Literatura Africana
Não se pode falar da literatura africana sem se falar da "Negritude";
aliás, esta última constitui o tema fundamental da literatura africana.
A literatura africana de expressão portuguesa nasce de uma situação
histórica originada no século XV, época em que os portugueses
(cronistas, poetas, historiadores, escritores de viagens, homens de
ciências e das grandes literaturas europeias) iniciaram a rota de
África, continuando depois pela Ásia, Oceânia e América.
Gomes Eanes de Zurara, João de Barros, Diogo de Couto, Camões,
Fernão Mendes Pinto, Damião de Góis, Garcia de Orta, Duarte
Pacheco Pereira são alguns nomes cujo discurso é alimentado do
"saber de experiência feito" alcançado a partir do século XV, em
declínio já no século XVII) esgotado no século XVIII. A obra de Gil
Vicente (século XVI) ou, embora escassamente, a de poetas do
cancioneiros (séculos XIV e XV) ao lado das "coisas de folgar", foram
marcadas pela expansão ao longo dos «bárbaros reinos». É uma
literatura feita pelos portugueses, fruto da aventura no além-mar, no
período renascentista, a que se denominou de literatura dos
descobrimentos.
Esta literatura, nascida de uma experiência planetária, nada tem a ver
com a literatura africana de língua portuguesa. Este registo serve
apenas para contextualizar no passado factos relacionados com o
quadro cultural, político que século depois havia de surgir.
Com efeito, a partir do século XV, inicia-se o processo de colonização
em África, o que condiciona, séculos mais tarde, o aparecimento de
nova literatura, a literatura colonial (1900-1939).
Em que difere a literatura colonial da literatura dos descobrimentos?
Enquanto a literatura dos descobrimentos se baseava no relato de
viagens feito por navegadores, escritores, comerciantes, etc.., e
narrava factos ocorridos ao longo dessas viagens, a literatura colonial
retrata a vivência dos portugueses no além-mar. Nesta literatura, o
centro do universo narrativo e poético é o homem europeu e não o
homem africano. Era uma literatura profundamente racista, onde
predominavam as ideias de inferioridade do homem negro, que
teóricos racistas, como Gobineau, haviam derramado, e para as quais
teria contribuído o filósofo Lévy Bruhl com a sua tese de mentalidade
pré-lógica. Importa dizer ainda que, nesta literatura, a África era vista
apenas como uma linda paisagem, ou um paraíso, e o protagonista
dessa paisagem era o homem europeu. Trata-se, pois, de uma
literatura caracterizada fundamentalmente pela exploração do homem
pelo homem.
É preciso dizer que estes discursos racistas eram fruto da mentalidade
da época, no ponto de vista político-social. Todavia, houve alguns
escritores como João de Lemos (Almas Negras) e José Osório de
Oliveira (“Roteiro de África”) que tentaram entender a mentalidade do
homem negro, pois há nas suas obras uma intenção humanística.
São precisamente as duras e condenáveis características da literatura
colonial, e os outros factores como a criação e desenvolvimento do
ensino oficial e o alargamento do ensino particular, a liberdade de
expressão, a instalação da imprensa (a partir da década de 40 do
século XIX) que vão propulsionar o aparecimento de uma nova
literatura a que se convencionou chamar de literatura africana de
expressão portuguesa.
Com efeito, alguns anos mais tarde, após a instalação da imprensa
em Angola, ocorre a publicação do livro“Espontaneidade da minha
alma” (1949) do angolano mestiço José da Silva Maia Ferreira, o
primeiro livro impresso na África lusófona, mas não a mais antiga obra
do autor africano. Anterior a esta, há conhecimento do poemeto da
cabo-verdiana Antónia Gertrudes Pusish, "Elegia à memória das
infelizes vítimas assassinadas por Francisco de Mattos Lobo, na noute
de 25 de Junho de 1844”, publicado em Lisboa no mesmo ano.
A literatura africana, como um conjunto de obras literárias que
traduzem uma certa africanidade, toma esta designação porque a
África é o motivo da sua mensagem ao mundo, porque os processos
técnicos da sua escrita se erguem contra o modismo europeu e
europeizante. John chamou-a de literatura Neo-africana por ser escrita
em línguas europeias e para diferenciá-la da literatura oral produzida
em língua africana. Nesta literatura, o centro do universo deixa de ser
o homem europeu e passa a ser o homem africano.
É necessário frisar que este tipo de literatura, chamada literatura
africana de expressão portuguesa, ganha uma nova especialização,
tomando a designação de literatura de raiz africana. Esta literatura
teve a sua origem através do confronto, da rebelião literária, linguística
e ideológica, da tomada de consciência revolucionária a partir da
década de 40 (século XIX). Importa referir que era uma literatura
dirigida particularmente aos africanos e escrita em línguas locais em
mistura com o "português", pois o propósito era tornar a escrita
inacessível aos europeus, isto é, não permitir ao homem branco
descodificar as suas mensagens. Daí a introdução nas obras de
poetas angolanos (Agostinho Neto, António Jacinto, Pinto de Andrade,
Luandino Vieira, etc.) de palavras e frase idiomáticas em quimbundo e
umbundo, e em muitos outros autores africanos como Mutimati
Bernabé João (Moçambicano).
Esta fase vai de meados da década de 40 até às independências
(meados da década de 70). “A vida verdadeira de Domingo
Chavier” de Luandino Vieira e “Sagrada esperança” de Agostinho Neto
são textos impregnados de marcas visíveis da revolta política que
mais se traduzem nos quatros cantos do mundo.
A literatura africana combate o exotismo sob todas as formas, quer se
apresente recuperando narrativas tradicionais, quer utilize ritmos
significantes emprestados das culturas populares.
Nilton Garrido - SEUC Sec - Turma SA
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