Ecstasy
Transtornos relacionados por semelhança ou classificação
A Substância
Denominado farmacologicamente como 3,4-metilenodioximetanfetamina e abreviado por
MDMA, o ecstasy é uma substância fortemente psicoativa. Duas outras substâncias
farmacologicamente e psicoativamente semelhantes podem ser encontradas no mercado ilegal
como sendo o ecstasy. Uma delas é conhecida popularmente como Eve e denominada
farmacologicamente por N-etil-3,4-metilenodioxianfetamina e a outra é um metabólito ativo
(produto da degradação do ecstasy pelo fígado, mas que ainda possui atividade psicoativa)
conhecido por MDA ou 3,4-metilenodioxianfetamina. As reações e efeitos provocados por
essas três substâncias são semelhantes, mas durante toda nossa abordagem nessa seção
estaremos falando apenas do MDMA, do ecstasy e seus efeitos podem ser estendidos para as
outras duas.
A anfetamina, um dos primeiros estimulantes sintetizados com finalidades terapêuticas foi
retirado do mercado há décadas; a cocaína, outro estimulante, foi proibido de ser
comercializado por causa de seus efeitos mais prejudiciais do que benéficos. Os alucinógenos
como a mescalina, nunca foram empregados com finalidades terapêuticas sendo sempre
considerado ilegal. O ecstasy possui características farmacológicas e efeitos psicológicos
semelhantes a uma mistura da anfetamina com mescalina.
Breve histórico
O MDMA (ecstasy) foi sintetizado pela Merck em 1914 com a finalidade de ser usado como um
supressor do apetite, mas nunca foi usado com essa finalidade. Somente em 1960 foi
redescoberto sendo indicado como elevador do estado de ânimo e complemento nas
psicoterapias. O uso recreativo surgiu em 1970 nos EUA. Em 1977 foi proibido no Reino Unido
e em 1985 nos EUA. Em 1988 um estudo feito nos EUA mostrou que 39% dos estudantes
universitários tinham feito uso do ecstasy no período de um ano antes da pesquisa, mostrando
que o uso ilegal já estava disseminado, da mesma forma como aconteceu na Europa ocidental.
O uso do ecstasy concentra-se nas boates, nos ambientes classificados como "rave" onde há
aglomeração noturna em espaços fechados para dança com música contínua. Como o uso do
ecstasy está se tornando comum, as pesquisas sobre ele estão aumentando.
Efeitos
Teste em voluntários
Pessoas sem doenças somáticas e psíquicas com experiência prévia de ecstasy relataram e
apresentaram uma série de alterações. Os mais evidentes são aqueles semelhantes ao demais
estimulantes como aceleração da freqüência cardíaca, elevação da pressão arterial, diminuição
do apetite, ressecamento da boca, dilatação das pupilas, elevação do humor, sensação
subjetiva de aumento da energia. Efeitos neurológicos foram encontrados em alto índice. Esse
estudo usou apenas dez voluntários e observou-se retesamento mandibular em seis usuários,
nistagmo em oito, diferentes graus de ataxia em sete, aumento dos reflexos tendinosos em
oito; apenas um apresentou náuseas e todos tiveram dilatação pupilar. Quatro pessoas
apresentaram perturbações na capacidade de tomar decisões e realizar juízos. Esse estudo foi
feito antes de se conhecer os efeitos danosos que o ecstasy possui. Nessa época os autores
julgavam que o MDMA (ecstasy) era uma droga segura.
Efeito procurados
Produz um aumento do estado de alerta, maior interesse sexual, sensação de estar com
grande capacidade física e mental, atrasa as sensações de sono e fadiga. Muitos usuários
sentem também euforia, bem-estar, aguçamento sensório-perceptivo, aumento da
sociabilização e extroversão, aumenta a sensação de estar próximo às pessoas (no sentido de
intimidade) e aumenta a tolerabilidade.
Efeitos indesejados
Aumento da tensão muscular, aumento da atividade motora, aumento da temperatura corporal,
enrijecimento e dores na musculatura dos membros inferiores e coluna lombar, dores de
cabeça, náuseas, perda de apetite, visão borrada, boca seca, insônia são os efeitos
indesejáveis mais comuns. Nos dias seguintes ao consumo do ecstasy a pressão arterial tende
a oscilar mais do que o habitual. O aumento do estado de alerta pode levar a uma
hiperatividade e fuga de idéias. Alucinações já foram relatadas, despersonalização, ansiedade,
agitação, comportamento bizarro. Algumas vezes pode levar a uma crise de pânico, e
episódios breves de psicose que se resolve quando a droga cessa de atuar. No dia seguinte ou
nos dois dias seguintes é comum ocorrer uma sensação oposta aos efeitos desejados. Os
usuários podem ficar deprimidos, com dificuldade de concentração, ansiosos e fatigados.
Apesar desses efeitos os usuários tendem a considerar o resultado final como vantajoso.
Efeitos de longo prazo
Os efeitos de longo prazo são desagradáveis e prejuízos são observados com o uso. As altas
concentrações de serotonina na fenda sináptica provocadas pelo ecstasy provocam lesões
celulares irreversíveis. Os neurônios não se regeneram e quando são lesadas suas funções só
se recuperam se outros neurônios compensarem a função perdida. Quando isso não é possível
a função é definitivamente perdida. Estudos em animais têm demonstrado isso. Nos seres
humanos apenas estudos pos-mortem são possíveis, e nestes, identifica-se uma acentuada
diminuição das concentrações de serotonina, que variam de 50 a 80% em diferentes regiões do
cérebro indicando uma insuficiência no funcionamento desses neurônios. Estudos realizados
com usuários vivos através de indicadores confirmam essa perda de atividade serotoninérgica
nos usuários de longo prazo de ecstasy. A deficiência de serotonina é proporcional ao tempo e
a quantidade de ecstasy usados. Quanto mais tempo ou maior a dose, maior a deficiência da
serotonina.
Esses resultados sugerem uma propriedade neurotóxica do ecstasy que levam seus usuários a
perturbações mentais ou comportamentais. Os problemas resultantes mais comuns são:
Dificuldade de memória, tanto verbal como visual.
Dificuldade de tomar decisões
Impulsividade e perda do autocontrole
Ataques de pânico
Recorrências de paranóia, alucinações, despersonalização
Depressão profunda
Via de administração usada
Teoricamente o ecstasy pode ser inalado sob a forma de vapor, pois pode ser apresentado
como base livre, que é uma composição farmacológica que permite a evaporação do
composto. Contudo essa forma de administração não costuma ser empregada. O ecstasy pode
também ser injetado via intravenosa; embora isso já tenha sido feito não costuma ser o modo
de utilização. A via mais comum é a oral. Quando foi sintetizado pela primeira vez, a finalidade
era o uso medicamentoso, portanto nada mais razoável do que a apresentação como
comprimidos. Este continua sendo o modo de comercialização ilegal do ecstasy. A dose
recreacional varia de 50 a 150mg em dose única. Mas como esse mercado é ilegal e não existe
controle de qualidade tanto as doses variam de fornecedor para fornecedor assim como
acontece com a cocaína, a substância em si também pode ser adulterada. Muitas vezes o
traficante vende simples adrenalina ou MDA como se fosse o ecstasy.
O efeito do ecstasy dura horas, em média oito horas, mas isso pode variar de pessoa para
pessoa porque as enzimas que eliminam o ecstasy não estão presentes nas mesmas
quantidades em todas pessoas. Aqueles que possuem maior quantidade da enzima
metabolizadora eliminam a droga mais rapidamente. A previsão do tempo de duração da
atividade não é precisa por causa dos metabólitos ativos, ou seja, mesmo o ecstasy tendo sido
metabolizado os produtos dessa metabolização continuam exercendo atividade psicoativa
como se fosse o próprio ecstasy. Assim um efeito, não necessariamente agradável pode se
prolongar por mais de oito horas.
Problemas clínicos resultantes
Há quatro tipos básicos de toxicidade física causada pelo ecstasy. A hipertermia,
neurotoxicidade, cardiotoxicidade e hepatotoxicidade.
A hepatotoxicidade é a lesão hepática (fígado) provocada pelo ecstasy, que se manifesta
clinicamente como uma leve hepatite viral na qual o paciente fica ictérico (amarelado) com o
fígado aumentado e amolecido com uma tendência a sangramentos. A toxicidade, no entanto,
pode ser bem mais grave evoluindo para uma hepatite fulminante que resulta em fatalidade
caso não se possa fazer um transplante.
A cardiotoxicidade é caracterizada por aumento da pressão arterial e aceleração do ritmo
cardíaco. Esses efeitos podem levar a sangramentos por ruptura dos vasos sanguíneos. Essas
alterações têm sido registradas pelo quadro clínico e pela análise necropsial, encontrando-se
petéquias no cérebro, hemorragias intracranianas, hemorragias retinianas, tromboses, sérias
alterações elétricas no coração.
Toxicidade cerebral
Ainda não há estudos suficientes, mas parece que o ecstasy provoca elevação da temperatura
corporal o que é agravado pela situação em que é usado, nas danceterias onde há grande
atividade física. A exagerada elevação da temperatura corporal pode provocar diversas lesões
pelo corpo de acordo com a sensibilidade de cada tecido. O próprio tecido cerebral é dos mais
sensíveis podendo sofrer lesões desse superaquecimento. Convulsões também já foram
relatadas pelo uso do ecstasy
Hiperpirexia (hipertermia)
Este é provavelmente o pior efeito indesejável do ecstasy, apesar de ser parte da toxicidade
cerebral, é relatada à parte para maior destaque de sua importância. O aquecimento do corpo
pode levar a rabdomiólise (lesão dos tecidos musculares) que quando acontece de forma
simultânea leva a um "entupimento" dos rins o que pode danificá-los permanentemente.
Coagulação intravascular disseminada: é um efeito extremamente grave que geralmente leva a
morte, mesmo quando o paciente já se encontra internado. O tratamento é feito com
resfriamento rápido através de imersão em água gelada, infusão de solução salina resfriada e
lavagem gástrica com líquidos frios.
Dependência
Ainda não há evidências de que o ecstasy provoque dependência física, contudo ainda é cedo
para afirmar que isso não acontecerá. Mais estudos são necessários. Várias vezes na história
da medicina uma substância inicialmente considerada inócua mostrou-se, com o tempo, que
era na verdade nociva. Já encontramos na literatura específica relatos de casos compatíveis
com dependência ao ecstasy.
Ref. Bibliograf: Liv 01 Can Med Ass J 2001; 165: 917-929
The Pharmacology and Toxicology of Ecstasy
Harold Kalant
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