[raves] Um caminho desconhe 56 | novembro/2008 | primeira impressão| ecido Embalados pela música eletrônica e estimulados por drogas sintéticas, jovens buscam o ilimitado [texto: Carolina Schubert] [fotos: Mariana de Borba] O som ultrapassa o último volume. As pessoas superam a resistência do corpo humano. As cores, luzes e telões se confundem com a paisagem natural. E o céu não é o único infinito. As festas embaladas pela música eletrônica superam todos os limites. Isso é uma rave. Normalmente, as raves são realizadas em sítios ou grandes estruturas, afastadas dos centros urbanos. Com duração de mais de 12 horas, as festas contam com uma série de apresentações de Djs, telões psicodélicos, decoração colorida. Alguns participantes ainda fazem malabares e acrobacias. O evento também é caracterizado pela moda. São óculos escuros, bonés, boinas, botas, cintos, que formam um estilo de vestir. Contrastando com o que parece apenas um grande parque de diversões, estão as drogas. O consumo de substâncias ilícitas em raves é praticamente unânime. Não se engane, balas e doces estão longe de ser gu- | novembro/2008 | primeira impressão| 57 [raves] loseimas. Os termos são sinônimos de Ecstasy e LSD, respectivamente. O estimulante e o alucinógeno classificados como drogas sintéticas, ou seja, produzidas em laboratório, garantem disposição para encarar as longas horas de balada, entretanto podem trazer sérias conseqüências. A psiquiatra e terapeuta Jamili Vancato, que trabalha há 10 anos com recuperação de jovens dependentes e na emergência do Hospital Centenário, de São Leopoldo, diz que cada vez mais os jovens aparecem no Pronto Socorro tendo arritmias e outros efeitos colaterais causados pelo abuso de drogas. As substâncias como Ecstasy e LSD não chegam a causar dependência orgânica, ou seja, a falta da droga não leva o usuário a apresentar alterações físicas, como pressão alta e con- vulsões, o que já acontece no caso do álcool e da cocaína, por exemplo. O que não quer dizer que quem consome está longe do vício. Consumir droga todo o fim de semana, somente em raves, já é considerado dependência psicológica. De acordo com o IBGE, entre os anos de 2001 e 2005, o consumo de drogas na região Sul do país teve um declínio de 2,3%. Entretanto, no mesmo período, o uso de estimulantes e alucinógenos cresceu. O consumo de Ecstasy aumentou de 2% para 2,6%. Uma alta similar a do uso de LSD, que passou de 0,6% para 1,1%. A maioria dos jovens adeptos às raves é de classe média alta. O preço dos ingressos, o deslocamento até locais distantes e a compra de entorpecentes tornam a festa relativamente cara. Traduzindo em núme- ros, pode-se calcular por baixo, um valor mínimo de R$ 100. É instigante tentar entender por que pessoas com uma situação econômica estável e que provavelmente têm conhecimento sobre todos os danos aos quais estão se sujeitando ainda assim optam por não ter limites. A doutora Jamili Vancato, que está fazendo sua dissertação de mestrado em psicanálise, explica que o abuso de drogas entre jovens esclarecidos acontece porque a juventude precisa ir além do intenso. “Não existe um padrão, o que eu vejo é que esses jovens das festas raves estão em busca de superestímulos, sensações muito intensas. Não basta uma boa festa, tem que ser tudo muito forte para que eles aproveitem. Também acredito que essas pessoas têm alguma dificuldade em sentir prazer pelas Glossário do vício Bala ou Ecstasy: é conhecida como a droga do amor, por aguçar os sentidos do toque. Traz sensação de bem-estar e adrenalina. Os efeitos aparecem de 20 a 60 minutos após a ingestão e duram entre duas a cinco horas. Produzida em laboratório, em formato de comprimido, causa alterações na percepção sensorial, taquicardia, mudança de temperatura e desidratação. Sintomas de depressão podem aparecer após a sensação de êxtase. O uso freqüente pode causar doenças psicoativas, como esquizofrenia. Doce ou LSD: Dietilamida do Ácido Lisérgico, uma das mais potentes substâncias alucinógenas. Sensações de bem-estar, euforia e ansiedade são os efeitos esperados e variam conforme a personalidade de quem consome e o ambiente de uso. O tempo para agir no organismo é de 20 a 60 minutos depois de ingerido. Os sintomas podem durar de duas a cinco horas. Normalmente 58 | novembro/2008 | primeira impressão| tem forma de papel secante (como selo) e pode causar alucinações, angústia, pânico, depressão, dificuldade de concentração, perturbações da memória, náuseas, dilatação das púpilas, aumento da pressão arterial e do ritmo cardíaco e debilidade corporal. Pirulito: o consumo de LSD e Ecstasy faz com que as pessoas serrem os dentes ou mordam os lábios, por isso é comum encontrar pirulitos em raves. Além de repor energia por ser extremamente doce, o palitinho preso a bala protege a boca das fortes mordidas. Água: a bebida mais procurada em raves. Como um dos efeitos colaterais das drogas sintéticas é a desidratação, o consumo de água é inevitável. As garrafinhas chegam a custar R$ 5. Caso o usuário de LSD e Ecstasy não tome água pode até morrer de insuficiência renal. coisas. Então, buscam nas drogas o que não encontram sozinhos.” O grupo de amigos e o ambiente também são fatores associados ao consumo, a chamada influência. O jovem precisa da droga para mostrar ao meio que faz parte do mesmo universo ilimitado. Sem segredos A droga está tão presente no cotidiano, que alguns chegam a romper limites estabelecidos dentro da sociedade. Enquanto que para a maioria procurar manter os filhos longe das drogas a todo custo é o ideal, outros enxergam a realidade da criação de maneira diferenciada. É o caso da família Juliana*. O relacionamento entre pais e filha é tão aberto que o consumo de drogas não é um tabu. Juliana, 19 anos, freqüenta raves e usa ecstasy com o conhecimento de seus pais. A mãe de Juliana, 48 anos, explica que ela e o marido não fazem apologia ao uso de drogas, mas, como sabem que elas estão presentes no universo da filha, tentam falar abertamente sobre o tema. “Quando o assunto é pais e filhos, acredito que não existem limites para se tentar manter um bom relacionamento. Muitas pessoas podem achar que nossa relação não tem limites, mas acredito que se estiver sempre próxima da minha menina poderei saber a que pé anda a situação e como ajudá-la. Proibir não adianta nada e pode até piorar o relacionamento familiar”, diz. Juliana acredita que alguns jovens não têm limites e tão pouco reconhecem que estão exagerando, mas não considera o seu consumo descontrolado. “Tem gente que vê a droga como algo normal, acha que a bala é inofensiva e não está nem aí com o fato de que o consumo pode até matar, mas eu não sou assim. Não uso sempre. Experimentei na primeira rave que fui e continuei tomando, porque o efeito é muito bom. A sensação é diferente e inexplicável.” A jovem diz que chegou a seu limite quando passou 16 horas na balada, sob o efeito de 2 comprimidos de ecstasy. Além disso, já gastou cerca de R$ 150 em uma noite com ingresso e estimulantes para festa. “Nas primeiras vezes que você freqüenta raves sem conhecer muita gente, não tem como gastar menos do que isso se pretende consumir drogas. Mas, com o tempo, conhecendo mais gente, tendo mais contatos, você acaba conseguindo comprar balas e doces mais barato, às vezes consegue até de graça”. Juliana defende as festas de música eletrônica. “Rave não é só balinha, por mais que sejam poucos, existem jovens que não consomem drogas na balada e, além disso, é uma festa ao ar livre, com um contato direto com a natureza, as pessoas curtem numa boa, sem brigas.” As festas da música eletrônica acontecem faça chuva ou sol. Normalmente, são fiscalizadas por seguranças particulares, o que facilita a movimentação das drogas. Além disso, os comprimidos e adesivos de Ecstasy e LSD podem ser escondidos sem nenhuma dificuldade. Lugares afastados, música a todo volume, centenas de pessoas entusiasmadas, pulando por horas e horas. Um universo sem limites. Se fosse possível traduzir a palavra rave, seria um lugar que você vai, mas não imagina onde pode chegar. *O nome foi trocado. | novembro/2008 | primeira impressão| 59