Programa de Atualização em GIST e TNE
5
Eduardo Linhares
CRM 320843-RJ
4
Tratamento cirúrgico dos
tumores neuroendócrinos
do trato gastrointestinal e
pancreáticos
Doutor em Cirurgia; chefe
do Serviço de Cirurgia
Abdominopélvica do Instituto
Nacional de Câncer (INCA)
Marcus Valadão
CRM 52708267-RJ
Cirurgião oncológico do INCA;
mestre em Cirurgia Gastrointestinal
pela Universidade Federal de São
Paulo (UNIFESP); doutorando em
Oncologia pelo INCA; vicepresidente da Sociedade Brasileira
de Cirurgia Oncológica
Objetivos de aprendizado
 Identificar diferentes opções de tratamento cirúrgico, de
acordo com a localização e a apresentação dos TNEs
 Avaliar o tratamento cirúrgico paliativo e metastático na
doença avançada
Rafael Albagli
CRM 5251452-0
Cirurgião titular do Serviço de
Cirurgia Abdominopélvica do INCA
Introdução
A cirurgia é parte essencial do manuseio dos tumores neuroendócrinos (TNEs)
em diferentes fases da doença(1). Naqueles com doença limitada permanece
como o único método terapêutico visando à cura. Nos casos de doença avançada, a cirurgia citorredutora associada ao tratamento multidisciplinar proporciona aumento da sobrevida(2) e, nos casos irressecáveis, a cirurgia tem importante papel na paliação, buscando melhoria na qualidade de vida (p. ex., nos
casos de obstrução intestinal por fibrose relacionada com o tumor). Este artigo
foi dividido em função da topografia do tumor em obediência aos atuais princípios dos consensos da European Neuro Endocrine Tumor Society (ENETS)(3).
É interessante ressaltar que, em qualquer cirurgia de TNE que se vislumbre
possibilidade posterior de uso de análogos de somatostatina, recomenda-se a
realização da colecistectomia profilática, face ao alto percentual de colelitíase
decorrente desse tratamento.
5
Fascículo 5
Tratamento do TNE gástrico
Pontos-chave
Os TNEs gástricos são classificados em três subtipos distintos, tendo como
base os diferentes mecanismos fisiopatológicos e, consequentemente, diferentes apresentações clínicas(4). Dessa forma, o tratamento é moldado para
cada subtipo(5). Dois tipos são associados a estados de hipergastrinemia. O
tipo I é a apresentação mais frequente (80%) e está relacionado com gastrite
crônica atrófica tipo A, anemia perniciosa autoimune e perda de células
parietais. A elevação da gastrina sérica decorrente dessas patologias (por
conta da perda das células parietais) estimula a proliferação das células enterocromafin-like (ECL), ocasionando o desenvolvimento do TNE gástrico tipo
I. Geralmente, esse tipo se apresenta como lesões polipoides múltiplas, de
pequeno tamanho (< 1-2 cm), restritas a mucosa e submucosa e de evolução
benigna. No tipo II (corresponde a 5%), também há elevação da gastrina,
porém decorrente de outro mecanismo fisiopatológico, que é a hipergastrinemia relacionada com a neoplasia das células G, presente na síndrome de Zollinger-Ellison ou na neoplasia endócrina múltipla tipo I (NEM-1).
Também tem apresentação como lesões polipoides múltiplas, de pequeno
tamanho (< 1-2 cm), restritas a mucosa e submucosa e de evolução benigna.
O tipo III (15%) corresponde à forma esporádica, que ocorre sem hipergastrinemia, apresenta-se como lesões grandes, únicas, tendo comportamento
mais agressivo (metástases 50%-100%).
O tipo I é a
apresentação mais
frequente (80%) e
está relacionado
com gastrite crônica
atrófica tipo A, anemia
perniciosa autoimune
e perda de células
parietais.
Segundo o consenso da ENETS(6), os portadores de TNEs gástricos tipos I e II
com tumores < 1 cm devem ser acompanhados anualmente por endoscopia, uma vez que esses pacientes apresentam evolução benigna e raramente morrerão em decorrência desses tumores. Lesões > 1 cm devem ser
ressecadas por endoscopia (até seis pólipos), desde que não haja invasão
da camada muscular (a invasão da camada muscular aumenta consideravelmente a chance de desenvolvimento de metástase linfonodal, sendo
mandatória a ressecção cirúrgica associada a linfadenectomia). É obrigatória a avaliação da profundidade da lesão na parede gástrica por
ecoendoscopia pré-tratamento. A cirurgia é indicada nas demais situações
(invasão da camada muscular, presença de metástase linfonodal, mais de
seis pólipos > 1 cm). A ressecção da lesão associada à antrectomia é uma
opção para os casos do tipo I, por reduzir o nível de gastrina e diminuir a
chance de desenvolvimento de novos TNEs gástricos.
Já o tipo III, em decorrência de seu comportamento mais agressivo, deve ser
tratado por gastrectomia associada à linfadenectomia regional.
Segundo o consenso da
ENETS, os portadores
de TNEs gástricos
tipos I e II com tumores
< 1 cm devem ser
acompanhados
anualmente por
endoscopia, uma vez
que esses pacientes
apresentam evolução
benigna e raramente
morrerão em
decorrência desses
tumores.
Programa de Atualização em GIST e TNE
Ponto-chave
Na cirurgia, deve-se
ter em mente que 26%
a 30% dos TNEs do
intestino delgado são
multicêntricos e 15%
a 29%, associadas a
outras neoplasias.
O tratamento cirúrgico
pode ser dividido em
curativo e paliativo.
A intenção curativa é
utilizada para a doença
locorregional e envolve
a ressecção entérica
com ampla retirada de
meso (linfadenectomia
adequada).
6
Tabela • Características gerais relacionadas com TNEs gástricos
Tipo I
Tipo II
Tipo III
Frequência (%) 70-80
5-6
15-20
Tamanho
< 1-2 cm
< 1-2 cm
> 2 cm
Número
Múltiplo
Múltiplo
Único
Forma
Polipoide
Polipoide
Ulcerado
Clínica
Gastrite
crônica
atrófica
Gastrinoma/
NEM-1
Nenhuma
Gastrina
Elevada
Elevada
Normal
Metástase (%)
2-5
10-30
50-100
Morte
relacionada
com o tumor
(%)
0
< 10
25-30
TNEs: tumores neuroendócrinos; NEM-1: neoplasia endócrina múltipla tipo I.
TNE do intestino delgado
É o tipo mais frequente, correspondendo a aproximadamente 23%-28%
dos TNEs do trato gastrointestinal(7). De forma geral, são tumores bem diferenciados e indolentes, o que os leva a determinarem poucos sintomas e,
consequentemente, a provocarem diagnóstico tardio. Na cirurgia, deve-se
ter em mente que 26% a 30% dessas lesões são multicêntricas e 15% a
29%, associadas a outras neoplasias. A proposta de T: tumor, N: linfonodo,
M: metástase (TNM) leva em consideração tamanho do tumor, invasão de
estruturas adjacentes, presença de metástases linfonodais e metástases a
distância(8). O estágio I foi definido como lesões com menos de 1 cm sem
metástases; o estagio II, como tumores maiores que 1 cm sem metástases;
o III A, quando T invade estruturas adjacentes; III B, quando há metástases linfonodais regionais e IV, com metástases a distância. O tratamento
cirúrgico pode ser dividido em curativo e paliativo. A intenção curativa é
utilizada para a doença locorregional e envolve a ressecção entérica com
ampla retirada de meso (linfadenectomia adequada). Mesmo na presença de doença metastática é possível obter cura. O objetivo é a ressecção
7
completa das metástases (cirurgia R0); especificamente para as hepáticas,
pode-se atingir em cinco anos sobrevida livre de doença maior que 60%,
comparado a 30% com o tratamento não cirúrgico(9, 10). Na cirurgia, julgamos a ultrassonografia (US) intraoperatória essencial, e o tipo de ressecção será em função do tamanho e da posição das metástases, podendo
variar de enucleação a lobectomia anatômica. Outras formas de ablação,
como radiofrequência, podem ser utilizadas. O tratamento paliativo está
indicado sempre que possível para retirada do primário. Esses tumores
geram importante reação desmoplástica secundária à produção de serotonina, que termina por obstruir o lúmen intestinal e/ou gerar síndrome
de encapsulamento peritoneal com obstrução e isquemia mesentérica. A
ressecção paliativa do primário e das metástases também está indicada
quando é possível redução tumoral próxima a 90% e desde que se tenha
equipe experiente e com baixa mortalidade nesse tipo de intervenção.
TNE do apêndice
Diferentemente de outros tumores do intestino médio, como os jejunoileais, o
TNE apendicular raramente é secretante e tem bom prognóstico. É o tumor
mais frequente do apêndice e a faixa etária mais atingida é entre 40 e 50
anos. A apresentação clínica mais frequente é dor em fossa ilíaca direita, simulando ou não apendicite. Estima-se que cerca de 7% das peças de
apendicectomia por apendicite terão o diagnóstico de TNE. A topografia no
apêndice mais frequente é na ponta, quando raramente determina apendicite por obliteração do lúmen. Os principais fatores prognósticos são: tamanho, presença de linfonodos e metástases. Isso permitiu o primeiro esboço de
classificação TNM para esses tumores. Contudo, outros fatores prognósticos,
como invasão do mesoapêndice, comprometimento da base apendicular,
tipo histológico de células caliciformes, grau de diferenciação, índices de mitose e de proliferação (Ki 67), invasão linfovascular, profundidade de invasão
e perfuração apendicular, também influenciam o prognóstico e a decisão cirúrgica. Felizmente, o tipo mais comum é bem diferenciado, pequeno (menor
que 2 cm), situado na ponta e com baixo índice proliferativo, o que explicaria
o bom prognóstico. O estadiamento leva em consideração o tamanho (T) e o
subdivide em: T1, menor que 2 cm; T2, > 2 cm e T3, ≥ 3 cm. O N representa
a presença de linfonodos regionais, havendo N0 e N1 quando comprometidos. A vigência de metástases significaria M1. Após análise de 900 casos,
encontrou-se correlação com sobrevida sugerindo a eficácia do estadiamento(11). Os tumores T2 ou mais e/ou N1 têm indicação de colectomia. A existência de um sistema de estadiamento é muito importante, pois tende a unificar a
Fascículo 5
Pontos-chave
Na cirurgia, julgamos
a US intraoperatória
essencial, e o tipo de
ressecção será em
função do tamanho
e da posição das
metástases, podendo
variar de enucleação a
lobectomia anatômica.
É o tumor mais
frequente do apêndice
e a faixa etária mais
atingida é entre
40 e 50 anos. A
apresentação clínica
mais frequente é dor
em fossa ilíaca direita,
simulando ou não
apendicite.
Programa de Atualização em GIST e TNE
Pontos-chave
Nos TNEs
apendiculares, a opção
entre apendicetomia e
colectomia levará em
consideração outros
fatores prognósticos de
grande impacto além
de TNM.
A imensa maioria dos
casos de TNE colônico
é de neoplasias com
invasão da muscularis
propria e maiores
que 2 cm, que têm
alto percentual de
metástases linfáticas
e, portanto, exigem
colectomia padrão com
linfadenectomia.
8
linguagem de apresentação, propor a terapêutica em função dos estágios e
mostrar-se eficaz quanto à diferenciação do prognóstico. Contudo, nos TNEs
apendiculares, a opção entre apendicetomia e colectomia levará em consideração outros fatores prognósticos de grande impacto além de TNM. Entre
os fatores citados, como mau prognóstico, os guidelines da ENETS(3) sugerem
que levemos em consideração para indicar colectomia: localização na base
com margens cecais comprometidas, invasão do mesoapêndice e tipo de
células caliciformes. Na vigência de metástases, o tratamento obedecerá as
linhas do tratamento para TNEs metastáticos. A sobrevida em cinco anos dos
casos sem metástases gira em torno de 98%. Quando há metástases, geralmente são para linfonodos e raramente apresentam metástases a distância.
A sobrevida dos casos ressecados com metástases linfonodais é cerca de
70%, e o tratamento multidisciplinar pode proporcionar taxas de 40%, mesmo na vigência de metástases.
Tratamento do TNE colorretal
Os TNEs colônicos são raros, geralmente se apresentam como doença avançada com metástases linfonodais, hepáticas, mesentério e peritoneais. Têm pior
prognóstico quando comparados aos retais, que, por sua vez, vêm se tornando
mais incidentes, também pelo uso mais frequente de colonoscopia.
TNE colônico
O tratamento cirúrgico dos TNEs do cólon tem por base a cirurgia realizada para os adenocarcinomas. A imensa maioria dos casos é de neoplasias
com invasão da muscularis propria e maiores que 2 cm, que têm alto percentual de metástases linfáticas e, portanto, exigem colectomia padrão com
linfadenectomia. Na doença localizada, a colectomia com ampla linfadenectomia é o tratamento padrão-ouro(3). Na vigência de metástases, ainda
assim deve-se realizar a ressecção do primário para evitar futura obstrução
ou sangramento.
TNE retal
A ressecção completa da lesão é a única opção terapêutica para fins curativos. O melhor parâmetro para definir a conduta é o tamanho, embora
outros fatores prognósticos devam ser levados em consideração. Atipia, grau
9
de diferenciação, contagem mitótica, Ki 67, invasão da muscularis propria e
invasão linfovascular podem levar à individualização da conduta associada
ao tamanho. As lesões menores que 1 cm têm risco estimado de metástases
menor que 3%. Essas lesões devem ser tratadas por formas locais de terapia, desde a polipectomia endoscópica até a excisão endoanal. As lesões
maiores que 2 cm frequentemente invadem a muscularis propria e têm risco
de metástases regionais estimado em 60%-80%, o que justifica cirurgia mais
agressiva com ressecção retal total ou parcial associada a excisão mesorretal
total (TME). A situação é menos clara quando o tumor situa-se entre 1 e 2
cm. A chance de metástases situa-se entre 10% e 15%. Nesses casos sugerese avaliação dos outros fatores supracitados. Tumores de alta agressividade
tendem a ser tratados por cirurgia alargada, enquanto lesões que não invadam a muscularis propria e com índices proliferativos baixos tendem a
indicar formas locais de tratamento.
TNE pancreático
Os TNEs representam importante capítulo das neoplasias pancreáticas,
tanto pelas síndromes endócrinas paraneoplásicas, quanto pela grande
possibilidade de cura e controle local, quando em comparação com os
tumores exócrinos.
Representam um desafio diagnóstico devido aos vários padrões histopatológicos e ao pouco entendimento das alterações genéticas.
Apesar de os TNEs serem, em sua maioria, histologicamente bem diferenciados, o comportamento biológico é quase sempre maligno, com exceção
dos insulinomas. Concorre para esse fato não só a capacidade de metastatização para linfonodos regionais e fígado, mas também, na ocasião do
diagnóstico, a maioria dos tumores ser maior que 2 cm e com índice de
KI-67 > 2%(12, 13).
A remoção cirúrgica do TNE é o único tratamento curativo. Se o diagnóstico
está estabelecido e as metástases excluídas, a cirurgia pode remover todo o
tumor e curar a síndrome endócrina.
Caso a cirurgia curativa não seja possível, a do tipo Debulking deve ser considerada. As vantagens da citorredução incluem: redução da produção de
hormônios produzidos pelo tumor; controle medicamentoso dos sintomas mais
facilmente; diminuição da massa tumoral para otimização de doses de quimioterapia sistêmicas. Remissão clínica pode ser induzida por cirurgia paliativa, de modo que a presença de metástases linfonodais e/ou hepáticas não é
Fascículo 5
Pontos-chave
Tumores de alta
agressividade tendem
a ser tratados por
cirurgia alargada,
enquanto lesões
que não invadam a
muscularis propria
e com índices
proliferativos baixos
tendem a indicar
formas locais de
tratamento.
A remoção cirúrgica
do TNE pancreático
é o único tratamento
curativo. Se o
diagnóstico está
estabelecido e as
metástases excluídas, a
cirurgia pode remover
todo o tumor e curar a
síndrome endócrina.
Programa de Atualização em GIST e TNE
Pontos-chave
Mesmo o tumor
sendo localizado
no pré-operatório
com técnicas de
imagem, o ultrassom
intraoperatório deve
ser utilizado para
estabelecer relação
precisa do tumor com
o ducto pancreático
principal, pois se
o tumor invadir ou
comprimir o ducto, a
enucleação deve ser
evitada, dando lugar à
ressecção.
A GDP é uma operação
padrão para TNE da
cabeça pancreática,
com invasão duodenal
ou bloco metastático
linfonodal. A técnica
utilizada é a mesma
para os tumores
exócrinos, embora a
dissecção linfonodal
por vezes não seja tão
necessária.
10
necessariamente contraindicação de cirurgia, obviamente no contexto individual de cada paciente(13).
O tipo de ressecção depende da localização e da extensão.
Consideram-se duas opções para a remoção cirúrgica de um TNE:
enucleação e ressecção pancreática.
Enucleação: técnica bem popular para a maioria dos TNEs benignos, especialmente os insulinomas, podendo ser aplicadas a alguns tumores malignos pequenos (< 2 cm) que não invadam o parênquima ou o ducto pancreático principal.
Mesmo o tumor sendo localizado no pré-operatório com técnicas de imagem,
o ultrassom intraoperatório deve ser utilizado para estabelecer relação precisa do tumor com o ducto pancreático principal, pois se o tumor invadir ou
comprimir o ducto, a enucleação deve ser evitada, dando lugar à ressecção.
Estando o tumor a distância de 5 mm do ducto principal, a enucleação pode
ser realizada com segurança.
Após a decisão pela enucleação, o uso de bisturi elétrico parece ser a melhor
opção, sendo que alguns vasos devem ser ligados previamente. Para se confirmar a ausência de fístulas pancreáticas, o uso de 50 UI de secretina intravenosa no intraoperatório tem sido recomendado por alguns autores, finalizando
com sutura delicada com fios monofilamentares.
A enucleação por videolaparoscopia pode ser realizada perfeitamente utilizando os mesmos critérios da cirurgia aberta(14).
Ressecção
A ressecção pancreática para os TNEs geralmente é indicada para tumores
> 2 cm ou múltiplos tumores. Vários tipos de ressecção podem ser utilizados,
de acordo com situações distintas: gastroduodenopancratectomia cefálica,
duodenopancreatectomia com preservação do piloro, duodenectomia total
com preservação pancreática, centralectomia e pancreatectomia total.
A gastroduodenopancreatectomia cefálica (GDP) é uma operação padrão
para TNE da cabeça pancreática, com invasão duodenal ou bloco metastático linfonodal. A técnica utilizada é a mesma para os tumores exócrinos,
embora a dissecção linfonodal por vezes não seja tão necessária. A preservação do piloro tem as mesmas indicações, respeitando as margens cirúrgicas,
em especial a duodenal. Deve-se considerar sempre a ressecção vascular da
11
confluência mesentericoportal, quando indicada, principalmente em casos de
invasão vascular parcial.
A duodenectomia total com preservação pancreática tem indicação cirúrgica para pacientes com invasão apenas duodenal, geralmente encontrada
em portadores de neoplasia endócrina múltipla 1 (MEN-1) e síndrome de
Zollinger-Ellison.
A pancreatectomia distal é reservada classicamente aos tumores do corpo e da
cauda, sendo excelente opção para alguns TNEs de difícil localização, para os
quais é indicada a secção pancreática ao nível da veia mesentérica superior,
ressecando-se com isso boa parte do parênquima pancreático e aumentando
a chance de cura desses tumores.
A centralectomia pancreática, apesar de ser indicação mais rara, pode ser
considerada em alguns casos de TNE com localização no corpo pancreático
em que o parênquima pancreático distal à lesão não esteja comprometido.
A pancreatectomia total é excepcionalmente indicada em TNE, pois a
qualidade de vida e as complicações pós-operatórias são severamente prejudicadas. Entretanto, em alguns TNEs multicêntricos associados à
MEN-1 há indicações(14, 15).
Considerações cirúrgicas específicas
Insulinomas
Compreendem cerca de 60% dos TNEs funcionantes e em mais de 90% são
lesões benignas e com menos de 2 cm. Os associados à MEN-1 tendem à
multicentricidade e malignidade. Após o diagnóstico clínico, bioquímico e imaginológico, o tratamento cirúrgico é essencial.
Durante a exploração cirúrgica, tumores avermelhados e/ou esbranquiçados
podem ser visualizados na superfície pancreática, contudo o pâncreas deve
ser mobilizado meticulosamente e palpado em toda sua extensão e em suas
faces anterior e posterior. Se a lesão é visível ou palpável, o ultrassom é utilizado no intuito de avaliar as relações do tumor e o ducto pancreático principal.
Caso o tumor esteja a pelo menos 5 mm do ducto principal, a enucleação é o
tratamento padrão-ouro. Lesões maiores no corpo e na cauda e menores que
2 cm, mas com envolvimento do ducto, são manejadas com a pancreatectomia
distal com preservação esplênica, se possível.
Fascículo 5
Pontos-chave
A duodenectomia
total com preservação
pancreática tem
indicação cirúrgica para
pacientes com invasão
apenas duodenal,
geralmente encontrada
em portadores de
neoplasia endócrina
múltipla 1 (MEN-1) e
síndrome de ZollingerEllison.
A pancreatectomia total
é excepcionalmente
indicada em TNE, pois
a qualidade de vida
e as complicações
pós-operatórias
são severamente
prejudicadas.
Entretanto, em alguns
TNEs multicêntricos
associados à MEN-1 há
indicações.
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12
Ponto-chave
Gastrinomas (síndrome de Zollinger-Ellison)
Quando localizados em
colo, corpo e cauda da
glândula, são tratados
com pancreatectomia
distal, possivelmente
com preservação
esplênica. Tumores na
cabeça do pâncreas e no
processo uncinado são
ressecados por GDP.
A maioria dos pacientes com a síndrome de Zollinger-Ellison tem gastrinomas de duodeno ou pâncreas. Os gastrinomas ocorrem em 20% de todos os
TNEs, e aproximadamente 0,1% de todas as úlceras pépticas é proveniente
de gastrinomas. A maior parte desses tumores ocorre em uma área que
eufemisticamente denomina-se triângulo dos gastrinomas (área anatômica
delimitada medialmente pela junção do corpo e colo pancreáticos, inferiormente pela junção da segunda e terceira porções duodenais e superiormente
pela junção dos ductos cístico e hepático comum), daí essa região ter foco
cirúrgico especial. É importante lembrar que os gastrinomas podem ser encontrados em outros sítios.
A combinação de manobra de Kocher alargada e o uso de ultrassom
intraoperatório detecta a maioria das lesões; outrossim, caso o tumor não
seja detectado no pâncreas, uma duodenotomia deve ser realizada e, nesse
caso, gastrinomas submucosos duodenais podem ser achados e ressecados
localmente com pequena margem. Os tumores superficiais e < 2 cm podem
ser enucleados. Tumores maiores ou localizados mais profundamente devem
ser tratados com ressecção. Quando localizados em colo, corpo e cauda da
glândula, são tratados com pancreatectomia distal, possivelmente com preservação esplênica. Tumores na cabeça do pâncreas e no processo uncinado são
ressecados por GDP.
Em alguns casos de gastrinomas multicêntricos associados a MEN-1, alguns
autores recomendam o procedimento de Thompson, que consiste em pancreatectomia distal com preservação esplênica, enucleação de tumores na
cabeça pancreática associada a duodenotomia exploradora e ressecção
eventual de gastrinomas.
O hiperparatireoidismo deve ser tratado com paratireoidectomia, preferencialmente antes do tratamento do gastrinoma(16).
Somatostinomas
São tumores pancreáticos raros, mais comuns em mulheres e frequentemente
localizados na cabeça pancreática.
A somatostatina exerce efeito inibitório nas secreções exócrina e endócrina do pâncreas e na motilidade intestinal, o que levou muitos a cunharem
o termo síndrome inibitória, justificando os sintomas intestinais. Por suas
13
dimensões, frequentemente > 5 cm na ocasião do diagnóstico, e sua localização a gastroduodenopancreatectomia é o procedimento mais comumente
realizado. Na presença de doença localmente avançada deve-se proceder
ao Debulking tumoral sempre que possível, com vistas ao alívio sintomático.
A colecistectomia está sempre indicada devido à elevada incidência de colelitíase e colecistite aguda.
Glucagonomas
Representam aproximadamente 10% dos tumores endócrinos funcionantes,
são mais prevalentes em mulheres e em 80% dos casos são malignos. Diferentemente da maioria dos outros tumores, raramente se apresentam em
sítios extrapancreáticos e usualmente são solitários e com diâmetro > 5 cm,
o que leva a serem tratados com procedimento de ressecção na maioria dos
casos. A cirurgia de Debulking, como em outras neoplasias endócrinas, deve
ser indicada.
Tumores não funcionantes
Os tumores não funcionantes fazem parte de um grupo de lesões ainda pouco
compreendidas em sua biologia tumoral e de comportamento agressivo. Em
várias séries, em torno de 50% de todas as neoplasias neuroendócrinas são
não funcionantes. É provável que essas lesões produzam peptídeos e aminas ainda desconhecidos e sem efeito metabólico conhecido. Algumas vezes
esses tumores secretam polipeptídeos pancreáticos (PP), sendo chamados
de ppomas, mas sem associação a síndromes hormonais distintas, por isso
agrupados como tumores não funcionantes. Como não há sintomas referentes a hormônio conhecido, o diagnóstico é resultado do efeito “massa” e/ou
obstrução das vias biliares. Às vezes o achado é incidental durante cirurgia
para propenso adenocarcinoma pancreático.
Uma agressiva abordagem cirúrgica é a única chance de tratamento com intenção curativa. Taxas de ressecção em torno de 30% a 70%, com sobrevida
em cinco anos variando de 30% a 80%, são reportadas na literatura.
O tratamento cirúrgico é bem semelhante ao do adenocarcinoma, variando
de acordo com a localização tumoral, em que pese uma linfadenectomia
menos radical(15, 16).
Fascículo 5
Pontos-chave
Os glucagonomas
raramente se
apresentam em sítios
extrapancreáticos
e usualmente são
solitários e com
diâmetro > 5 cm, o que
leva a serem tratados
com procedimento de
ressecção na maioria
dos casos.
O tratamento cirúrgico
dos tumores não
funcionantes é bem
semelhante ao do
adenocarcinoma,
variando de acordo
com a localização
tumoral, em que pese
uma linfadenectomia
menos radical.
Programa de Atualização em GIST e TNE
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Surg. 2003; 197: 29-37.
14
Preparo pré-operatório
A preparação pré-operatória depende de alguns mediadores e das condições gerais dos pacientes. Por exemplo, em casos de vipomas são necessárias
correção dos distúrbios hidroeletrolíticos e administração de octreotida com
intuito de diminuição do volume de diarreia.
Nos glucagonomas a administração de análogos da somatostatina pode ajudar no controle da hiperglicemia e da dermatite. O mesmo é indicado para
somatostatinomas, pois também é efetivo no controle pré-operatório de diabetes e diarreia.
Obviamente, nos insulinomas um bom preparo pré-operatório (correção dos
distúrbios hidroeletrolítico e ácido-básico decorrentes da hiperglicemia) é fundamental para o sucesso cirúrgico(17).
Considerações cirúrgicas das metástases
hepáticas
Nas metástases hepáticas de TNE, o procedimento cirúrgico tem sido realizado no tratamento primário dos doentes sintomáticos. O benefício em ressecar
essas metástases de crescimento lento é diminuir a gravidade dos sintomas
endócrinos relacionados com o tamanho dessas lesões. A sobrevida dos pacientes ressecados pode chegar a 73% em cinco anos, como demonstraram
Batts et al. Em outra publicação, Chen et al. verificaram essa mesma sobrevida
em cinco anos, sendo que nos pacientes não ressecados a sobrevida em cinco
anos foi de 29%(18, 19).
Claramente o papel da cirurgia citorredutora mostra-se importante. Após
as metástases serem identificadas, é importante determinar tamanho, número e localização com o objetivo de planejar a ressecção. Vários tipos
de ressecção hepática podem ser indicados de acordo com os achados.
Ressecções parciais, segmentectomias, lobectomias (bissegmentectomias)
e eventualmente trissegmentectomias podem ser bem indicadas. Em circunstâncias em que a remoção cirúrgica não seja possível, a alcoolização
da lesão dominante pode levar à necrose com significativo benefício dos
sintomas.
A radiofrequência pode ser utilizada no tratamento das metástases e com
a melhor indicação nos casos de metástases múltiplas e profundas no
parênquima.
15
Atualmente, o transplante hepático está bem estabelecido para tratar pacientes com metástases hepáticas de tumores neuroendócrinos sem chance de ressecção hepática. A sobrevida em cinco anos pode variar de 59%
a 82%, sendo que 20% dos pacientes podem atingir essa sobrevida livres
de doença(19, 20).
Fascículo 5
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Tratamento cirúrgico dos tumores neuroendócrinos do trato