Programa de Atualização em GIST e TNE 5 Eduardo Linhares CRM 320843-RJ 4 Tratamento cirúrgico dos tumores neuroendócrinos do trato gastrointestinal e pancreáticos Doutor em Cirurgia; chefe do Serviço de Cirurgia Abdominopélvica do Instituto Nacional de Câncer (INCA) Marcus Valadão CRM 52708267-RJ Cirurgião oncológico do INCA; mestre em Cirurgia Gastrointestinal pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); doutorando em Oncologia pelo INCA; vicepresidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica Objetivos de aprendizado Identificar diferentes opções de tratamento cirúrgico, de acordo com a localização e a apresentação dos TNEs Avaliar o tratamento cirúrgico paliativo e metastático na doença avançada Rafael Albagli CRM 5251452-0 Cirurgião titular do Serviço de Cirurgia Abdominopélvica do INCA Introdução A cirurgia é parte essencial do manuseio dos tumores neuroendócrinos (TNEs) em diferentes fases da doença(1). Naqueles com doença limitada permanece como o único método terapêutico visando à cura. Nos casos de doença avançada, a cirurgia citorredutora associada ao tratamento multidisciplinar proporciona aumento da sobrevida(2) e, nos casos irressecáveis, a cirurgia tem importante papel na paliação, buscando melhoria na qualidade de vida (p. ex., nos casos de obstrução intestinal por fibrose relacionada com o tumor). Este artigo foi dividido em função da topografia do tumor em obediência aos atuais princípios dos consensos da European Neuro Endocrine Tumor Society (ENETS)(3). É interessante ressaltar que, em qualquer cirurgia de TNE que se vislumbre possibilidade posterior de uso de análogos de somatostatina, recomenda-se a realização da colecistectomia profilática, face ao alto percentual de colelitíase decorrente desse tratamento. 5 Fascículo 5 Tratamento do TNE gástrico Pontos-chave Os TNEs gástricos são classificados em três subtipos distintos, tendo como base os diferentes mecanismos fisiopatológicos e, consequentemente, diferentes apresentações clínicas(4). Dessa forma, o tratamento é moldado para cada subtipo(5). Dois tipos são associados a estados de hipergastrinemia. O tipo I é a apresentação mais frequente (80%) e está relacionado com gastrite crônica atrófica tipo A, anemia perniciosa autoimune e perda de células parietais. A elevação da gastrina sérica decorrente dessas patologias (por conta da perda das células parietais) estimula a proliferação das células enterocromafin-like (ECL), ocasionando o desenvolvimento do TNE gástrico tipo I. Geralmente, esse tipo se apresenta como lesões polipoides múltiplas, de pequeno tamanho (< 1-2 cm), restritas a mucosa e submucosa e de evolução benigna. No tipo II (corresponde a 5%), também há elevação da gastrina, porém decorrente de outro mecanismo fisiopatológico, que é a hipergastrinemia relacionada com a neoplasia das células G, presente na síndrome de Zollinger-Ellison ou na neoplasia endócrina múltipla tipo I (NEM-1). Também tem apresentação como lesões polipoides múltiplas, de pequeno tamanho (< 1-2 cm), restritas a mucosa e submucosa e de evolução benigna. O tipo III (15%) corresponde à forma esporádica, que ocorre sem hipergastrinemia, apresenta-se como lesões grandes, únicas, tendo comportamento mais agressivo (metástases 50%-100%). O tipo I é a apresentação mais frequente (80%) e está relacionado com gastrite crônica atrófica tipo A, anemia perniciosa autoimune e perda de células parietais. Segundo o consenso da ENETS(6), os portadores de TNEs gástricos tipos I e II com tumores < 1 cm devem ser acompanhados anualmente por endoscopia, uma vez que esses pacientes apresentam evolução benigna e raramente morrerão em decorrência desses tumores. Lesões > 1 cm devem ser ressecadas por endoscopia (até seis pólipos), desde que não haja invasão da camada muscular (a invasão da camada muscular aumenta consideravelmente a chance de desenvolvimento de metástase linfonodal, sendo mandatória a ressecção cirúrgica associada a linfadenectomia). É obrigatória a avaliação da profundidade da lesão na parede gástrica por ecoendoscopia pré-tratamento. A cirurgia é indicada nas demais situações (invasão da camada muscular, presença de metástase linfonodal, mais de seis pólipos > 1 cm). A ressecção da lesão associada à antrectomia é uma opção para os casos do tipo I, por reduzir o nível de gastrina e diminuir a chance de desenvolvimento de novos TNEs gástricos. Já o tipo III, em decorrência de seu comportamento mais agressivo, deve ser tratado por gastrectomia associada à linfadenectomia regional. Segundo o consenso da ENETS, os portadores de TNEs gástricos tipos I e II com tumores < 1 cm devem ser acompanhados anualmente por endoscopia, uma vez que esses pacientes apresentam evolução benigna e raramente morrerão em decorrência desses tumores. Programa de Atualização em GIST e TNE Ponto-chave Na cirurgia, deve-se ter em mente que 26% a 30% dos TNEs do intestino delgado são multicêntricos e 15% a 29%, associadas a outras neoplasias. O tratamento cirúrgico pode ser dividido em curativo e paliativo. A intenção curativa é utilizada para a doença locorregional e envolve a ressecção entérica com ampla retirada de meso (linfadenectomia adequada). 6 Tabela • Características gerais relacionadas com TNEs gástricos Tipo I Tipo II Tipo III Frequência (%) 70-80 5-6 15-20 Tamanho < 1-2 cm < 1-2 cm > 2 cm Número Múltiplo Múltiplo Único Forma Polipoide Polipoide Ulcerado Clínica Gastrite crônica atrófica Gastrinoma/ NEM-1 Nenhuma Gastrina Elevada Elevada Normal Metástase (%) 2-5 10-30 50-100 Morte relacionada com o tumor (%) 0 < 10 25-30 TNEs: tumores neuroendócrinos; NEM-1: neoplasia endócrina múltipla tipo I. TNE do intestino delgado É o tipo mais frequente, correspondendo a aproximadamente 23%-28% dos TNEs do trato gastrointestinal(7). De forma geral, são tumores bem diferenciados e indolentes, o que os leva a determinarem poucos sintomas e, consequentemente, a provocarem diagnóstico tardio. Na cirurgia, deve-se ter em mente que 26% a 30% dessas lesões são multicêntricas e 15% a 29%, associadas a outras neoplasias. A proposta de T: tumor, N: linfonodo, M: metástase (TNM) leva em consideração tamanho do tumor, invasão de estruturas adjacentes, presença de metástases linfonodais e metástases a distância(8). O estágio I foi definido como lesões com menos de 1 cm sem metástases; o estagio II, como tumores maiores que 1 cm sem metástases; o III A, quando T invade estruturas adjacentes; III B, quando há metástases linfonodais regionais e IV, com metástases a distância. O tratamento cirúrgico pode ser dividido em curativo e paliativo. A intenção curativa é utilizada para a doença locorregional e envolve a ressecção entérica com ampla retirada de meso (linfadenectomia adequada). Mesmo na presença de doença metastática é possível obter cura. O objetivo é a ressecção 7 completa das metástases (cirurgia R0); especificamente para as hepáticas, pode-se atingir em cinco anos sobrevida livre de doença maior que 60%, comparado a 30% com o tratamento não cirúrgico(9, 10). Na cirurgia, julgamos a ultrassonografia (US) intraoperatória essencial, e o tipo de ressecção será em função do tamanho e da posição das metástases, podendo variar de enucleação a lobectomia anatômica. Outras formas de ablação, como radiofrequência, podem ser utilizadas. O tratamento paliativo está indicado sempre que possível para retirada do primário. Esses tumores geram importante reação desmoplástica secundária à produção de serotonina, que termina por obstruir o lúmen intestinal e/ou gerar síndrome de encapsulamento peritoneal com obstrução e isquemia mesentérica. A ressecção paliativa do primário e das metástases também está indicada quando é possível redução tumoral próxima a 90% e desde que se tenha equipe experiente e com baixa mortalidade nesse tipo de intervenção. TNE do apêndice Diferentemente de outros tumores do intestino médio, como os jejunoileais, o TNE apendicular raramente é secretante e tem bom prognóstico. É o tumor mais frequente do apêndice e a faixa etária mais atingida é entre 40 e 50 anos. A apresentação clínica mais frequente é dor em fossa ilíaca direita, simulando ou não apendicite. Estima-se que cerca de 7% das peças de apendicectomia por apendicite terão o diagnóstico de TNE. A topografia no apêndice mais frequente é na ponta, quando raramente determina apendicite por obliteração do lúmen. Os principais fatores prognósticos são: tamanho, presença de linfonodos e metástases. Isso permitiu o primeiro esboço de classificação TNM para esses tumores. Contudo, outros fatores prognósticos, como invasão do mesoapêndice, comprometimento da base apendicular, tipo histológico de células caliciformes, grau de diferenciação, índices de mitose e de proliferação (Ki 67), invasão linfovascular, profundidade de invasão e perfuração apendicular, também influenciam o prognóstico e a decisão cirúrgica. Felizmente, o tipo mais comum é bem diferenciado, pequeno (menor que 2 cm), situado na ponta e com baixo índice proliferativo, o que explicaria o bom prognóstico. O estadiamento leva em consideração o tamanho (T) e o subdivide em: T1, menor que 2 cm; T2, > 2 cm e T3, ≥ 3 cm. O N representa a presença de linfonodos regionais, havendo N0 e N1 quando comprometidos. A vigência de metástases significaria M1. Após análise de 900 casos, encontrou-se correlação com sobrevida sugerindo a eficácia do estadiamento(11). Os tumores T2 ou mais e/ou N1 têm indicação de colectomia. A existência de um sistema de estadiamento é muito importante, pois tende a unificar a Fascículo 5 Pontos-chave Na cirurgia, julgamos a US intraoperatória essencial, e o tipo de ressecção será em função do tamanho e da posição das metástases, podendo variar de enucleação a lobectomia anatômica. É o tumor mais frequente do apêndice e a faixa etária mais atingida é entre 40 e 50 anos. A apresentação clínica mais frequente é dor em fossa ilíaca direita, simulando ou não apendicite. Programa de Atualização em GIST e TNE Pontos-chave Nos TNEs apendiculares, a opção entre apendicetomia e colectomia levará em consideração outros fatores prognósticos de grande impacto além de TNM. A imensa maioria dos casos de TNE colônico é de neoplasias com invasão da muscularis propria e maiores que 2 cm, que têm alto percentual de metástases linfáticas e, portanto, exigem colectomia padrão com linfadenectomia. 8 linguagem de apresentação, propor a terapêutica em função dos estágios e mostrar-se eficaz quanto à diferenciação do prognóstico. Contudo, nos TNEs apendiculares, a opção entre apendicetomia e colectomia levará em consideração outros fatores prognósticos de grande impacto além de TNM. Entre os fatores citados, como mau prognóstico, os guidelines da ENETS(3) sugerem que levemos em consideração para indicar colectomia: localização na base com margens cecais comprometidas, invasão do mesoapêndice e tipo de células caliciformes. Na vigência de metástases, o tratamento obedecerá as linhas do tratamento para TNEs metastáticos. A sobrevida em cinco anos dos casos sem metástases gira em torno de 98%. Quando há metástases, geralmente são para linfonodos e raramente apresentam metástases a distância. A sobrevida dos casos ressecados com metástases linfonodais é cerca de 70%, e o tratamento multidisciplinar pode proporcionar taxas de 40%, mesmo na vigência de metástases. Tratamento do TNE colorretal Os TNEs colônicos são raros, geralmente se apresentam como doença avançada com metástases linfonodais, hepáticas, mesentério e peritoneais. Têm pior prognóstico quando comparados aos retais, que, por sua vez, vêm se tornando mais incidentes, também pelo uso mais frequente de colonoscopia. TNE colônico O tratamento cirúrgico dos TNEs do cólon tem por base a cirurgia realizada para os adenocarcinomas. A imensa maioria dos casos é de neoplasias com invasão da muscularis propria e maiores que 2 cm, que têm alto percentual de metástases linfáticas e, portanto, exigem colectomia padrão com linfadenectomia. Na doença localizada, a colectomia com ampla linfadenectomia é o tratamento padrão-ouro(3). Na vigência de metástases, ainda assim deve-se realizar a ressecção do primário para evitar futura obstrução ou sangramento. TNE retal A ressecção completa da lesão é a única opção terapêutica para fins curativos. O melhor parâmetro para definir a conduta é o tamanho, embora outros fatores prognósticos devam ser levados em consideração. Atipia, grau 9 de diferenciação, contagem mitótica, Ki 67, invasão da muscularis propria e invasão linfovascular podem levar à individualização da conduta associada ao tamanho. As lesões menores que 1 cm têm risco estimado de metástases menor que 3%. Essas lesões devem ser tratadas por formas locais de terapia, desde a polipectomia endoscópica até a excisão endoanal. As lesões maiores que 2 cm frequentemente invadem a muscularis propria e têm risco de metástases regionais estimado em 60%-80%, o que justifica cirurgia mais agressiva com ressecção retal total ou parcial associada a excisão mesorretal total (TME). A situação é menos clara quando o tumor situa-se entre 1 e 2 cm. A chance de metástases situa-se entre 10% e 15%. Nesses casos sugerese avaliação dos outros fatores supracitados. Tumores de alta agressividade tendem a ser tratados por cirurgia alargada, enquanto lesões que não invadam a muscularis propria e com índices proliferativos baixos tendem a indicar formas locais de tratamento. TNE pancreático Os TNEs representam importante capítulo das neoplasias pancreáticas, tanto pelas síndromes endócrinas paraneoplásicas, quanto pela grande possibilidade de cura e controle local, quando em comparação com os tumores exócrinos. Representam um desafio diagnóstico devido aos vários padrões histopatológicos e ao pouco entendimento das alterações genéticas. Apesar de os TNEs serem, em sua maioria, histologicamente bem diferenciados, o comportamento biológico é quase sempre maligno, com exceção dos insulinomas. Concorre para esse fato não só a capacidade de metastatização para linfonodos regionais e fígado, mas também, na ocasião do diagnóstico, a maioria dos tumores ser maior que 2 cm e com índice de KI-67 > 2%(12, 13). A remoção cirúrgica do TNE é o único tratamento curativo. Se o diagnóstico está estabelecido e as metástases excluídas, a cirurgia pode remover todo o tumor e curar a síndrome endócrina. Caso a cirurgia curativa não seja possível, a do tipo Debulking deve ser considerada. As vantagens da citorredução incluem: redução da produção de hormônios produzidos pelo tumor; controle medicamentoso dos sintomas mais facilmente; diminuição da massa tumoral para otimização de doses de quimioterapia sistêmicas. Remissão clínica pode ser induzida por cirurgia paliativa, de modo que a presença de metástases linfonodais e/ou hepáticas não é Fascículo 5 Pontos-chave Tumores de alta agressividade tendem a ser tratados por cirurgia alargada, enquanto lesões que não invadam a muscularis propria e com índices proliferativos baixos tendem a indicar formas locais de tratamento. A remoção cirúrgica do TNE pancreático é o único tratamento curativo. Se o diagnóstico está estabelecido e as metástases excluídas, a cirurgia pode remover todo o tumor e curar a síndrome endócrina. Programa de Atualização em GIST e TNE Pontos-chave Mesmo o tumor sendo localizado no pré-operatório com técnicas de imagem, o ultrassom intraoperatório deve ser utilizado para estabelecer relação precisa do tumor com o ducto pancreático principal, pois se o tumor invadir ou comprimir o ducto, a enucleação deve ser evitada, dando lugar à ressecção. A GDP é uma operação padrão para TNE da cabeça pancreática, com invasão duodenal ou bloco metastático linfonodal. A técnica utilizada é a mesma para os tumores exócrinos, embora a dissecção linfonodal por vezes não seja tão necessária. 10 necessariamente contraindicação de cirurgia, obviamente no contexto individual de cada paciente(13). O tipo de ressecção depende da localização e da extensão. Consideram-se duas opções para a remoção cirúrgica de um TNE: enucleação e ressecção pancreática. Enucleação: técnica bem popular para a maioria dos TNEs benignos, especialmente os insulinomas, podendo ser aplicadas a alguns tumores malignos pequenos (< 2 cm) que não invadam o parênquima ou o ducto pancreático principal. Mesmo o tumor sendo localizado no pré-operatório com técnicas de imagem, o ultrassom intraoperatório deve ser utilizado para estabelecer relação precisa do tumor com o ducto pancreático principal, pois se o tumor invadir ou comprimir o ducto, a enucleação deve ser evitada, dando lugar à ressecção. Estando o tumor a distância de 5 mm do ducto principal, a enucleação pode ser realizada com segurança. Após a decisão pela enucleação, o uso de bisturi elétrico parece ser a melhor opção, sendo que alguns vasos devem ser ligados previamente. Para se confirmar a ausência de fístulas pancreáticas, o uso de 50 UI de secretina intravenosa no intraoperatório tem sido recomendado por alguns autores, finalizando com sutura delicada com fios monofilamentares. A enucleação por videolaparoscopia pode ser realizada perfeitamente utilizando os mesmos critérios da cirurgia aberta(14). Ressecção A ressecção pancreática para os TNEs geralmente é indicada para tumores > 2 cm ou múltiplos tumores. Vários tipos de ressecção podem ser utilizados, de acordo com situações distintas: gastroduodenopancratectomia cefálica, duodenopancreatectomia com preservação do piloro, duodenectomia total com preservação pancreática, centralectomia e pancreatectomia total. A gastroduodenopancreatectomia cefálica (GDP) é uma operação padrão para TNE da cabeça pancreática, com invasão duodenal ou bloco metastático linfonodal. A técnica utilizada é a mesma para os tumores exócrinos, embora a dissecção linfonodal por vezes não seja tão necessária. A preservação do piloro tem as mesmas indicações, respeitando as margens cirúrgicas, em especial a duodenal. Deve-se considerar sempre a ressecção vascular da 11 confluência mesentericoportal, quando indicada, principalmente em casos de invasão vascular parcial. A duodenectomia total com preservação pancreática tem indicação cirúrgica para pacientes com invasão apenas duodenal, geralmente encontrada em portadores de neoplasia endócrina múltipla 1 (MEN-1) e síndrome de Zollinger-Ellison. A pancreatectomia distal é reservada classicamente aos tumores do corpo e da cauda, sendo excelente opção para alguns TNEs de difícil localização, para os quais é indicada a secção pancreática ao nível da veia mesentérica superior, ressecando-se com isso boa parte do parênquima pancreático e aumentando a chance de cura desses tumores. A centralectomia pancreática, apesar de ser indicação mais rara, pode ser considerada em alguns casos de TNE com localização no corpo pancreático em que o parênquima pancreático distal à lesão não esteja comprometido. A pancreatectomia total é excepcionalmente indicada em TNE, pois a qualidade de vida e as complicações pós-operatórias são severamente prejudicadas. Entretanto, em alguns TNEs multicêntricos associados à MEN-1 há indicações(14, 15). Considerações cirúrgicas específicas Insulinomas Compreendem cerca de 60% dos TNEs funcionantes e em mais de 90% são lesões benignas e com menos de 2 cm. Os associados à MEN-1 tendem à multicentricidade e malignidade. Após o diagnóstico clínico, bioquímico e imaginológico, o tratamento cirúrgico é essencial. Durante a exploração cirúrgica, tumores avermelhados e/ou esbranquiçados podem ser visualizados na superfície pancreática, contudo o pâncreas deve ser mobilizado meticulosamente e palpado em toda sua extensão e em suas faces anterior e posterior. Se a lesão é visível ou palpável, o ultrassom é utilizado no intuito de avaliar as relações do tumor e o ducto pancreático principal. Caso o tumor esteja a pelo menos 5 mm do ducto principal, a enucleação é o tratamento padrão-ouro. Lesões maiores no corpo e na cauda e menores que 2 cm, mas com envolvimento do ducto, são manejadas com a pancreatectomia distal com preservação esplênica, se possível. Fascículo 5 Pontos-chave A duodenectomia total com preservação pancreática tem indicação cirúrgica para pacientes com invasão apenas duodenal, geralmente encontrada em portadores de neoplasia endócrina múltipla 1 (MEN-1) e síndrome de ZollingerEllison. A pancreatectomia total é excepcionalmente indicada em TNE, pois a qualidade de vida e as complicações pós-operatórias são severamente prejudicadas. Entretanto, em alguns TNEs multicêntricos associados à MEN-1 há indicações. Programa de Atualização em GIST e TNE 12 Ponto-chave Gastrinomas (síndrome de Zollinger-Ellison) Quando localizados em colo, corpo e cauda da glândula, são tratados com pancreatectomia distal, possivelmente com preservação esplênica. Tumores na cabeça do pâncreas e no processo uncinado são ressecados por GDP. A maioria dos pacientes com a síndrome de Zollinger-Ellison tem gastrinomas de duodeno ou pâncreas. Os gastrinomas ocorrem em 20% de todos os TNEs, e aproximadamente 0,1% de todas as úlceras pépticas é proveniente de gastrinomas. A maior parte desses tumores ocorre em uma área que eufemisticamente denomina-se triângulo dos gastrinomas (área anatômica delimitada medialmente pela junção do corpo e colo pancreáticos, inferiormente pela junção da segunda e terceira porções duodenais e superiormente pela junção dos ductos cístico e hepático comum), daí essa região ter foco cirúrgico especial. É importante lembrar que os gastrinomas podem ser encontrados em outros sítios. A combinação de manobra de Kocher alargada e o uso de ultrassom intraoperatório detecta a maioria das lesões; outrossim, caso o tumor não seja detectado no pâncreas, uma duodenotomia deve ser realizada e, nesse caso, gastrinomas submucosos duodenais podem ser achados e ressecados localmente com pequena margem. Os tumores superficiais e < 2 cm podem ser enucleados. Tumores maiores ou localizados mais profundamente devem ser tratados com ressecção. Quando localizados em colo, corpo e cauda da glândula, são tratados com pancreatectomia distal, possivelmente com preservação esplênica. Tumores na cabeça do pâncreas e no processo uncinado são ressecados por GDP. Em alguns casos de gastrinomas multicêntricos associados a MEN-1, alguns autores recomendam o procedimento de Thompson, que consiste em pancreatectomia distal com preservação esplênica, enucleação de tumores na cabeça pancreática associada a duodenotomia exploradora e ressecção eventual de gastrinomas. O hiperparatireoidismo deve ser tratado com paratireoidectomia, preferencialmente antes do tratamento do gastrinoma(16). Somatostinomas São tumores pancreáticos raros, mais comuns em mulheres e frequentemente localizados na cabeça pancreática. A somatostatina exerce efeito inibitório nas secreções exócrina e endócrina do pâncreas e na motilidade intestinal, o que levou muitos a cunharem o termo síndrome inibitória, justificando os sintomas intestinais. Por suas 13 dimensões, frequentemente > 5 cm na ocasião do diagnóstico, e sua localização a gastroduodenopancreatectomia é o procedimento mais comumente realizado. Na presença de doença localmente avançada deve-se proceder ao Debulking tumoral sempre que possível, com vistas ao alívio sintomático. A colecistectomia está sempre indicada devido à elevada incidência de colelitíase e colecistite aguda. Glucagonomas Representam aproximadamente 10% dos tumores endócrinos funcionantes, são mais prevalentes em mulheres e em 80% dos casos são malignos. Diferentemente da maioria dos outros tumores, raramente se apresentam em sítios extrapancreáticos e usualmente são solitários e com diâmetro > 5 cm, o que leva a serem tratados com procedimento de ressecção na maioria dos casos. A cirurgia de Debulking, como em outras neoplasias endócrinas, deve ser indicada. Tumores não funcionantes Os tumores não funcionantes fazem parte de um grupo de lesões ainda pouco compreendidas em sua biologia tumoral e de comportamento agressivo. Em várias séries, em torno de 50% de todas as neoplasias neuroendócrinas são não funcionantes. É provável que essas lesões produzam peptídeos e aminas ainda desconhecidos e sem efeito metabólico conhecido. Algumas vezes esses tumores secretam polipeptídeos pancreáticos (PP), sendo chamados de ppomas, mas sem associação a síndromes hormonais distintas, por isso agrupados como tumores não funcionantes. Como não há sintomas referentes a hormônio conhecido, o diagnóstico é resultado do efeito “massa” e/ou obstrução das vias biliares. Às vezes o achado é incidental durante cirurgia para propenso adenocarcinoma pancreático. Uma agressiva abordagem cirúrgica é a única chance de tratamento com intenção curativa. Taxas de ressecção em torno de 30% a 70%, com sobrevida em cinco anos variando de 30% a 80%, são reportadas na literatura. O tratamento cirúrgico é bem semelhante ao do adenocarcinoma, variando de acordo com a localização tumoral, em que pese uma linfadenectomia menos radical(15, 16). Fascículo 5 Pontos-chave Os glucagonomas raramente se apresentam em sítios extrapancreáticos e usualmente são solitários e com diâmetro > 5 cm, o que leva a serem tratados com procedimento de ressecção na maioria dos casos. O tratamento cirúrgico dos tumores não funcionantes é bem semelhante ao do adenocarcinoma, variando de acordo com a localização tumoral, em que pese uma linfadenectomia menos radical. Programa de Atualização em GIST e TNE Referências 1. Modlin IM, Öberg K. A century of advances in neuro endocrine tumor biology and treatment. 1st ed. Sweden: Felsenstein; 2009. 2. Kulke MH, Raut CP. 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Obviamente, nos insulinomas um bom preparo pré-operatório (correção dos distúrbios hidroeletrolítico e ácido-básico decorrentes da hiperglicemia) é fundamental para o sucesso cirúrgico(17). Considerações cirúrgicas das metástases hepáticas Nas metástases hepáticas de TNE, o procedimento cirúrgico tem sido realizado no tratamento primário dos doentes sintomáticos. O benefício em ressecar essas metástases de crescimento lento é diminuir a gravidade dos sintomas endócrinos relacionados com o tamanho dessas lesões. A sobrevida dos pacientes ressecados pode chegar a 73% em cinco anos, como demonstraram Batts et al. Em outra publicação, Chen et al. verificaram essa mesma sobrevida em cinco anos, sendo que nos pacientes não ressecados a sobrevida em cinco anos foi de 29%(18, 19). Claramente o papel da cirurgia citorredutora mostra-se importante. Após as metástases serem identificadas, é importante determinar tamanho, número e localização com o objetivo de planejar a ressecção. Vários tipos de ressecção hepática podem ser indicados de acordo com os achados. Ressecções parciais, segmentectomias, lobectomias (bissegmentectomias) e eventualmente trissegmentectomias podem ser bem indicadas. Em circunstâncias em que a remoção cirúrgica não seja possível, a alcoolização da lesão dominante pode levar à necrose com significativo benefício dos sintomas. A radiofrequência pode ser utilizada no tratamento das metástases e com a melhor indicação nos casos de metástases múltiplas e profundas no parênquima. 15 Atualmente, o transplante hepático está bem estabelecido para tratar pacientes com metástases hepáticas de tumores neuroendócrinos sem chance de ressecção hepática. A sobrevida em cinco anos pode variar de 59% a 82%, sendo que 20% dos pacientes podem atingir essa sobrevida livres de doença(19, 20). Fascículo 5 10. Elias D, Lasser P, Ducreux M, et al. 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