UMA EXPERIÊNCIA DE PASTORAL CARCERÁRIA
Pe. Ney Brasil Pereira
Professor no ITESC
Introdução
Há quinze anos, exatamente desde março de 1974, sou Capelão das
Instituições Penais de Florianópolis, a saber: a Penitenciária Estadual, a Cadeia
Pública, e o Manicômio Judiciário. Na época e até 1980, atendia também, cada
domingo à tarde, a Colônia Penal em Canasvieiras, onde cumpriam etapa final de
pena cerca de 20 presos com suas famílias.
Lembro-me bem como fui “pescado” para esse trabalho, em si pouco atraente
e de pouco Ibopoe, mas que considero uma graça do Senhor. Eu residia, então, no
Arcebispado, recém-chegado do Instituto Bíblico de Roma e, destinado ao ITESC e
não tendo ainda paróquia fixa ajudava aqui e ali, onde fosse necessário. Descobriuse então a Irmã Maria Uliano, da Divina Providência, que acabara de conseguir a
construção de ampla Capela junto à Cadeia Pública e que, em companhia do Dr
Ernani Palma Ribeiro, então Juiz da Primeira Vara Criminal, veio visitar-me e
convencer-me para uma visita “sem compromisso” à Penitenciária e à Cadeia. A
visita “sem compromisso” logo se transformou-se numa Provisão do Sr. Arcebispo,
que me nomeou Capelão de nossas Instituições Penais, delegando-me a obrigação e
o privilégio de cumprir a palavra de Jesus em Mt 25, 36: “Estive preso, no cárcere, e
viestes ver-me”... E desde então, no que considero, repito, uma graça divina, tenho
semanalmente ido aos nossos presídios para “ver o Senhor” que lá se encontra
preso.
Duas reminiscências ainda. A primeira, de meu falecido pai, de quem recordo,
na minha infância em São Francisco do Sul, as visitas periódicas que fazia à pequena
Cadeia local. Era seu costume sagrado, às tardes de domingo, visitar ou os doentes
no Hospital, ou os velhinhos no Asilo, ou os presos na Cadeia... A segunda, dos meus
tempos em Brusque, quando professor no Seminário de Azambuja, todas às vezes
que passava, de bicicleta, ao lado da Cadeia Pública, vinha-me a “intenção”, nunca
porém efetivada, de atravessar aquele portão e levar, lá para dentro, a minha
presença de Padre. Isto, num contraste nada edificante com a prática – não apenas
a “intenção” – de meu pai. Felizmente, agora, já por quinze anos e sem o ter
procurado, a “boa intenção” de visitar os presos tem-se tornado realidade, a palavra
novamente fazendo-se carne (cf Jo 1,14), graças a Deus.
Descrição do Trabalho
1.
Nome: Discute-se o termo. No vol. 4 dos “Estudos da CNBB”, Ed. Paulinas,
SP, 1974, aparece o título “Pastoral Carcerária”. Outros preferem “Pastoral
Presidiária”. Outros ainda, como no recente livro do Pe. Bruno Trombetta “A Igreja,
os presos e a sociedade” (Ed. Vozes, RJ, 1989), falam em “Pastoral Penal”, como é
chamada essa pastoral no Rio de Janeiro.
A Pastoral Carcerária quer ser uma presença de Igreja no meio dos nossos
irmãos presos
2.
Objetivos: Motivada pela palavra de Jesus, quer no seu discurso-programa,
na sinagoga de Nazaré: “O Senhor me enviou para... proclamar a remissão aos
cativos” (Lc 4,18), quer no julgamento final: “Estive preso, e viestes ver-me” (Mt
25,36), a Pastoral Carcerária quer ser uma presença de Igreja no meio dos nossos
irmãos presos, “os mais pobres dentre os pobres, porque privados de sua liberdade”,
levando a eles a palavra da Fpe e a presença fraterna cristã. Nesse sentido propõese atuar junto às Direções dos estabelecimentos penais, a fim de que os objetivos da
“reeducação” ou “re-socialização” do detento estejam de acordo, também na sua
execução, com a dignidade e os direitos da pessoa humana.
3. Situação: Comparando com os presídios monstros do Rio, São Paulo 9 a
famigerada “Casa de Detenção”, com mais de 6.000 presos!) e mesmo Curitiba
(Piraquara, e a “Prisão Provisória” do Ahú), nossos presídios, aqui em Florianópolis,
ainda têm condições razoáveis(1). Antes, porém, um esclarecimento dos termos:
“Penitenciária! É um presídio para cumprimento de pena, portanto só para presos
condenados, e teoricamente para penas longas, enquanto “Cadeia” ou “Detenção” é
um presídio teoricamente só para detentos com prisão preventiva decretada, ainda
não condenados, e cujo caso, também teoricamente, deveria ser solucionado no
prazo de três meses; de fato, porém, em todas as Cadeias, também na nossa, bom
número de detentos já são condenados, não devendo, portanto, continuar mais aí,
mas tendo o direito de serem transferidos para a Penitenciária. É que a Penitenciária,
teoricamente (e aqui em Florianópolis, na prática), deve oferecer trabalho, escola e
cuículos individuais a seus “reeducandos”, enquanto a Cadeia, pelo fato de
teoricamente ser provisória, portanto, mero “depósito de presos” (!) à disposição da
Justiça, tem celas coletivas e não oferece trabalho nem escola para seus detentos.
Concretizando a situação em Florianópolis: na penitenciária temos um total de
quase 300 presos, contando cerca de 180 no “casarão”, em regime fechado, e cerca
de 100 nos alojamentos externos, em regime semi-aberto; a Cadeia Pública,
construída em 1971, com 4 alas e capacidade de 80 detentos, está com mais de 200,
incluindo – irregularmente, aliás – no fundo de uma das alas, algumas mulheres, às
vezes mais de dez. Perto da Cadeia, mas totalmente separada e com administração
própria, funciona, desde 1985, a “Casa do Albergado”, que acolhe detentos com a
regalia de trabalharem fora, devendo, porém, retornar ao Albergue à noite e nos fins
de semana. E temos também, desde 1970, o “Manicômio Judiciário”, no espaço entre
a Penitenciária e a Cadeia Pública, também com administração própria, com
médicos, enfermeiros, psiquiatra, psicólogo, assistente social, etc., e com cerca de
60 internos, a maioria com problemas mentais ou em observação para laudo médico
sobre o grau de responsabilidade em relação ao delito cometido. Por último,
podemos mencionar a Colônia Penal em Canasvieiras, que esteve desativada por
vários anos, e no momento está acolhendo alguns presos com suas famílias, além de
outros 20 em regime semi-aberto, dedicados a atividades agrícolas.
4. Os presos: Mesmo na Penitenciária Estadual há relativa rotatividade, isto é, a
população carcerária vai mudando bastante. Um pouco de estatística ajuda a
entender: quando comecei meu trabalho, em março de 1974, a matrícula, isto é, o
número que cada detento recebe, estava perto do nº 3.900; agora, em outubro de
1989, isto é, quinze anos depois, creio que não há mais ninguém daquela época e a
matrícula já chegou ao nº 5.700. Isto quer dizer que, descontando os 300 presos
que agora aí se encontram, passaram pela Penitenciária, nestes 15 anos, e
naturalmente não mais aí se encontram, nada menos que 1.500 detentos(2), com
cada um dos quais pude falar pessoalmente nos primeiros dias do seu confinamento
na chamada “primeira fase” da sua vida no presídio. É um dos momentos mais
importantes, a meu ver, esse diálogo inicial, no qual sempre tenho encontrado muita
receptividade e respeito. É o momento em que discretamente me informo dos
antecedentes, da situação familiar, religiosa, de cada um, recebendo tantas vezes
confidências preciosas e aproveitando para, também discretamente, oferecer um
terço do rosário de Nossa Senhora e um Novo Testamento, ou um catecismo breve,
sempre muito bem aceitos.
Bom número são jovens, e com menos de 30 anos
A quase totalidade se diz católico, pelo menos de batismo e tradição, embora
depois, no decorrer do tempo, alguns passem a freqüentar o culto dominical da
Assembléia de Deus e outros freqüentam também o grupo dos espíritas, que se
reúne às segundas-feiras. Um tempo havia ainda a escola sabatina, adventista, aos
sábados à noite. A freqüência à Missa aos domingos (todos os domingos pela manhã,
na Capela que existe dentro da Penitenciária com capacidade para, apertadinho, uns
100), facultada aos 180 presos do regime fechado, mas descontando-se os que se
encontrem de castigo, ou na “primeira fase”, é relativamente fraca: até no ano
passado, uns 50 a 60, no máximo 70 por domingo; atualmente, por medidas de
segurança, o acesso é permitido só à metade das alas, comparecendo então uns 25
a 30.
Bom número são jovens, a maioria com menos de 30 anos(3). E o tipo de
preso tem mudado bastante, de 1974 para cá: na época, os crimes mais comuns
eram o homicídio ou roubo simples, enquanto que hoje avoluma-se os casos de
assalto à mão armada e o envolvimento com drogas, etc. Naquela época não se
cogitava em seqüestros e a movimentação era bastante livre pelas alas e pátios,
sendo também freqüente o acesso ao Salão “de atos” para conferências, shows,
premiações. Hoje, depois de fugas com seqüestro de autoridades em 1985 e 86,
uma na Penitenciária e uma na Cadeia Pública, além de mais uma tentativa na
Penitenciária, as normas de segurança tornaram-se evidentemente mais rígidas.
Mesmo assim, a não ser por breves períodos, não me tem sido impedido o acesso,
quer para a Missa dominical quer para minhas entrevistas semanais, em geral às
noites de quarta-feira, tanto com os presos que estejam chegando, como com
aqueles que estejam de castigo, com os quais converso junto à porta de cada
cubículo.
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Respeitam e apreciam muito a presença do Padre e da Irmã e
de outros agentes pastorais
Na Cadeia Pública a situação mudou muito, e para pior, por causa do excesso de
presos aí confinados e também pela insegurança maior. Quando comecei a atuar ali,
em 1974, junto com Irmã Maria Uliano, vinham praticamente todos os detentos,
junto com o Diretor (!), para a Missa às terças-feiras à tarde, na bonita e espaçosa
Capela, inaugurada em fins de 1973 e construída por iniciativa e esforço pessoal da
mesma Irmã Maria. A Capela fica junto à Cadeia, com uma porta que abre
diretamente para o pátio interno, por onde os presos entravam no recinto. Digo que
“entravam”, porque desde novembro de 1986 não entram mais: desde aquele ano
em que houve seqüestro de autoridades na Penitenciária, a Direção da Cadeia (que
tem mudado muito de titular) tem opinado que não pode responsabilizar-se pelo
Padre e as Senhoras que o acompanham, sozinhos no meio de um grupo de 40, 50,
60 ou mais presos... Confesso que algum receio sentia, e às vezes ainda sinto, mas
isto não me impede de continuar: afinal, sem ser temerário, um pouco de confiança
em Deus a gente deve ter, e confiança também nos presos, que normalmente
respeitam e apreciam muito a presença do Padre e da Irmã e de outros agentes
pastorais que nos acompanhem.
De resto, a aparência dos presos na Cadeia é bem mais deprimente que na
Penitenciária: embora a gente logo se habitue, a primeira impressão, da primeira
visita às galerias, na Cadeia, em 1974, foi tão forte(4), que aquela imagem continuou
várias horas, mesmo à noite, perturbando a mente e o coração. Naqueles pequenos
cubículos, cada um com 2, 3, 6, ou mais detentos convivendo ali promiscuamente a
maior parte do dia (com exceção das “horas de sol” no pátio), dormindo, comendo,
tomando banho, defecando, tudo naquele pequeno espaço da cela, a “vida” que
levam esses nossos irmãos – a maior parte jovens, e na ociosidade – não merece o
nome de vida! No caso de prisão preventiva, teoricamente provisória, passageira,
ainda bem (mal). Mas a maioria é de condenados, que por lei não poderiam mais
estar ali e sim na Penitenciária, que lhes oferece condições de trabalho e de resocialização.
Tem corrido voz, ultimamente, sobre a incidência da AIDS entre eles, quer
por causa da promiscuidade, quer por efeito de drogas injetáveis praticadas antes da
prisão, e se fala, por isso, na preparação de uma ala na Penitenciária reservada a
presos aidéticos, que tenham o vírus constatado. A suposta ala, porém, ainda não
está em funcionamento.
No manicômio Judiciário, a situação é mais ou menos a de um hospital
psiquiátrico, não deixando de ser também um estabelecimento prisional. Há celas
individuais e alojamentos coletivos. Além dos agentes prisionais, há uma equipe de
médicos e psiquiatras, enfermeiros, psicóloga, assistente social, etc. Atualmente a
capacidade é de 60 a 70 internos, alguns com distúrbios crônicos, mas boa parte são
os que, tendo cometido um delito em circunstâncias que denotam alguma insanidade
mental, vêm para o Manicômio Judiciário para laudo médico. Há também os que
apresentam distúrbios por efeito das drogas; os que são liberados e depois
retornam; os que são transferidos para a Colônia Santana, etc. A situação deles é
razoável no que toca à alimentação e higiene, em parte porque seu número é
relativamente pequeno e o quadro de funcionários é adequado: em todo caso, por
deprimente que possa ser a vista de um grupo de pessoas com vários distúrbios,
estamos longe, graças a Deus, dos enfermos que são os Manicômios Judiciários de
centros maiores.
5. Equipe da Pastoral Carcerária: É importante que haja uma Equipe. Mesmo
porque o Padre não pode – nem deve – fazer tudo. E quanto mais numerosa e
diversificada for a Equipe, tanto melhor, para que uns poucos não se
sobrecarreguem. Mesmo porque se trata de um trabalho exigente, e cujo leque de
necessidades tende a ampliar-se cada vez mais. Aqui em Florianópolis, confesso que
tentei, mas não consegui, constituir uma Equipe ampla e perseverante, a exemplo
das que existem em outras cidades – não muitas! – do país. Lembro-me de que
comecei com a Irmã Maria Uliano DP, de tantos méritos, já mencionada acima, hoje
velhinha, com seus 82 anos de idade, recolhida ao Convento das Irmãs idosas na
Trindade. Na época, Irmã Maria havia fundado a LAFAM (Liga de Assistência aos
presos e suas famílias), entidade assistencial reconhecida, através da qual ela
conseguia fundos para suas benemerências dentro e fora dos presídios, inclusive
para construir a grande Capela, já mencionada, da Cadeia Pública. Houve tentativas
de se construir uma Equipe da qual fizessem parte um Juiz, advogado, promotor,
agentes prisionais, senhoras da sociedade, etc., além do Padre e da Irmã, mas não
se conseguiu continuidade. Mais estável foi o grupo de senhoras que dava presença
constante no Manicômio Judiciário e na Cadeia Pública, às tardes de segundas e
terças-feiras. Hoje, o trabalho é feito por um Padre, uma Irmã (Irmã Ana Marta da
Divina Providência), um seminarista, e um grupo de quatro senhoras.
6. Que trabalho? – A atividade básica tem sido a Missa Dominical, às 8 h da
manhã, na Penitenciária, além da Missa semanal, às 14h, na Capela da Cadeia
Pública, para o pessoal do Manicômio Judiciário. Até fins de 1986 havia também a
Missa semanal, às tardes de terças-feiras, na Cadeia Pública, atividade suspensa
pelos motivos acima. Naturalmente, antes da Missa há sempre um tempo de
preparação, ensaio de cantos (os presos gostam de cantar!) e, no Manicômio
Judiciário, enquanto o Padre atende algumas confissões, um das senhoras apresenta
e esclarece algum tema para eles. Além disso, há os círculos bíblicos semanais: uma
na parte interna da Penitenciária, outro para o pessoal da cozinha, outro para o
pessoal do alojamento, ainda outro para os da Casa do Albergado. Está havendo
também, ultimamente, a visita de um seminarista às famílias da Colônia Penal, em
Canasvieiras. Além disso, uma atividade que reputo da maior importância é a visita
individual a cada preso da Penitenciária, normalmente às noites de quart-feira, no
horário das 19h30min às 21h30min, conforme já anotei acima. Também ofereço
oportunidade para as confissões, na Penitenciária, duas vezes ao ano, antes da
Páscoa e antes do natal(5), no decurso de uma celebração penitenciária para a qual
sempre convido um colega presbítero para lhes dirigir a palavra.
Como os presos em geral são carentes, eles costumam pedir muita coisa:
desde envelopes com selo para cartas, sabonete e pasta dental, a tênis, meias,
pilhas de rádio, material de artesanato, toalha, etc.; pedem também que se telefone
para seus familiares; que se vá ao Juíz, que se fale ao Diretpr, etc. É importante não
prometer o que não se pode fazer. Aliás, alguns pedirão sempre alguma coisa. De
outro lado, entendem, e não levam a mal, se lhes explicamos que não podemos
atender a esse ou aquele pedido. De resto, existe assessoria jurídica, assistência
social e serviço de saúde na Penitenciária, sendo bem outra a situação na Cadeia
Pública.
Quanto aos Direitos Humanos, reconheço que outro no meu lugar, teria tido
uma atuação mais “agressiva”, no sentido de intervir e denunciar com mais
prontidão e firmeza, no caso de espancamentos e isolamentos desnudos em “tocas”,
etc. Mas, provavelmente, não teria tido mais acesso, há tempo, lá dentro. Tenho
preferido, quando venho a saber de algo irregular, falar diretamente com a
autoridade envolvida, normalmente o Diretor do presídio, mais raramente um Juiz,
também porque existe uma instância de inspeção legal, que é o próprio Juiz da Vara
das Execuções Penais. Também poderia haver uma atuação maior da própria OAB, e
dos estagiários de Direito, no caso freqüente de presos que, sem recursos para
pagar os honorários de um advogado, poderiam mais depressa conseguir um
livramento condicional, ou prisão-albergue, ou redução de pena, etc.
Necessidades desses nossos irmãos, dos quais deveríamos lembrar-nos
“como se
estivéssemos na prisão com eles” (HB 13,3)
Enfim, o trabalho pastoral, num presídio, e num complexo de presídios, é tão
exigente e complexo, que sempre ficaremos aquém das muitas necessidades desses
nossos irmãos, dos quais deveríamos lembrar-nos “como se estivéssemos na prisão
com eles” (Hb 13,3).
7. Outras experiências: Como trabalho organizado, e como equipe estável, creio
que a Pastoral Penal da arquidiocese do Rio de janeiro, desde 1972 coordenada pelo
Pe. Bruno Trombetta(6), é um excelente exemplo do trabalho que se faz num
complexo dificílimo de presídios como é o caso do Rio.
Outro exemplo excelente, é o trabalho do Pe. Alfons Pastore, que conheci na
sua paróquia de São Pedro, no bairro do Suá, em Vitória, ES, coordenado a Pastoral
da Saúde e a Pastoral Carcerária da arquidiocese local. Atualmente Pe. Pastore
encontra-se, creio, em Paracatu, MG, e acaba de lançar um livro extraordinário sobre
o nosso tema: “O iníquo sistema carcerário”, com o subtítulo “Sociedade brasileira X
preso”(7). Lembro-me de que, em Vitória, Pe. Pastore sabia, como ninguém, envolver
os casais do Movimento por ele fundado no Brasil, o ECC, na pastoral carcerária. Por
sua iniciativa criou-se, em 1984, e continua atuante, em Vitória, a OPREV
(Organização Comunitária pelos direitos dos Presos, das Vítimas, e de seus
familiares)”, estendendo-se a sua atuação tembém para as vítimas, tantas vezes
igualmente ou mais necessitadas(8).
As referências poderiam multiplicar-se, p.ex., ao trabalho da “Tia Eliza” e sua
“Soninha” e “Tia Ana”, em Itajaí, etc., mas eu não poderia deixar de mencionar o
trabalho da APAC, isto é, a “Associação de Proteção e Assistência ao Condenado”,
criada pelos cursilhistas mário Ottobonie e Sílvio Marques Neto, em São José dos
Campos, SP, em 1972, e hoje estendendo-se por todo o país, em mais de 100
cidades brasileiras, formando inclusive a COBRAPAC (Confederação Brasileira das
APACs). A experiência inicial de Mário Ottoboni está belamente descrita no livro
“Cristo chorou no cárcere”(9), ao qual seguiram-se outras publicações do mesmo
autor(10), além da revista da “APAC em revista”, iniciada em 1987 e já no 14º
número(11). A prova maior do sucesso e da exequibilidade da filosofia de trabalho da
APAC está no Presídio Modelo de São José dos Campos, que há dois anos é
administrado sem nenhum policial civil, militar, ou agente prisional, e que foi
totalmente recuperado e agora ampliado sem verbas governamentais, só com
recursos da comunidade, para arigar 120 presos! É claro que o “milagre” de São José
dos Campos, além da graça de Deus, se deve à tenacidade de Mário Ottoboni e sua
equipe, que lá estão realizando o que pareceria impossível mas impossível não é,
desde que haja pessoas corajosas, decididas, dispostas a considerar prioritário este
trabalho pastoral.
A presença na evangelização Dos irmãos presos é dom de Deus.
Conclusão
Gostaria de concluir com as palavras do Pe. Alfonso Pastore, pronunciadas no
Encontro Nacional da Pastoral Carcerária no Rio de Janeiro, em 1986, e transcritas
no livro citado acima, “O iníquo sistema carcerário”, p. 96s: “A presença nos
presídios, nas cadeias, nos manicômios judiciários, delegacias, detenções, colônias
penais, não é algo que depende exclusivamente de nós. Para ser ação de Igreja,
para ser evangélica, as pessoas – leigos ou cléricos – devem abrir-se ao Espírito
Santo. Invocá-lo, e, sobretudo, ser obedientes aos seus apelos. A perseverança na
evangelização dos dois irmãos presos é dom de Deus. Jesus afirma que a Boa Nova,
o Reino do Pai, é “anunciar a redenção aos cativos”. A Igreja de Cristo está muito
longe de um compromisso com o irmão preso, quer nas delegacias das comarcas do
interior, quer nos grandes presídios das capitais...”
Creio que essa contestação do Pe, Pastore vale também para nós, em Santa
Catarina. Somos abençoados porque nossos presídios ainda têm dimensões
relativamente humanas, como assinalei acima. Mas qual a presença afetiva da Igreja
em todos os presídios e cadeias do nosso Estado, das nossas dioceses? Pode até
estar constando, em nossos planos diocesanos de Pastoral, na linha 6, dimensão
profética e libertadora, no item da “Pastoral Social”, também a “Pastoral
Carcerária”... Mas qual é o compromisso real de nossas comunidades, com nossos
irmãos presos? Respondemos que não temos tempo de fazer mais, que não dá, que
é perigoso, que é arriscado, que não vale a pena, porque “preso não tem jeito
mesmo”, mas são tudo pretextos para nos justificarmos. É preciso desmascarar os
pretextos e assumir.
Repito o que dizia no início. Considero uma graça do Senhor a incumbência
recebida há 15 anos, e espero continuar a desempenhá-la o melhor que puder. E
espero que mais padres, irmãs, seminaristas, leigos e leigas, em nossas dioceses,
vençam logo suas resistências, desmascarem seus pretextos, atravessem o portão
dos presídios e se encontrem, coração a coração, com aqueles irmãos que esperam
por nós. Há casos repelentes, há presos irrecuperáveis – novos pretextos! – mas a
maioria deles é terra que pode ser trabalhada, até já está preparada, pelo
sofrimento, para receber a semente. Só falta o semeador.
___________________________________
NOTAS
(1) Por isso, é lamentável que tenha sido aprovado e se estejam dando passos para a
concretização do projeto de uma nova Penitenciária ‘de porte médio”, para 500 (quinhentos!)
detentos, num novo Complexo penitenciário a ser construído nos arredores da grande Florianópolis.
Isto, quando o ideal seriam penitenciárias menores, nas diversas regiões do Estado, como já existem
as de Chapecó e de Curitiba. Por que não outra em Joinville e outra em Criciúma, p. ex., e então uma
nova Penitenciária menos ampla, nos arredores da Capital? Onde está o respeito à Lei nº 6.416, de
1977, que enseja ao sentenciado o direito de cumprir a pena na comarca da condenação ou onde
resida a sua família, obviamente visando oportunizar melhores condições de re-socialização? (cf
artigo de OTTOBONI, Mário, na “APAC em revista”, ano 3, nº 14, julho de 1989, S. José dos Campos,
SP, p. 16: “Onde o condenado deve cumprir a pena?).
(2) Isto quer dizer que, dos 1.500 presos que saíram, a imensa maioria não voltou, isto é, não
reincidiu! Isto, contrariamente à teoria de que “preso não tem jeito”, “preso não tem remédio” ...É
verdade que vários voltaram à vida do crime e foram mortos, ou estão novamente presos nas cadeias
ou em outras Penitenciárias. Mas tenho a impressão – não referendada por estudos estatísticos
exatos – de que, como disse, a “imensa maioria”, pelo menos dos egressos da penitenciária, não
reincidia.
(3) E praticamente sem qualquer triagem, qualquer separação entre jovens de 20 anos e adultos
de mais de 30, ou entre primários e reincidentes (eles dizem “residentes”), com todos os problemas
que daí se originam.
(4) Cf a descrição que faz de experiência semelhante o fundador das APACs no Brasil, Mário
Ottoboni, de quem falarei mais abaixo, e já citado na Nota 1, em seu livro “Cristo chorou no cárcere”,
Ed. Paulinas, SP, 1978, 3º ed., p. 18-19.
(5) Até 1985, ano do primeiro seqüestro, havia a comemoração festiva da “Semana do
Reeducando”, cujo ponto alto, em geral a 1º de agosto, dia da antiga festa de São Pedro “in vínculis”
(= São Pedro na prisão), era a Missa Festiva, com a presença do Sr. Arcebispo e, várias vezes, do Sr.
Governador do Estado. No decurso daquela semana havia espaço, na noite da véspera ou da
antevéspera, para uma celebração penitencial preparatória. Aliás, até aquele ano, o Sr. Arcebispo
costumava celebrar, além do “dia do sentenciado”, a 1 de agosto, também o Natal e a Páscoa, na
Penitenciária. A partir de então, as autoridades competentes têm opinado que é preferível, por
motivos de segurança, não fazer celebrações de massa.
(6) Ver o seu livro recente: TROMBETTA, Pe. Bruno, “A Igreja, os presos e a Sociedade”, Ed.
Vozes, RJ, 1989, explanação teórica, em 12 breves capítulos, sobre a pastoral carcerária, começando
por abandonar “a Igreja e os DH” até a “Crítica ao sistema penitenciário brasileiro”. Creio que é
também do Pe. Bruno, embora não conste seu nome, a redação do livrinho “A evangelização do
homem encarcerado – Reflexões Pastorais”, da Comissão Arquidiocesana de Pastoral do Sistema
Penal”, Ed. Vozes, RJ, 1975.
(7) PASTORE, pe. Alfonso, “O iníquo sistema carcerário”, E. Loyola, SP, 1989. À diferença do livro
do Pe. Trombetta, Pe. Pastore não apresenta teoricamente os vários aspectos do tema, mas os expõe
num livro-depoimento que impressiona pelo estilo duro, até agressivo, do autor. No mesmo estilo e
com a mesma cadência, cf seu livrinho anterior: Pastoral Carcerária e você”. Edit. Santuário,
Aparecida, SP, 1986.
(8) Editada pela referida OPREV, saiu interessante apostila mimeografada, da advogada DAHER,
Marlusse P., “Manual do Agente de Pastoral Carcerária”, s/d, apenas 12 páginas, contendo
informações muito práticas, inclusive dos trâmites legais, para todos os que se interessam por este
trabalho.
(9) OTTOBONI, Mário e MARQUES NETO, Sílvio, “Cristo chorou no cárcere”, Ed Paulinas, SP, 1978,
3ª edição.
(10) P.ex. OTTOBONI, Mário, “Meu Cristo, estou de volta”, Ed. Paulinas, SP, 1978; id “O mártir do
cárcere” (história do Dr Franz de Castro Holzwarth, vítima de uma ação da polícia contra um grupo de
presos em fuga que o levavam como refém voluntário, defronte à cadeia de jacareí, em 14-2-1981),
Ed. Paulinas, SP, 1983; id. “A comunidade e a execução da pena”, Ed. Santuário, Aparecida, SP, 1984
etc.
(11) “APAC em revista”, publicação bimestral da COBRA-PAC, Cx. Postal 531, São José dos Campos,
SP.
_____________________
Endereço do autor:
Cx. postal 5041 – ITESC
88040-970 – Florianópolis – SC
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Revista Encontros Teológicos
Nº 7 – 1981.
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