[raves]
Um caminho
desconhe
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ecido
Embalados pela
música eletrônica e
estimulados por drogas
sintéticas, jovens
buscam o ilimitado
[texto: Carolina
Schubert]
[fotos: Mariana de Borba]
O
som ultrapassa o último
volume. As pessoas superam a resistência do
corpo humano. As cores, luzes
e telões se confundem com a
paisagem natural. E o céu não
é o único infinito. As festas embaladas pela música eletrônica
superam todos os limites. Isso
é uma rave.
Normalmente, as raves são
realizadas em sítios ou grandes
estruturas, afastadas dos centros urbanos. Com duração de
mais de 12 horas, as festas contam com uma série de apresentações de Djs, telões psicodélicos, decoração colorida. Alguns
participantes ainda fazem malabares e acrobacias. O evento
também é caracterizado pela
moda. São óculos escuros, bonés, boinas, botas, cintos, que
formam um estilo de vestir.
Contrastando com o que parece apenas um grande parque
de diversões, estão as drogas.
O consumo de substâncias ilícitas em raves é praticamente
unânime. Não se engane, balas
e doces estão longe de ser gu-
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loseimas. Os termos são sinônimos de Ecstasy e LSD, respectivamente. O estimulante
e o alucinógeno classificados
como drogas sintéticas, ou seja,
produzidas em laboratório, garantem disposição para encarar
as longas horas de balada, entretanto podem trazer sérias
conseqüências.
A psiquiatra e terapeuta Jamili Vancato, que trabalha há
10 anos com recuperação de jovens dependentes e na emergência do Hospital Centenário,
de São Leopoldo, diz que cada
vez mais os jovens aparecem
no Pronto Socorro tendo arritmias e outros efeitos colaterais
causados pelo abuso de drogas.
As substâncias como Ecstasy e LSD não chegam a causar dependência orgânica, ou
seja, a falta da droga não leva o
usuário a apresentar alterações
físicas, como pressão alta e con-
vulsões, o que já acontece no
caso do álcool e da cocaína, por
exemplo. O que não quer dizer
que quem consome está longe
do vício. Consumir droga todo
o fim de semana, somente em
raves, já é considerado dependência psicológica.
De acordo com o IBGE, entre os anos de 2001 e 2005, o
consumo de drogas na região
Sul do país teve um declínio de
2,3%. Entretanto, no mesmo
período, o uso de estimulantes
e alucinógenos cresceu. O consumo de Ecstasy aumentou de
2% para 2,6%. Uma alta similar
a do uso de LSD, que passou
de 0,6% para 1,1%.
A maioria dos jovens adeptos
às raves é de classe média alta.
O preço dos ingressos, o deslocamento até locais distantes
e a compra de entorpecentes
tornam a festa relativamente
cara. Traduzindo em núme-
ros, pode-se calcular por baixo,
um valor mínimo de R$ 100. É
instigante tentar entender por
que pessoas com uma situação
econômica estável e que provavelmente têm conhecimento
sobre todos os danos aos quais
estão se sujeitando ainda assim
optam por não ter limites.
A doutora Jamili Vancato,
que está fazendo sua dissertação de mestrado em psicanálise, explica que o abuso de
drogas entre jovens esclarecidos acontece porque a juventude precisa ir além do intenso. “Não existe um padrão, o
que eu vejo é que esses jovens
das festas raves estão em busca
de superestímulos, sensações
muito intensas. Não basta uma
boa festa, tem que ser tudo
muito forte para que eles aproveitem. Também acredito que
essas pessoas têm alguma dificuldade em sentir prazer pelas
Glossário do vício
Bala ou Ecstasy: é conhecida como a
droga do amor, por aguçar os sentidos
do toque. Traz sensação de bem-estar e
adrenalina. Os efeitos aparecem de 20 a 60
minutos após a ingestão e duram entre duas
a cinco horas. Produzida em laboratório, em
formato de comprimido, causa alterações na
percepção sensorial, taquicardia, mudança
de temperatura e desidratação. Sintomas de
depressão podem aparecer após a sensação
de êxtase. O uso freqüente pode causar
doenças psicoativas, como esquizofrenia.
Doce ou LSD: Dietilamida do Ácido
Lisérgico, uma das mais potentes substâncias
alucinógenas. Sensações de bem-estar,
euforia e ansiedade são os efeitos esperados
e variam conforme a personalidade de quem
consome e o ambiente de uso. O tempo
para agir no organismo é de 20 a 60 minutos
depois de ingerido. Os sintomas podem
durar de duas a cinco horas. Normalmente
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tem forma de papel secante (como selo) e
pode causar alucinações, angústia, pânico,
depressão, dificuldade de concentração,
perturbações da memória, náuseas, dilatação
das púpilas, aumento da pressão arterial e do
ritmo cardíaco e debilidade corporal.
Pirulito: o consumo de LSD e Ecstasy
faz com que as pessoas serrem os dentes
ou mordam os lábios, por isso é comum
encontrar pirulitos em raves. Além de repor
energia por ser extremamente doce, o
palitinho preso a bala protege a boca das
fortes mordidas.
Água: a bebida mais procurada em raves.
Como um dos efeitos colaterais das drogas
sintéticas é a desidratação, o consumo de
água é inevitável. As garrafinhas chegam
a custar R$ 5. Caso o usuário de LSD e
Ecstasy não tome água pode até morrer de
insuficiência renal.
coisas. Então, buscam nas drogas o que não encontram sozinhos.” O grupo de amigos e o
ambiente também são fatores
associados ao consumo, a chamada influência. O jovem precisa da droga para mostrar ao
meio que faz parte do mesmo
universo ilimitado.
Sem segredos
A droga está tão presente no
cotidiano, que alguns chegam a
romper limites estabelecidos
dentro da sociedade. Enquanto que para a maioria procurar manter os filhos longe das
drogas a todo custo é o ideal,
outros enxergam a realidade da
criação de maneira diferenciada. É o caso da família Juliana*.
O relacionamento entre pais e
filha é tão aberto que o consumo de drogas não é um tabu.
Juliana, 19 anos, freqüenta raves e usa ecstasy com o conhecimento de seus pais.
A mãe de Juliana, 48 anos,
explica que ela e o marido não
fazem apologia ao uso de drogas, mas, como sabem que elas
estão presentes no universo da
filha, tentam falar abertamente
sobre o tema. “Quando o assunto é pais e filhos, acredito
que não existem limites para
se tentar manter um bom relacionamento. Muitas pessoas
podem achar que nossa relação
não tem limites, mas acredito
que se estiver sempre próxima
da minha menina poderei saber
a que pé anda a situação e como
ajudá-la. Proibir não adianta
nada e pode até piorar o relacionamento familiar”, diz.
Juliana acredita que alguns
jovens não têm limites e tão
pouco reconhecem que estão
exagerando, mas não considera
o seu consumo descontrolado.
“Tem gente que vê a droga
como algo normal, acha que a
bala é inofensiva e não está nem
aí com o fato de que o consumo
pode até matar, mas eu não sou
assim. Não uso sempre. Experimentei na primeira rave que fui
e continuei tomando, porque o
efeito é muito bom. A sensação
é diferente e inexplicável.”
A jovem diz que chegou a
seu limite quando passou 16 horas na balada, sob o efeito de 2
comprimidos de ecstasy. Além
disso, já gastou cerca de R$ 150
em uma noite com ingresso e estimulantes para festa. “Nas primeiras vezes que você freqüenta
raves sem conhecer muita gente, não tem como gastar menos
do que isso se pretende consumir drogas. Mas, com o tempo,
conhecendo mais gente, tendo
mais contatos, você acaba conseguindo comprar balas e doces
mais barato, às vezes consegue
até de graça”.
Juliana defende as festas de
música eletrônica. “Rave não é
só balinha, por mais que sejam
poucos, existem jovens que
não consomem drogas na balada e, além disso, é uma festa ao
ar livre, com um contato direto
com a natureza, as pessoas curtem numa boa, sem brigas.”
As festas da música eletrônica acontecem faça chuva ou sol.
Normalmente, são fiscalizadas
por seguranças particulares, o
que facilita a movimentação
das drogas. Além disso, os comprimidos e adesivos de Ecstasy
e LSD podem ser escondidos
sem nenhuma dificuldade. Lugares afastados, música a todo
volume, centenas de pessoas
entusiasmadas, pulando por
horas e horas. Um universo sem
limites. Se fosse possível traduzir a palavra rave, seria um lugar
que você vai, mas não imagina
onde pode chegar.
*O nome foi trocado.
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[056-059] – Raves – Um caminho desconhecido