PENSAMENTO SISTÊMICO E MODELAGEM COMPUTACIONAL:
APLICAÇÃO PRÁTICA NA EMPRESA DE TRENS URBANOS DE
PORTO ALEGRE - TRENSURB
AURÉLIO DE LEÃO ANDRADE
CEMA - Centro para Mudança e Aprendizagem Organizacional / PPGEP - Progr. Pós-Graduação Eng. Produção /
UFRGS - Univ. Federal Rio Grande do Sul - Pç. Argentina, 9 sl. 406 - Porto Alegre - RS - Brasil
HUMBERTO KASPER
CEMA - Centro para Mudança e Aprendizagem Organizacional / PPGEP - Progr. Pós-Graduação Eng. Produção /
UFRGS - Univ. Federal Rio Grande do Sul - Pç. Argentina, 9 sl. 406 - Porto Alegre - RS - Brasil
ABSTRACT
This work means the beginning of some efforts in learning organizations models practice,
specially Peter Senge’s “five disciplines” model, mainly through systems thinking. These efforts
aim to assess daily use in organizational reality, as much as intervention technique, as
organizational analysis tool. While making this practical application on TRENSURB, we observed
many opportunities to see that technique as having effective outcomes, above all, wide learning
inside the collective environment. The description about the case allows an auxiliary guide for
future applications.
KEYWORDS: ORGANIZATIONAL LEARNING; SYSTEMS THINKING; COMPUTER
SIMULATION
1 - INTRODUÇÃO
A década de 90 vem sendo marcada, em termos organizacionais, pelo surgimento e domínio
público de um novo modelo normativo de controle organizacional identificado por Aprendizagem
Organizacional. Várias são as abordagens utilizadas, mas uma de grande interesse tem sido foco
de estudos, a chamada “Cinco Disciplinas da Organização de Aprendizagem”, de Peter M. Senge
(1990) e seus colegas do MIT - Massachusets Institute of Technology.
Particularmente uma destas disciplinas parece ter uma relevância especial: o pensamento
sistêmico. Isto por pelo menos dois motivos: 1) é a disciplina que dá a sustentação estrutural das
demais disciplinas da aprendizagem e, 2) é oriunda de cerca de 40 anos de estudos no campo de
conhecimento da dinâmica de sistemas, e sugere que para haver uma compreensão mais ampla das
estruturas da realidade é necessário um novo tipo de pensamento, oriundo de um novo tipo de
linguagem.
Dentro desta relevância, após ter sido realizada uma revisão teórica da abordagem, coube a
necessidade de aplicação num caso prático. Por isso, este documento apresenta a descrição da
aplicação do pensamento sistêmico junto à Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre TRENSURB. A relevância do tema ainda está vinculada à possibilidade aberta pelo método em
modelar computacionalmente o caso, o que permite experimentações visando melhor
compreender a situação analisada.
O objetivo geral deste trabalho é compreender, através da aplicação prática em uma situação
organizacional, o método de análise e intervenção na realidade derivado da disciplina de
pensamento sistêmico. Especificamente, este trabalho pretende ainda 1) proporcionar
aprofundamento dos conhecimentos em Dinâmica de Sistemas; 2) avaliar a possibilidade de
transformação de modelos conceituais em modelos computadorizados; 3) avaliar os resultados do
uso dos modelos computadorizados comparativamente aos objetivos do método e; 4) aprofundar
o conhecimento sobre o software ithink, indicado como ferramenta de apoio ao método.
Para atingir os objetivos do trabalho, foi realizado um trabalho conjunto com uma equipe da
empresa que proporcionará um problema ou situação para ser analisado e modelado.
Este trabalho está estruturado da seguinte forma: a primeira parte contém uma descrição da
empresa. A seguir, são realizadas algumas considerações teóricas sobre a abordagem a ser
utilizada, para, na segunda parte, realizar-se a descrição das atividades do caso. Finalmente, na
busca de cumprir os objetivos propostos, se buscará o aprendizado obtido através da aplicação
prática e as conclusões finais.
1.1 - Descrição da Empresa
A Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre S.A. - TRENSURB foi constituída em 25 de abril
de 1975 para resolver os problemas de transporte da Região Metropolitana de Porto Alegre
(RMPA). Um dos seus principais objetivos consiste em transferir parcela significativa dos
usuários de automóveis e ônibus para o trem metropolitano. Após 10 anos de operação comercial,
constata-se no entanto que a movimentação de passageiros não corresponde à demanda estimada.
As diferenças foram na época creditadas a várias causas: à menor evolução demográfica, à crise
econômica e à hipótese de exagero nos modelos gerados para a estimativa .
2 - CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS
Uma perspectiva dinâmica e sistêmica que ajude os administradores a lidar com a mudança de
maneira efetiva tem sido há muito tempo advogada (Senge & Sterman, 1994). No entanto,
segundo estes autores, o desafio está em mover-se das generalizações para ferramentas e
processos que ajudem os administradores a tratar questões complexas (op. cit., p.197). Pode-se
notar de início que o pensamento sistêmico é uma técnica prática para a compreensão de questões
complexas, para a ação e aprendizado. No entanto, Senge (1990, p.329) adverte que o
pensamento sistêmico pode ser considerado em três diferentes aspectos: a prática, os princípios e
a essência. Todos estes aspectos devem ser considerados simultaneamente; além de um conjunto
de atividades e ferramentas, é também um conjunto de princípios teóricos que ajudam a entender
os seus fundamentos lógicos. Mas, para Senge, a essência é diferente. Esforços empreendidos na
essência proporcionariam novas visões de mundo. No caso do pensamento sistêmico, a
experiência de vivenciar interligações ajudaria a perceber a importância do todo.
2.1 - A Linguagem Sistêmica
Senge argumenta que a dinâmica de sistemas permite uma nova forma de linguagem para
comunicar sobre o funcionamento dos sistemas e da realidade. Como parte do pressuposto de que
“a linguagem modela a percepção” (1990, p.80), uma nova linguagem traria novas formas de
pensamento que permitiriam compreender os sistemas complexos. Novas formas de pensamento
gerariam processos mentais mais efetivos para tratar com a realidade, o que elevaria o potencial
das pessoas. Isto romperia com o “pensamento linear”, que pressupõe relações de causa-efeito
que impedem a percepção de situações envolvendo complexidade dinâmica, manifestada “quando
uma mesma ação produz efeitos completamente diferentes a curto e a longo prazo” ou quando ela
tem “um determinado efeito no local de intervenção, e um efeito completamente diferente em
outra parte do sistema” (op. cit., p.79).
Dentro deste contexto, Senge et alii (1996, p.105) sugerem o uso dos diagramas de enlace causal
como instrumento de linguagem. A argumentação é que (1) a linguagem natural não oferece uma
estrutura adequada para entender e comunicar uma situação em que estão envolvidas influências
mútuas dos elementos da realidade, com enlaces de retroalimentação e, (2) como a linguagem
molda o pensamento, uma linguagem que trate mais adequadamente as complexidades dinâmicas
da realidade trariam uma forma de pensamento mais efetiva.
2.2 - Os Níveis do Pensamento Sistêmico
Uma dos principais modelos de compreensão do pensamento sistêmico é o dos níveis de uma
situação. Este modelo serviu como a base para conceituação de um método que permite, através
do aprofundamento da percepção, a ampliação da compreensão de questões sistêmicas. Os níveis
estão ilustrados na figura 1.
Pode-se observar no primeiro nível (o mais
evenvisível), eventos ocorrendo e sendo percebidos
tos
pelas pessoas envolvidas. Em geral, é com base
padrões de
nestes eventos que as pessoas explicam situações
comportamento
- “quem faz o que a quem”, razão pela qual as
estrutura
sistêmica
ações baseadas nesta percepção tendem a tomar
modelos
aspectos reativos - o que, segundo Senge (1990,
mentais
p.58), é o tipo de ação mais comum.
No entanto, estes eventos são evidências de
Figura 1 - Os níveis do pensamento sistêmico
padrões de comportamento dos elementos da
ilustrados pela metáfora do iceberg
realidade descrita. Para que uma percepção
extrapole o limite do nível dos eventos, seria preciso analisar as tendências de longo prazo e
avaliar suas implicações. Neste nível são utilizados gráficos, avaliando o comportamento passado
das variáveis e buscando evidências que possam indicar seu comportamento futuro ou desejado.
Neste caso, as ações tomariam uma forma responsiva, pois surgem indicativos de como a longo
prazo os atores podem responder às tendências de mudança.
O terceiro nível invoca a compreensão estrutural da situação em questão. Ele indica o que causa
os padrões de comportamento, buscando explicar como os elementos influenciam-se. Este nível
de ilustração é a mais rica e a que permite as melhores intervenções em termos de alavancagem da
mudança.
Partindo do pressuposto de que estrutura gera comportamento, pode-se inferir que o quarto nível
influencia os demais na medida em que os modelos mentais dos atores influenciam o seu
comportamento de forma a gerar estruturas sistêmicas da realidade. Assim, é preciso identificar
como eles geram ou influenciam as estruturas em jogo para que seja possível compreendê-las e
modificá-las.
2.3 - Narração de Histórias - O Método de Compreensão e Intervenção
A prática do pensamento sistêmico permite formas alternativas de raciocínio sobre questões que
envolvem complexidade dinâmica. Senge et alii (1996) não apresentam especificamente um
método visando esta prática. No entanto, alguns casos e exercícios sugerem um roteiro de
aplicação. Na figura 2 abaixo encontra-se um resumo do roteiro de aplicação do pensamento
sistêmico.
1) Definindo uma Situação Complexa de Interesse
O objetivo é definir claramente uma situação de interesse, identificando
uma situação importante para a organização. Deve ser uma questão com
história conhecida, bem como deve haver um certo nível de confiança
entre os atores e, preferencialmente que tenham alguma habilidade para
argumentação e inquirição.
2) Apresentando a História Através de Eventos
Aqui o objetivo é penetrar o primeiro nível do pensamento sistêmico,
visando assinalar eventos relevantes relacionados com a situação ao
longo do período considerado.
3) Identificando os Fatores Chave
A partir da lista de eventos relatados, é necessário identificar que fatores
ou variáveis podem ser elencados como chave para a compreensão da
situação. Tudo o que contribui para um resultado ligado à situação e que
esteja sujeito a variações deve ser assinalado.
4) Traçando o Comportamento
Surge aqui a necessidade de traçar o comportamento passado e as
tendências futuras dos fatores chaves, buscando penetrar o nível dos
padrões de comportamento.
5) Identificando as Influências
Neste passo, o objetivo é identificar as relações causais entre os fatores, a
partir da comparação das curvas, hipóteses preliminares e intuições a
respeito das influências recíprocas, desvendando as estruturas sistêmicas.
6) Identificando Modelos Mentais
O objetivo desta fase é identificar os modelos mentais presentes, ou seja,
levantar crenças ou pressupostos que os atores envolvidos na situação
mantêm em suas mentes e que influenciam seus comportamentos,
gerando estruturas no mundo real.
7) Transformando Modelos Mentais em Elementos do Sistema
Para enriquecer o quadro, é necessário transformar os modelos mentais
presentes em elementos da estrutura sistêmica.
8) Aplicando Arquétipos
Havendo um certo domínio no uso dos arquétipos, é possível obter mais
insights sobre a situação ou a identificação de padrões comuns da
natureza atuando na questão. Ao identificar um arquétipo operando na
situação, é possível inserir-se novos elementos que estão presentes
genericamente na estrutura do arquétipo, mas que não foram elucidados
na situação.
9) Modelando em Computador
Obtendo uma representação de certo consenso, pode-se transformar o
diagrama de enlace causal da situação em um diagrama de fluxo, que
possibilita modelar o sistema no computador. A vantagem do uso do
computador é a possibilidade de alterar parâmetros ou simular a
passagem do tempo, além de avaliar as influências mútuas de uma
maneira dinâmica. A principal função da modelagem é a possibilidade
de reavaliação dos modelos mentais dos participantes do processo, no
sentido que o computador oferece um local seguro para
"experimentações".
10) Reprojetando o Sistema
Reprojetar o sistema significa planejar alterações na estrutura visando
alcançar os resultados desejados, considerando as conseqüências
sistêmicas destas alterações. Neste caso, podem ser adicionados novos
elementos, enlaces ou mesmo quebrar ligações que produzem impactos
indesejáveis.
Figura 2 - Sumário de aplicação do pensamento sistêmico
3 - DESCRIÇÃO DA APLICAÇÃO PRÁTICA
Nesta seção está descrito um detalhamento maior do método de trabalho através da descrição do
trabalho, ao longo das diversas reuniões e encontros, apresentando também os resultados de cada
etapa, e do trabalho como um todo.
3.1 - Condições Gerais de Trabalho
Existe um debate corrente sobre o papel do consultor (ou especialista) na condução de trabalhos
dentro de organizações. Este debate é bem ilustrado por Lane (1994), onde o autor expõe as
deficiências do processo de intervenção tradicional, em que o especialista, após um fase de
conhecimento do problema, volta-se para atividades sem interação com a organização, geralmente
de cunho estritamente técnico. Segundo Lane (1994, p. 88), tal prática resulta em pelo menos três
grandes restrições de trabalho: 1) as análises e os resultados do trabalho carecem de sentimento
de autoria por parte do cliente; 2) a ausência da construção coletiva da solução pode levar a uma
rejeição do papel do especialista, do tipo “(...) este especialista não conhece nossa organização
para sugerir tal coisa (...)” e; 3) inapropriação da modelagem “hard”, como a “tendência da
pesquisa operacional de concentrar-se em ‘fatos objetivos’ de uma questão e ignorar as pessoas
(...)” (op. cit., p.90). Lane propõe a construção de um método de consultoria que incentive o
aprendizado coletivo, buscando resolver as três questões levantadas: a criação do sentimento de
autoria pelo cliente, a redefinição do papel do especialista enquanto facilitador, e a possibilidade
de tratar de problemas “soft”. Sua sugestão é a adoção da abordagem “Modeling as Learning”
(modelagem como aprendizado), cujos principais aspectos apóiam firmemente a abordagem do
pensamento sistêmico.
3.2 - A Definição do Assunto
A definição do assunto a ser tratado junto à empresa foi enormemente facilitado, pois um dos
autores é membro da empresa em questão e observou que seria de grande motivação tratar o
chamado “problema da demanda” da empresa. Este “problema da demanda” refere-se às
projeções estabelecidas no projeto inicial e que nunca foram atingidas.
3.3 - Descrição do Trabalho Prático e das Reuniões
3.3.1 - Passo 1: Definindo uma Situação Complexa de Interesse
A operacionalização deste passo está definida em Senge et alii (1996, p.97), onde há indicações
sobre o tipo de questão a ser utilizada como foco de atenção para um exercício de pensamento
sistêmico. No entanto, cabe salientar que Vennix et alii (1994, p.31) indicam que, além da
descrição sucinta do problema, deva-se ainda definir o horizonte de tempo a ser considerado, o
nível de agregação das informações e as fronteiras do sistema.
Descrição: “A empresa não conseguiu cumprir as metas projetadas para demanda. Além disso, houveram perdas de usuários de um tempo para cá.”
Horizonte de tempo: serão considerados os fatores e eventos desde a fundação da empresa (1985) até os dias de hoje.
Nível de agregação: serão tomados dados anuais referentes aos fatores considerados, sendo estes fatores aqueles típicos para a tomada de decisão do
alto nível gerencial (direção/alta gerência).
Fronteiras: todos os fatores que têm correlação direta ou indireta com a demanda, principalmente considerando-se a localização geográfica de
atuação: região metropolitana de Porto Alegre.
Figura 3 - Descrição do assunto a ser tratado no trabalho de pensamento sistêmico
3.3.2 - Passo 2: Apresentando a História Através de Eventos
Uma série de eventos foi relatada pelos componentes da equipe de trabalho. Estes eventos
permitiram uma análise preliminar histórica do problema, e tiveram referência a um grande
número de pontos de vista e facetas do problema. Foram citados eventos relativos à políticas
tarifárias próprias e da concorrência, melhorias e implementações no sistema, comportamentos e
tendências por parte dos usuários, ações da empresa e acontecimentos de ordem macro-estrutural.
Estes eventos deram origem a um conjunto de fatores ligados ao problema, descritos na seção
seguinte.
3.3.3 - Passo 3: Identificando os Fatores Chave
A lista de fatores decorrente da história do problema está descrita na figura 4, abaixo.
Tarifa
Tarifa VICASA
ônibus concorrente)
Desemprego
metropolitana
(empresa
de
% usuários da indústria
na
região
Demanda do modal ônibus na região
(corredor norte)
Demanda do modal automóvel
(corredor norte)
Qualidade do serviço
Nº de reclamações de falta de
segurança
Nº
de
reclamações
integração x atendidas
de
reclamações
com
totais
x
Motivação
Velocidade
Nº de dias de greve/ano
$/ano
investimento
publicidade
visando
aumento
demanda
em
de
Investimentos em melhorias de
integração
Demanda real total
Demanda
lindeiros
real
usuários
Demanda real integração
Demanda projetada
% usuários
comércio e serviços
População
metropolitana
Nº de linhas de integração
Nº
atendidas
Nº reuniões empresa/entidades
representativas da comunidade
das
áreas
da
Intervalo entre trens
Nº funcionários na área de integração
de
região
Figura 4 - Lista de fatores decorrentes dos eventos listados
3.3.4 - Discussão do Passo 4 - Traçando o Comportamento
A partir da lista de fatores chaves, o trabalho de uma das sessões reservou-se praticamente todo à
definição do seu comportamento no período em questão. Como houve falta de dados para traçar tais
comportamentos, buscou-se aqueles fatores com maior acessibilidade de informações ou que haviam
possibilidade de efetuar um traçado intuitivo. A possibilidade de traçar comportamentos “não-exatos”
é uma prática em dinâmica de sistemas (ver Goodman, 1989, cap. 5) e em pensamento sistêmico:
“Alguns parâmetros podem ser estimados a partir de dados de séries temporais, mas estruturas e
parâmetros não devem ser excluídos do modelos simplesmente porque valores mensuráveis não estão
disponíveis” (Forrester, 1994, p. 78). Estas argumentações reforçam a tese de que os dados dos
modelos mentais dos participantes devem ser levados em conta para a construção de modelos efetivos
(op. cit., p.73).
Foram distribuídos os gráficos em um formato mais padronizado aos participantes para que pudessem
utilizá-los para inferir sobre as relações causais que serão necessárias para construção do diagrama de
enlace causal da situação. Um primeiro esboço incompleto do diagrama está apresentado na figura 5.
3.3.5 - Discussão do Passo 5 - Identificando as Influências
A descrição do método (cf. Senge et alii, 1996), indica que mantenha-se o problema sempre dentro de
uma abrangência e número de elementos limitados, para não correr-se o risco de “ficar assoberbado
com o entendimento abstrato de que ‘tudo está ligado a tudo’”(op. cit., p.97). Para isto, propôs-se um
diagrama composto apenas pelos fatores hachurados na figura 5, o que fez uma delimitação na
situação.
3.3.6 - Os Modelos Mentais e os Arquétipos
Houve uma aceitação preliminar do diagrama proposto, tendo-se deixado bem claro à equipe que, em
sendo este um exercício de aprendizado sobre o método principalmente, poderia-se tomar esta atitude
arbitrária. Enfatizou-se, no entanto, que esforços no sentido de análise de um problema deveria levar
em conta a estrutura do sistema como um todo.
+
demanda
modal
ônibus
demanda lindeiro
+
+
receita
desemprego
RMPA
tarifa
demanda
modal
auto
demanda +
total
+
(+)
vantagem
tarifa
trem/ônibus
qualidade
+ demanda +
integrado
+
(+)
nº linha
integração
-
avarias trens
avarias
linha
bloqueio
investim
peças
reposição +
(+)
investim
melhoria
integração +
Figura 5 - Diagrama de enlace causal parcial da situação
Procedendo ao passo 5 de identificação de modelos mentais, sugeriu-se à equipe a busca da
identificação das crenças e pressupostos de alguns atores chaves envolvidos na questão. Por
exemplo: usuário lindeiro, direção da empresa, corpo gerencial e governo federal. Perguntouse aos membros da equipe: “que crenças ou opiniões têm cada um destes atores chave que
fazem com que o sistema tenha esta estrutura apresentada ou que permitam enriquecer este
diagrama?” Foram sugeridos os modelos mentais descritos na figura 6.
Observa-se que a identificação dos modelos mentais proporciona um enriquecimento do
diagrama, pois permite identificar, num primeiro momento, o enlace de reforço entre tarifa e
receita. Na medida em que um aumento de tarifa proporciona aumento de receita, tomando-se
o pressuposto de que isto não afeta consideravelmente a demanda (decorrente do modelo
mental 1), é normal buscar a redução do desembolso federal para a cobertura das despesas da
empresa por esta via. Na medida em que esta ação aumenta a receita, independentemente de
variações na demanda, esta ação será reforçada e novos aumentos tarifários terão efeito. Os
modelos mentais 2 e 3 somente reforçam esta estrutura, bem como o modelo mental 5.
O diagrama também recebe a contribuição do modelo mental 4, ao criar um efeito de
diminuição na vantagem da tarifa do trem sobre o concorrente (empresa de transportes por
ônibus) toda vez que a tarifa do trem recebe um aumento. Esta vantagem representa um
prêmio pelo deslocamento do usuário até a estação. Quando esta vantagem reduz-se a um
certo valor, o usuário passa a crer que a sua caminhada é mais custosa e que a vantagem não
cobre este custo.
3.3.6.1 - A Aplicação de Arquétipos
A aplicação de arquétipos, neste caso, foi utilizada apenas para reforçar a existência da
estrutura sistêmica descrita, sem ter contribuído para enriquecer o quadro com a introdução
de novos elementos. No entanto, esta aplicação de arquétipos foi bastante elucidativa em
termos de estruturas freqüentes que se repetem na natureza e nos sistemas sociais. Em
primeiro lugar, expôs-se o comportamento do arquétipo “Limites ao Crescimento”(Senge,
1990, p.336; Senge et alii, 1996, p.121). No caso acima, não houvesse queda na demanda
(enlace de balanceamento), o enlace de reforço entre aumento de tarifas que provocam
aumento de receita que estimulam novos aumentos de tarifas estaria gerando crescimento
exponencial. Também é possível observar o arquétipo “Transferência de Responsabilidade”
(Senge, 1990, p.339; Senge et alii, 1996, p.126) e a estrutura de “‘Quebra-galhos’ que não
dão certo” (Senge, 1990, p.349).
3.3.7 - A Modelagem em Computador
A partir dos dados obtidos, buscou-se realizar uma análise que permitisse o desenho do
modelo a ser realizado no software ithink 3.0.7 Demo (High Performance Systems,
Hanover, New Hampshire). A simbologia do ithink é basicamente aquela utilizada na
modelagem de sistemas clássica com diagramas de fluxo. Para isto, o primeiro passo é realizar
a transformação do diagrama de enlace causal em um diagrama de fluxo.
5
1
“É preciso aumentar a
receita para repor materiais de manutenção.”
governo
federal
“É preciso aumentar as
tarifas para reduzir o
desembolso a empresas
estatais.”
+
+
receita
(+)
demanda
total
+
2
tarifa
+
“A empresa não tem
autonomia para seguir
uma política tarifária
própria.”
gerência
(-)
3
demanda
lindeiro
+
4
“Se houver uma boa vantagem na tarifa do trem
sobre a do ônibus, eu
posso bem caminhar
um pouco mais.”
“Quanto eu pago p/ caminhar menos?”
direção
“A boa imagem da
empresa junto ao governo
depende de melhorar a relação receita x despesa.”
vantagem
tarifa
trem/ônibus
usuário lindeiro
Figura 6 - Diagrama de enlace causal parcial com modelos mentais que permitem sua estrutura
A figura 7 permite fechar o enlace de balanceamento entre receita, tarifa, vantagem, demanda
e receita do diagrama de enlace causal. Observe-se, no entanto, que o enlace de reforço entre
tarifa e receita não está completo, pois não está representada a influência que variações na
receita têm sobre o estabelecimento da tarifa. Esta lacuna foi deixada propositadamente, pois
a taxa de recuperação tarifária foi facilmente obtida, o que dá a influência implícita do
aumento de receita sobre a possibilidade de aumento da tarifa. Além disso, este ajuste pode
ser feito através da interface do modelo, construída para que a equipe pudesse realizar
simulações e testes de cenários, alterando manualmente a taxa de recuperação tarifária a
partir de controles deslizantes, que é um dos recursos proporcionados pelo software.
Figura 7 - Diagrama de fluxo completo
O modelo exposto foi construído, desde sua fase de definição do diagrama de fluxo até a
codificação final, pelos autores deste trabalho, sem envolvimento da equipe de trabalho. É
preciso tornar explícito que este procedimento vai contra os princípios de aplicação do
pensamento sistêmico, principalmente pelos motivos expostos por Lane (1994, p.93). Este
tipo de procedimento sem o envolvimento de todos os participantes gera, entre outros,
problemas do tipo “falta de sentimento de autoria”. No entanto, este procedimento foi
necessário pelo escasso período de tempo para estudos e disseminação de conhecimentos a
respeito das técnicas específicas desta fase, além de domínio do software.
Este modelo tem pelo menos três pressupostos implícitos que devem ser ressaltados: 1) não
possui todos os fatores relevantes da realidade; 2) o comportamento das tarifas do trem e do
ônibus são aproximações médias, e não a realidade da prática tarifária e; 3) a função perda ou
ganho de usuários decorrente da vantagem é uma aproximação. Apesar destas restrições, a
equipe considerou que o modelo seria útil na análise da situação, considerando que mesmos
os parâmetros apresentados nos pressupostos acima poderiam ser alvo de cenários. Os
membros da equipe sugeriram os seguintes cenários, para que fossem testados no painel de
controle do modelo (figura 8):
Figura 8 - O painel de controle do modelo
1. O que teria acontecido com a receita e com a demanda se houvéssemos mantido nossa
tarifa no mesmo valor do ano de inauguração (US$ 0,098)?
2. O que teria acontecido com a receita e com a demanda se houvéssemos mantido a
vantagem constante ao longo do tempo (isto é, manter a vantagem do ano de inauguração
através da aplicação de um reajuste tarifário igual ao do concorrente)?
3. O que poderia acontecer daqui para a frente caso congelássemos nossa tarifa?
4. O que poderia acontecer daqui para a frente caso aplicássemos os seguintes percentuais
de reajuste anual: 1997: 15%; 1998: 10%; 1999: 5%; 2000: 0%?
Todos este cenários foram testados e os resultados apresentados através dos gráficos e
tabelas do painel de controle. A seguir, estão listadas um conjunto de conclusões preliminares
derivadas do comportamento do modelo e dos cenários sugeridos:
1. É provável que nos próximos anos haja uma inversão no crescimento da receita,
“mascarado” pelos aumentos nas tarifas que vêm compensando a perda de demanda.
2. A prática tarifária da empresa, com reajustes superiores ao concorrente, tenderá a zerar a
vantagem nos próximos anos, o que acelerará a perda de demanda.
3. Os cenários que consideram menores reajustes tarifários nos anos entre 1985 e 1996
permitem concluir que a empresa hoje poderia ter uma receita equivalente à atual, no
entanto com uma demanda sensivelmente superior, cumprindo melhor o papel social para a
qual foi projetada.
4. A receita da empresa poderia ser superior, com uma demanda sensivelmente superior,
caso houvesse sido praticado uma política tarifária mais modesta.
5. Para recuperação do nível de demanda de 1990, seria necessário uma prática tarifária mais
modesta, podendo ser realizada até aproximadamente o ano 2000.
4 - O APRENDIZADO OBTIDO COM O CASO PRÁTICO
A descrição do aprendizado obtido pelos condutores com este trabalho inicia pela própria
definição do que seja um esforço usando o pensamento sistêmico. O postulado por Senge et
alii (1996, p.83), é que o pensamento sistêmico é “um corpo (...) de métodos, ferramentas e
princípios, todos orientados para examinar a inter-relação de forças, e vê-las como parte de
um processo comum”. O que os autores gostariam de colaborar, na direção deste conceito, é
que os esforços em pensamento sistêmico permitem novas forma de enxergar a realidade à
nossa volta. Poderia-se dizer que o pensamento sistêmico é uma abordagem para desafiar e
substituir velhos modelos mentais fragmentados e individuais sobre a realidade, buscando
novos modelos mentais sistêmicos e compartilhados sobre esta mesma realidade.
Ainda cabe avaliar as necessidades que surgem, a partir de um esforço de pensamento
sistêmico, em termos de infra-estruturas que incentivam e facilitam a aprendizagem e, mais
especificamente, o pensamento sistêmico dentro de uma organização. O primeiro aspecto que
salta como resultado deste esforço é a necessidade de uma infra-estrutura de acesso a
informações que facilite o trabalho de busca da história de uma questão (eventos) e dos
padrões de comportamento dos fatores e variáveis chave. No trabalho realizado, facilitou
muito este esforço o fato dos componentes da equipe terem 1) indicativos claros de onde
buscar as informações necessárias e 2) terem acesso irrestrito às mesmas. Sabe-se que isto é
mais uma exceção do que uma regra nas organizações em geral, e uma infra-estrutura neste
sentido é primordial.
Senge et alii (1996) também ressaltam a necessidade dos laboratórios de aprendizado,
“lugares virtuais” onde a experimentação pode tomar presença. No caso do pensamento
sistêmico, este laboratório de aprendizagem é justamente o modelo computadorizado da
situação, que permite análise tanto de cenários do futuro como do passado, o que é
impossível na situação real. Estas experimentações são vitais e complementares ao
aprendizado pois, segundo Sterman (apud Senge et alii, 1996, p. 166), interromper o trabalho
no modelo conceitual (diagrama de enlace) “pode ser perigoso”, pois tentar “predizer o
comportamento mesmo do arquétipo mais simples significaria resolver na cabeça uma
equação diferencial não-linear de alta ordem”.
Finalmente, cabe ressaltar a força que emerge de um processo que leva em consideração os
princípios do método de “Modelagem como Aprendizado” (Modeling as Learning) de Lane
(1994, p. 85): a criação de sentimento de autoria, o papel do consultor/especialista, e a
possibilidade de tratar de problemas “soft”. O resultado de seguir estes princípios são nada
mais, nada menos do que:
• Envolvimento e compartilhamento total de toda a equipe de trabalho, o que sem dúvida
levará a ações coordenadas e efetivas, e motivação derivada da construção coletiva;
• Independência de consultores/especialistas externos no processo chave, o que permite à
organização “caminhar com suas próprias pernas” e fazer uso de especialistas onde for de
fato conveniente;
• A possibilidade de tratar com questões que fogem à alçada do eixo técnico-racional, como
questões de ordem política e cultural.
4.1 - Aprendizado a Respeito do Problema
O primeiro grande insight gerado pela abordagem relativamente à demanda diz respeito à
existência de duas naturezas de questões atuando conjuntamente na situação: primeiro, o fato
da empresa nunca ter atingido as metas projetadas de passageiros transportados o que,
segundo os participantes seria fruto do não atendimento ao usuário de integração. Segundo, o
fato de, além de não ter atingido as metas, ter perdido demanda total ao longo dos últimos
anos, fruto da queda de demanda do usuário lindeiro. Este tipo de delimitação trouxe novas
forma de pensar a questão, antes obscurecidas pelas visões fragmentadas.
A identificação dos fatores chave trouxe à luz a necessidade de estreitar o foco de análise
através da agregação de fatores num nível cognitivamente adequado. Isto pode ser
exemplificado pelo debate inicial entre utilizar a qualidade do serviço como um fator único ou
desmembrá-lo em todos seus subcomponentes (limpeza das estações, atendimento, velocidade
do trem, etc.).
O passo seguinte foi, entretanto, um dos primeiros com maior riqueza de aprendizagem, A
emergência de muitas “coincidências” em termos de comportamentos começou a levantar
algumas hipóteses em termos de inter-relacionamento de fatores. Isto ocorreu, por exemplo,
com início da queda da vantagem relativa entre tarifa trem versus VICASA (empresa de
ônibus concorrente) a partir de 91, com a queda abrupta de motivação do corpo funcional,
com o início da queda da demanda lindeiro, com o período de maior recuperação tarifária,
com o aumento do desemprego da região metropolitana de Porto Alegre, com o número de
trens avariados, com o plano de estabilização econômica do governo Collor. Vale lembrar que
o maior indicativo de aprendizagem é a observação do número de expressões do tipo “Ahha...” ou “Mas isto é chocante...” emitidas. Neste caso, ocorreram em diversos momentos, e
imprimiam cada vez mais motivação para a continuação dos trabalhos.
Um aprendizado importante é relativo à origem dos efeitos sentidos através dos eventos
relatados. Isto dá provas de que a determinação da realidade à nossa volta encontra-se em
níveis estruturais mais profundos, inclusive e talvez principalmente dentro dos modelos
mentais individuais e coletivos dos atores, tanto dentro da organização como fora dela. Na
apresentação do quadro com os modelos mentais determinantes das estruturas analisadas
(figura 6), observou-se a influência das políticas governamentais federais e das crenças e
pressupostos de diversos atores, tendo todos eles alta e mútua influência na questão.
Por fim, cabe relatar a experiência com a utilização do modelo computadorizado. Ele prestouse adequadamente ao propósito que possui dentro do método: proporcionar um ambiente
seguro para experimentação, e auxiliar no teste de hipóteses a respeito do modelo conceitual.
5 - NOTAS FINAIS
Dentro do proposto inicialmente como objetivos do trabalho, os autores sentem que esta
aplicação prática foi de extrema validade, tanto dentro do aprendizado sobre a abordagem
proporcionada, como pela visão diferenciada que proporcionou no tratamento da questão
organizacional, tendo este último aprendizado superado os objetivos iniciais estabelecidos, e
até mesmo a visão preliminar dos autores.
A pesquisa necessária, os percalços e necessidades de descobertas, e até mesmo as
dificuldades, principalmente em termos de tempo, proporcionaram um ambiente desafiador o
suficiente para manter a alta motivação de toda equipe de trabalho. É preciso ressaltar que
ainda merece maior aprofundamento o assunto, principalmente em termos de bibliografia de
Dinâmica de Sistemas e sobre o software ithink, cuja documentação técnica não foi possível
obter acesso, mas que certamente em breve estará acessível.
Por fim, cabe acrescentar que nesta abordagem, como de resto no trabalho realizado em
equipe, a riqueza está vinculada às estratégias coletivas de trabalho, onde as idéias se apóiam
mutuamente, criando um quadro rico cuja autoria só pode ser creditada ao coletivo.
Estratégias de aprendizagem individual são inconsistentes com a Organização de
Aprendizagem. Assim, este trabalho reitera este princípio.
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pensamento sistêmico e modelagem computacional