POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA WALDICK ALAN DE ALMEIDA GARRETT A NEGOCIAÇÃO COMO ALTERNATIVA ESTRATÉGICA NAS AÇÕES DE GRUPOS TÁTICOS NAS CRISES COM TOMADAS DE REFÉNS Florianópolis 2008 WALDICK ALAN DE ALMEIDA GARRETT A NEGOCIAÇÃO COMO ALTERNATIVA ESTRATÉGICA NAS AÇÕES DE GRUPOS TÁTICOS NAS CRISES COM TOMADAS DE REFÉNS Monografia apresentada ao Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais da Polícia Militar de Santa Catarina com especialização lato sensu em Administração de Segurança Pública, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Administração de Segurança Pública pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Orientador: Prof. Giovani de Paula, Msc. Florianópolis 2008 WALDICK ALAN DE ALMEIDA GARRETT A NEGOCIAÇÃO COMO ALTERNATIVA ESTRATÉGICA NAS AÇÕES DE GRUPOS TÁTICOS NAS CRISES COM TOMADAS DE REFÉNS Esta Monografia foi julgada adequada à obtenção do título de Especialista em Administração de Segurança Pública e aprovada em sua forma final pelo Curso de Especialização em Administração de Segurança Pública, da Universidade do Sul de Santa Catarina. Florianópolis-SC, 16 de outubro de 2008. ______________________________________________________ Orientador Prof. Ten-Cel PMSC Giovanni de Paula, Msc. Universidade do Sul de Santa Catarina ______________________________________________________ Prof. Ten-Cel PMPR Washington Alves da Rosa, Esp. Polícia Militar do Paraná ______________________________________________________ Prof. Maj. PMSC Marcelo Cardoso, Esp. Polícia Militar de Santa Catarina Dedico o presente estudo a meus familiares, em especial a minha esposa, pelo apoio incansável jornada de estudos. durante esta AGRADECIMENTOS A Deus, que é a nossa rocha, nossa cidadela, o nosso libertador, por mais esta oportunidade de evolução. A nossas Polícias Militares pela confiança depositada, oportunizando-nos a realização deste curso e proporcionando-nos o aperfeiçoamento dos nossos conhecimentos. Ao Ten.-Cel. PMSC Giovani de Paula, Cap. PMPR Roberto Sampaio Araújo e ao 1º. Tenente PMPR Claudionor Agibert, pelas sábias orientações nos momentos de dúvida. À Profª. Dra. Maria Lúcia Pacheco Ferreira Marques, pelos préstimos do conhecimento da metodologia científica aplicada a esta obra. Aos companheiros do CAO/2008 - SC, pela experiência vivenciada nessa empreitada, pela colaboração e pela amizade a nós dedicada. “Saber ouvir e falar bem são meios de comunicação igualmente poderosos” (John Marshall [1755 – 1835]). RESUMO A presente monografia refere-se à negociação como alternativa estratégica nas ações de grupos tático nas crises com tomadas de reféns. O surgimento das situações críticas, os princípios básicos de gerenciamento de crises, com os elementos e requisitos do posto de comando e os critérios de ação. A negociação, abordando-se o grupo, a seleção do negociador, sua responsabilidade e papel, o negociador não policial, a negociação prática, os tipos causadores das crises e o comportamento esperado do refém. A síndrome de Estocolmo, táticas para negociação, o contato com o causador, a apresentação, as condutas importantes, as regras da negociação, as indicações do sucesso da negociação. O ritual de rendição, o efeito nos negociadores e os erros comuns. As implicações jurídicas das condutas dos envolvidos, sob as óticas da responsabilidade civil e penal, chegandose à conclusão da necessidade de se buscar o sucesso da missão alicerçado nos critérios legal, ético e operacional. Palavras-chave: Crises. Gerenciamento. Negociação. Síndrome de Estocolmo. Implicações Jurídicas. ABSTRACT This monograph is about the negotiation as a strategical alternative in the actions of the special operations groups in the crisis with hostages taken. The emerge of the critical situations, the basic principles on the crisis management, with both the elements and requirements for the commando post, the actions criteria. The negotiation itself, regarding the group, the selection process of the negotiatior, his responsabilities and role, the non police officer negotiator, the practical negotiation, the different types of crises causes, the expected hostage´s behaviour. The Stockholm syndrome, negotiation tactics, the contact with the cause, the introducement, the important conducts, the rules of negotiation, the negotiation success indicators. The surrender ritual, the effects on the negotiator and the most common mistakes. The juridical implications of the personnel involved, both under the civil and criminal responsibility, heading to the conclusion of the need to search success based on both legal, ethical and operational criteria. Key-words: Crisis. Management. Negotiation. Stockholm Syndrome. Juridical Implications. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 11 2 PRINCÍPIOS BÁSICOS DO GERENCIAMENTO DE CRISE ......................................... 14 2.1 NECESSIDADE DE INSTALAÇÃO DE UM POSTO DE COMANDO ............................................. 16 2.1.1 Requisitos essenciais de um posto de comando ................................................. 16 2.1.2 Elementos essenciais que integram a organização de um posto de comando................................................................................................................................19 2.2 CRITÉRIOS DE AÇÃO ...................................................................................................... 19 3 NEGOCIAÇÃO .............................................................................................................. 21 3.1 GRUPO DE NEGOCIAÇÃO ................................................................................................ 21 3.2 SELECIONANDO O NEGOCIADOR ..................................................................................... 22 3.3 O NEGOCIADOR, SEU PAPEL E RESPONSABILIDADE. A UTILIZAÇÃO TÁTICA DO NEGOCIADOR 23 3.3.1 A coleta de informações......................................................................................... 25 3.3.2 Técnicas de negociação para minimizar o risco .................................................. 26 3.4 O NEGOCIADOR NÃO POLICIAL ....................................................................................... 29 3.5 NEGOCIAÇÃO EM DELITOS COM REFÉNS .......................................................................... 33 3.5.1 Considerações práticas sobre negociações com reféns ..................................... 33 3.6 TIPOS DE CAUSADORES DO EVENTO CRÍTICO ................................................................... 34 3.6.1 Mentalmente perturbados ...................................................................................... 34 3.6.2 “Criminosos” .......................................................................................................... 37 3.6.3 Prisioneiros ............................................................................................................. 38 3.6.4 Terroristas ............................................................................................................... 39 3.7 O QUE SE PODE ESPERAR DO REFÉM .............................................................................. 40 3.8 A SÍNDROME DE ESTOCOLMO ......................................................................................... 41 3.9 O QUE SE PODE OU NÃO NEGOCIAR ................................................................................ 43 3.10 TÁTICAS PARA A NEGOCIAÇÃO ........................................................................................ 45 3.10.1 Ganhar tempo ......................................................................................................... 45 3.10.2 Prazos ...................................................................................................................... 47 3.10.3 Exigências ............................................................................................................... 47 3.11 CONTATO COM O CAUSADOR DO EVENTO CRÍTICO ........................................................... 48 3.11.1 Técnicas de negociação por telefone.................................................................... 49 3.11.2 Negociação face a face........................................................................................... 50 3.11.3 Regras para contato ............................................................................................... 51 3.12 APRESENTAÇÃO ............................................................................................................ 52 3.13 CONDUTAS IMPORTANTES .............................................................................................. 52 3.14 REGRAS DE NEGOCIAÇÃO .............................................................................................. 54 3.15 A NEGOCIAÇÃO VAI BEM SE ........................................................................................... 60 3.15.1 Quanto à forma de comunicação do causador ..................................................... 61 3.15.2 Outras indicações ................................................................................................... 61 3.16 RITUAL DE RENDIÇÃO .................................................................................................... 62 3.17 EFEITO NOS NEGOCIADORES .......................................................................................... 63 3.17.1 Os problemas a longo prazo .................................................................................. 63 3.18 ERROS COMUNS ............................................................................................................ 64 3.18.1 Nas negociações..................................................................................................... 64 3.18.2 Em treinamento ....................................................................................................... 65 3.18.3 Dos comandantes ................................................................................................... 65 4 IMPLICAÇÕES JURÍDICAS DA NEGOCIAÇÃO EM SITUAÇÕES DE CRISE ............. 66 4.1 RESPONSABILIDADE PENAL ............................................................................................ 67 4.2 RESPONSABILIDADE CIVIL .............................................................................................. 71 5 CONCLUSÃO ................................................................................................................ 74 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 77 11 1 INTRODUÇÃO As situações de crise envolvendo reféns ocorrem com relativa incidência no âmbito nacional, acarretando, por sua imprevisibilidade, a desestabilização dos órgãos policiais e da própria sociedade, uma vez que inexiste estudo sistematizado ou protocolo padrão, em nível brasileiro, da matéria. Não é nenhuma novidade que, nas ocorrências supramencionadas, o misto de curiosidade e medo propicia a assistência estarrecida, por parte da população, da ineficiência das entidades policiais gestoras da crise. Em conseqüência, eclodem questionamentos diversos sobre a competência para administrar o evento crítico, sobre os recursos necessários bem como sobre a atribuição discriminada de cada órgão envolvido. Uma situação crítica pode surgir de fenômenos naturais ou ser provocada pelo homem. Em relação às crises decorrentes de fenômenos naturais, a única alternativa que se apresenta é o planejamento e execução de ações preventivas ou de minimização dos efeitos. Para aquelas causadas pelo elemento humano, abre-se a possibilidade de resolução por meio da negociação. Ao longo da história, a experiência tem demonstrado que a negociação é o meio mais eficiente para a resolução de crises. É uma nova modalidade incorporada à moderna técnica policial para resolver problemas com reféns. A despeito da hodierna doutrina israelense para situações com reféns, inegável que um incidente em particular foi o catalisador para o desenvolvimento das modernas técnicas de negociação: o atentado perpetrado em Munique, em 1972, durante os Jogos Olímpicos da Alemanha, quando um grupo terrorista palestino invadiu a Vila Olímpica matando dois atletas israelenses e fazendo nove reféns, tendo como saldo final, depois de uma batalha de 90 minutos no aeroporto da cidade, a morte de cinco terroristas, todos os reféns e um policial. A multiplicidade de interveniência de diversas variáveis, tornando cada evento absolutamente particular e ímpar, impôs a adaptação das técnicas de negociação para cada caso. 12 Muito ordinária – para não dizer comum – tem sido a tomada de reféns quando o causador do evento crítico é surpreendido pela polícia no cometimento de um crime. Nesse caso, o motivo do causador do evento crítico reside na garantia da fuga. Foi o caso ocorrido em Marechal Cândido Rondon, oeste paranaense, em 1995. Outros eventos são provocados por pessoas mentalmente perturbadas – maníacos, esquizofrênicos e paranóicos –, pessoas sob o efeito de drogas ou com problemas familiares. Por outro lado, bem extraordinária no território brasileiro, a atividade terrorista de inspiração política, religiosa ou social, cuja forma de ação não obedece a padrões tradicionais ou leis de guerra, pode, eventualmente, concorrer para uma situação envolvendo reféns. Seja pelo desconhecimento da doutrina de gerenciamento de crises, seja pela unicidade de cada situação, deve-se reconhecer que acaba ocorrendo certa intimidação por parte de alguns comandantes de polícia no que diz respeito à assunção de suas responsabilidades frente a eventos críticos envolvendo reféns. Pode-se verificar que, às vezes, surgem aventureiros – alguns mais comprometidos consigo mesmos do que com os resultados desejáveis – que “roubam” a cena, assumem o comando das ações e não deixam escapar a oportunidade de aparecer na mídia. Essas mazelas devem servir de base para o estabelecimento de doutrina de emprego de policiais treinados e bem preparados para tais situações. O problema que exsurge é: a negociação – com suas implicações jurídicas – é alternativa estratégica para as soluções das crises com tomadas de reféns? A presente monografia se destina a tentar definir procedimentos para a atuação de negociadores, processo de seleção e técnicas adotadas, de maneira, também, a demonstrar as implicações jurídicas e o acerto dessa alternativa como meio eficaz de resolução de crises. Em virtude das parcas referências sobre o assunto, o trabalho será desenvolvido por meio de pesquisas em obras, apostilas de gerenciamento de crises 13 e similares, e decisões judiciais, procurando-se elencar os aspectos da negociação, as responsabilidades civil e penal dos envolvidos e chegar a uma conclusão. O trabalho será ordenado com uma introdução, seguida pelo estudo dos princípios básicos do gerenciamento de crises, passando-se pela negociação, suas implicações jurídicas e conclusão. 14 2 PRINCÍPIOS BÁSICOS DO GERENCIAMENTO DE CRISE Antes de mergulhar-se no estudo mais profundo, mister entender o significado e a etimologia do vocábulo “crise”. Crise vem do latim crisis, que, por sua vez, foi herdado da raiz indoeuropéia ker ou sker, que significa “cortar” e que daria mais tarde origem a palavras como critério. No que diz respeito à concepção de crise sob o viés policial, adotada pela Academia Nacional do Federal Bureau of Investigation- FBI, socorre-se do sempre festejado escólio de PONTES (2000, p. 20): “um evento ou situação crucial que exige uma resposta especial da polícia, a fim de assegurar uma solução aceitável”. Um detalhe muito importante é que a expressão “da polícia” parece deixar estreme de dúvidas a idéia de que a responsabilidade em gerenciar e solucionar as situações críticas é exclusiva dos organismos policiais. Por esse motivo, oportuno trazer à colação certa preocupação com a participação de religiosos, políticos, psicólogos, elementos da mídia e outros na condução e resolução desse tipo de ocorrência, um tanto freqüente no histórico brasileiro. Fatos dessa natureza comprometem a credibilidade da polícia bem como podem acarretar conseqüências jurídicas indesejáveis, especialmente no que diz respeito à responsabilidade civil do Estado. Também relevante se conhecer as características essenciais das crises, quais sejam: a) imprevisão; b) compressão de tempo (urgência); c) ameaça de morte; e d) necessidade de: - postura organizacional não-rotineira; - planejamento analítico especial e capacidade de implementação; e - considerações legais especiais. Dessas características, uma merece atenção especial: risco de morte. De fato, consoante a doutrina do FBI, a ameaça à vida constitui componente essencial do evento crítico, mesmo quando essa vida é a do próprio causador da crise. Dessa 15 maneira, in exemplis, quando uma pessoa ameaça se jogar de um edifício, existe uma crise, mesmo que outras vidas não estejam em perigo. Por outro lado, a necessidade de uma postura organizacional-não rotineira é, talvez, aquela que cause maiores transtornos ao processo de gerenciamento; no entanto, é a única cujos efeitos podem ser minimizados, por meio de preparo e treinamento prévio dos policiais. Sobre a necessidade de um planejamento analítico especial, mister ressaltar que a insuficiência de informações, a intervenção da mídia e o tumulto da massa prejudicam, às vezes, o desenvolvimento de um plano de ação. Tirante essas características, ditas essenciais, há outras: - a necessidade de muitos recursos para a solução; - ser um evento de baixa probabilidade de ocorrência e de graves conseqüências; - ser caótica; - ter um acompanhamento próximo e detalhado, tanto pelas autoridades como pela comunidade e pela mídia. Pelo ensinamento de MONTEIRO (2000, p. 8) a Academia Nacional do FBI define gerenciamento de crises como: “o processo de identificar, obter e aplicar os recursos necessários à antecipação, prevenção e resolução de uma crise”. É uma ciência destinada a lidar, sob uma grande compressão de tempo, com uma multiplicidade de problemas. Relevante destacar que o gerenciamento de crises não se apresenta com exatidão, ou seja, um processo absolutamente matemático por meio do qual, dado o problema, nascem as soluções de maneira rápida e fácil. Muito pelo contrário, exigem respostas individualizadas, que demandam uma cuidadosa análise e reflexão. A atividade de gerenciamento de crises tem dois objetivos: preservar vidas e aplicar a lei. Cabe ressaltar que esses dois objetivos estão enumerados numa ordem rigorosamente axiológica, significando que a preservação de vidas deve estar, para os responsáveis pelo gerenciamento de um evento crítico, acima da própria aplicação da lei. E dentre as vidas a serem preservadas, as das pessoas inocentes têm absoluta prioridade. Essa nossa posição é corroborada pelo pensamento do professor MONTEIRO (2000, p. 11): 16 “a crônica policial tem demonstrado que, em muitos casos, optando por preservar vidas inocentes, mesmo quando isso contribua para uma momentânea fuga ou vitória dos elementos causadores da crise, os responsáveis pelo gerenciamento adotaram a linha de conduta mais adequada, em virtude de uma ulterior captura dos meliantes.” (grifos nossos) Dessa maneira, verifica-se que mesmo deixando os causadores da crise escapar, mas protegendo os inocentes, poderá se considerar bem cumprida a missão pelos respectivos administradores. A seguir veremos os princípios norteadores do gerenciamento de crises. 2.1 NECESSIDADE DE INSTALAÇÃO DE UM POSTO DE COMANDO O gerente de uma crise possui a chamada capacidade de controle. Ela se refere ao número máximo de pessoas que um indivíduo pode pessoalmente dirigir e controlar de maneira eficiente e eficaz. Havendo número significativo de pessoas envolvidas numa operação, diz-se que a capacidade de controle – que pode ser reduzida pelo efeito do estresse – está em perigo. Por esse motivo, isto é, objetivando manter a capacidade de controle, deve-se instalar um Posto de Comando. Igualmente, havendo operação que enseje coordenação entre várias unidades – do mesmo ou de diferentes organismos policiais – ou necessidade de múltiplas atividades, necessária é a montagem de um Posto de Comando. 2.1.1 Requisitos essenciais de um posto de comando Consoante o ensinamento de MONTEIRO (2000, p. 41), são eles os seguintes: a) Comunicações: 17 - Rádio (da própria organização policial, das demais organizações participantes e rádio comercial); - Telefones (externo, com o ponto crítico, e interno para ligações internas do Posto de Comando); - Televisão (comercial e de circuito fechado, quando necessário); - Quadros de situação ou “flip charts”; - Computadores; - Teletipos (quando necessário); - Intercomunicadores; - Mensageiros (para o caso de falha ou interrupção dos sistemas eletrônicos de comunicação); - Gravadores para registro das conversas telefônicas com os causadores do evento crítico. Com efeito, o processo de comunicação adquire capital importância durante o desenvolvimento da crise, pois por meio dele poderão ser otimizadas e operacionalizadas todas as diretrizes e estratégias para resolução do evento. b) Segurança: - De pessoas hostis; - Da mídia; - Do público; - De policiais curiosos, não participantes do evento. A segurança, igualmente, deve ser considerada como fator fundamental para sucesso da missão, uma vez que muitas falhas nesse aspecto poderão ser insuperáveis e inviabilizar o bom andamento do procedimento. c) Acomodações e Infra-estrutura: - Pessoal de operação. Para esse pessoal faz-se necessário um local onde possam realizar as comunicações, outro onde os negociadores possam se reunir e também uma sala reservada e calma, para onde o pessoal de decisão possa ir, a fim de refletir e analisar as decisões a serem tomadas; - Áreas onde possam ser realizadas reuniões com todo o pessoal empenhado no evento; - Área para estacionamento de veículos; 18 - Área para guarda e entrega de material utilizado no decorrer da crise; - Toaletes; - Área para atendimento de emergências médicas; - Heliporto (para os casos em que a organização policial dispuser de helicópteros e estes se façam necessários); - Local para reunião com a mídia; Claro, a infra-estrutura precisa ser suficiente e adequada às necessidades previstas e previsíveis, objetivando-se o menor número de problemas maximizando a probabilidade de êxito. d) Proximidade do ponto crítico: - O Posto de Comando deve ficar próximo ao ponto crítico, porquanto isso facilita muito o processo de gerenciamento. Essa proximidade proporciona facilidade de decisão, dando ao gerente da crise uma visão imediata do local e também condições de rápido e direto acesso ao pessoal empenhado na cena de ação; - Por outro lado, quando o Posto de Comando fica instalado em local muito distante do ponto crítico, isso faz com que as comunicações dependam de rádio, o que pode ser prejudicial e comprometer o sigilo das decisões. Realmente, quanto mais próximo o Posto de Comando, inegável os benefícios para o cumprimento da missão. e) Acesso: - O acesso ao Posto de Comando deve ser fácil para o pessoal participante do evento. Deve também ser seguro, para evitar que o pessoal necessite percorrer áreas perigosas ou arriscadas, nos seus deslocamentos. f) Tranqüilidade e Isolamento: - O Posto de Comando, sempre que possível, deve ser instalado em ambiente com pouco ruído e sem aglomeração de pessoas, não expondo os tomadores de decisão a atividades desnecessárias nem a dados supérfluos. Naturalmente, locais barulhentos atrapalham sobremaneira o processo de resolução do evento crítico, além de prejudicar o raciocínio e a tomada de decisões. i) Distribuição de Tarefas: - O plano organizacional para eventos críticos deve especificar as tarefas de cada participante. Somente os policiais e funcionários cujas tarefas 19 necessitem acesso ao gerente da crise devem ter seu ingresso admitido no Posto de Comando. A compartimentação de missões específicas decorre de organização e melhor equacionamento do problema, facilitando sua resolução. 2.1.2 Elementos essenciais que integram a organização de um posto de comando Consoante o ensinamento de MONTEIRO (2000, p. 43), são eles os seguintes: - Elemento de Comando: O Comandante da Cena de Ação ou Gerente da Crise; - Elementos Operacionais: O Grupo de Negociadores e o Grupo Tático Especial. Esses elementos operacionais costumam receber a denominação geral de Grupo de Ação Direta (GAD), e enquanto participarem do evento crítico ficam sob a supervisão direta do gerente da crise, por dois motivos: 1º suas atividades geralmente têm um impacto imediato, de vida ou morte, no ponto crítico; e 2º no interesse de comunicações mais rápidas e coerentes entre eles e o gerente da crise, evitando-se a existência de intermediários de outras autoridades. - Elementos de Apoio; - Elementos de Assessoria. 2.2 CRITÉRIOS DE AÇÃO Por ocasião de um evento crítico, os gerentes tomarão decisões, algumas fáceis e outras muito difíceis e intrincadas, ou seja, a velha indagação “faço ou não 20 faço”. As decisões devem considerar a contribuição para a diminuição do grau de risco ou o impedimento de agravamento. O gerente da crise deverá ater-se aos seguintes critérios: Necessidade: Este critério diz que não se deve tomar decisões que não sejam realmente necessárias. Não se deve adotar medidas que, no momento, são dispensáveis. Validade do Risco: Segundo MONTEIRO (2000, p. 12), citando a Academia Nacional do FBI, é recomendado que a validade do risco seja justificada: “quando a probabilidade de redução da ameaça exceder os perigos a serem enfrentados e a continuidade do status quo". Aceitabilidade: Refere-se que as ações tomadas durante a crise devem ter o amparo nos campos moral, legal e ético. Dessa forma, a decisão não pode violar os princípios morais e dos bons costumes. O critério da aceitabilidade também contempla a ética na resolução da crise, não podendo o gerente ir de encontro aos princípios éticos. Jurídico: Todos os atos tomados na resolução do evento crítico devem estar amparados por lei. A observação dos critérios mencionados, não como uma fórmula insuperável e inflexível, mas como roteiro da tomada de decisões, contribui significativamente para que a crise seja levada a bom termo. Deve-se agora estudar mais amiúde a negociação, com o intuito de melhor conhece suas nuances e facilitar o entendimento do tema. 21 3 NEGOCIAÇÃO Como dito alhures, a negociação deve sempre ser a primeira, a segunda e a terceira opções do gerente do evento crítico, uma vez que a ação do grupo tático é a “ultima ratio”, isto é, a mais extrema e final medida, já que a negociação foi mal sucedida e agora as vidas dos reféns, muito provavelmente, correm sérios e concretos riscos. Nesse diapasão, inegável a significância da negociação para a solução do problema, pois por meio dela pode-se atingir todos os objetivos, ou seja, proteger os reféns e prender os criminosos, com um mínimo de prejuízo ou desgaste para a organização policial encarregada e para a sociedade. Exatamente por causa da relevância ímpar da negociação, mister seja ela detalhadamente compreendida, em todos os aspectos, com o intuito de facilitar, na seqüência, o estudo das implicações jurídicas. 3.1 GRUPO DE NEGOCIAÇÃO O grupo de negociação é fundamental para qualquer organização policial. Procurar selecionar e treinar negociadores bem como deixá-los em plenas condições de exercer seu mister é preocupação que todo dirigente de instituição de segurança pública deve ter. A equipe precisa de diversos profissionais. Cada grupo de negociação deve constituir-se de: a) Negociador principal: - Conduz o processo de negociação com os causadores do Evento Crítico. b) Negociador secundário ou reserva: - Mantém registro de todos os incidentes, ameaças ou acordos feitos com os causadores do Evento Crítico; - Grava todas as conversações; 22 - Fornece novos dados ao negociador principal; - Deve estar sempre em condições de substituir o negociador principal em caso de fadiga ou outras coisas. c) Consultor (Psicólogo): - Avalia constantemente o estado mental do causador do evento crítico e do negociador; - Permanece ao largo do processo de negociação para manter a objetividade; - Recomenda técnicas de negociação ou abordagens adequadas a cada caso. d) Chefe de Equipe: - Organiza o grupo, distribui tarefas e supervisiona as atividades; - Funciona como elemento de ligação entre a equipe de negociação e o grupo tático e demais organismos envolvidos. A definição exata dessas funções bem como a designação de policiais para exercê-las facilita, em muito, a operacionalização das medidas que deverão ser adotadas quando da ocorrência da crise. Esta divisão de tarefas também é corolário da organização. Não se concebe uma agência policial que não seja organizada e que não possua elementos já preparados para missões específicas, orientando-se por protocolos previamente estabelecidos. 3.2 SELECIONANDO O NEGOCIADOR O negociador deve ser voluntário, preferencialmente um policial experiente e em excelente estado físico e mental. Logicamente, deve ter facilidade para desempenhar tarefas cognitivas em estado de tensão. É claro que não se busca uma pessoa perfeita, até porque tal ser humano não existe. No entanto, o elemento que desempenha ou pretende desempenhar as funções de negociador precisa ter algumas características desejáveis, como: 23 - Deve possuir maturidade emocional, aceitar ser exposto a abusos, ridículo, declarações insultuosas sem respostas temperamentais; - Deve manter a serenidade quando os circundantes a tiverem perdido; - Deve ser um bom ouvinte e ter excelente habilidade como entrevistador; - Deve ser o tipo de pessoa que facilmente se torna digno de crédito; - Deve ter habilidade para convencer os outros de que seu ponto de vista é aceitável e racional; - Deve ter facilidades para se comunicar com pessoas dos variados estratos sócio-econômicos; - Deve ter um bom raciocínio lógico, senso comum e ser experiente com o trabalho nas ruas; - Deve ter habilidade para manipular situações de incerteza e aceitar responsabilidades mesmo sem ter poder de mando; - Deve concordar inteiramente com a doutrina básica da negociação; - Deve aceitar o fato de que, se a negociação por qualquer motivo não prosperar, e havendo risco para pessoas envolvidas, deverá auxiliar na preparação da ação tática. A prática policial demonstra que o bom negociador é aquele que envida todos os esforços para o atingimento dessas características, verdadeiras pedras angulares da função. 3.3 O NEGOCIADOR, SEU PAPEL E RESPONSABILIDADE. A UTILIZAÇÃO TÁTICA DO NEGOCIADOR Pode-se sintetizar em três verbos as preliminares ações a serem adotadas por qualquer autoridade policial ao tomar conhecimento de uma crise: conter, isolar e negociar. Não é possível haver uma perfeita distinção temporal ou cronológica entre essas ações-resposta, uma vez que são tomadas quase que concomitantemente. 24 Consoante o escólio de MONTEIRO (2000, p. 49) à medida que contém a ameaça e isola o ponto crítico, a autoridade policial já procura estabelecer os primeiros contatos com os elementos causadores da crise, objetivando o início da negociação. É cediço que gerenciar crises consiste em negociar, negociar e negociar. Após terem se esgotado todas as chances de negociação, deve-se ainda tentar negociar uma última vez. A importância capital da tarefa de negociação inviabiliza seja ela confiada a pessoas não devidamente preparadas. Dela ficará encarregado um policial com treinamento específico, denominado de negociador. O negociador tem um papel de suma responsabilidade no processo de gerenciamento de crises, sendo muitas as suas atribuições. Foram vistos alguns casos recentes no Brasil em que religiosos, psicólogos, políticos e até secretários de segurança pública “atuaram” como negociadores. Cabe ressaltar que tais situações podem concorrer para o insucesso da operação. Às vezes, por causa da inexistência de policiais suficientemente treinados para tal mister, aceita-se qualquer voluntário como negociador. O papel fundamental do negociador é o de servir de intermediário entre os causadores do evento crítico e o comandante da cena de ação. Funciona ele, portanto, como um catalisador, no processo dialético que se desenvolve entre as exigências dos causadores do evento crítico (tese) e a postura das autoridades (antítese), na busca de uma solução aceitável (síntese). Na concepção ortodoxa, a figura do negociador era estereotipada como a de alguém que simplesmente se utilizava de todos os meios dissuasórios ao seu alcance para conseguir a rendição dos elementos causadores da crise. Não sendo atingido tal objetivo, não se precisava mais do negociador e a solução para a crise seria o emprego do grupo tático. Era como se as negociações e o grupo tático tivessem duas missões distintas e excludentes entre si. A hodierna visão é muito diferente. Na realidade, os dois grupos têm, de fato, a mesma missão, isto é, resgatar pessoas tomadas como reféns, e que tal missão permanece a mesma ao longo de todo o evento crítico. Tanto isso é verdade que, havendo decisão de uso de força letal, permanecerão os negociadores em atividade, envidando seus esforços para apoiar uma ação tática coordenada. 25 O negociador tem, por conseguinte, um papel tático importantíssimo durante o desenvolvimento de um evento crítico. Esse papel tático, segundo MONTEIRO, citando a Academia do FBI (2000, p. 50), pode ser desempenhado de três maneiras: - através da coleta de informações, durante as negociações; - através do uso de técnicas de negociação que minimizem o risco de uma ação tática; e - pela utilização de técnicas de negociação específicas, como parte de uma ação tática coordenada. 3.3.1 A coleta de informações Não há fonte de informação mais confiável do que o negociador. O gerente da crise pode, por intermédio daquele, saber a condição mental, o estado de espírito e a personalidade dos elementos causadores da crise. Além disso, o negociador pode colher relevantes informações utilizando as seguintes táticas: - Diálogo com os causadores da crise. Durante o diálogo o negociador pode obter ou confirmar informes acerca do verdadeiro número de causadores do evento crítico e de reféns, armas, exigências, nomes e posição social das pessoas envolvidas, entre outros. - Soltura de reféns. Isso proporciona a oportunidade de se obter dados preciosos de alguém que estava no interior do ponto crítico, dados esses que podem ser analisados e cotejados com outros obtidos de outras fontes. - Entrega e retirada de recipientes com água, comida e remédios, possibilitando assim o levantamento, naqueles objetos, de impressões digitais para confirmação de identidade dos causadores da crise ou dos reféns. - Aproximação do ponto crítico. Essa aproximação, feita para dialogar ou fazer entregas (de comida, água, cigarros etc.) possibilita uma observação mais próxima e mais detalhada do interior do ponto crítico, com a conseqüente coleta de dados de muita importância para orientação do grupo tático. 26 - Realização de fotografias (com câmara oculta) do ponto crítico, aproveitando as oportunidades de entrega de água, comida etc. - Coleta de declarações escritas dos causadores do evento crítico ou dos reféns, para análise. Ora, quanto mais informações puderem ser coletadas, muito melhor será o planejamento e a execução da operação, pois quanto maior for o número de detalhes disponíveis, mais variáveis serão consideradas, mais opções serão vislumbradas, mais alternativas serão pensadas e, por conseguinte, a probabilidade de erro será minimizada significativamente o que, logicamente, aumenta as chances de sucesso. 3.3.2 Técnicas de negociação para minimizar o risco A intervenção do grupo tático é sempre a última alternativa para a solução do evento crítico. No entanto, deve ela ser considerada e, portanto, precisa o negociador adotar algumas técnicas com a finalidade de tornar menos arriscada a ação tática a ser porventura desencadeada pelo grupo tático. No exercício desse papel, o negociador poderá: - Distrair os causadores do evento crítico, por meio de criação de explicações lógicas, com argumentação, embora não verdadeiras, para justificar algum ruído ou movimento estranho causado pelo grupo tático nos seus preparativos para o ataque. - Ganhar tempo, através de conversas prolongadas com os causadores da crise, possibilitando um melhor amadurecimento das decisões do grupo tático. - Prolongar a negociação para que o plano de ataque possa ser melhor detalhado e ensaiado pelo grupo tático. - Prolongar a negociação para que evolua a chamada “Síndrome de Estocolmo” (que será vista adiante), fazendo assim com que se reduzam as possibilidades de assassinatos de reféns pelo não-cumprimento dos prazos fatais por parte das autoridades. 27 A tomada dessas medidas visa, basicamente, tornar possível um planejamento adequado, correto, em consonância com a realidade fática do evento crítico, considerando-se o maior número de variáveis. Portanto, em que pese se desejar resolver a crise o mais rápido possível, deve-se procurar – exatamente por causa da concepção negociar, negociar e negociar – viabilizar o sucesso da ação tática, caso seja ela adotada. Quando decidida a intervenção do grupo tático, o negociador atuará como elemento facilitador da ação, por meio da utilização de técnicas destinadas a apoiar diretamente uma ação tática. Nesse decisivo papel, o negociador, como coadjuvante do plano de ataque elaborado pelo grupo tático poderá: - Conseguir o ingresso de pessoas no ponto crítico, sob o pretexto de fazer entregas (de água, alimentos, cigarros, e outros), de prestar socorro médico, de realizar reparos de instalações; - Conseguir a introdução de um cavalo de Tróia no ponto crítico, antes do ataque; - Identificar o líder ou o tomador de decisões dos causadores do evento crítico, estabelecer a sua localização e mantê-lo distraído numa conversa, no momento crucial do ataque; - Arranjar tarefas para ocupar os causadores do evento crítico, localizando-os em posições onde eles representem uma menor ameaça aos reféns ou onde eles se tornem menos capazes de obstruir uma missão de resgate; - Fazer com que os reféns possam estar em posições de menor perigo ou onde o socorro seja mais viável, no momento do ataque; - Possibilitar a aproximação de um veículo ou de outro objeto que facilite a ação dos atiradores de elite; - Arranjar uma história no intuito de acobertar ruídos paralelos (o funcionamento de geradores elétricos de emergência, por exemplo), com a finalidade ocultar ruídos provocados pelo grupo tático; - Fazer concessões importantes aos causadores do evento crítico, levando-os a acreditar estarem obtendo êxito, o que resultará numa queda natural do seu estado de alerta e de suas defesas psíquicas, fator esse de muita importância para que sejam apanhados desprevenidos. Como se pode verificar, esse papel tático do negociador, hoje pacificamente assentado na doutrina de gerenciamento de crises, faz com que os 28 policiais escolhidos para esse importante mister sejam bem treinados e dotados de características pessoais bastante peculiares. Dentre essas características, poder-se-iam enumerar as seguintes: - conhecimento global da doutrina de gerenciamento de crises; - respeitabilidade e confiabilidade; - maleabilidade; - fleuma e paciência; - espírito de equipe; - disciplina; - autoconfiança; - autocontrole; - comunicabilidade; e - perspicácia. Essa listagem é meramente exemplificativa, constituindo, no conjunto, aquilo que poderia ser considerado como o perfil do negociador ideal. Evidentemente, existirão muitos bons negociadores a quem faltem algumas dessas qualidades, mas é óbvio que algumas delas são essenciais, não podendo faltar em nenhum negociador, como é o caso da respeitabilidade, da confiança e da comunicabilidade. Um negociador que não inspira respeito e confiança nos seus pares e nos causadores do evento crítico não tem a mínima possibilidade de bom êxito. Daí resulta um dos grandes axiomas da negociação que é o de que “negociador confiável torna a negociação viável”. Como esperar bons resultados de um negociador que não tenha qualidades semiológicas suficientemente desenvolvidas para se comunicar com desenvoltura, sob pressão, com pessoas perigosas, em momentos de crise? Seja como for, o que importa tornar-se claro é que o negociador seja um policial dotado de certas características – inatas ou adquiridas por meio de treinamento – que possibilitem conduzir a negociação aos fins colimados pela doutrina e pelos responsáveis pelo gerenciamento da crise. 29 3.4 O NEGOCIADOR NÃO POLICIAL Outrora muito se discutiu se a função do negociador poderia ser desempenhada por pessoa que não fosse policial. Negociadores não policiais constituem experiência pela qual já passaram quase todas as organizações policiais, especialmente quando, historicamente, as primeiras crises necessitaram da intervenção de alguém para servir de intermediário ou interlocutor entre os causadores dos eventos críticos e as autoridades policiais. Nesse sentido, pode-se afirmar, com certa segurança, que os primeiros negociadores não foram policiais. E há um razão para ter sido assim. Quando eclodia um evento crítico, os organismos policiais, com absoluto despreparo técnico, pretendiam solucionar aquele por meio da formalista e cega aplicação da lei, com a rendição incondicional dos infratores. É claro que tal solução não encontrava porto seguro e, portanto, fazia-se necessária a intervenção de alguém, alheio aos quadros policiais, que pudesse servir de mediador, possibilitando assim que o evento fosse solucionado mediante concessões mútuas. Deve-se fazer um pequeno parêntese para ressaltar que essa é, com toda certeza, a conjuntura ainda hoje vivida por algumas das organizações policiais brasileiras, as quais, à mingua de uma doutrina e de um preparo adequado para enfrentar crises, socorrem-se do amadorismo e da improvisação para solucionar o problema. Hodiernamente, no entanto, a utilização de negociadores não policiais é opção de alto risco, baseando-se no estudo do histórico de ocorrências. Segundo MONTEIRO citando a Academia Nacional do FBI (2000, p.54) é peremptório afirmar que: “essas pessoas, em virtude de geralmente não terem sido treinadas para a negociação, tenderão, provavelmente, devido ao estresse causado pela situação a se apegar aos seus modos e maneiras de falar, ao dialogarem com os bandidos”. Nesse diapasão, consoante o supramencionado autor, os religiosos tenderão a se manter excessivamente moralistas; os advogados sentirão dificuldade em decidir por qual dos lados estariam atuando; e até mesmo os profissionais de 30 psiquiatria ou psicologia – se não tiverem um treinamento prévio a respeito de gerenciamento de crises – em pouco ou nada poderão contribuir, porquanto estão acostumados a serem procurados por pessoas que vão lhe pedir auxilio, e nunca por pessoas que resistam a ele. Está muito em voga a utilização de familiares – no papel de negociadores – de causadores dos eventos críticos. A crônica policial tem registrado que essa prática pode trazer consigo conseqüências muitas vezes desastrosas. Pode-se citar casos folclóricos em que o cônjuge, o pai ou a mãe de algum causador de evento crítico se ofereceu para servir de negociador – com a melhor das intenções – e tão logo se estabeleceu o contato entre aquelas pessoas e o elemento causador da crise, este reagiu da forma mais agressiva possível, argumentando que ele se encontrava naquela situação justamente devido àquele cônjuge, àquele pai ou àquela mãe e que não admitia que a polícia voltasse a utilizá-los como negociadores, por considerar aquilo chantagem emocional. Outro caso citado ocorreu nos Estados Unidos da América, em que o irmão de um causador do evento crítico se ofereceu para atuar como negociador, garantindo que tinha ascendência e autoridade sobre o infrator. Obtido o consentimento do comandante da cena de ação para a realização do contato entre os dois irmãos, o “negociador” tão logo viu o outro e disse: “Puxa mano! Acabamos de ver você pela televisão, lá em casa. Vá em frente, firme, pois estamos todos torcendo por você.” A situação dispensa maiores comentários. É óbvio que a assertiva influiu no ânimo do infrator, dando-lhe um respaldo psicológico, que, àquela altura dos acontecimentos, era inteiramente pernicioso para os objetivos da polícia. Um dos grandes argumentos que sustentam a tese da inadequabilidade do uso de negociador não policial não é tanto a sua falta de preparo, mas a total inexistência de compromisso entre eles e a polícia. Não existe garantia que, nos contatos realizados com os causadores do evento crítico, o negociador não policial manter-se-á fiel às orientações e propostas emanadas do comandante da cena de ação. Até a justiça brasileira já determinou o pagamento de indenização a um gerente de banco usado como negociador, como se verifica na notícia “Gerente 31 usado como negociador em seqüestro será indenizado em R$ 550 mil”, disponível em http://www.feteccn.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=4196&Item id=142. Isto ocorreu porque as conseqüências para o gerente foram muito graves, como ameaças perpetradas pelos bandidos, como se vê: “O problema do Banco terminou aí, mas o dele havia apenas começado, porque passou a ser ameaçado de morte pela quadrilha, que não foi presa. As ameaças se estendiam a seus familiares, e, em telefonemas contínuos, os assaltantes lhe diziam frases como “Seu ‘trouxa’, não entregou o dinheiro para beneficiar o banco, mas nós sabemos onde você mora, onde seus filhos estudam, o que sua esposa faz”. Tentaram até mesmo entrar no prédio onde residia. Diante das ameaças, o empregado teve que tirar sua família de São Paulo e enviá-la para o interior do Paraná. Permaneceu mais alguns meses em São Paulo, mas as ameaças só cessaram quando foi transferido para a cidade de Ibiporã (PR)”. Dessa maneira, é desaconselhado o uso de negociador não policial. Além disso, às vezes, o negociador não policial tem interesse na solução do evento (magistrados, promotores de justiça), mas não se tem certeza que ele aceitará as diretrizes da polícia, principalmente se, na fase de planejamento específico, estiver se esboçando uma solução com emprego de força letal. Como se isso não bastasse, imaginando-se a hipótese de uso de força letal, também não é possível que uma pessoa sem treinamento específico possa exercer um papel tático na negociação. Finalmente, considerando-se tal circunstância, exsurge o tema da responsabilidade civil do Estado, pois existe a possibilidade de o negociador não policial se ferir ou até mesmo morrer. Exatamente por esses motivos, a doutrina mais aceita de gerenciamento de crises considera inteiramente condenável o emprego de negociadores não policiais. Psicólogos, psiquiatras e profissionais das ciências comportamentais são bem-vindos ao local da crise; no entanto, sua participação precisa se limitar à prestação de assessoria ao gerente da crise e aos negociadores policiais. Corrobora o posicionamento MONTEIRO (2000, p. 56) que, citando o Agente Especial da Academia Nacional do FBI, Dwaine Fuselier, é categórico ao afirmar que “a menos que haja razões específicas em contrário, os negociadores devem ser recrutados entre policiais com treinamento apropriado, assessorados por consultores profissionais em psicologia, se necessário.” 32 Deve-se ainda abordar duas questões sobre o negociador. A primeira delas é a de que o gerente da crise, mesmo sendo policial, deve se abster totalmente de atuar como negociador, ainda que tenha treinamento específico sobre esse assunto e se sinta à vontade para assumir esse papel. A experiência tem demonstrado que o gerente da crise nunca é um bom negociador porque o negociador não pode tomar decisão. Se isso acontecer, os elementos causadores da crise logo perceberão esse detalhe e passarão a interpretá-lo diretamente, instando-o a que atenda imediatamente essa ou aquela exigência, eliminando assim as possibilidades de procrastinação, tão necessárias para se ganhar tempo no curso de uma crise. Por essas razões, tamanha confusão não é recomendada, uma vez que: - Faltará objetividade: Pensará em resolver rapidamente. Como estará no comando de toda situação, e todos virão até ele com problemas que estão passando em suas áreas. Como controlar tudo?; - Tem autoridade demais. O causador da crise poderá se utilizar disso; - Como comandante, terá dificuldades em manter um trato cordial, pois está acostumado a dar ordens; - O Comandante não tem personalidade técnica; - Está afastado muito tempo da área operacional. Além de todos esses problemas, o grande nó górdio reside no fato de que não haverá a quem recorrer quando, por exemplo, o negociador se haver mal sucedido já que ele é o comandante da operação. Este, quando se imiscui na função de negociador, desvia seus esforços e a sua concentração mental de inúmeros outros assuntos importantes que envolvem a sua missão. A segunda questão diz respeito ao descabimento da utilização de elementos do grupo tático como negociadores, porque a formação e o condicionamento mental desses policiais são inteiramente voltados para a solução dos eventos críticos por meio do emprego da força letal. Estas variáveis os desqualificam como negociadores, uma vez que, entre os aspectos subjetivos destes profissionais, está a crença inabalável na solução da crise por meio do entendimento e do diálogo. 33 3.5 NEGOCIAÇÃO EM DELITOS COM REFÉNS Independentemente do tipo da primeira exigência, é relativamente comum o estabelecimento de um acordo que implique em alterações daquela. Dada a importância da negociação, deve-se ressaltar que é quase impossível retomá-la após uma tentativa frustrada de invasão tática. Relevante trazer à colação, por conseguinte, algumas observações de cunho prático quando se está diante de uma crise envolvendo reféns. 3.5.1 Considerações práticas sobre negociações com reféns A possibilidade de uma organização policial enfrentar uma situação em que haja um elemento barricado ou presença de reféns é considerável. São fatos prováveis e possíveis na sociedade hodierna, como tem-se verificado pelas notícias das imprensas falada, escrita e televisada. Nesse sentido, existe um protocolo de alternativas para a solução da crise, qual seja: - Controlar e tentar negociar; - Uso de agentes químicos para forçar rendição; - Uso de atiradores de elite (snipers ou sharpshooters) para neutralizar o sujeito; ou - Uso de um grupo tático com uso de armamentos e táticas especiais. Sendo considerado o uso dessas alternativas, deve-se iniciar pela primeira, dirigindo-se progressivamente à última. Parece claro, portanto, que uma determinada resposta pode obstar/impedir o uso de outras mais tarde. 34 3.6 TIPOS DE CAUSADORES DO EVENTO CRÍTICO Há geralmente quatro tipos principais de causadores de crises com tomada de reféns. Veremos a seguir esses tipos e suas características. 3.6.1 Mentalmente perturbados O grupo de pesquisa e operações especiais da Academia do FBI indica que aproximadamente 52% (cinqüenta e dois) por cento de todos os incidentes com reféns envolvem pessoas classificadas como “mentalmente perturbadas”. Estas pessoas tipicamente se encaixam em uma de quatro categorias de diagnósticos: a) Esquizofrênico-Paranóico: O esquizofrênico-paranóico pensa perturbadamente. De fato, esta perturbação é tão grande que o leva para fora da realidade, fazendo-o sofrer de uma psicose (mentalmente desordenado ou insano). Os sintomas principais são alucinações – ouvir e ver coisas que não estão lá realmente – e ilusões – um falso sistema de crenças – que persistem apesar de evidência em contrário. Ilusões de grandeza – acreditar que ele tem qualidades especiais, habilidades, ou uma missão especial na vida – ou ilusões de perseguição – acreditar que ele está sendo perseguido porque ele tem uma missão especial ou é uma pessoa selecionada/escolhida por Deus. O causador desta natureza freqüentemente toma reféns por acreditar estar executando um “grande plano” ou obedecendo “ordens” de alguma “pessoa especial”. Pode ser que ele acredite, por exemplo, que é missão divina dele acabar com todo o sofrimento e violência. Pode ser que ele faça reféns com exigências de que os Estados Unidos unilateralmente desarmem-se e que todos os agentes da lei abandonem suas armas e dêem-se as mãos pacificamente. A ilusão pode também envolver punição e retaliação contra pessoas “pecadoras”. 35 Esquizofrênicos-paranóicos são geralmente inteligentes acima da média. Portanto, deve-se tomar muito cuidado ao tentar trapacear ou mentir para eles. A melhor abordagem é aceitar as declarações/afirmações que eles fizerem como sendo verdadeiras para eles. Não tentar discutir ou convencê-los de que as crenças deles são erradas. Mas você não precisa ir tão longe a ponto de concordar que também se ouvem vozes ou de dizer que se acredita nas mesmas coisas que eles. Pode-se responder com uma frase como “Eu não consigo ouvir a voz que você ouve mas eu compreendo o que você está dizendo”. b) Doença Maníaco-Depressiva, Tipo Depressivo: A pessoa que é maníaco-depressiva geralmente é tão deprimida que fica fora da realidade, sofrendo de uma psicose (mentalmente desordenado ou insano). Há a possibilidade de consideração de indignidade para viver, sentimento de culpa por “pecados” de outrora e crenças freqüentes ilusórias. Existe também chance de que essa pessoa acredite, por exemplo, que é responsável por todo o sofrimento no mundo e sua atual depressão é uma punição por ter vivido uma vida pecadora. O potencial para suicídio é extremamente alto, assim como o é o potencial para matar qualquer refém. Os reféns, não raras vezes, são familiares de seu algoz ou dele conhecidos. É possível que ele acredite que esteja fazendo um favor a elas, matando-as e poupando-as desta vida “horrível”. Sua conversação e mobilidade são lentas. Pode levar de 15 a 30 segundos ou mais para responder uma pergunta. Seus pensamentos geralmente se centralizarão em volta da sua indignidade/desonra, seus pecados, ou seus sentimentos ilusórios de culpa. Quando se negociar com um maníaco-depressivo, deve-se oferecer a ele compreensão e apoio, com assertivas contínuas de que ele tem seus valores. Não se deve dizer que as “coisas não são tão ruins assim”. Isto fará com que ele pense que o negociador não compreende os problemas dele e não será capaz de ajudá-lo. Deve-se interromper gentilmente suas longas falas sobre “pecados” ou morte e convencê-lo a falar sobre seus interesses, hobbies, ou alguma/qualquer coisa positiva, relacionando-as aos méritos/qualidades dele. Deve-se prestar atenção para ver se ocorrem melhoras espontâneas. Se de repente ele disser “está tudo OK agora – Eu sei o que faço”, pode ser que ele tenha decidido se matar. Melhora gradual ao longo de horas de negociação é um sinal melhor. Pode-se ainda perguntar se ele 36 pensou em matar-se. Fazer esta pergunta não vai “colocar o pensamento na cabeça dele”. Na verdade, discuti-lo pode ajudar a acreditar que o negociador realmente compreende como ele se sente mal. Depois que um tipo de relação se tiver estabelecido, pode-se ser mais direto. Por exemplo, pode-se dizer: “Carlos, eu acho que agora você pode confiar em mim. Eu gostaria que você saísse e viesse me conhecer. Eu sei que posso ajudá-lo a resolver isso”. As duas próximas categorias, enquanto na classe dos “mentalmente perturbados” não são psicóticos, e, portanto, estão em contato com a realidade. Estas duas desordens, chamadas de distúrbios de personalidade ou de caráter e distúrbios de comportamento, referem-se a padrões de comportamento de longa duração e mal adaptáveis que geralmente se desenvolvem durante a adolescência. c) Personalidade Inadequada: Durante toda sua vida, a pessoa com uma personalidade inadequada mostra reações/respostas ineficazes e ineptas a estresse social, emocional e físico. Ela geralmente será um daqueles desistentes de continuar estudando quando entram para o ensino fundamental e pode ter tido uma sucessão de empregos, após ter sido despedido de todos por causa de desempenho ruim. Ele vê a si próprio como um perdedor – como alguém que sempre falhou. Fazer reféns pode ser sua última tentativa de provar a alguém (esposa, pais ou namorada) que ele pode fazer alguma coisa direito. O incidente com reféns, incluindo a atenção de autoridades e da mídia, pode ser o ponto alto da sua vida. Este tipo de desordem pode ser reconhecido por frases como “Eu vou mostrar a eles que eu realmente posso fazer alguma coisa” ou “Eu vou mostrar a eles que eu não sou mais o bode expiatório”. O causador do evento crítico está em contato com a realidade, está pensando com clareza (apesar de imaturamente), pode entender as conseqüências de suas ações, e pode-se negociar com ele com sucesso. Quando negociando com a personalidade inadequada, deve-se oferecer compreensão e aceitação sem críticas. Ajudá-lo a encontrar um caminho para por fim ao incidente sem ter “falhado novamente”. Não trazer pais, amigos, ou quaisquer outras pessoas íntimas à cena. Isto pode invocar sentimentos mais fortes e provocálo a provar que ele pode fazer alguma coisa importante. 37 d) Personalidade Anti-social: Uma pessoa com uma personalidade anti-social também é conhecida como sociopata ou psicopata. Ele é o clássico “manipulador” ou “vigarista”. Um dos sintomas mais importantes desta personalidade é a absoluta inexistência de qualquer sentimento de consciência ou culpa. A pessoa não incorporou à sua vida os princípios morais e valores de nossa sociedade. Esta situação acarreta sua despreocupação com os reféns, assim entendidos como seres humanos. Freqüentemente ele é um orador, lisonjeiro/loquaz e convincente e apresenta-se extremamente bem. Ele é um “vigarista”, um especialista em “frias”. Conseqüentemente, é possível que seus reféns o vejam como um “bom rapaz” que as autoridades estão atormentando. Ele é egoísta e procura prazer físico. A maioria dos seus interesses gira em torno de manipular as pessoas para obter ganhos materiais para ele mesmo. Ele é muito impulsivo e exige satisfação imediata, não aprendendo com experiências anteriores nem com prisões. Na negociação com a personalidade anti-social, é importante lembrar que ele é egocêntrico e que vai tentar facilitar as coisas para ele mesmo. Deve-se cuidar com o uso de truques. Ele é astuto e já imagina que tentarão enganá-lo. Ele é provavelmente “entendido” de rua e de polícia. Não se deve prometer algo que ele sabe que não pode ser realizado. Ele precisa de estímulo freqüente; que deve vir pelo negociador por meio de contatos freqüentes, cuja ausência pode prejudicar os reféns, uma vez que o causador poderá procurá-los em busca de excitamento/agito. 3.6.2 “Criminosos” Aqueles que são considerados criminosos que são surpreendidos cometendo um delito têm grande probabilidade de fazer reféns. A primeira providência e verificar se ele (criminoso) é uma pessoa mentalmente perturbada. Afastada a hipótese, haverá significativa certeza de que ele já teve contatos freqüentes com a lei, sabe o que esperar da polícia e tem ciência das necessidades para sair da situação ileso. 38 Por esse motivo, o processo de negociação deve ser baseado na realidade dos fatos, de maneira a auxiliar o causador da crise a reconhecê-los e convencê-lo a aceitar sua segurança física em troca da libertação dos reféns. 3.6.3 Prisioneiros Pessoas que cumprem penas privativas de liberdade acabam, por vezes, provocando rebeliões e fazendo reféns (geralmente agentes penitenciários). Nessas situações, quase não há preocupação com distúrbios mentais, uma vez que aqueles prisioneiros psiquiatricamente perturbados ficam reclusos em complexos médicopenais. Não raras vezes, as rebeliões têm como causa principal as condições dos estabelecimentos prisionais o que ocasiona exigências de melhoras daquelas. A tomada de reféns, em rebeliões, traz algumas vantagens estratégicas para os detentos: incremento do poder de barganha e projeção em decorrência da cobertura dos órgãos das imprensas falada, escrita e televisada. Cabe ressaltar que a qualidade de agentes penitenciários dos reféns maximiza a possibilidade de eles serem assassinados. Exatamente por causa desse motivo, deve-se procurar efetivar a ação policial o mais rápido possível, de maneira a antecipar a emergência dos verdadeiros líderes. Caso isso não seja possível, a negociação deverá ser conduzida considerando-se ser o criminoso mentalmente normal. É possível verificar que, às vezes, a pessoa que pratica delitos não consegue se adaptar na sociedade e não observa as leis. Naturalmente, quando agrupados, essas pessoas integram uma subcultura, que deverá ser enfrentada pelo negociador. Quando ocorrer uma rebelião, deve-se tomar todas as medidas que inviabilizem a organização dos detentos no prazo de 15 minutos, ou seja, no menor espaço de tempo possível, já que a organização se instala, geralmente, no lapso de 39 30 minutos, podendo haver tomada de reféns. Deve-se então, negociar como se caso de crimes comuns fosse. Como “ultima ratio”, a invasão tática pode ser utilizada como elemento dissuasório da rebelião, visando ao estabelecimento da ordem e devendo ser realizada com o objetivo primordial de se evitar vítimas com ferimentos ou fatais. Em se decidindo pela medida, é fundamental utilizar efetivo especializado – como grupos de operações especiais – que deverá ser municiado com todos os recursos necessários, como planta do local, munição de elastômero (borracha), coletes, megafones, dentre outros, de maneira a possibilitar o sucesso da empreitada. 3.6.4 Terroristas É cediço que a ação terrorista com tomada de reféns objetiva a atração de tanta publicidade quanto possível para a sua causa. Os eventos causados por terroristas são decorrentes de longo e profundo planejamento e treinamento, sendo suportados física e psicologicamente pelos companheiros. É muito comum, nestas circunstâncias, a necessidade de intervenção de organismos policiais federais. Sempre se deve lembrar que a possibilidade de morte dos reféns é significativa, uma vez que, certamente, os terroristas já consideraram essa variável e podem estar preparados para morrer como “mártires”. O “nó górdio” a ser desatado pelo negociador é exatamente o convencimento dos terroristas de que eles conseguiram passar o recado/mensagem com sucesso, que as exigências deles foram bem ouvidas, e que eliminar os reféns apenas desacreditá-los-ia aos olhos do público. 40 3.7 O QUE SE PODE ESPERAR DO REFÉM Algumas vezes o negociador deverá interagir com os reféns e, portanto, deve estar preparado para evitar qualquer atitude que possa comprometer o sucesso da operação. No relacionamento do negociador com os reféns, deve-se observar o seguinte: - Não atribuir diversos valores aos reféns, pois isso pode ocasionar a formação de juízo de valor ao causador evento crítico no sentido de que há reféns com “pesos” diferentes, o que também pode significar que o negociador se preocupa, por conseguinte, muito menos com aquele; - Não negociar com os reféns e sim com os causadores; - Se falar com o refém tenha em mente que ele pode estar sob efeito da síndrome de Estocolmo, e o que ele estiver falando pode ser mentira. Cada indivíduo apresenta reações diferenciadas durante e depois do seqüestro. No ato da captura: - Dilema de resistir ou não; - Sentimento de abandono. Após a liberação: - Desorientação; - Depressão; - Fadiga; - Confusão. Essas características ocorrem por causa da grande pressão sob a qual está submetido o causador e, naturalmente, o estresse desencadeia e/ou catalisa essas reações, deixando a pessoa muito transtornada e desorientada. 41 3.8 A SÍNDROME DE ESTOCOLMO Todos os seres humanos, por razões óbvias, quando se deparam com momentos cruciais, tendem a se apegar a qualquer pessoa ou coisa que indique a saída. É exatamente isso que ocorre com os reféns e os causadores do evento crítico, já que estão sob forte tensão emocional. Por esse motivo, os reféns conscientemente tendem e efetivamente acabam desejando que todos os intentos dos algozes sejam atingidos, sendo satisfeitas todas as suas exigências e podendo eles fugir tranqüilamente, o que acarretará a libertação daqueles. Durante esse processo mental, para os reféns acabam se tornando indesejável qualquer intervenção policial e, não raras vezes, valores sedimentados ao longo da vida são questionados ou até invertidos. Considerando-se que esse fenômeno ocorreu em muitos outros casos semelhantes, os estudiosos do assunto chegaram à conclusão de que a Síndrome de Estocolmo era uma perturbação de ordem psicológica, paralela à chamada “transferência” – termo usado na Psicologia referindo-se ao relacionamento desenvolvido entre paciente e psiquiatra, permitindo o sucesso da terapia. Foram observados os seguintes comportamentos: - Reféns desenvolvem sentimentos positivos desenvolvem sentimentos negativos em relação aos causadores; - Reféns em relação às autoridades; - Causadores do Evento Crítico desenvolvem sentimentos positivos em relação aos reféns. A Síndrome nem sempre se desenvolve, sendo impedida por: - Violência injustificada ou tortura contra refém; - Isolamento do refém; - Exigüidade de tempo; - Barreira da língua; - Conhecimentos de fenômenos psicológicos pelo refém; 42 - Estereótipos preexistentes. Maior vantagem: quanto mais forte a Síndrome, menores as possibilidades de violência contra o refém. Aspectos negativos: - As informações transmitidas pelos reféns tornam-se não confiáveis; - Os reféns, consciente ou inconscientemente, fornecem informações inverídicas sobre as armas dos causadores da crise. Terão dificuldades em descrevê-los e tornam-se seus defensores; - A Síndrome pode causar interferência nos planos de resgate dos reféns, que poderão agir contrariamente aos comandos dos policiais no momento da intervenção; - A ocorrência de Síndrome pode afetar o desempenho do negociador, especialmente no caso de indicação de necessidade de intervenção. Não aparecendo os sinais da Síndrome: a) Deve-se tentar interagir, solicitando aos causadores da crise: - Uma lista com os nomes dos reféns; - Informação sobre a necessidade de cuidados médicos para os reféns; - Lista com os nomes de pais ou filhos dos reféns. b) Deve-se tomar cuidado com dados que não devam ser fornecidos. c) Deve-se buscar o desenvolvimento da Síndrome de todas as maneiras possíveis. Sinais da Síndrome de Estocolmo a) Por parte dos Causadores : - Interrupção de ameaças ou agressão aos reféns; - Solicitação de pedidos aos reféns; - Preocupação com a saúde dos reféns; b) Por parte dos Reféns: - Atendimento de telefonemas do negociador; - Insistência no atendimento dos pleitos do causador; - Pedido de libertação do causador; - Pedido de salvaguarda e proteção da vida do causador. Isto ocorre porque o sentimento desenvolvido pelo refém na direção do seqüestrador é muito forte. Ele (o refém) tentará protegê-lo e chegar até a considerar plausíveis os motivos que o levaram a praticar o crime. 43 Exemplo muito interessante citado por LIMA (2004, p.1), em seu artigo “A Síndrome de Estocolmo”, disponível em http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2004/02/273967.shtml, bem esclarece a assertiva: “Um exemplo clássico de Síndrome de Estocolmo foi o aconteceu a Patricia ‘Patty’ Hearst, filha do magnata norte-americano William Randolph Hearst. A filha do Cidadão Kane foi seqüestrada por uma organização paramilitar, o Exército Simbionês de Libertação, em fevereiro de 1974. Colocada em isolamento e submetida a agressões sexuais, Patty Hearst foi aos poucos absorvendo o sistema de crenças da organização, tornando-se a guerrilheira ‘Tanya’.” Como se observa, os efeitos são extremamente intensos, o que explica razoavelmente a conduta e o comportamento dos reféns. 3.9 O QUE SE PODE OU NÃO NEGOCIAR Em todas as ocasiões de crises o negociador enfrentará momentos difíceis em que tenha que usar de habilidade, conhecimento e poder argumentativo para atingir o objetivo almejado. Nos eventos críticos, em geral, devem ser consideradas as seguintes observações: a) Comida: - Deve ser fornecida apenas a quantidade solicitada; - Não se deve incluir nada além do pedido. b) Água ou Refrigerantes: - Substâncias alcoólicas aumentam a possibilidade de violência contra os reféns. c) Meios de Transporte: - O controle da situação pode ficar comprometido no caso de o causador da crise dispor de meios de transporte; - Deve-se verificar se o deslocamento acarreta alguma vantagem ao grupo tático ou ao processo de negociação; - É cediço que o fornecimento de meios de transporte ocasiona mais dificuldades do que benefícios. 44 d) Liberdade para o Refém ou Reféns: - É o objetivo; - É imperioso existir política oficial para o caso deste item implicar em liberdade para o causador da crise. e) Dinheiro: - Um dos itens solicitados. f) Troca de Reféns: - Não se deve nunca permutar um refém por um policial; - Deve-se lembrar que a troca de um refém por um familiar do causador da crise pode concorrer para o suicídio deste; - Além disso, deve-se levar em conta que se pode incrementar o número de reféns sem colher nenhum benefício. g) Cobertura de Imprensa: - Ferramenta importante (limitar o tempo). h) Armas: - Nunca. i) Outros: - transferência de um estabelecimento prisional para outro; - presença de magistrados e promotores de justiça objetivando o esclarecimento sobre processos em tramitação na vara de execuções penais ou nas varas criminais; - tomada de providência pela Corregedoria competente com o objetivo de apurar possível transgressão funcional; - medidas que visem a melhorar a assistência judiciária, de saúde, educacional, alimentação etc. Tendo sido negociada a transferência de detentos para outras unidades, devem eles ser conduzidos por forte escolta militar até os veículos de transporte, com o objetivo de se evitar agressões. Deve-se ter em mente que: - Nunca se pode atender determinado pedido sem recebimento de alguma contrapartida; - Prestar atenção às declarações aos órgãos da imprensa, uma vez que o causador da crise pode dispor de rádio ou TV. 45 A adoção dessas precauções contribuirá sensivelmente para a minimização dos riscos e aumento das chances de sucesso da operação. 3.10 TÁTICAS PARA A NEGOCIAÇÃO Veremos no próximo subitem as diversas técnicas para desenvolvimento da negociação e maximização das possibilidades de êxito. 3.10.1 Ganhar tempo O tempo reveste-se de capital importância em qualquer crise. Geralmente se está correndo contra ele. No entanto, às vezes, o passar do tempo pode vir de encontro às expectativas dos causadores do evento. Dessa maneira, a adoção de medidas tendentes a utilizar o tempo para beneficiar a operação é muito bem-vinda. Existem, naturalmente, vantagens e desvantagens, como se verão a seguir. a) Vantagens: - As necessidades humanas básicas (comida, água, sono, necessidades fisiológicas) são realçadas; - A ansiedade tende a se reduzir; - Um maior número de pessoas começa a pensar mais racional e menos emocionalmente; - Estabelece-se a Síndrome de Estocolmo; - Maximizam-se as oportunidades de fuga para os reféns; - A coleta de informações propicia condições para decisões mais racionais; - Ocorre melhora qualitativa do negociador, fazendo com que o causador da crise tenha nele mais confiança; 46 - As expectativas do causador da crise tendem a diminuir, possibilitando sua mais fácil concordância com as condições do negociador; - O incidente pode simplesmente terminar por si mesmo; - Potencializa-se o cansaço; - Identifica-se e discute-se os problemas e emoções do causador. b) Desvantagens: - O efetivo empenhado, como negociadores, grupo de intervenção e pessoal de comando, pelo cansaço ou tédio, tendem a tomar decisões equivocadas; - O negociador tende a perder a objetividade; - Pode ocorrer tentativa de se abreviar a resolução da crise, o que, por sua vez, tende a culminar em ações precipitadas. - Impaciência; - Injúrias; - Aumenta a pressão por parte dos superiores; - Maximiza-se o custo da operação; - Eleva-se a quantidade de policiais empregados; - Possibilita-se a ingestão de drogas para ficar evitar sonolência; - Aumenta a reclamação da comunidade pelos transtornos; - Pressão da imprensa. c) Técnicas para ganhar tempo: - Deve-se discutir tudo nos mínimos detalhes. Quanto mais o causador da crise consome tempo conversando, mais deve ele pensar o que leva mais facilmente ao cansaço; - Procurar formular perguntas abertas; - Em se verificando que o causador da crise é emocional, deve-se deixálo desabafar, o que diminui o estresse; - Deve-se sempre repetir o que ele acaba de falar e ser o menos específico possível; - Deve-se ser um bom ouvinte – com as devidas cautelas, é claro – e ser compreensivo. Portanto, é importante sopesar as vantagens e desvantagens, adotandose o comportamento mais indicado ao caso concreto. 47 3.10.2 Prazos É absolutamente comum e natural que o causador da crise imagine que nada está sendo feito por ele. Exatamente por causa disso exsurgem ameaças e não raras vezes são estabelecidos prazos fatais. Procura-se resolver esses problemas da seguinte maneira: - Quando o prazo estiver para acabar – como, por exemplo, cerca de cinco minutos antes – entrar em contato com causador e conversar de assuntos que já foram tratados; - Deve-se evitar mencionar o assunto prazo. Como ilustração, do que não se deve fazer, seria dizer: “São quase três horas e você vai matar alguém, vamos conversar sobre isso?”; - Nunca se deve estabelecer prazos para si; - Sempre usar como desculpa a situação da crise e do caos; - Deve-se afixar numa parede, de maneira visível, os dados mais importantes sobre as pessoas, citando-se inclusive os prazos e exigências; - Noutro local se deve escrever as ações positivas dos organismos policiais. A preocupação com os prazos deve ser uma constante para os gerentes da crise e também para o negociador, pois um equívoco ou falta de atenção pode significar morte de inocentes. 3.10.3 Exigências É claro que o verbo primeiramente usado pelo causador da crise é o “querer”, na primeira pessoa do indicativo. O negociador precisa seguir as seguintes orientações: - Ser flexível ao negociar exigências; - Aguardar que o causador faça exigência; - Repetir a questão dele de vez em quando de forma mais suave; 48 - Pedir sempre algo em troca. É o aspecto de barganha que faz a negociação, sempre colocando um preço “alto” aos reféns; - Deve-se dar trabalho ao causador, fazendo-o pagar com refém, mas sempre de maneira agradável e sutil; - Não se pode maximizar a expectativa do causador, dando mais do que ele pediu; - Nunca fazer a questão: “quais são as suas exigências?” e nunca lembrá-lo dos pedidos que não foram atendidos. Caso ele se esqueça, mais um fruto positivo colhido; - Ao receber as exigências, oferecer alternativas; - Deve-se sempre deixar claro que o negociador é o intermediário e, portanto, toda avença depende da aprovação do comandante da operação. A maneira habilidosa com que o negociador lida com as exigências formuladas pelo causador do evento pode representar na preservação das vidas dos reféns e até, inclusive, na prisão daquele. 3.11 CONTATO COM O CAUSADOR DO EVENTO CRÍTICO É de capital importância que o causador da crise tenha oportunidade de analisar melhor a situação, tornando-se mais razoável em suas ponderações. Consegue-se isso com uma boa administração do tempo. São os seguintes os tipo de contatos possíveis: - Telefone; - Diálogo com utilização de coberturas (muros, paredes); - Bilhetes; - Alto falantes; - Contato direto (face a face). 49 3.11.1 Técnicas de negociação por telefone O telefone é um dos meios mais comuns de utilização na negociação, tendo em vista a segurança, praticidade e objetividade. É importante, para o negociador a observância das seguintes recomendações: a) O negociador inicia a conversa; b) Planejar e preparar antes: - É preciso preparar as idéias que se pretende exprimir; - Muito importante o treinamento com outro negociador; - Procurar vislumbrar as táticas que o causador da crise utilizará; - É crucial deter o maior número de informações de inteligência; - Procurar um local adequado – sem possibilidade de distrações – para a concentração e preparação; c) Deve-se, nos intervalos, fazer um resumo das negociações com a equipe, de maneira a: - Verificar exigências atendidas; - Usar o tempo; - Tentar modificar e minimizar as exigências; - Manter o quadro de exigências do causador; - Diminuir os erros (esclarecer). d) Preparar-se para estabelecer um tipo de diálogo que possa facilitar a aceitação por parte do causador; e) O negociador deve disciplinar-se a ouvir, especialmente quando ao telefone. A boa e apropriada utilização do telefone pode significar a antecipação do resultado positivo esperado e, portanto, deve ser sempre estimulada. 50 3.11.2 Negociação face a face A negociação face a face, um pouco menos utilizada que o telefone, dado o elevado risco à vida ou à integridade física do negociador, precisa ser balizada por algumas observações, quais sejam: - Sempre considerar vantagens e risco; - Tentar obter uma promessa de que não será ferido pelo causador da crise; - Essa tentativa deve ocorrer depois de se ter conhecido melhor o causador; - Nunca negociar face a face com uma arma apontada; - Procurar se assegurar que o causador não portará arma; - Procurar ter uma rota de fuga para os casos de não cumprimento de promessas; - Jamais ficar de costas para o causador; - Nunca se deve negociar com vários causadores ao mesmo tempo; - Anteriormente ao contato, procurar obter uma descrição física do causador, repassando-se a do negociador; - O grupo de intervenção precisa ter conhecimento dessa negociação; - Procurar ter noção do espaço corporal do causador, que varia conforme seu estado emocional; - Ter muito cuidado com o contato ocular; - Sempre manter cobertura adequada; - Procurar avaliar antes a ansiedade; - Sempre utilizar coletes balísticos; - Sempre portar arma na lateral; - Coordenar com o grupo tático para um “back up”; - Nunca se dirigir ao território do causador quando houver indicação de explosivos; - Esse tipo de negociação só pode se efetivar com autorização expressa do comandante. 51 O cuidado ao se optar por esse tipo de contato bem como durante sua execução, naturalmente, concorre o sucesso da operação. 3.11.3 Regras para contato Ao estabelecer o contato com o causador da crise, o negociador não pode se desviar do foco principal, devendo procurar observar o seguinte: - Ter certeza de ter estabelecido acordo de promessa de não agressão bilateral; - Nunca travar diálogo estando o causador da crise com arma; - Esse tipo de negociação só pode se desenvolver depois de estabelecido contato com o causador da crise; - Nunca se deve negociar com vários causadores ao mesmo tempo; - Manter o olhar firme; - Procurar ter uma rota de fuga para os casos de não cumprimento de promessas; - Jamais ficar de costas para o causador ou fazer qualquer movimento brusco; - Não invadir o espaço do interlocutor; - Prestar atenção ao movimento corporal; - Anteriormente à negociação, possuir os dados relativos a idade, sexo e motivação; - As questões formuladas devem exigir respostas descritivas ou narrativas e não apenas afirmativas e/ou negativas; - A linguagem utilizada deve ser o mais acessível possível, evitando palavras chulas ou vulgares; - Ter ciência do estado emocional do causador da crise; - Verificar a possibilidade de redução do estresse, que facilita a negociação; - Verificar a possibilidade de aumento do estresse, que facilita a intervenção tática; 52 - Deve-se determinar o grau de dedicação na causa; - Verificar se o causador tem apoio de companheiros e se pertence a algum grupo radical. O atendimento dessas recomendações é de alta relevância para o cumprimento adequado da missão. 3.12 APRESENTAÇÃO É claro que ao fazer o primeiro contato com o causador da crise, o negociador precisa criar um primeiro vínculo. E essa relação é desencadeada pela indicação de nome – ainda que fictício – bem como de outros dados importantes. Adotam-se, pelos protocolos existentes, o seguinte roteiro: - Meu nome é_____________(usar o primeiro nome); - Sou do__________________(dizer a qual órgão pertence); - Como posso chamá-lo? - Estou aqui para ajudá-lo. Este procedimento facilita o relacionamento o que, por extensão, evitará ou, pelo menos, minimizará, a agressividade natural da primeira comunicação. 3.13 CONDUTAS IMPORTANTES Não se deve dar respostas negativas de início. Procurar demonstrar boa vontade, com expressões como “vou tentar conseguir isso com meu chefe”, indicando grau de dificuldade, como em “mas creio que vai ser bastante difícil”. Nunca utilizar o vocábulo "NÃO" nem linguagem negativa. A comunicação interativa atinge seu apogeu quando a linguagem utilizada é a mais precisa e adequada possível. 53 Cabe ressaltar que a palavra “não”, como abstração, por si só, indica coisa alguma, sendo forçoso uma complementação. Exatamente por isso que o cérebro se fixa nesse complemento. É cediço que o uso de linguagem negativa acarreta o comportamento que se pretende evitar. O foco da abordagem deve estar no objetivo a ser alcançado e colocado em linguagem afirmativa. Vocábulos como “nunca”, “evite” e similares têm o mesmo efeito que um não. Alguns exemplos para a ação: Em vez de: USE: Não pense em... Pense em... Não se preocupe. Fique tranqüilo. Não se aborreça. Esqueça, deixe passar. Não entre em pânico. Fique calmo. Não quero perder tempo. Quero aproveitar bem o tempo. Não quero me atrasar. Quero chegar no horário. É proibida a entrada... Só é permitida a entrada... O negociador ainda deve observar as seguintes condutas: - Após o transcurso de certo tempo (conveniente): desculpe, não consegui convencer meu chefe; - Deve-se manter o causador da crise tomando decisões, porém sem irritá-lo; - Barganhar, barganhar, barganhar; - Deve-se fazer algumas concessões como prova de boa vontade; - Assegurar que, qualquer que tenha sido o resultado dos últimos atos do causador da crise, o mais importante é o futuro; - Não obrigar a medidas extremas; - Tentar convencê-lo de que o processo é vantajoso para ambos; - A negociação só termina bem por meio de acordos honestos; - Não se deve perguntar os pedidos do causador, mas deixar que eles os explicite; 54 - Não demonstrar exacerbada preocupação com reféns, perguntando sobre eles ao causador da crise de maneira austera; - Durante as negociações, priorizar os reféns feridos. 3.14 REGRAS DE NEGOCIAÇÃO Sobre as regras de negociação, Valter Wiltemburg Pontes (2000, p.5659), dá as seguintes orientações ao negociador: 1) Escolha o Momento Correto para fazer Contato Os primeiros 45 minutos de uma crise são cruciais, porque ainda há grande instabilidade nos causadores. Deve-se ter muito tato para abordá-los. Os organismos policiais devem procurar iniciar as negociações o mais rápido possível, sem, no entanto, forçar a situação. Deve-se sempre lembrar que o transcurso do tempo proporciona o desenvolvimento da “Síndrome de Estocolmo”. Quando são praticados os delitos de extorsão mediante seqüestro, cabe aos causadores a escolha do momento do contato. 2) Estabilize e Contenha a Situação O estado de tensão característico dos primeiros momentos de um evento crítico envolvendo reféns precisa ser estabilizado, a fim de que seus causadores comecem a agir dentro de um nível de raciocínio lógico. A estabilização ou agravamento da situação dependerá da habilidade do negociador, que precisa demonstrar a ausência de ameaça aos causadores enquanto não cometerem atos contra os reféns. 3) Evite Negociar Cara a Cara Este tipo de negociação tem algumas vantagens, uma vez que viabilizará ao negociador melhor avaliar o estado emocional dos causadores, inclusive se falam ou não a verdade. No entanto, aumenta os riscos do negociador. Exatamente por isso, deve ele permanecer a no mínimo dez metros dos causadores, salvo os casos em que há proteção por obstáculos físicos. Além disso, nunca se deve esquecer que as expressões fisionômicas do negociador poderão trair suas verdadeiras intenções e, por conseguinte, sempre que possível, esse tipo de negociação deve ser evitado. 55 4) Identifique-se como Negociador Quando mantiver contato com os causadores da crise, o negociador deverá se identificar, informando seu nome e esclarecendo suas funções. As organizações policiais melhor estruturadas, que contam com equipes de negociação, disponibilizam coletes identificadores. 5) Estabeleça um Código de Reconhecimento Com o objetivo de deixar mais seguro tanto o negociador quanto o causador da crise, é conveniente o estabelecimento de um código de reconhecimento. Esta providência evita a interferência de terceiros interessados em tumultuar as negociações ou tirar proveito da situação, o que é bastante comum nas extorsões mediante seqüestro. 6) Evite as palavras Reféns, Seqüestrados, Superiores e Problema Estes vocábulos induzem os causadores a pensar terem maior importância e poder do que realmente é interessante que eles tenham. A palavra “superiores” pode significar que o negociador não tem nenhum poder decisório e, portanto, poderá conduzir o causador da crise a querer tratar diretamente com quem decide. É claro que, na teoria, o negociador realmente não pode decidir; no entanto, esta questão não pode ser enfatizada. 7) Ouvir muito e Falar pouco sem Cortar a Conversa do Causador As pessoas tensas ou nervosas tendem a falar muito, em tom alto e agressivo. O bom negociador é um “bom ouvinte”. Portanto, ele deve ter a habilidade para “ouvir muito e falar só o necessário” e estimular o causador a exteriorizar suas idéias. Dessa maneira, ganhará tempo e conseguirá informações preciosas enquanto o causador minimiza o estresse, reduzindo a ansiedade e evitando atitudes agressivas com os reféns. 8) Não Responda a Agressões Qualquer ser vivo tende a ser agressivo quando acuado. Não é diferente com o causador da crise, que poderá agredir verbalmente o negociador, à instituição que ele representa e à sociedade. O negociador nunca deve revidar ou responder, uma vez que não está nervoso ao passo que o causador está. 9) Demonstre Respeito pelo Causador Nunca se pode esquecer que todos gostam de respeito, inclusive os causadores da crise. Tratá-los de maneira deseducada ou grosseira pode implicar 56 em sofrimentos aos reféns. Na mesma toada, o tratamento respeitoso induzirá o causador a também sê-lo. 10) Fale mais Baixo e Devagar Quando se conversa com baixo tom e calmamente, o negociador demonstra saber o que está fazendo, conduzindo o causador a igualmente se comportar do mesmo jeito. 11) Não Ameace os Causadores do Evento Crítico A ameaça aos causadores pode causar duas conseqüências principais: ser desafiado a cumpri-la ou ocasionar danos aos reféns. 12) Evite Truques e Blefes O sucesso de uma negociação depende da confiança estabelecida. Portanto, desde o início, o negociador deve ter uma atitude firme e confiável. A quebra da confiança pode redundar em maus tratos aos reféns e também levar o causador a demonstrar que não está amedrontado, ficando, além de tudo, muito difícil retomar a negociação. 13) Nunca Prometer o que não pode Cumprir Outro fator que contribui para a quebra da credibilidade é a promessa não cumprida. O causador pode se revoltar e isto pode ocasionar a necessidade de substituição do negociador. 14) Procurar Ganhar Tempo Quanto mais tempo transcorra, melhor será a segurança dos reféns pelo desenvolvimento da “Síndrome de Estocolmo”, maior será o tempo para os causadores reavaliarem suas posições, o processo decisório se amadurecerá e o preparo dos meios, especialmente do grupo de intervenção, será otimizado. Ganhando tempo a ansiedade decresce enquanto a confiança no negociador ascende. Existe até a possibilidade do término da crise por si mesma. 15) Desconfie Sempre É óbvio que o causador desconfia dos órgãos policiais e a recíproca não pode ser falsa. O causador, como indivíduo inteligente, tentará, de todas as maneiras, lograr êxito em seus malévolos intentos. Valores éticos e morais, não raras vezes, não fazem parte da vida do causador da crise; portanto, deve-se desconfiar sempre. 57 16) Desconfie de Pequenas Quantias Geralmente causadores de crise que exigem resgate de parcas quantias não têm o refém em seu poder. 17) Abrandar Exigências e Regatear Sempre Todos os pedidos do causador devem ser regateados, procurando-se abrandá-los e ganhar tempo. Esta medida demonstra ao causador que não basta pedir para ser atendido. 18) Cada Concessão Exigir algo em Troca Todas as concessões feitas devem ser exploradas como gestos de boa vontade dos organismos policiais, cobrando-se do causador, pelo princípio da confiança, a recíproca. O maior foco do negociador deve ser a libertação de reféns. 19) Não permitir a Troca de Reféns Verifica-se que, quase com certa freqüência, adota-se a política da substituição de reféns. Na verdade, é inadmissível tal prática tendo em vista as considerações éticas em relação aos valores das vidas em jogo. Os organismos policiais devem se preocupar em não quebrar a “Síndrome de Estocolmo”, evitando expor a perigo um novo refém. 20) Policial não pode ser Refém Voluntário No mesmo diapasão, não se concebe a possibilidade de serem substituídos reféns por policiais. Além da quebra da “Síndrome de Estocolmo” e suas conseqüências, a providência é um verdadeiro catalisador para uma tragédia, uma vez que os policiais têm aversão aos causadores e vice-versa e podem tentar bancar os heróis. Ainda existe a influência no equilíbrio emocional do efetivo, de tal sorte que qualquer ato hostil contra o policial poderá acirrar os ânimos. 21) Não conceder Armas e Munições É claro que se pode e se deve fazer concessões. No entanto, o fornecimento de armas e munições aos causadores potencializa seu poder bélico e ofensivo sendo, portanto, não recomendado. 22) Não fornecer Bebidas Alcoólicas ou Drogas Na mesma seara, esses produtos cientificamente alteram o comportamento dos causadores da crise, possibilitando a prática de atos extremos. Deve-se considerar, também, a existência de dependência química comprovada, uma vez que, nesse caso, a sonegação daqueles produtos poderá funcionar com elemento de desgaste da resistência dos causadores da crise. 58 23) Nunca dizer Não A habilidade do negociador em ser um articulador de palavras é primordial. Quando diz “não” torna-se antipático o orador. Por esse motivo, o negociador deve preferir expressões como “vamos ver o que é possível”, “isto é um pouco difícil” e “talvez algo mais fácil”. Deve-se também anotar o pedido e solicitar tempo para dar a resposta, o que pode ser uma saída para buscar uma alternativa viável. 24) Nunca Ignorar Exigências O negociador nunca deve ignorar os pedidos dos causadores da crise. Solicitações de menor importância – como cigarros, água, papel higiênico, alimentação e medicamentos – até podem ser atendidos de imediato para demonstrar boa vontade e sensibilidade, aumentando a credibilidade e a confiança. 25) Estimular a Rendição Em todo o processo, deve o negociador apresentar, como melhor alternativa para a solução da crise, a possibilidade de rendição. 26) O Refém é a Garantia dos Causadores do Evento Crítico O negociador deve deixar claro que enquanto os reféns – até porque não têm culpa de nada – não estão sendo molestados, feridos ou mortos, tudo correrá bem. 27) Desenvolver a Síndrome de Estocolmo Estando instalada em maior grau a “Síndrome de Estocolmo”, a possibilidade de ato de violência contra os reféns será minimizada significativamente. 28) Garantir a Integridade dos Causadores do Evento Crítico O bom negociador deve deixar claro que a vida é o bem mais importante para os organismos policiais, inclusive do causador da crise. Deve-se assegurar todo o respeito aos seus direitos e permitir, se for o caso, que religiosos, advogados, promotores, juizes ou a imprensa acompanhem o ato de rendição. 29) Não tome a Iniciativa de Sugerir Nada O negociador não deve criar necessidades que não sejam manifestadas pelos causadores da crise ou pelos reféns. Nada deve ser oferecido a não ser como substituição a uma outra exigência. 59 30) Não Estabelecer nem Aceitar Prazos Fatais O negociador, por óbvio, não deve estabelecer prazos fatais. Primeiro, porque deve sempre ganhar tempo; segundo, porque poderá ser desafiado e não ter como cumprir o que prometeu. Na aceitação de imposições, o negociador propicia que o causador se considere como “dono da bola”. O histórico policial constata que prazos fatais só são cumpridos por terroristas fundamentalistas. 31) Pedir Constantes Provas de Vida Há vários relatos de causadores que fazem exigências após a morte do refém ou sem estar com ele. Deve o negociador fazê-los provar que o refém está vivo, por meio de fotografias, gravações ou confirmação de informações só disponíveis aos reféns. 32) Não Envolver Pessoas não Policiais nas Negociações O crivo técnico imprimido por negociador policial é impossível de ser atingido por um negociador não policial – mesmo bem intencionado – que, portanto, pouca contribuição dará para a solução da crise. 33) Gravar Conversações e Preservar Documentos para Perícia As medidas de gravação dos diálogos e preservação de documentos ou objetos pelos causadores manuseados contribuirão sensivelmente para a produção da prova destinada ao processo investigativo e judicial. 34) Prestar Atenção aos Vícios de Linguagem Características da linguagem determinam a origem e costumes dos causadores da crise e seu desenvolvimento cultural, facilitando medidas investigativas concomitantes e posteriores. 35) Ser Discreto no Trato com a Família Especialmente para aqueles negociadores envolvidos com familiares de pessoas seqüestradas para fins de extorsão. Deve-se respeitar o espaço e a intimidade da família, ser discreto, nem comentar outros casos, mantendo atitude profissional. No local da crise, o contato com familiares deve se limitar ao suficiente para obter as informações necessárias. 36) Não Delatar Decisões Táticas Naturalmente, o negociador, ainda que adstrito ao poder decisório, concorre para este significativamente, por meio do assessoramento. Portanto, devese prestar atenção para não deixar escapar nenhuma informação privilegiada ao causador da crise, o que pode prejudicar toda a operação. 60 37) Apoiar as Ações Táticas através da Negociação O negociador pode dar suporte considerável para as ações do grupo de intervenção. Como exemplo, pode facilitar a entrada de equipamentos de escuta ou de filmagem no interior do ponto crítico; desviar a atenção dos causadores da crise durante a aproximação do grupo de intervenção; e fazer deslocar pessoas no interior do ponto crítico para facilitar a ação dos atiradores de elite. 3.15 A NEGOCIAÇÃO VAI BEM SE A todo momento faz-se necessário analisar o desenvolvimento da negociação, de maneira a tomar novas decisões, objetivando o melhor deslinde para a crise. Alguns indicativos de que a negociação está sendo bem conduzida são os seguintes: - Não houve mortos desde o começo das negociações; - Decréscimo das ameaças aos reféns; - Conversa-se mais com o causador da crise, falando-se menos em violência. - Houver mudança na linguagem, de ameaçadora para tranqüila; - Se o causador começar a revelar emoções pessoais ao negociador; - Linguagem torna-se racional; - Boa vontade em discutir tópicos fora do incidente. A observação desses quesitos facilita o planejamento de novas ações e a assessoria ao comandante da operação. 61 3.15.1 Quanto à forma de comunicação do causador Existe uma agressividade natural quando do início da negociação. No entanto, estando sendo encaminhado adequadamente o processo, poderão ser constatados os seguintes indicativos. - Tom baixo de voz; - Fala mais vagarosa; - Duração prolongada da conversação; - O causador começa o diálogo. Essas características devem ser buscadas pelo negociador, por meio da adoção de comportamentos tendentes a aumentar o grau de empatia existente, por parte do causador. 3.15.2 Outras indicações Naturalmente, outros aspectos poderão demonstrar o bom encaminhamento do processo de negociação. Citam-se: - Decréscimo da agressividade. Ex.: Atirar objetos; - Libertações de boa fé (iniciativa própria), sem barganha = excelente indicador; - Extrapolação de prazo sem conseqüências; - O causador observa as sugestões do negociador. 62 3.16 RITUAL DE RENDIÇÃO Às vezes, seja pelo decurso do tempo – com mais prejuízos ao causador – seja pelo não êxito dos objetivos visados, seja pela expectativa de ser morto pelo policiais do grupo tático, pode o causador desejar encerrar aquela situação, passando a dar pistas. Deve-se, portanto, se houver essa indicação, facilitar a rendição, observando o seguinte: - Reforçar os ganhos em se render; - Procurar suavizar os atos que tenha praticado; - Asseverar as garantias que ele tem; - Pode-se atender pedidos de sacerdotes ou advogados; - Discutir com o grupo de intervenção como proceder a rendição; - Descrever ao causador tudo o que acontecerá a ele ao sair. Deve-se ter em mente que, eventualmente, por conta da felicidade de todos os envolvidos, acaba-se perdendo o controle e, caso não se preste atenção, podem ocorrer transtornos vultuosos. Há registros de falta de aviso ao grupo de intervenção, que atirou nos causadores durante sua rendição. Cada refém sai, isoladamente, inclusive os policiais. Depois deles, saem os causadores, sem armas e com as mãos na cabeça. Os causadores devem ser orientados que serão encontrados por policiais que os levarão sob custódia. Pode ocorrer dos causadores pedirem a presença do negociador, o que pode ser feito, tomando-se as devidas cautelas. - Repassar o ritual com todos os participantes, com o intuito de fixar os procedimentos; - Dizer sempre “Quando você sair” e não “Se você sair”; - Nunca se deve caminhar na direção do causador, procurando retirar sua arma. Deve-se pedir a ele que a abandone no chão; - Aproximando-se o negociador, os causadores devem ter ciência que ele tem cobertura tática. Um ritual de rendição bem conduzido e bem terminado é o ápice do êxito da operação, pois é possível atingir todos os objetivos: salvar os inocentes e prender os causadores da crise. 63 3.17 EFEITO NOS NEGOCIADORES Como seres humanos, subjetivos por natureza, todos estamos sujeitos às influências de um oceano de sentimentos e sensações, decorrentes do tempo em que estivemos envolvidos nas mais diversas situações. E não é diferente no processo de negociação. Senão vejamos: - Identificação com o causador ou com a vítima; - Perda da objetividade durante a situação; - Medo de falhar; - Medo de críticas pelos superiores; - Manifestação de ansiedades físicas e psicológicas; - Solidão; - Exaustão durante e depois; - Às vezes, extrapolam sua autoridade, não consultando o comandante; - No curto prazo, muitos dão crédito ao que conseguiram e se cobram muito quando não logram êxito (culpa). É conveniente, por causa dessas variáveis, a passagem por avaliações psicológicas no período de 24 horas depois de encerrada a crise, de maneira a reforçar o preparo emocional e psicológico necessário ao negociador. 3.17.1 Os problemas a longo prazo Também, por óbvio, quando da calosidade decorrente de muitos anos como negociador, exteriorizarem-se alguns efeitos, como por exemplo: - Medo de falhar; - Problemas com o ego, julgando-se melhor do que realmente é; - Preocupação com a negociação, mesmo que não esteja negociando; - Esquece que é negociador e começa a tomar atitude de comandante; - Sentimento de culpa quando falha. 64 Deve-se ter muita atenção, neste particular, uma vez que isso pode ocorrer quando o negociador se aposenta e, se não observar cuidado por lapso significativo de tempo, pode vir a sofrer de males de saúde. 3.18 ERROS COMUNS O ser humano, por melhor intencionado e treinado que esteja, tende a errar. O erro faz parte da natureza humana, pois o homem é um complexo de sentimentos e emoções. Longe de querer se comportar tão objetivamente quanto um robô, devem os policiais envolvidos com a crise atentar para alguns detalhes, com o objetivo de assegurar maiores chances de acerto. Vejamos a seguir os principais equívocos e/ou pontos problemáticos nas negociações, nos treinamentos e nos comandantes. 3.18.1 Nas negociações - Falta de Comunicação entre os grupos de negociadores e de intervenção; - Falta de confiança entre os grupos de negociadores e de intervenção, geralmente por causa da incompreensão das missões de cada um; - Informações de inteligência inadequadas; - Negociador principal tentar a negociação face a face; - Permitir que um não policial (ex. psicólogo) se torne o negociador principal; - Falta de segurança do grupo de negociadores; - Permissão de acesso de intrusos – intromissão; - Ausência contínua do líder do grupo de negociadores; 65 - Equipe que sai do turno não aborda os principais aspectos com a que entra, prejudicando a continuidade adequada das negociações; - Recusa do negociador principal em ser substituído; - Sensação de fracasso. 3.18.2 Em treinamento - Seleção inadequada de negociadores; - Número inadequado de negociadores treinados; - Falta de treinamento contínuo e periódico; - Falta de interação com outras unidades policiais; 3.18.3 Dos comandantes - Falta de treinamento de gerenciamento de crises para comandantes; - Receio dos comandantes em perder o controle sobre os grupos de negociadores e de intervenção; - Alguns comandantes, por falta de conhecimento, colocam limites inadequados. Ex.: Quero o negociação resolvida em 1 hora; - Falta de confiança do comandante nos grupos de negociadores e de intervenção. 66 4 IMPLICAÇÕES JURÍDICAS DA NEGOCIAÇÃO EM SITUAÇÕES DE CRISE Parece difícil tratar de todos os aspectos da negociação e do processo de resolução de eventos críticos sem se discutir as implicações jurídicas dos atos dos envolvidos. Nesse diapasão, precisam ser estudas as conseqüências, as responsabilidades dos agentes e/ou do Estado. Doutrinariamente existem três responsabilidades: a civil, a penal e a administrativa. É bastante pacífico na doutrina a independência das esferas civil, penal e administrativa, com algumas ressalvas1. Nesse sentido, o ensinamento de MEDAUAR (2007, p.298-299): “Se a conduta inadequada afeta a ordem interna dos serviços e vem caracterizada somente como infração ou ilícito administrativo, cogita-se, então, da responsabilidade administrativa, que poderá levar o agente a sofrer sanção administrativa. Essa responsabilidade é apurada no âmbito da Administração, mediante processo administrativo e a possível sanção é aplicada também nessa esfera. Se o agente, por ação ou omissão, dolosa ou culposa, causou dano à Administração, deverá repará-lo, sendo responsabilizado civilmente. A apuração da responsabilidade civil poderá ter início e término no âmbito administrativo ou ter início nesse âmbito e ser objeto, depois, de ação perante o Judiciário. Se a conduta inadequada do agente afeta, de modo imediato, a sociedade e vem caracterizada pelo ordenamento como crime funcional, o servidor será responsabilizado criminalmente, podendo sofrer sanções penais. A responsabilidade criminal do servidor é apurada mediante processo penal, nos respectivos juízos. É possível que a mesma conduta configure infração administrativa, acarrete dano à Administração e seja tipificada como crime. Neste caso, o servidor acará com as conseqüências da responsabilidade administrativa, civil e criminal, pois as três têm fundamento e natureza diversos.“ Não é diferente na jurisprudência. Veja-se julgado do Tribunal de Justiça do Paraná2: “DECISÃO: ACORDAM os integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em denegar a segurança impetrada por Alberto Shinozaki. EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA - AUDITOR DA RECEITA ESTADUAL - ATO DE DEMISSÃO - ACUSAÇÃO DE CRIME DE CONCUSSÃO - INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS CIVIL, PENAL E ADMINISTRATIVA - OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E ADMINISTRATIVOS - BUSCA DA VERDADE REAL INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZOS IMPOSSIBILIDADE DE ANULAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO ARTIGO 1º DA LEI Nº 1.533/51 - DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO 1 Como exemplos, a ação cível pode ser suspensa enquanto se aguarda a decisão do processo penal (Código de Processo Penal, art. 64, parágrafo único) e a decisão absolutória por motivo de negativa de autoria ou inexistência de fato influencia a esfera administrativa. 2 Tribunal de Justiça do Paraná. Mandado de Segurança n.º 0362056-4. Relator: Desembargador Antônio Lopes de Noronha. Julgamento em 17.11.2006. Publicado Diário da Justiça n.º 7281. 67 COMPROVADO - SEGURANÇA DENEGADA - DECISÃO UNÂNIME. - Não há que se aplicar rigorismo exarcebado ao processo administrativo, se sua finalidade precípua (o interesse público com a busca da verdade real) foi atingida. - Não se pode declarar a nulidade do processo administrativo, se foi observado o devido processo legal, assegurando-se ao indiciado o contraditório e a ampla defesa, previstos no artigo 5º, LIV e LV, da Constituição Federal, ante a ausência de prejuízo ao infrator.” A responsabilidade administrativa, nesta pesquisa, não merece maiores digressões uma vez que, havendo conduta irregular, poderá, por exemplo, o militar ser submetido a processos administrativos diversos, no intuito, inclusive, de se verificar a sua condição moral de continuar integrando as fileiras da Corporação (Na Polícia Militar do Paraná, através do Conselho de Disciplina e de Justificação [Leis Estaduais n.º 6.961/ 77e 8.115/85 respectivamente]), além, é claro, da possibilidade de ser punido disciplinarmente à luz do Regulamento Disciplinar. Similares conseqüências podem ocorrer, no caso de policiais civis e federais, consoante sua legislação específica. Nessa toada, considerou-se mais relacionado com a presente pesquisa o estudo, ainda que de maneira perfunctória, das responsabilidades penal e civil. 4.1 RESPONSABILIDADE PENAL Independentemente da condição do policial empregado na operação – civil, militar ou federal – poderá ele ser responsabilizado na esfera penal. Deve ocorrer a responsabilização penal toda vez que houver, em tese, o cometimento de um delito, atribuído ao policial, devendo ele ser devida e legalmente processado. Consoante o escólio do TOLEDO (2002, p.80), “o crime, nessa concepção que adotamos, é, pois, ação, típica, ilícita e culpável.” Dele não diverge NUCCI (2007, p.164) que afirma “continuamos, pois, convencidos de que crime é fato típico, antijurídico e culpável.” Objetivando-se melhor entendimento da matéria, relevante estudar separadamente cada elemento do conceito. Assim, como ensina TOLEDO (2002, p. 82), 68 “ação (ou conduta) compreende qualquer comportamento humano, comissivo ou omissivo, abrangendo, pois, a ação propriamente dita, isto é, a atividade que intervém no mundo exterior, como também a omissão, ou seja, a pura inatividade. Todavia, para que um comportamento humano, comissivo ou omissivo, possa ter aptidão para qualificar-se como crime, é necessário que se tenha desenvolvido sob o domínio da vontade. O comportamento puramente involuntário, resultante de caso fortuito ou força maior, não constitui ação digna de castigo para o direito penal.” Portanto, qualquer policial envolvido, desde que haja voluntariamente, poderá praticar uma ação. Aqui não cabe discussão sobre a obrigatoriedade da missão – uma vez que foi escalado para ela – no sentido de se retirar a voluntariedade. Com efeito, como diz o jargão popular “uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”. Claro, quando se diz “voluntária” está se referindo à conduta propriamente dita que viola, em tese, a lei penal, já que a escala de serviço não implica na compulsoriedade de uma conduta num determinado sentido. Continuando, a tipicidade é, segundo TOLEDO (2002, p.84) “a subsunção, a justaposição, a adequação de uma conduta da vida real a um tipo legal de crime.“ Para NUCCI, (2007, p.180), o tipo pode ser formal (adequação do fato ao tipo legal e material (adequação do fato ao tipo de injusto, ou seja, capaz de lesar o bem jurídico protegido). A ilicitude, no sentir de TOLEDO (2002, p.85), “é a relação de antagonismo que se estabelece entre uma conduta humana voluntária e ordenamento jurídico, de sorte a causar lesão ou expor a perigo de lesão um bem jurídico tutelado.” Para NUCCI (2007, p.180), a ilicitude pode ser formal (contrariedade do fato com o ordenamento jurídico) e material (contrariedade do fato com o ordenamento jurídico causando efetiva lesão a bem jurídico tutelado). Ainda, para TOLEDO, (2002, p.86), “deve-se entender o princípio da culpabilidade como a exigência de um juízo de reprovação jurídica que se apóia sobre a crença – fundada na experiência da vida cotidiana – de que ao homem é dada a possibilidade de, em certas circunstâncias, ‘agir de outro modo’... A noção de culpabilidade está, pois, estreitamente vinculada à evitabilidade da conduta ilícita, pois só se pode emitir um juízo de reprovação ao agente que não tenha evitado o fato incriminado quando lhe era possível fazê-lo.” Para NUCCI (2007, p.180), a culpabilidade pode ser formal (censurabilidade do injusto [fato típico e ilícito] e seu autor, em tese) e material 69 (censurabilidade concreta do injusto e seu autor quando não estão presentes as excludentes de culpabilidade). Já verificado o conceito de crime, mister trazer à baila o significado de dolo e culpa, uma vez que a responsabilidade penal é subjetiva, dependendo de um ou de outro elemento subjetivo. Como leciona NUCCI (2007, p.219), “dolo é a vontade consciente de realizar a conduta típica”. Despiciendo, neste trabalho, o detalhamento do dolo, em direto e eventual. Por outro lado, a culpa, na posição de NUCCI (2007, p.225) “é o comportamento voluntário desatencioso, voltado a um determinado objetivo, lícito ou ilícito, embora produza resultado ilícito, não desejado, mas previsível, que podia ter sido evitado.” É também quando o agente dá causa ao resultado por imperícia, imprudência e negligência. Nessa esteira, forçoso concluir que o policial empregado no evento crítico que praticar um crime, poderá ser responsabilizado, por meio do competente inquérito policial indo, se for o caso, à apreciação judicial. Algo muito interessante que exsurge do raciocínio é o caso do atirador de elite (sniper) e até eventualmente do grupo de intervenção. Praticam eles algum delito? Encontram-se albergados por alguma excludente de ilicitude? No que diz respeito ao sniper policial, verifica-se que ele possui domínio sobre o momento que poderá efetuar o disparo, comumente conhecido no meio policial como “tiro de comprometimento”. Grande lição de PEGORARO (2008, p.1), que, em percuciente trabalho, apresenta todas as possibilidades, com as respectivas conclusões: “a. Primeira possibilidade: Disparo em momento adequado e que atinge exclusivamente o causador o evento crítico. ... Pois bem, o primeiro caso em análise sugere o sucesso pleno do tiro de comprometimento. Isso quer dizer que a situação concreta a recomendava, eis que esgotada ou impossibilitada todas as possibilidades de negociação ou utilização de meios não letais. Ainda, o risco ao refém era iminente.... Em sendo assim, no caso, neste momento debatido, haveria o afastamento da antijuridicidade e, portanto, de inexistência de delito, diante da legítima defesa de terceiro. b. Segunda possibilidade. Disparo em momento adequado dirigido ao causador o evento crítico, mas que atinge o refém. ... Trata-se do erro de execução, ou, como se convencionou chamar, aberratio ictus. No erro de execução o agente visa atingir determinada pessoa, mas, por erro de pontaria, atinge pessoa diversa. Neste caso, o agente responde como se tivesse praticado o delito contra a pessoa visada, devendo-se considerar, pois, as condições ou qualidades desse terceiro quando da aferição dos elementos do crime e suas circunstâncias. ... Pois bem, no mundo empírico, o atingido foi o refém, mas, no mundo jurídico-penal, o atingido foi, exatamente, o causador do evento crítico. A responsabilidade penal, assim 70 como no primeiro caso, estará afastada pela legítima defesa. Cumpre ressaltar, para que não haja dúvidas, que esse raciocínio é aplicável, somente, no âmbito penal, objeto deste artigo. De modo que não afastará, em menos em tese, de forma alguma, eventual dever reparatório na esfera cível. c. Terceira possibilidade. Disparo em momento adequado dirigido ao causador o evento crítico, atingindo-o, e, também, ao refém. ... Ocorre que, em relação ao causador do evento crítico, como já restou definido, o agente estará amparado pela legítima defesa. Mas, neste caso, em relação ao refém que também foi atingido (note-se bem que esta situação é distinta da anterior, onde somente o refém foi atingido), aplica-se, neste caso, o disposto no artigo 74 do Código de Penal: Art. 74. Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado pretendido, aplica-se a regra do artigo 70 deste Código. A lei penal prevê, no artigo 121, § 3º, a possibilidade de homicídio culposo. O que a norma prevê, ao contrário, é a punição do agente pelo crime culposo. Assim, haverá a responsabilidade tanto do atirador quando do comandante do teatro de operações, como já restou definido acima, pela ocorrência do crime de homicídio em sua modalidade culposa. d. Quarta possibilidade. Disparo em momento não adequado. ... Em primeiro lugar, deve ser destacado que não existe uma linha visível a delimitar o momento oportuno do momento inconveniente para o disparo, o qual deve ser analisado no caso concreto e de acordo com suas situações peculiares como, por exemplo, local da situação de crise, tempo disponível, dentre outras. Mas, em linhas gerais, o momento oportuno para o disparo é aquele depois de todos os métodos negociais ou não letais foram esgotados ou inviabilizados, somando-se ao atual o iminente perigo ao refém. Verificado, pois, o esgotamento dos métodos negociais e não letais e, ainda, o risco atual ou iminente à vida do refém nas situações já descritas. Ocorre que pode ocorrer, do Comandante do Teatro de Operações, determinação do disparo sem que esta situação esteja configurada. Neste caso, restará inviabilizada o reconhecimento da legitima defesa de terceiro e estar-seá diante de um crime de homicídio, pelo qual responderão tanto o comandante quanto o autor do disparo. ... Vale lembrar que, mesmo diante da hierarquia militar, o menos graduado não está obrigado a cumprir ordem manifestamente ilegal. Entretanto, cumprindo a ordem manifestamente ilegal, responderá pelas suas conseqüências, assim como aquele que as ordenou.... Pode ocorrer que este momento oportuno não exista absoluta falta de perigo à vida do refém, mas, mesmo assim, a situação seja putativa, com o reconhecimento da legítima defesa. Sobre o tema, observe-se o artigo 20, § 1º, do Código Penal: § 1º. É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo. Note-se que o erro nesta apreciação do momento oportuno pode ocorrer por engano plenamente justificável. Veja-se a seguinte situação: o causador do evento crítico ameaça, veementemente, desferir tiros contra o refém, restando inviabilizada a utilização de métodos não letais. Autorizado, o disparo é realizado com sucesso. Depois disso, ao analisar o local, percebe-se que o causador do evento crítico portava, em verdade, uma arma de brinquedo, com aparência muito assemelhada das armas reais. Ora, o erro é plenamente justificável, sendo que não era possível, antes do tiro de comprometimento, a verificação do real potencial ofensivo da arma portada pelo causador do evento crítico. Supunha o comandante, bem como o atirador, tratar-se de uma arma real, havendo, pois, risco iminente à pessoa do refém. Aplicar-se-ia, portanto, no presente caso, a primeira hipótese delineada, devidamente combinada com o contido no artigo 20, § 1º, do Código Penal, supra transcrito. Se a 71 apreciação equivocada deste momento oportuno ocorrer por culpa, responderão, tanto o comandante como autor do disparo, pelo crime de homicídio culposo. A situação é curiosa, isso porque, embora o crime seja doloso, será a responsabilização como se culposo fosse. e. Quinta possibilidade. Do disparo não autorizado. O único que possui a prerrogativa de autorizar a realização do tiro de comprometimento é o comandante do teatro de operações e, uma vez autorizado, cumpre ao atirador buscar o momento oportuno. Pode acontecer do atirador, por iniciativa própria, entender que o momento é oportuno para a realização do disparo e, mesmo sem autorização do comandante do teatro de operações, realize-o. O que ocorre: não é dado ao atirador realizar esta apreciação, de modo que incorrerá, irremediavelmente, no crime de homicídio....” (grifos nossos) Em que pese o insigne autor não ter tratado da ação do grupo tático, absolutamente aplicáveis, pela profunda similaridade, suas considerações a respeito do sniper. Claro, todas as possibilidades parecem ter total plausibilidade para o grupo tático e, por conseguinte, seguem-se as mesmas observações. Uma outra nuance é a do negociador. Pode ele ser responsável? Com efeito, o negociador atua, em regra geral, como auxiliar ou assessor do comandante e, portanto, não toma decisões que poderiam culminar em resultados ilícitos. Por outro lado, numa análise hipotética, pode-se considerar que, caso ele participe de um crime, por meio de instigação, indução ou fornecimento de meios materiais, logicamente não escapará das conseqüências. Dessa maneira, suficientemente esclarecida a questão da responsabilidade penal dos policiais civil, militares e federais empregados e situações críticas. 4.2 RESPONSABILIDADE CIVIL Nesse campo emergem muitas discussões. Pode o Estado ter que pagar indenização às famílias dos reféns e até dos causadores da crise? Antes, porém, devemos analisar os requisitos da responsabilidade civil. Consoante o escólio de GAGLIANO e PAMPLONA FILHO (2007, p.9) são os seguintes os elementos da responsabilidade civil: “a) conduta (positiva ou negativa); b) Dano; c) nexo de causalidade.” 72 Ora, agindo erroneamente o grupo tático ou o próprio negociador, concorrendo para a morte de reféns, por exemplo, inegável concluir que houve uma conduta, houve um dano (a morte, implicando em prejuízos patrimoniais e morais para os familiares) e certamente um liame, uma relação entre a conduta e o dano. Portanto, tem ele responsabilidade civil. Ocorre que está agindo em nome do Estado e, por força do disposto no art. 37, §6.º da Constituição Federal, a responsabilidade é também do Estado e, diga-se de passagem, objetiva, porque independe de culpa ou dolo. É a adoção, no dizer de GAGLIANO e PAMPLONA FILHO (2007, p.195), da teoria do risco administrativo. Corrobora essa posição MORAES (2006, p.339): “Assim, a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público baseia-se no risco administrativo, sendo objetiva.” Dessa maneira, possível verificar que a pessoa lesada pode propor ação de reparação de dano tanto em face do Estado quanto em face do agente causador, ficando assegurado, naqueles casos, ação de regresso quando o agente atuar com dolo ou culpa. Um detalhe importante é que, até negociadores não policiais, ou pessoas esporadicamente empregadas poderão propiciar a responsabilidade civil do Estado. Nesse sentido, observa MEDAUAR (2007, p.370): “O vocábulo agentes reveste-se de grande amplitude, para abarcar, quanto às entidades integrantes da Administração, todas as pessoas que, mesmo de modo efêmero, realizem funções públicas. Qualquer tipo de vínculo funcional, o exercício de funções de fato, de funções em substituição, o exercício de funções por agente de outro entidade ou órgão, o exercício de funções por delegação, o exercício de atividades por particulares sem vínculo de trabalho (mesários e apuradores em eleições gerais), ensejam responsabilização.” (grifos nossos) Nessa linha, veja-se julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro3: “APELAÇÃO. Ordinária de reparação de danos materiais e morais. Ação policial de que resultou a morte de passageira de ônibus, tomada como refém por assaltante. O fato, comprovado, de que este disparou os tiros que produziram o resultado não elide a responsabilidade estatal pela ação miliciana, que deu causa à reação do malfeitor e à morte da refém. Dano material bem afastado, posto não haver prova de dependência econômica do pai, autor da demanda, em relação à filha, vitimada. Dano moral caracterizado, quer se analise o episódio sob o prisma da responsabilidade subjetiva (o agente policial foi imprudente e imperito ao tentar dominar o assaltante enquanto este fazia da passageira 3 Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível n.º 2003.001.21887. Relator: Desembargador Jessé Torres. Julgamento em 08.10.2003. Publicado Diário da Justiça de 28.10.03 73 escudo) ou objetiva (a ação policial funcionou defeituosamente, independentemente de culpa do agente). Se, como pondera o Estado, o criminoso mostrava "personalidade irracional", maior o motivo para que os agentes policiais redobrassem a prudência, inaceitável a tese de que, agindo em legítima defesa da vítima, poderiam fazê-lo de modo impetuoso e arriscado. Provimento parcial do recurso, para, sopesadas as circunstâncias do caso, reduzir-se o valor arbitrado, de cem mil para cinqüenta mil reais. Honorários devidos na forma dos artigos 20, § 4º e 21, parágrafo único, do CPC.” (grifos nossos) Exatamente por causa dessa espada de Dâmocles sobre a cabeça dos agentes policiais envolvidos num evento crítico, devem eles sopesar as variáveis disponíveis, planejar e procurar executar da melhor forma possível, apta a assegurar o êxito da missão. 74 5 CONCLUSÃO A ocorrência de situações críticas envolvendo reféns está aumentando a cada dia na sociedade hodierna. Problemas como rebeliões em estabelecimentos prisionais, extorsão mediante seqüestro, ex-cônjuges desesperados, dentre outros, têm se tornado notícias freqüentes na imprensa. Como se viu ao longo dessa pesquisa, os motivos são os mais variados, desde os inexistentes àqueles baseados em ideais políticos ou religiosos. Da mesma forma, os causadores podem ter assim se tornado por evento ocasional, imprevisível ou mediante profundo estudo e treinamento. Basicamente, há duas formas de resolução: a negociação e o emprego do grupo de intervenção. Para as organizações com fundamento na doutrina americana, o ingresso tático é a “ultima ratio” de qualquer comandante, exatamente por causa dos efeitos colaterais da ação. Cresce, por conseguinte, a importância da negociação. Por esse motivo, as organizações policiais modernas têm procurado formar e especializar negociadores, com o objetivo de se estruturar e dar melhor atendimento à comunidade. Emergem os temas do emprego de negociadores não policiais, a participação da mídia, dentre outros, todos temperados pelas variáveis política e técnica. Nunca se pode esquecer das implicações jurídicas dos comportamentos dos envolvidos na crise, uma vez que se têm muitos bens em perigo e que devem ser protegidos e respeitados. Mais o que sabidamente importa é dar o melhor para obter êxito, sempre balizando a conduta pelos critérios legal, ético e operacional, associando a teoria com a prática e enaltecendo as corporações policiais, muito vilipendiadas atualmente porém que, certamente, são as que procuram bem fazer a sua parte na questão da segurança pública, que é dever do Estado, mas responsabilidade de todos. Realmente, nesta modesta pesquisa, pôde-se conhecer os princípios básicos do gerenciamento de crises, como a necessidade da instalação de um posto 75 de comando, como fator preponderante para o planejamento e operacionalização das decisões tomadas e os critérios de ação, como a necessidade, a validade do risco, a aceitabilidade e o jurídico, pedra angular das condutas dos agentes policiais envolvidos. Depois se analisou a negociação propriamente dita, como alternativa principal para a solução das crises, quando se verificou a formação e características do grupo de negociação, composto pelo negociador principal, pelo secundário ou reserva, pelo consultor e pelo chefe de equipe; o negociador, que deve ser voluntário, policial e excelente estado físico e mental; seu papel tático desempenhado por meio da coleta de informações, técnicas de negociação que minimizem o risco; a não recomendada aplicação do negociador não policial; e a negociação em delitos com reféns, viabilizando, se for o caso, a ação do grupo tático. Foi possível conhecer os tipos de causadores de eventos críticos, como os mentalmente perturbados, os “criminosos”, os prisioneiros e os terroristas; as expectativas com relação aos reféns, principalmente considerando-se a instalação da Síndrome de Estocolmo, que ocasiona um processo de empatia do refém para com o algoz; o que se pode negociar, ou seja, transigir, como gêneros alimentícios de primeira necessidade, dentre outros, o objetivo primordial de procurar libertar os reféns; e as táticas objetivando o sucesso da missão, como ganhar tempo, e a habilidade para lidar com prazos e exigências. Observou-se também como deve ser procedido o contato com o causador do evento crítico, seja por telefone ou face a face, bem como as respectivas regras; a forma adequada de apresentação; as condutas importantes, como não dizer “não” e utilização de sentenças afirmativas no lugar de negativas. As diretrizes da negociação, como a escolha do momento correto para contato, a contenção da situação e sua estabilidade, a postergação do contato face a face, a identificação como negociador, o estabelecimento de código de identificação, e o não emprego de palavras como reféns, seqüestradores, superiores e problema – que podem criar animosidade – a excelência no ouvir e a não resposta às agressões, com demonstração de respeito pelo causador, tom baixo e calmo de 76 voz, sem ameaças nem truques ou blefes, cumprindo sempre as promessas feitas e procurando ganhar tempo. Foram verificados os indicativos da negociação bem sucedida, como a inexistência de óbitos, o decréscimo de ameaças aos reféns e a conversação mais tranqüila; o ritual de rendição, com máximo de lealdade ao causador, especialmente no que se refere à sua vida e integridade física; os efeitos nos negociadores, como possível identificação com o causador ou com as vítimas, a perda da objetividade, o medo e solidão; e os erros mais comuns, nas negociações, como a falta de comunicação entre o negociador e o grupo tático, nos treinamentos, como a seleção inadequada de negociadores, e de comando, como falta de formação em gerenciamento de crises. Por fim, foram estudadas as responsabilidades civil e penal dos envolvidos na crise, constatando-se a possibilidade efetiva de ocorrerem. A pesquisa, em que pese a escassez retumbante de literatura, possibilitou a concepção do panorama do processo de negociação nos eventos críticos envolvendo reféns, bem como a caracterização de um esboço suficiente a subsidiar o estabelecimento de diretrizes e normas administrativas na Corporação. Trouxe, portanto, ainda que no plano teórico – por enquanto – bases norteadoras à uma melhor estruturação do sistema de segurança pública, traduzindo-se, também, numa mais adequada e técnica prestação de serviços à comunidade, especificamente nessa seara tão relevante. 77 REFERÊNCIAS BASTOS, Núbia M. Garcia Introdução à metodologia do trabalho acadêmico. 3. ª Edição. Fortaleza: Nacional, 2005. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 17.ª Edição. Brasília: Saraiva, 2002. CABRAL, Paulo César Souza. O sistema de defesa social. Aprendendo a gerenciar crises. Salvador: Empresa Gráfica Bahia, 1996. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. 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