O SISTEMA DE TREINO DE FABIANO PEÇANHA Zaar, Andrigo1; Reis, Victor Machado 2; Pereira, Antonino3. RESUMO O objetivo deste estudo foi compreender a estrutura do planejamento anual de um atleta especialista nas provas de Meio-Fundo de alto rendimento. Os dados foram coletados através de entrevistas em profundidade e da observação não participante. A estrutura do planejamento anual de Fabiano Peçanha é caracterizada pela dupla periodização, tendo como principal objetivo os Jogos Olímpicos e Campeonatos do Mundo. As características gerais do treino estão assentes na definição dos princípios de gestão das cargas de treino utilizadas através da rentabilização das reservas energéticas, com base no ritmo de competição e na morfologia orgânica. Estes fatores determinaram a elevada eficácia das sessões, que conduziram ao sucesso e garantiram a exploração do seu potencial. PALAVRAS-CHAVE: Periodização do treino; atletismo; alto rendimento; meio-fundo. 1 Mestre em Ciência do Desporto. Instituto de Desenvolvimento Educacional do Alto Uruguai (IDEAU). Departamento de Ciências do Desporto, Exercício e Saúde (UTAD/DCDES). Getúlio Vargas, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: [email protected] 2 Doutor em Ciências do Desporto. Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano (CIDESD). Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). Vila Real, Portugal. E-mail: [email protected] 3 Doutor em Ciências do Desporto. Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano (CIDESD). Instituto Politécnico de Viseu. E-mail: [email protected] Zaar, Andrigo; Reis, Victor Machado; Pereira, Antonino. O SISTEMA DE TREINO DE FABIANO PEÇANHA. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 191, Abril de 2014. http://www.efdeportes.com/ FABIANO PEÇANHA΄S SYSTEM TRAINING ABSTRACT The purpose of this study was to understand the structure of annual planning from an expert athlete in Middle Distance Tests of high yield. Data collection took place from in-depth interviews and non-participant observation. The structure of the athlete Fabiano Peçanha΄s annual planning has been characterized by the double periodization, as a main goal the Olympic Games and the World Championships. The general characteristics of the training are based on the definition of the management of training principles used through the monetization of energy reserves, according to the pace of competition. These factors have determined the high effectiveness of the sessions, which led to the success and ensured the exploitation of his potential. KEYWORDS: Training periodization; athletics; high yield; middle distance. EL SISTEMA DE ENTRENAMIENTO DE FABIANO PEÇANHA RESUMEN El objetivo de este estudio fue comprender la estructura de la planificación anual de un atleta especialista en las pruebas de media distancia. Los datos fueron colectados a través de entrevistas en profundidad y de la observación no participante. La estructura de la planificación anual del atleta es caracterizada por la periodización doble, teniendo como principal objetivo los Juegos Olímpicos y Campeonatos del Mundo. Las características generales del entrenamiento están resueltos en la definición de los principios de la gestión de las cargas del entrenamiento utilizadas a través de la rentabilidad de las reservas de energía, basadas en el ritmo de competición. Estos factores han determinado la gran efectividad de las sesiones, llevando al éxito. PALABRAS CLAVE: Periodización del entrenamiento; atletismo; alto rendimiento; media distancia. INTRODUÇÃO O desporto é uma atividade que busca a transcendência, apelando ao homem para superar sistematicamente os seus limites (GARCIA; LEMOS, 2005, p. 23), e a essência da sua prática concretiza-se pela subida dos degraus da superação das dificuldades para a excelência (BENTO, 2004, p. 56). Nos últimos anos, tem-se verificado um crescente interesse pelo estudo de atletas que apresentam desempenhos desportivos de nível superior (BORIN; GONÇALVES, 2004, p. 9). Apesar da riqueza da informação existente acerca dos fatores que influenciam a aquisição e a manutenção do desempenho de alto nível, a nossa compreensão está longe de estar completa e são ainda muitas as interrogações frente a este tema (BAKER et al. 2003, p. 7). Como por exemplo os motivos que condicionam atletas a obter sucesso por vários anos enquanto outros desaparecem rapidamente (Arens, 1983, p. 23), como conseguem obter confiança, lealdade e respeito dos adversários (Mallett e Hanrahan, 2004, p. 185), como conseguem permanecer motivados, confiantes e agressivos de modo a superarem com êxito as exigências do alto rendimento e se inspiram pelo gosto e prazer na atividade que exercem (Orlick, 2008, p. 27). Apesar de estarem muitas vezes no centro do interesse público, sabe-se pouco acerca dos comportamentos e das práticas dos corredores de alto rendimento. Nesse sentido, é necessário a realização de investigações que permitam recolher dados no âmbito da metodologia do treino, apesar de concordarmos ser necessário dar mais solidez aos fenômenos exteriormente mais relevantes ao Atletismo de alta competição, é também coerente e oportuno pensar, que as razões para este contínuo acumular de êxitos do Meio-Fundo (MF) radicam, não só no estágio de plena realização das aptidões desportivas, mas também na profundidade, ou seja, em tudo aquilo que se localiza a montante do êxito, nomeadamente no trajeto ou percurso que decorre até que este seja efetivamente alcançado (ZAAR et. al., 2013, p. 571). Nesta pesquisa interessa-nos problematizar o treino de um corredor de alto rendimento. Assim, partimos de uma questão que parece justificar-se: como caracteriza-se a preparação de um meio-fundista de alto rendimento? O objetivo central deste estudo foi caracterizar a preparação do atleta Fabiano Peçanha na temporada 2007, período no qual obteve sua melhor marca pessoal para os 800m, que lhe colocou na 16ª posição do ranking mundial com 1min44s60. Por outro lado, cada caso é, em muitos aspectos, semelhante a outras pessoas e único em outros (STAKE, 2009, p. 36). Estamos, interessados no seu estudo tanto pela singularidade como pelas suas semelhanças. Nesse sentido, há que procurar compreendê-los e conhecer como agem no contexto da sua atividade. METODOLOGIA Sujeito Fabiano Peçanha nasceu em Cruz Alta em 5 de Junho de 1982 e foi captado muito cedo para a prática do Atletismo, aos 11 anos de idade iniciou sua formação desportiva nas escolas infantis sob supervisão de seu pai Jorge Peçanha. Aos 16 anos no decurso de 1998, conquistou o primeiro dos 20 títulos brasileiros nas categorias Menor, Juvenil e Adulto. Quatro vezes Campeão Sul-americano Adulto dos 800m (2003, 2005, 2006 e 2009). Três vezes Campeão Sulamericano Adulto dos 1.500m (2003, 2005 e 2007). Campeão Ibero-americano dos 1.500m (2008). Medalha de bronze nos 800m dos Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo e do Rio de Janeiro (2003 e 2007). Campeão Mundial Universitário dos 800m em Izmir na Turquia (2005). Além do quarto lugar nos 800m na Goldem League etapa de Oslo na Noruega (2007) e Décimo primeiro lugar nos 800m do Campeonato Mundial de Atletismo de Berlim (2009). Semi-finalista dos 800m nos Campeonatos Mundiais Indoor da Hungria e da Espanha (2004 e 2008), do Campeonato Mundial de Atletismo de Osaka (2007) e nos Jogos Olímpicos de Pequim (2008) e Londres (2012). Na tabela 1, apresentam-se as marcas pessoais obtidas por Fabiano em diferentes distâncias. Seu melhor registro para os 1.500m ocorreu aos 22 anos, já nos 800m ocorreu aos 25 anos de idade. Tabela 1. Melhores marcas pessoais obtidas por Fabiano Peçanha em diferentes distâncias Distância 100m 200m 400m 800m 1.500m 3.000m 5.000m Tempo 10.8 22.6 47.9 1:44.60 3:38.45 8:12.0 14:57.0 No Brasil, a par de outros, o exemplo de Peçanha constitui-se como o melhor paradigma da evolução, com a idade, da especialidade competitiva (Tabela 2): Tabela 2. Evolução dos resultados de Fabiano Peçanha em diferentes provas e idades Idade Objetivo do Treino Resultados Obtidos Entre os 11 e os 15 anos Salto em Distância 100m 1.200m 4.55cm - 5.80cm 13.5 - 11.8 3.54.6 - 3.24.2 400m 800m 1.500m 400m 800m 1.500m 52.5 - 49.2 1.57.7 - 1.48.90 4.02.2 - 3.46.45 48.6 - 47.9 1.48.68 - 1.44.60 3.42.19 - 3.38.45 Entre os 16 e os 19 anos Entre os 20 e os 25 anos INSTRUMENTO DE PESQUISA Atendendo às suas características, permitem a obtenção de informações relativas à vida desportiva e pessoal dos atletas de alto rendimento, aumentando a compreensão acerca das suas influências sociais e culturais e sobre os contextos onde treinam, competem e vivem. (SANDS, 2002, p. 67). A recolha de informação para a caracterização da preparação de um corredor de alto rendimento decorreu durante o período de 2012. Os instrumentos utilizados foram as entrevistas e a observação não participante: i) entrevistas - a técnica da entrevista semi-diretiva é a que serve de base à recolha das informações (POIRIER; CLAPIER-VALLADON; RAYBOUT, 1995, p. 63). Uma vez que centrou-se somente num indivíduo, procedeu-se à realização de vários diálogos cujo objetivo foi o aprofundamento da informação e a abordagem de temas que não foram antes tratados (POIRIER; CLAPIER-VALLADON; RAYBOUT, 1995, p. 63). O guião da entrevista foi elaborado tendo em conta os requisitos metodológicos definidos por vários autores (BOGDAN; BIRKLEN, 1994, p. 37; RUQUOY; 2005, p. 113). Antes da sua aplicação ao sujeito do estudo, o guião foi submetido a um grupo de professores habituados a lidar com este tipo de instrumento, que o sancionaram. As entrevistas foram gravadas com a devida autorização e posteriormente transcritas. ii) observação não participante - sem o envolvimento do observador no campo do objeto de estudo, foram observados treinos, competições, bem como conferências do atleta e do treinador Jorge Peçanha. Daqui resultou todo um conjunto de informações que se constituíram como notas de campo (HEINEMANN, 2003, p. 88; THOMAS; NELSON, 1996, p. 71), as quais consistem em descrições das intervenções, comportamentos e processos organizacionais do treino de Fabiano Peçanha. Nesta pesquisa, a transcrição das entrevistas e notas de campo constituíram o corpus de análise. A técnica de tratamento da informação utilizada foi a “Análise de Conteúdo” (BARDIN, 2008, p. 219). Neste estudo foram consideradas as duas funções da Análise de Conteúdo, ou seja, a confirmatória e a heurística. Assim, com base na revisão de literatura, realizou-se parte da categorização - a priori - e após uma exploração mais aprofundada do corpus, efetuou-se a restante categorização - a posteriori. A análise dos dados foi submetida a uma discussão com outros investigadores com o objetivo de se promover um confronto com as opções por nós efetuadas, desenvolvendo-se assim segundo Bardin (2008, p. 219) um processo com vista a tornar todo o percurso metodológico desenvolvido o mais credível possível. RESULTADOS O trabalho desenvolvido com Peçanha está enquadrado numa filosofia de treino do MF assente numa clara definição dos princípios de gestão do processo e das cargas de treino. O esboço da exigência competitiva de alto nível de um atleta do MF é algo que está bem delineado: as qualidades fundamentais são a força, a velocidade, a resistência, a técnica de corrida, bem utilizadas através da rentabilização das reservas energéticas (BAKER et al, 2003, p. 2). A intensificação dos exercícios de treino com base no ritmo de competição, na morfologia orgânica, são determinantes para o êxito nestas provas, refletindo na elevação da eficácia das sessões, associado a uma melhor gestão da carga de treino (figura 1), que somados ao desejo incondicional de atingir o alto nível a longo prazo conduzem ao sucesso e garantem a exploração do potencial do atleta. Figura 1. Gestão da carga de treino. Carga = Qualidade X Intensidade A carga de treino é a soma do trabalho pedido ao atleta e as solicitações provocadas por esta durante um período de tempo em que é preciso ter em conta três elementos: i) Qualidade do trabalho; ii) Freqüência com o qual é realizado o trabalho; iii) Natureza do trabalho. A qualidade é designada pelo volume sendo avaliada como uma medida ligada à especialidade da atividade em questão: tempo de duração, metros, quilômetros, pesos, etc. A intensidade é estimada de duas maneiras: i) em referência as categorias gerais de intensidade (leve; média; intensa; muito intensa; máxima); ii) em referência às capacidades individuais do atleta, traduzida em percentagem. O processo de treino desportivo está condicionado por um determinado número de fatores biológicos e psicológicos. A compreensão sobre o seu impacto sobre a adaptação do organismo é o principal fator na estruturação do treino. A estrutura do planejamento anual de Fabiano é desde 2001 caracterizado pela dupla periodização, isto é, por dois períodos: Macrociclo de Inverno e Macrociclo de Verão. O Macrociclo de Verão tem início em Outubro e termina em Abril, tendo como principal objetivo o Campeonato do Mundo de pista coberta e os Jogos Panamericanos. O macrociclo de Inverno tem início em Maio e termina em Setembro, tendo como principal objetivo os Jogos Olímpicos e Campeonatos do Mundo. Antes da elaboração do plano anual, são traçadas as linhas orientadoras do plano anual de treino. Segundo seu treinador Jorge Peçanha, é sempre interessante que os objetivos a atingir sejam equacionados em conjunto, e que se pense e se alerte sobre a quantidade e qualidade de treino necessário, assim como o estilo de vida indispensável para alcançar os objetivos desejados. Na organização anual do treino considera-se os Períodos de Transição, Preparatório Geral, Período Básico, Específico, Pré-Competitivo e Competitivo. Os espaços temporais de 2007, no qual Fabiano Peçanha atingiu sua melhor marca pessoal para os 800m com 1min44s60 são os seguintes: - Período de Transição - Out: cerca de trinta dias de férias absolutamente longe da pista; - Preparatório Geral - Nov/Dez: Retorno gradual do treino por cerca de três semanas, com rodagens leves e duas sessões por semana de treino de força. Treinos somente em um período. Não mais do que 60Km por semana; - Período Básico - Jan/Fev: Treino na altitude (22 dias) a 2.600m realizados em duas sessões diárias e volume semanal de 90Km; - Período Específico - Mar/Abr: Redução do volume para 60Km por semana divididos em dez sessões de treino. No entanto a intensidade dos treinos específicos aumentou gradualmente; - Período Pré-Competitivo - Mai: O volume e intensidade dos treinos se mantêm mesmo em meio as competições. Neste período Peçanha correu quatro vezes acima de 1min46s para os 800m; - Período Competitivo Jun/Jul/Ago: Competiu o Troféu Brasil, o Brasileiro Universitário e o Campeonato Sul Americano de Atletismo. Com treinos específicos e volume mantendo-se em 60Km semanais. No Jogos Panamericanos, correu 1min45s64 e duas semanas depois no Mundial Universitário com parciais de 50s8 para os 400m e 1min17s aos 600m Peçanha marca 1min44s60. Uma semana antes do PAN e nas semanas após, ocorre a faze de manutenção, com baixo volume e intensidade moderada. Encerrando a temporada competitiva no Campeonato Mundial de Osaka no Japão, no final de Agosto, correu outras duas vezes 1min45s para os 800m. Na organização da estrutura do plano anual de treino de Peçanha, apesar dos objetivos serem determinados pelas competições alvo da temporada, o planejamento considera o plano mensal, semanal e diário expresso respectivamente no Mesociclo, Microciclo e nas Unidades de Treino, que poderão ser alterados ou corrigidos em função de qualquer acontecimento não previsto. Nas tabelas 3, 4, 5 e 6 podemos observar os Microciclos Típicos do Período de Base, Específico, Pré-Competitivo e Competitivo na temporada 2007. Tabela 3. Exemplo de Microciclo Típico do Período de Base Dia Sessão da Manhã Sessão da Tarde Segunda Circuit Training Terça Treino de Força Fartlek: 7x2min/2min + 8x1min/1min Quarta Circuit Training 40min CCM (últimos 12min ritmo forte) (3:10/K) 4x100m 40min CCM (4/K) Quinta 6x350m Aclive 6% 30min CCM (4/K) Sexta TC ECB Pliometria Sábado Repouso Fartlek: 4x: 3min/2min 5x: 2min/1min 6x: 1min/30s TC 30min CCL grama 4x100m Domingo Repouso Repouso Na temporada 2007 quando Peçanha obteve a sua melhor marca para os 800m no Microciclo Típico do Período de Base os circuitos foram compostos de 12 exercícios gerais, realizados em duas séries de 40s cada e intervalo de 1min de corrida leve. Tabela 4. Exemplo de Microciclo Típico do Período Específico Dia Sessão da Manhã Segunda Pliometria Terça Treino de Força + 30min CCL Quarta Repouso Quinta Treino de Força + 15min CCL Sexta 25min CCM 4x100m Sábado Repouso Domingo Repouso Sessão da Tarde TCMV 5x1.000m: 2:52 a 2:55min (90%) (R.2min) TCCT 25min CCR (4/K) 1x500m: 62s (95%) 40min corrida normal (4/K) últimos 12min forte 4x100m TCMV 3x3x300m: (90%) 1ª série: 41s (R. 1:30min) 2ª série: 40s (R. 2:30min) 3ª série: 39s (R. 3min) 3x1.000m: 2:53 a 2:55min (90%) (R.1min) 2x600m: 1.34min (95%) 2x400m: 56s 2x200m: 24s (R.2 P.4) 30min CCL (4/K) 4x150m progressivo No Microciclo Típico do Período Específico de preparação ocorreram treinos que se aproximaram da exigência da prova, além da utilização das competições e testes para controlar a performance, utilizando principalmente a distância de 600m para observação e prognóstico dos 800m. Tabela 5. Exemplo Microciclo Típico do Período Pré-Competitivo Dia Sessão da Manhã Sessão da Tarde TCCT ECB 4x1.000m: 2:40min (95%) (R. 4min) 20min CCR (3:20/K) 4x150m progressivo TCCT ECB 7x200m: 27s (R.90s) (80%) 1x1.000m: 2:28min (95%) Segunda Treino de Força + 25min CCL Terça 30min CCM Quarta 30min CCM Quinta 25min CCM 1x1.200m: 3:04min (90%) - Sexta 30min CCM 6x150m progressivo - Sábado 20min CCL 4x100m - Domingo Competição 1.500m: 3:39.58 - No período Pré-Competitivo, a exemplo de um treino típico intervalado de curta duração com componente intensivo/extensivo, estes foram realizados com 48h de intervalo e em pista de terra. Nesta etapa ocorreram aplicação de testes para aferição dos planos de treino posteriores. Tabela 6. Microciclo Típico do Período Competitivo Dia Sessão da Manhã Sessão da Tarde Segunda - - Terça - 30min CCL TCMV 4x2.000m: 6:15min (90%) R. 1º = 3min 2º = 2min 3º = 1min TCCT ECB 2x3x200m: 23/24s (95%) R. = 3min P. = 5min 1x600m: 1:21min 25min CCR (3:20/K) 4x150m progressivo Quarta - Quinta Treino de Força Sexta - Sábado - 5x400m: 57s (95%) (R.90s) Domingo - - Legenda CCL - Corrida Contínua Leve CCM - Corrida Contínua Moderada CCR - Corrida Contínua Rápida ECB - Exercícios com Barreiras R - Recuperação TC - Técnica de Corrida TCCT- Técnica de Corrida com Tração TCMV - Técnica de Corrida com corrida em Máxima Velocidade de 30m após cada exercício técnico P - Pausa Nota-se, que a passagem dos níveis de intensidade são realizadas de forma progressiva o que evita lesões, promovendo uma boa adaptação do organismo frente ao estímulo. A corrida contínua é componte indispensável na estrutura do treino de Peçanha, que vem sendo realizados com esta qualidade desde 2006. A caracterização do treino de Fabiano Peçanha na temporada de 2007 indica que: - Após o conhecimento sobre o treino e seu objetivo, o próprio atleta estabelece metas de tempos a fazer as repetições, considerando alguns fatores como desgaste de treinos anteriores, condição física, condições do tempo e pista; - A utilização e importância dada ao treino de condição física, como técnica de corrida em aclive, corrida com tração para melhoria e manutenção da força, utilizando também alternância de ritmo (Fartleck) sem marcação de tempo ou distância e circuitos ao longo de toda temporada; - Os treinos intervalados extensivos de curta duração utilizados com maior freqüência nos períodos Básico e Específico; - Os maiores volumes são realizados no período Preparatório de Base aumentando a freqüência dos treinos específicos de média e longa duração; - Os treinos de rampas com maior volume e menor intensidade são realizados no período Preparatório de Base e Específico; - A determinação do ritmo dos treinos de corrida contínua e intervalado são realizados pela percepção subjetiva de esforço; - Natural redução do volume de treino e consequente aumento progressivo da intensidade, nos períodos Específicos e Pré-Competitivos; - A utilização do treino em aclive quase toda época, exceto no período Competitivo ou no período Pré-Competitivo (na semana da competição) e depende da importância da prova; - Na época de treino Específico a maioria das rodagens são fortes, ou então progressivas, com final forte. Até mesmo a corrida de aquecimento o ritmo é considerável; - No Período Preparatório Básico, as corridas contínuas variam de 10 a 15Km. No Período Específico e Pré-Competitivo, a duração não ultrapassa 40min; - No Período Específico as distâncias mais utilizadas nos treinos intervalados são de 200m e 500m com um número de repetições que varia entre 4 e 12 repetições; - A utilização e importância dada às acelerações de até 100m, quase todo ano, bem como, intervalados de curta duração com componente extensivo/intensivo utilizados com maior ênfase nos períodos Pré-Competitivo e Competitivo; - Os treinos intervalados intensivos de curta duração utilizados com maior freqüência no período Pré-Competitivo e Competitivo; - O aumento ou redução da intensidade de acordo com o objetivo e percepção subjetiva de esforço; - As corridas contínuas são feitas por tempo e não por distância, realizando as de média intensidade, com objetivo regenerativo e descanso ativo. As de alta intensidade possuem duração de até 30min. E as mistas, na qual realiza grande parte do treino em ritmo fácil, e sua parte final em ritmo intenso. CONCLUSÃO A organização anual do treino de Fabiano Peçanha na temporada 2007 considerou os períodos: Preparatório Geral, Período Básico, Específico, Pré-Competitivo, Competitivo e de Transição. As características gerais do Macrociclo de treino e o binômio volume/intensidade assemelhasse ao dos atletas de nível internacional, possibilitando rendimentos elevados em fases distintas. De realçar, que o seu melhor registro para as provas, ao fazê-lo nos 1.500m três anos antes dos 800m, sugere que sua preparação até 2004 centrou-se em treinos com maior componente aeróbio, o que pode ter interferido no desenvolvimento da velocidade específica requerida à distância mais curta. A confirmar-se este indício, poderia representar um desajuste temporal entre o período ótimo de maturação física e técnica do atleta e as exigências que o mesmo enfrenta no seu treino e competição. A aplicação da metodologia de treino oriunda de diversas escolas de MF, a capacidade de compreensão sobre o fenômeno desportivo pela proximidade familiar e a capacitação técnica do treinador e do atleta reduziram significativamente as chances de haver lesões, ocorrendo duas em 20 anos. Conclui-se também que a metodologia de treino empregada possui características de: - Baixo volume e alta intensidade; - Utilização de 10 sessões semanais de treino no período Específico; - Intensidade determinada pela percepção subjetiva de esforço orientada pelo treinador e posteriormente tempo/meta; - Treino idealizado com antecedência e quando necessário, adaptado as circunstâncias; - De acordo com o objetivo a percepção subjetiva de esforço é utilizada na orientação do aumento ou redução da intensidade; - A recuperação dos treinos intervalados é realizada de forma passiva. Face ao levantamento de informações, constatamos que as características elementares do treino de Peçanha consolidam-se nos fatores determinantes para o desempenho das provas de MF, enquadradas numa filosofia assente na definição dos princípios de gestão das cargas de treino utilizadas através da rentabilização das reservas energéticas. A intensificação destas, com base no ritmo de competição e na morfologia orgânica são fatores que determinaram a elevada eficácia das sessões, que a longo prazo conduziram ao sucesso e garantiram a exploração do seu potencial. REFERÊNCIAS ARENS, O. Young runners avoid specialisation. Modern Athlete and Coach, New York, v. 21, n.1, p. 22-24, mar. 1983. BAKER, J. et al. Nurturing sport expertise: factors influencing the development of elite athlete. Journal of Sports Science and Medicine, Kingston, v. 2, n.31 p. 1-9. March 2003. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. 2008. BENTO, J. Desporto. Discurso e substância. Porto: Campo das Letras Editores, S.A. 2004. BOGDAN, R.; BIRKLEN, S. Investigação qualitativa em educação. Uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora. 1994. BORIN JP.; Gonçalves A. Alto nível de rendimento: a problemática do desempenho desportivo. Rev Bras Ciênc Esporte, Campinas, v. 26, n. 1, p. 9-17, Setembro 2004. GARCIA, R.; LEMOS, K. 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