A Doçaria Tradicional (re)escrita em (apetecíveis) horizontes do património memória A Escola Profissional do Alto Lima e o Centro Cultural Frei Agostinho da Cruz e Diogo Bernardes (Ponte da Barca) apresentam alguns importantes ícones da Doçaria Tradicional da nossa região. São símbolos culturais que perduram no tempo, que levam o nome da região além fronteiras. Por eles os povos se juntam e festejam. Por eles, as tradições se firmam e se renovam. O Centro Cultural postulando o princípio que inscreve a Doçaria Tradicional Portuguesa no âmbito das Obras-Primas do Património Oral e Imaterial da Humanidade, considerada pela UNESCO, tem lançado algumas sementes esperando que frutifiquem na consciência das comunidades locais no sentido de identificar, salvaguardar, revitalizar e promover o seu património memória. A EPRALIMA associando-se a este espírito e privilegiando um profícuo diálogo com os parceiros regionais, evidenciou a pertinência de estreitar laços através da formação em contexto de trabalho e desenvolvimento de uma Prova de Aptidão Profissional do Curso Técnico de Turismo / Profissionais de Informação e Animação Turística, cujo “rosto visível” é, aqui, apresentado. Pretende-se, assim, promover uma importante grelha de leitura sobre os valores culturais, na medida em a Doçaria Tradicional distingue formas notáveis de expressão popular. A doçaria tradicional apresentada resulta de um rigoroso trabalho de investigação feito pelo Curso de Cozinha Tradicional do Vale do Lima promovido pelo Centro Cultural. Tratam-se de receitas que têm sido transmitidas, de geração em geração, e embora sem testemunhos clarividentes têm-se mantido, persistentemente, constituindo uma faceta indelével do rosto cultural desta região. A doçaria apresentada distingue-se pela diferença, constituindo um repto para que o dia a dia de cada um de nós seja escrito em português, o que naturalmente não significa o erguer das barreiras, o delimitar de fronteiras a não ser as culturais. Porque é nas diferenças que o convívio entre os povos se consolida e a identidade cultural se reforça. Preservar de modo algum significa parar no tempo, mas sim garantir um ponto de referência, já que é fundamental que HOJE conheçamos o ONTEM, para que o AMANHÃ tenha sempre a ver com o que somos. 1/3 A doçaria enquanto parte integrante do património é o único capital capaz de nos garantir a mais forte das independências – a cultural. Constituindo o Turismo um dos meios privilegiados para a dinamização cultural, importa reflectir de que forma a doçaria tradicional pode ser potenciada como mais valia estratégica ao serviço do Turismo Cultural conducente à divulgação e promoção turística das regiões. Se é verdade que vivemos numa conjuntura, profundamente, paradoxal marcada por grandes massificações habilmente manipuladas; também, os destinos turísticos podem correr o risco de serem sofregamente consumidos, enfraquecendo os laços com as pessoas e com o genius loci dos espaços e dos ambientes. Poderá a Doçaria Tradicional apresentar-se como uma via possível para o turista estabelecer horizontes de reciprocidade com outras culturas, com outros povos, ancorados numa memória colectiva? Em primeira análise é fundamental entender a Doçaria Tradicional como uma manifestação cultural bem identificada e credibilizada pela história de uma cultura, afirmando-se como espelho e fonte de valores humanos e não como repositório passivo e inerte. A Doçaria Tradicional não realiza a sua vocação cultural num círculo de “univocidade”, não constitui espólio cultural enquanto não estiver vertida sobre si própria. A verdade das expressões culturais, em geral, e da doçaria tradicional, em particular, depende do mundo que é desvelado. Surge-nos como fonte do mundo porque a significação está orientada para o emergir desse mundo. A Doçaria Tradicional é real e factual, traduzindo um conjunto de significações sociais, económicas, geográficas e históricas, podendo mesmo apresentar-se sob a forma de estruturas, de signos, de cores, de sabores e de aromas revestidos de significações culturais. Pode ser potenciada num sentido turístico quando deixa emergir a sua natureza cultural expressa através da descrição da sua realidade, do “habitat” natural do seu próprio mundo. O que equivale a que se encontre, profundamente, enraizada na tradição cultural ou na história cultural da comunidade, desempenhando um papel importante na afirmação da identidade cultural e meio de aproximar povos e comunidades. 2/3 Se a cultura tradicional (nas suas várias vertentes) é sobremaneira cativante, a doçaria constitui, nesta acepção, um meio privilegiado para a (re)valorização e dinamização da identidade das regiões, oferecendo a possibilidade de desvendar vivências passadas e mergulhar nas raízes históricas e culturais. Entendemos que a Doçaria Tradicional pode “servir” um “Turismo Cultural” que é, sobretudo, apelo à diferença (no contacto com o ‘Outro’) e se concretiza num circuito de reciprocidade entre visitantes (turistas) e visitados (nativos) sob a égide de princípios humanistas e éticos que comportam a autenticidade como valor primeiro. Autenticidade que requer rigor na investigação traduzida na exploração credível dos elos de ligação ao contexto geocultural que originou a combinação harmoniosa das matérias-primas e das formas de confecção evidenciadas. Sob os auspícios da veracidade, a Doçaria Tradicional, assim como todas as formas de expressão cultural, apresenta-se como mola propulsora de um autêntico Turismo Cultural que convida a mergulhar, repousadamente, no passado e dele retirar consolações e lições para o presente. De facto, se não há quem recorde, não há memória e o presente é, traiçoeiramente, fugaz. A EPRALIMA e o Centro Cultural Frei Agostinho da Cruz e Diogo Bernardes celebram com todos (e com cada um em particular) o consolidar de sinergias culturais e de laços afectivos que Brian O’Neill expressa, brilhantemente, num elogio à reciprocidade que edifica um autêntico Turismo Cultural: “Não oferecer o ‘melhor’ é equivalente a denegrir o convidado: oferece-se pelo menos o melhor que temos”. (Cristina Mendes) 3/3