Página 6
São Paulo, terça-feira, 01 de dezembro de 2015
Especial
Fotos: Divulgação
Mobilização
marca vida dos
encarcerados
nas prisões
Ao acompanhar o cotidiano de algumas prisões do
estado de São Paulo, o cientista social Rafael Godoi
constatou que é a mobilização envolvendo os presos,
suas famílias e organizações da sociedade civil,
como a Pastoral Carcerária, que faz as demandas dos
encarcerados serem encaminhadas
I
Valéria Dias/Agência USP de Notícias
sso ocorre tanto em relação à administração penitenciária
e os diversos agentes do sistema de Justiça (Magistratura,
Ministério Público, Defensoria Pública) como também
em relação às necessidades mais básicas (itens de higiene
pessoal, vestuário e limpeza).
Em seu doutorado pela Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Godoi acompanhou
essa realidade prisional atuando como agente pastoral.
Trata-se de um trabalho voluntário junto à Pastoral Carcerária, onde o agente vai até o preso e oferece assistência
de diversas formas: doação de kits de higiene pessoal e de
remédios, realização de orações, reflexões, conversas, além
de orientação jurídica.
Para o pesquisador, essa necessidade de mobilização ajuda
a entender a existência do Primeiro Comando da Capital
(PCC) dentro das prisões. “O PCC atua como uma máquina
de mobilização de presos ao regular muitas relações entre
o que ocorre dentro e fora das prisões. Mas isso somente
é possível porque o funcionamento delas está baseado na
interdependência entre o interno e o externo”, destaca,
ressaltando que a maior parte dos presos que conheceu
não está associada ao PCC.
Godoi realizou 46 visitas registradas como agente pastoral
em penitenciárias da Região Metropolitana de São Paulo e
do interior do estado. Duas principais questões permearam
a análise dos dados obtidos e que são bastante discutidas
por pesquisadores da área. A primeira é se a prisão é um
depósito de pessoas concentradas pelo poder público num
único local visando à incapacitação. A outra é se a prisão
pode ser entendida como um universo à parte do restante
da sociedade.
“A ressocialização não é a função da prisão e nem sempre acontece.
Quando ocorre, é muito mais pela superação individual do preso”
A constatação foi de que não se trata nem de uma coisa nem de outra e, muito menos, de ressocialização. “A
ressocialização não é a função da prisão e nem sempre
acontece. Quando ocorre, é muito mais pela superação
individual do preso”, opina. “Alguns discursos vigentes
dizem que as pessoas são presas para serem preparadas
para o convívio social, mas isso é realizado privando
essas pessoas de estarem na sociedade. Trata-se de um
contrassenso.”
O pesquisador pôde perceber a dinâmica social vivenciada
pelos familiares dos presos ao acompanhá-las nos hotéis,
pousadas e meios de transportes criados nas cidades em
função dos presídios. “O peso econômico dessas atividades é mínimo quando comparamos com a importância da
cultura da cana-de-açúcar para essas regiões”, afirma.
“Além disso, pode ocorrer conflitos com a população local
devido ao preconceito, problemas com seguranças de lojas e estabelecimentos comerciais, revistas em hotéis, até
agressões.”
Sobre o discurso de que a prisão é um universo à parte,
o cientista social discorda exatamente por ter observado
a necessidade de mobilização entre os encarcerados, suas
famílias e a pastoral. Como exemplo, Godói cita o caso de
um preso condenado pela Vara Criminal. É preciso que uma
Guia de Recolhimento seja encaminhada para a Vara de
Execução Penal, caso contrário, o processo fica retido
na vara criminal de origem.
“Este procedimento deveria
ser automático, mas muitas
vezes não é. É uma situação
que necessita do acompanhamento e intervenção de
pessoas de fora”.
Outra crítica é que, ao falar
quanto gasta com o sistema
prisional, o Estado divide
o orçamento geral da área
pelo número total de presos.
“Esse valor fica em torno
de R$1.300,00 anuais, mas
trata-se do custo de todo o
sistema prisional, incluindo a
infraestrutura, e não do preso em si. Uma ínfima parte
deste orçamento é utilizada
para mantê-lo na prisão. Em
Itirapina, na Penitenciária
II, foram gastos aproximadamente R$22,00 por preso em
2012. Em Diadema, no CDP, esse gasto foi de cerca de
R$11,00?, relata.
A consequência dessa situação é que são os familiares
e as organizações da sociedade civil como a Pastoral que
os abastecem com itens de necessidade básica como
chinelos, roupas, pasta de dente, etc. “Os artigos 10,
11 e 12 da Lei de Execuções Penais determinam que o
Estado deve fornecer esses itens”, informa. Os que não
recebem visitas precisam comprar de outros presos, ou
recebem via correio ou mesmo de doações de outros
detentos.
Godoi constatou também a superlotação na grande maioria
dos presídios: eles estão mais ou menos lotados conforme
a unidade. “Em 2013, os CDPs [Centros de Detenção Provisória] apresentaram uma superlotação de 146,7%; já as
penitenciárias, de 81,5%.”
Presos necessitam de apoio de familiares e de entidades como a Pastoral Carcerária.
A Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) conta
atualmente com 163 unidades prisionais, sendo 15 Centros de Progressão Penitenciária, 41 Centros de Detenção
Provisória, 22 Centros de Ressocialização, 01 Unidade de
RDD, 81 Penitenciárias e 03 Hospitais. “Desde 2012, a SAP
não libera os dados relativos ao número total de presos do
sistema”, finaliza.
Download

Página 6