Metáfora
Referências:
Aristóteles, Retórica, Lisboa, INCM, 2005.
Black, Max, “More about metaphor”, in Ortony, Andrew (ed.), Metaphor and
Thought (2nd ed.), Cambridge, Cambridge University Press, 1993, pp 1941.
Davidson, Donald, “What metaphors mean”, in Inquiries into Truth and
Interpretation, Oxford, Oxford University Press, 2001, pp 245-264.
Lakoff, George, “The contemporary theory of metaphor”, in Ortony, Andrew
(ed.), Metaphor and Thought (2nd ed.), Cambridge, Cambridge University
Press, 1993, pp 202-251.
Moran, Richard, “Metaphor”, in Bob Hale and Crispin Wright (eds.), A
Companion to the Philosophy of Language, Oxford, Blackwell, 1998, pp
248-268.
Searle, John, “Metaphor”, in Ortony, Andrew (ed.), Metaphor and Thought
(2nd ed.), Cambridge, Cambridge University Press, 1993, pp 83-111.
Sperber, Dan, and Wilson, Deirdre, Relevance (2nd ed.), Oxford,
Blackwell, 1995.
Importância da metáfora para a
Filosofia da Linguagem e da Comunicação:
O estudo da metáfora permite lançar luz (e isto já é uma
metáfora) sobre os processos de produção e compreensão
do discurso.
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O carácter omnipresente (outra metáfora) da metáfora (e
de outras “figuras”, como a metonímia, a hipérbole e a
ironia) no discurso conduz ao questionamento de alguns
dos pressupostos da Filosofia da Linguagem e da
Comunicação.
Entre esses pressupostos está o de que a comunicação
verbal envolve basicamente o significado “literal” das frases
e expressões, com as “figuras” a ocupar uma posição
marginal ou secundária.
Donde, a relação “literal” / “figurado”, longe de ser simples,
é problemática.
Aspecto importante na relação “literal” / “figurado” no caso
das metáforas: em muitos casos, a interpretação literal
permanece de alguma forma “activa” na interpretação
metafórica. Há uma “tensão” ou “interacção” entre o literal e
o figurado (essas caracterizações são elas próprias
metafóricas).
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Exemplos tanto na metáfora literária quanto no discurso
quotidiano:
“Julieta é o Sol” (Shakespeare).
“O amor é fogo que arde sem se ver” (Camões).
“O João é um touro”.
Diferença em relação às expressões idiomáticas (“Bater as
botas”, “Abanar o capacete”): as expressões idiomáticas
normalmente têm um significado preciso, o que não ocorre
em geral com as metáforas; além disso, para compreender
o significado de uma expressão idiomática, normalmente
não se tem em conta o significado literal da frase.
Concepção intuitiva da metáfora: representar (ou falar
sobre) uma “coisa” como outra “coisa”.
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Teoria “clássica” da metáfora
(atribuída a Aristóteles, Retórica)
Também conhecida como teoria da “comparação” ou da
“abreviação”.
Uma metáfora é uma forma abreviada de uma comparação.
Exemplo:
“O João é um touro” é uma forma abreviada de dizer “O
João é como um touro”.
Atractivo da teoria:
Simplicidade: utiliza um mesmo esquema explicativo para
dar conta de duas “figuras” (a metáfora e a comparação).
É coerente com a concepção “intuitiva”, de “senso comum”.
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Problemas:
Em termos de valores de verdade, há uma diferença clara
entre uma metáfora e uma comparação.
Tomada no sentido “literal” da frase, uma metáfora como
“O João é um touro” é falsa (já que o João é uma pessoa, e
não um touro). No entanto, uma comparação é sempre
verdadeira. “O João é como um touro” é verdadeira, já que
qualquer coisa é como qualquer outra sob um ou outro
aspecto.
Outro problema: metáforas que são trivialmente
verdadeiras.
“Nenhum homem é uma ilha” (John Donne).
De acordo com a teoria clássica, esta metáfora seria
interpretada como uma forma abreviada da negação de
uma comparação. Ou seja, “Nenhum homem é uma ilha”
seria interpretada como “Nenhum homem é como uma
ilha”. Mas aqui, enquanto a metáfora, tomada no sentido
“literal” da frase, é trivialmente verdadeira, a negação da
comparação “subjacente” é claramente falsa (já que todo
homem é como uma ilha, sob um aspecto ou outro).
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Teoria da “interacção”
(Max Black)
Crítica da teoria clássica: metáforas não são comparações
abreviadas.
A metáfora envolve a “interacção” entre dois sistemas de
interpretações ou de “lugares comuns” associados aos
termos correspondentes. O resultado é o significado
metafórico da frase, que no entanto não pode ser
parafraseado de forma exaustiva.
Não é preciso que esses “lugares comuns” correspondam à
realidade.
Exemplo: “O Pedro é um gorila”, para sugerir que o Pedro é
bruto e violento. Na verdade, os gorilas são animais tímidos
e afáveis, mas no nosso “sistema de lugares comuns” eles
estão associados a ideias como “brutalidade” e “violência”.
Atractivo da teoria
Procura dar conta da relação complexa entre o “literal” e o
“figurado” no caso da metáfora.
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No caso de uma predicação metafórica do tipo “A é B”, a
teoria postula que o “sistema de lugares comuns”
associados a B “interage” com o “sistema de lugares
comuns” associado a A, e a “filtragem” de alguns dos seus
aspectos “gera” o significado metafórico da frase.
Exemplo:
“O homem é um lobo”. Propriedades usualmente
associadas aos lobos, como serem predadores, gregários,
traiçoeiros, etc., servem como “filtro” para se compreender
o comportamento humano, ao destacarem aspectos que
lhes correspondem no “sistema de lugares comuns”
associados aos seres humanos.
Problemas
Os conceitos empregues pela teoria (“filtro”, “interacção”,
etc.) são eles próprios metafóricos (resta saber se isto
constitui realmente um problema; será problemático se se
considerar que uma explicação da metáfora não deve fazer
uso de noções metafóricas).
A teoria não funciona bem nos casos em que a metáfora
não tem a forma predicativa.
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Teoria “não-cognitiva”:
(Donald Davidson)
Não há “significado metafórico”. Nas frases metafóricas, as
palavras significam apenas aquilo que significam
literalmente, e nada mais.
Os efeitos da metáfora situam-se no domínio do uso, e não
da significação.
Uma metáfora faz-nos “ver” algo de um modo diferente,
mas o processo é puramente causal (da mesma forma que
uma droga ou uma “pancada na cabeça” – a expressão é
de Davidson – podem fazer-nos “ver” as coisas de forma
diferente). Este processo não envolve nenhum “conteúdo
cognitivo determinado” para além do que é literalmente
expresso pela frase.
Atractivo da teoria:
Permite dar conta dos aspectos “não-proposicionais”,
“evocativos”, das metáforas.
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Problemas:
Perde de vista os aspectos propriamente cognitivos das
metáforas. Em particular, (1) não permite explicar como é
possível que enunciados metafóricos sejam verdadeiros;
(2) não permite explicar os casos de interpretação errónea
de uma metáfora.
Teoria “pragmática”
(Searle, inspirado em Grice)
Há um aspecto importante da metáfora que envolve a
significação. Mas não se trata do “significado da frase”, e
sim do “significado do falante”.
Numa metáfora, “o que é dito” aparentemente viola uma ou
mais “máximas da conversação” (p. ex., é algo claramente
falso, ou absurdo, ou trivialmente verdadeiro). Ao identificar
o “desvio” em relação ao significado “literal”, a audiência vai
inferir o que o falante pretende comunicar.
Trata-se, portanto, de uma aplicação das hipóteses de
Grice sobre “o que é dito” e as “implicaturas”.
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Basicamente, a teoria pragmática desenvolvida por Searle
pretende explicar as metáforas com base na noção de
“acto de fala indirecto”. No caso da metáfora, e tendo em
conta os exemplos mais simples, ao dizer-se “S é P”
implica-se que “S é R”.
Para dar conta do aspecto “sugestivo” de muitas metáforas,
Searle propõe que há casos em que um enunciado
metafórico pode dar origem a um número indeterminado de
implicaturas (“S é R1”, “S é R2”, “S é R3” ...)
Atractivo da teoria:
Dá conta da relação entre o “literal” e o metafórico. Permite
compreender os aspectos cognitivos da significação
metafórica, situada não ao nível do “significado da frase”,
mas sim do “significado do falante”. Com isto, evita os
problemas relacionados com a ideia de um “significado
metafórico” (da frase), ao mesmo tempo que mantém a
ênfase nos elementos cognitivos.
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Problemas:
A abordagem da metáfora em termos de actos de fala
indirectos e implicaturas envolve a ideia de que, em
primeiro lugar, descodifica-se o significado literal e, caso
este “falhe” (por ser falso, absurdo, trivialmente verdadeiro,
etc.), prossegue-se no cálculo das implicaturas. Mas há
casos em que um enunciado pode ser verdadeiro se
tomado literalmente e também metaforicamente.
Exemplo:
“Vladivostok é uma cidade fria”
Além disso, essa teoria da interpretação metafórica entra
em choque com os dados obtidos em Psicolinguística, e
que mostram que, em muitos casos, o “tempo de
processamento” envolvido na interpretação de um
enunciado metafórico não é significativamente superior ao
envolvido na interpretação de um enunciado literal.
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Em relação a isto, a teoria pragmática pode refugiar-se no
argumento de que está a oferecer uma “reconstrução
racional” do processo interpretativo, e não um modelo
testável empiricamente. Também se pode alegar que os
dados obtidos não são conclusivos.
O maior problema, porém, reside no facto de que a teoria
pragmática não dá conta dos aspectos “nãoproposicionais”, “evocativos”, das metáforas. Mesmo no
caso de uma metáfora “aberta”, temos um número
indeterminado de proposições – e, em princípio, de acordo
com Searle sempre será possível formular uma paráfrase,
por mais tortuosa que seja.
Esta é uma das razões pelas quais alguns filósofos
propõem uma conciliação entre a teoria “não-cognitiva” de
Davidson e a teoria “pragmática” de Searle.
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Teoria “cognitiva”
(Lakoff, Johnson, Turner)
A metáfora não é um fenómeno prioritariamente linguístico,
mas conceptual.
As estruturas do pensamento são metafóricas. As
metáforas verbais são derivadas dessa característica dos
processos cognitivos.
Metáforas conceptuais: correlação sistemática entre
elementos de diferentes domínios conceptuais.
Exemplo: “O amor é uma viagem”
Carácter “convencional” dos processos metafóricos. A
correlação entre domínios conceptuais não é a excepção,
mas a regra. As metáforas verdadeiramente “criativas”
assentam sempre sobre uma base “convencional”, que é
explorada de formas originais.
A consequência mais importante é que deixa de fazer
sentido postular uma diferença de princípio entre o “literal”
e o “figurado”.
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Teoria do “uso vago” (loose use)
(Sperber, Wilson, Carston)
Para a Teoria da Relevância, que também tem uma
orientação cognitiva, não há uma distinção rígida entre o
“literal” e o “metafórico”. A TR defende que há um
continuum constituído por inúmeras instâncias de “usos
vagos” (loose uses) de expressões. As expressões literais
e metafóricas ocupam os extremos deste continuum.
Literal
“Usos vagos”
Metafórico
Basicamente, um enunciado literal tem uma “forma
proposicional” idêntica à do pensamento que expressa. Já
um enunciado “vago” tem uma “forma proposicional”
apenas semelhante à do pensamento que expressa.
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