobre seus filhos, vítimas de perseguição política. "As mães da Praça de Maio" continuam mobilizadas, combatendo as violações dos direitos humanos na Argentina e em outros países latino-americanos. Em 1980 na Islândia, Vigdis Finnbogadottir tornou-se a primeira mulher eleita democraticamente presidente. No Brasil, em 1985 surge a primeira Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher - DEAM, em São Paulo e, rapidamente, várias outras são implantadas em outros estados brasileiros. No mesmo ano a Câmara dos Deputados aprova o Projeto de Lei nº. 7.353, que criou o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Em 1987 é criado o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Rio de Janeiro CEDIM/RJ, a partir da reivindicação dos movimentos de mulheres. E em 1988 é instituída no Rio Grande do Sul a primeira Delegacia para a Mulher, Outras se seguiram. No Brasil, através do Lobby do Batom, as mulheres brasileiras, tendo à frente diversas feministas e as 26 deputadas federais constituintes, obtêm importantes e significativos X Salão de Iniciação Científica – PUCRS, 2009 2545 avanços, na Constituição Federal, garantindo igualdade a todos os brasileiros, perante a lei, sem distinção de qualquer natureza e assegurando que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações". Em Viena, na Áustria, aconteceu a Conferência de Direitos Humanos de Viena, que objetivou o repúdio e condenação veemente a todas as formas de violência contra as mulheres. Nesse evento, a violação de Gênero assume o mesmo estatuto que outras violações brutais dos direitos humanos como o genocídio, a limpeza étnica, as torturas, a discriminação racial e o terrorismo. É declarado que “os direitos das mulheres e das meninas são parte inalienável e indivisível dos direitos humanos” e que “os direitos da mulher são direitos humanos”. Em 1994, em Cairo no Egito ocorreu a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento. As mulheres participaram ativamente, marcando sua presença e reivindicações nos documentos finais. Nesse mesmo ano, no Brasil é aprovada a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, conhecida como a Convenção de Belém do Pará e inicia-se a articulação das mulheres brasileiras para a redação do documento reivindicatório para a IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher, que ocorreu no ano seguinte. Em Beijing na China, é realizada a IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher que marcou o reconhecimento definitivo do papel econômico e social da mulher e consagrou todas as conquistas das mulheres, através do princípio da universalidade dos direitos humanos e o respeito à especificidade das culturas. Também em 1995, o Município de Porto Alegre se compromete com a implementação da Plataforma de Ação Mundial da Mulher – PAM, aprovada na IV Conferência Mundial da ONU. É instituído pela Lei Complementar 347/95, de autoria da vereadora Maria do Rosário Nunes, do PT, o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, com caráter deliberativo sobre as políticas públicas para a mulher em Porto Alegre. O Fórum Municipal da Mulher é reconhecido pela Lei como órgão legítimo que elegerá dois terços do COMDIM. Em 1996 Visando às eleições para prefeitos e vereadores brasileiros, as mulheres se organizam em todo o País e, através do movimento Mulher Sem Medo do Poder, aumentam o número de vereadoras e prefeitas em todo o território nacional. Nesse mesmo ano, o Congresso Nacional incluiu o sistema de cotas, na Legislação Eleitoral, obrigando os partidos políticos a inscreverem, no mínimo 20% de mulheres em suas chapas proporcionais (Lei nº. X Salão de Iniciação Científica – PUCRS, 2009 2546 9.100/95 - § 3º, art. 11), e a Lei 9504/97 eleva para 30%, sendo que para 1998 foi definido 25% das vagas. É eleito o primeiro Conselho Municipal dos Direitos da Mulher. Apesar de todos os esforços e das enormes conquistas, as mulheres ainda não conseguem ocupar posição de igualdade com os homens e a exemplo disso temos a pesquisa "A política de cotas por sexo", realizada pelo CFEMEA/2000 que nos mostra que as mulheres na Câmara de Deputados ocupam só 7% das cadeiras, no Senado Federal 7,4%, e na chefia de prefeituras são 6%. Metodologia O método de abordagem é o hipotético-dedutivo, partindo de uma hipótese central para a dedução de afirmações no mundo real, sem abdicar de estabelecer as articulações que revelam a legalidade formadora de projetos, impossíveis de detecção pelas formas do silogismo. Os métodos de procedimentos são o método histórico, que busca investigar o passado para entender o presente, e o método comparativo, que verifica similitudes e explica divergências. Estes métodos são muitas vezes utilizados em conjuntos. As técnicas de pesquisa consistirão em pesquisas bibliográfica e documental. Resultados Até o momento foi verificado que apesar de todas as conquistas das mulheres, a descriminação e a violência continuam se repetindo em muitos lares. Essa pesquisa teve início em março de 2009, através da aprovação do Projeto de Pesquisa de Iniciativa Discente Reflexões sobre violência contra a mulher. O projeto está apenas começando e até o momento buscou entender a origem histórica desse quadro, mas tem ainda um longo caminho a seguir para poder contribuir na luta contra a descriminação de gênero e na busca por igualdade. Conclusão É preciso dedicar um espaço para o estudo da violência contra as mulheres, porque não existe causa que a justifique, violência é crime e mesmo no século XXI, as mulheres ainda são discriminadas, vistas como o sexo frágil, como menos inteligentes e profissionais, como se tivessem sido feitas para serem submissas, donas de casa, empregadas domésticas, cozinheiras, passadeiras. Até o momento, na análise histórica desenvolvida verifiquei que o X Salão de Iniciação Científica – PUCRS, 2009 2547 problema está enraizado em nossa sociedade e para superá-lo é preciso trabalhar com políticas públicas de valorização, educação e conscientização, pois apesar de todas as conquistas adquiridas no século XX, e mesmo as mulheres sendo consideradas uma das maiores revoluções culturais do período, isso ainda não é suficiente, os quadros de violência continuam se repetindo. Referências AZEVEDO, Maria Amélia. Mulheres espancadas: a violência denunciada. SP: Cortez, 1985. ÁVILA, Maria Betânia. Feminismo, cidadania e transformação social. In: ÁVILA, M.B. (org). Textos e imagens do feminismo. Mulheres construindo a igualdade. Recife: SOS Corpo, Gênero e Cidadania, 2000. BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus,1992. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 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