(Algumas notas a propósito das discussões no Fórum IT4legal 2014)
Actividade vs. Produtividade vs. Eficiência vs. Rentabilidade
Nuno de Brito Lopes
Advogado Consultor (Of Counsel)
e-mail: [email protected]
Pedro Pinto, Bessa Monteiro, Reis, Branco, Alexandre Jardim & Associados
Sociedade de Advogados, RL
Actividade
Num escritório de Advogados há sempre muita actividade – ver o Diário da República, ler os
emails e newsletters de informação jurídica que chegam, responder aos pedidos do clientes,
rever as contas para mandar, resolver uma questão administrativa que as secretárias discutem,
lidar com os estados de alma dos Colegas, contribuir para a gestão do conhecimento, rever o
CV para o site, consultar o novo livro que chegou, atender o telefonema do Advogado da
contraparte, reunião do grupo de trabalho, reunião com o cliente, ir ao business drink, ir à
conferência, preparar o texto do artigo, ver os mapas de cobranças, debater junto do café
aquele assunto que não é nosso, tratar do assunto pro bono, etc. E, a fazer fé nos emails de
consultores (em especial anglo saxónicos) não chega, porque o Advogado tem de ser um
conselheiro, um comercial, um gestor financeiro, um antecipador de questões, estar sempre
informado e muito mais e…finalmente, advogar.
Produtividade
Tente acrescentar mais algumas tarefas na lista que consta do parágrafo anterior. De certeza
que consegue.
Olhe novamente para a lista – de entre todas aquelas actividades quais são as que se podem
considerar como de “produção”, ou seja, de trabalho passível de ser cobrado a um cliente? São
poucas e deliberadamente coloquei-as no meio das outras, pois é assim que surgem no dia-adia. O ideal seria que as tarefas de “não-produção” estivessem arrumadas num determinado
horário, mas isso não acontece – o email, o telemóvel e as pessoas não o deixam – e estas
tarefas perturbam o funcionamento da “produção”.
Agora pense um pouco e, sendo honesto consigo próprio (pois ninguém está a ver), contabilize
(1) as horas que passa no escritório por dia, (2) as horas de “não produção”, (3) as horas de
funções humanas (comer, beber, etc) e, finalmente, (4) as horas efectivas de produção.
Se tiver jeito para contas, pegue nestes números e faça alguns rácios – por exemplo, por cada
hora de produção quanto tempo precisa de passar no escritório? Para o deixar descansado,
deixe-me dizer que não é invulgar se o rácio for de 1 para 2.
Se este rácio o preocupar ou lhe parecer absurdo, um primeiro passo para aumentar a
quantidade de horas produtivas passará por ser mais criterioso com as actividades de “não
produção” e, assim, deixar mais tempo para a produção e, já agora, para a sua vida pessoal.
Eficiência
Se já está satisfeito com a sua produtividade em termos quantitativos, será altura de avaliar a
sua eficiência.
Esta é uma matéria complicada para os Advogados que pautam o seu trabalho pelo “valor
hora” (a “billable hour”). Esta está no centro de uma grande discussão da actualidade, entre os
que clamam que o “valor hora” já morreu (ou tem uma doença terminal) e os que dizem que o
“valor hora” nunca deverá morrer, nem que fique reduzido só aos assuntos de grande
complexidade.
Não vou tomar partido nesta discussão pois o espaço é curto, mas deixo alguns argumentos à
consideração.
Por um lado, temos de admitir que hoje em dia um sistema como o de “valor hora” não é um
convite à eficiência. Digo “hoje em dia” porque no tempo das “vacas gordas” (e pré-internet e
pré-email e pré-avaliação dos Advogados), apesar do “valor hora”, os assuntos eram tão
complexos e de elevado valor que geravam uma grande carga de trabalho. Assim, a eficiência
era uma necessidade, sob pena de não se ter tempo para dormir.
Por outro lado, no polo oposto, deve-se considerar que quando um trabalho é solicitado a um
Advogado, a sua descrição pelo cliente é eivada de uma simplicidade que nunca se verifica –
mas, entretanto, o valor da estimativa está definido e o cliente não abdica deste.
Não se depreenda que defendo que o advogado deve abandonar o “valor hora”, pois há vários
tipos de assuntos em que só assim se consegue uma remuneração justa (ajustada, é certo,
pelos descontos, taxas de sucesso e outros factores).
Mas já será altura de pensar em se avaliar o Advogado por um critério diferente das horas
trabalhadas, procurando aferir da sua eficiência na “produção”.
Ou seja, qual o contributo que o Advogado dá para o assunto num determinado espaço de
tempo. Se um documento demorou quatro horas a ser feito, será que podia ter o mesmo
documento em três horas? Ou duas? Ou com metade das páginas e maior poder de síntese?
Ou ter aproveitado parcialmente outro documento que foi feito na semana passada?
Por isso pergunto-lhe: Costuma fazer estas perguntas?
Rentabilidade
Sendo uma actividade profissional, a Advocacia tem por objectivo último ser paga e ser
rentável (ou até mais do que isso, o que é legítimo).
Porém, hoje em dia, os clientes têm uma diferente percepção do valor do trabalho jurídico. E a
concorrência entre Advogados é, cá como no estrangeiro, cada vez mais intensa, tendo gerado
práticas e níveis de “valor hora” impensáveis há uns anos (de tão baixos). Acresce que os
Clientes aprenderam a gerir as suas relações com os Advogados externos, tendo uma melhor
noção da complexidade (ou falta dela) dos trabalhos jurídicos, invocando KPI’s e outras siglas
similares e dando a conhecer as suas agruras na gestão da tesouraria e dos seus orçamentos.
Assim sendo, não adianta ser “apenas” produtivo no sentido de se trabalhar muitas horas, pois
corre-se o risco de essas horas não poderem ser cobradas. A produção não se pode contentar
com a quantidade de horas, mas pugnar pela qualidade dessas horas, pela sua eficiência.
Por exemplo, deve-se estimular os Advogados a, em vez de enveredarem pela primeira
solução que lhes ocorrer, pararem para pensar se haverá outra forma que seja mais eficiente,
que também resolva o problema (e por vezes até melhor) mas que demore menos tempo. E
muitas vezes essa forma alternativa existe. E o Advogado deve ser cumprimentado por este
esforço. Quando um Advogado tenha muitas horas num assunto, deve ser questionado para
justificar porque demorou tanto tempo. E pode-se usar essa informação, não para o censurar,
mas antes para verificar onde se pode tornar mais eficiente o tempo despendido.
Ainda que o “valor hora” não tenha os dias contados, o paradigma do “bom Advogado é o que
faz muitas horas” cada vez faz menos sentido. Não quer isto dizer que os Advogados devam
trabalhar menos horas e ir para casa às 3 da tarde. Mas se um Advogado consegue ter mais
horas produtivas num dia e, dentro destas, fazer mais trabalho em menos tempo, é,
naturalmente, um Advogado mais rentável e é o que interessa mais à organização – assim a
organização o saiba reconhecer nas suas avaliações e premiar adequadamente.
Não é magia, não são super-homens ou super-mulheres. E como são pessoas normais e bons
profissionais precisam de contar com métodos de trabalho – workflows e procedimentos - e de
avaliação que privilegiem a eficiência. De terem serviços de apoio que evitem repetição de
tarefas – minutas, gestão de conhecimento, Templates. De disporem de instrumentos
tecnológicos devidamente parametrizados que combatem o desperdício de tempo em tarefas
secundárias e que permitem fazer mais com menos e/ou com menos tempo.
E se esses Advogados têm a ambição de serem sócios, é ainda indispensável que saibam
tornar a eficiência um trabalho de equipa e usar os instrumentos para esse efeito.
A tecnologia tem um papel importante a desempenhar nesta equação/evolução, mas aquela
não é um fim em si mesma, não é uma solução pronta a utilizar, mas sim um instrumento que
tem de ser adaptado aos métodos de trabalho que os seus utilizadores definirem. E é nesta
definição pré-tecnologia que começa a produtividade, a eficiência e a rentabilidade.
O presente texto contém um conjunto de impressões do autor suscitadas pelas intervenções e conversas
no Forum IT4Legal 2014. Não pretendem ser opiniões definitivas do autor, nem constituir uma posição
ou declaração do IT4legal ou de qualquer outro dos seus membros, mas apenas contribuir para uma
salutar discussão em curso.
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