AU
TO
RA
L
1
DE
DI
R
EI
TO
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
AVM FACULDADE INTEGRADA
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AUTOR
CHARMAINE BUTERS CHAVES DOLINSKI CAMPOS
DO
CU
M
EN
TO
PR
OT
EG
ID
O
PE
LA
LE
I
OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA E DOS VALORES SOCIAIS DO TRABALHO FRENTE À
REALIDADE DO TRABALHO ESCRAVO RURAL CONTEMPORÂNEO
ORIENTADOR
PROF. CARLOS AFONSO LEITE LEOCADIO
RIO DE JANEIRO
2013
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
AVM FACULDADE INTEGRADA
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA E DOS VALORES SOCIAIS DO TRABALHO FRENTE À
REALIDADE DO TRABALHO ESCRAVO RURAL
CONTEMPORÂNEO
Monografia
apresentada
à
Universidade Candido Mendes – AVM
Faculdade Integrada, como requisito
parcial para a conclusão do curso de
Pós-Graduação “Lato Sensu” em
Direito e Processo do Trabalho.
Por: Charmaine Buters Chaves
Dolinski Campos
3
Agradeço à minha família: meu
marido, Aldrin Dolinski Campos, e à
minha filha, Bia Buters Dolinski, pelo
apoio incondicional.
4
Dedico este trabalho à minha família:
meu marido, Aldrin Dolinski Campos,
e à minha filha, Bia Buters Dolinski.
5
RESUMO
O trabalho escravo rural contemporâneo é uma faceta perversa da relação
capital-trabalho, que se pensou já abolida da sociedade brasileira desde a
abolição da escravatura, em 13 de maio de 1888, consistente na submissão do
empregado à condição de escravo ou a ela análoga. Na atualidade, tal
condição tem sido identificada, sobretudo na zona rural brasileira, onde
pessoas estão sendo submetidas a trabalho forçado, degradante, em
condições incompatíveis com a dignidade da pessoa humana e os valores
sociais do trabalho, o que é rechaçado pelo ordenamento jurídico brasileiro,
sobretudo pela Constituição da República Federativa do Brasil, que erigiu a
dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho a fundamentos
da república.
6
METODOLOGIA
O estudo que ora se apresenta foi levado a efeito a partir do método
da pesquisa bibliográfica, em que se buscou o conhecimento em diversos tipos
de publicações, como livros, artigos científicos, revistas do Ministério Público
do Trabalho, além de publicações oficiais da legislação e jurisprudência.
A princípio, foi abordada a evolução histórica do Direito ao Trabalho
até atingir o status de direito social, com o advento da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1.988.
Foi feito um resumo sobre a escravidão no Brasil, desde sua origem
até a abolição.
Em seguida, foram abordados: os direitos fundamentais violados
pela escravidão moderna; o porquê da existência desse tipo de exploração
humana nos tempos atuais, a despeito da proteção legal, sobretudo,
constitucional da dignidade da pessoa humana do trabalhador e dos valores
sociais do trabalho; a quem compete zelar pela fiscalização e cumprimento da
legislação trabalhista e, finalmente, o que tem sido feito no sentido de erradicar
tal prática.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................... 8
CAPÍTULO I
TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO – CONCEITO E EVOLUÇÃO
HISTÓRICA...................................................................................................... 10
CAPÍTULO II
A REALIDADE DO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO NA ZONA
RURAL BRASILEIRA...................................................................................... 17
CAPÍTULO III
A ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÃNEO NA
ZONA RURAL BRASILEIRA ......................................................................... 23
CONCLUSÃO................................................................................................... 37
BIBLIOGRAFIA................................................................................................ 39
8
INTRODUÇÃO
O presente trabalho é um estudo sobre o trabalho escravo
contemporâneo na zona rural brasileira. Nesse contexto, o trabalho dedicou-se
a identificar quais os direitos fundamentais violados pela escravidão moderna,
a quem compete zelar pela fiscalização e cumprimento da legislação trabalhista
e quais os meio de que dispõe o Estado para erradicar o trabalho escravo
contemporâneo, nos moldes em que praticado nos tempos atuais.
A pesquisa buscou respostas para as questões propostas, a fim de
que se compreenda o porquê da existência do trabalho escravo nos tempos
atuais, a despeito da proteção legal, sobretudo constitucional da dignidade da
pessoa humana e dos valores sociais do trabalho, ambos erigidos a
fundamentos da República Federativa do Brasil.
Verificou-se que a chamada Abolição da Escravatura quedou-se
inócua diante da força dos interesses econômicos, tendo em vista a
subsistência, nos dias atuais, da existência de prestação de serviços em
condições incompatíveis com a dignidade da pessoa humana e valores sociais
do trabalho, prestação de serviços esta que nada mais é que trabalho escravo,
mascarado e escondido atrás da pobreza e da insuficiência econômica.
A pesquisa esclareceu, ainda, acerca da legislação alienígena
pertinente, ratificada pelo Brasil, dentre elas a Declaração Universal dos
Direitos do Homem, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a
Convenção n. 29 da Organização Internacional do Trabalho, a Convenção n.
105, também da Organização Internacional do Trabalho.
O estudo do tema e das questões analisadas em torno do mesmo
justificou-se pelo fato de que, nos últimos tempos, os meios de comunicação
têm veiculado diversas notícias acerca da existência de trabalho escravo ou a
ele análogo nas zonas rurais do Brasil.
9
E, mesmo diante das denúncias e do conhecimento do fato pelas
autoridades, os proprietários de terras continuam a mascarar a exploração
humana, a pretexto de se tratar de relação jurídica empregatícia, mantendo os
trabalhadores em sua propriedade, em regime de isolamento, servidão, sendo
submetidos a violências físicas e morais, cerceando-lhe a liberdade de
locomoção.
Necessária se faz uma análise para identificar o porquê da
ineficiência estatal, seja no âmbito do processo de fiscalização realizado pelo
Ministério Público do Trabalho, seja nas cominações, pelo ordenamento
jurídico pátrio, incapazes de intimidar tal prática pelos proprietários de terras.
A pesquisa que precedeu esta monografia teve como ponto de
partida o pressuposto de que necessário se faz repreender de maneira mais
incisiva, por meio de fiscalização mais ostensiva, a exploração do trabalho
humano e, sobretudo, promover alteração legislativa, no sentido de penalizar
de forma mais severa tal prática, de modo a inibir o comportamento dos
empregadores rurais.
Visando um trabalho objetivo, cujo objeto de estudo seja bem
delineado e especificado, a presente monografia dedica-se, especificamente,
ao trabalho escravo rural contemporâneo, com enfoque nas questões relativas
ao direito do trabalho brasileiro e da Justiça do Trabalho brasileira.
10
CAPÍTULO I
TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO – CONCEITO E
EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Transcorridos exatos 125 anos da assinatura da Lei Áurea e o Brasil
ainda convive com as vergonhosas marcas deixadas pela exploração da mãode-obra escrava.
Como se sabe, a contemporaneidade da escravidão em nosso país
manifesta-se pelas denúncias e constatações da existência de milhares de
pessoas submetidas à condição de escravos ou a ela análoga.
Quando se fala em escravidão, o que vem em nossa lembrança são
imagens de pinturas e gravuras mostrando os sofrimentos e atrocidades
sofridas pelos negros arrancados de seus lares (esconderijos) africanos,
amontoados
em
navios,
então
chamados
“negreiros”
e
finalmente
“comercializados” na costa do nordeste brasileiro como uma mercadoria
qualquer e depois submetidos àquelas condições de vida e de trabalho que
todos nós conhecemos dos compêndios de História do Brasil.
Segundo Luís Antônio Camargo de Melo, Procurador Regional do
Trabalho, quando se fala em trabalho escravo a primeira imagem que vem à
mente da maioria das pessoas é a do escravo negro, preso a correntes e
vivendo em senzalas. Situação comum na sociedade escravocrata do século
XIX. (REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, 2003, p.11).
Tal impressão faz com que a sociedade seja pouco sensível às
modernas formas de escravidão que, travestidas de relações empregatícias
lícitas, encontram-se presentes em grande número pelo Brasil, principalmente
nas zonas rurais.
11
A propósito, João Carlos Alexim, sociólogo e ex-diretor da
Organização Internacional do Trabalho no Brasil, diz que:
Como a escravidão, tal como é entendida
regularmente, está proibida em basicamente todos os países,
surgem formas de dissimulação que causam efeitos talvez
menos escandalosos ou ostensivos, mas resultam na prática
em formas muito semelhantes. Existem muitas maneiras de
impedir que um trabalhador exerça seu direito de escolher um
trabalho livremente ou, ainda, que abandone seu emprego
quando julgar necessário ou conveniente (REVISTA DO
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, 2003, p.12)
A problemática da normatização das formas de trabalho aviltante,
genericamente denominadas de “TRABALHO ESCRAVO”, tem início com a
Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre o
trabalho forçado e obrigatório, adotada pela Conferência Geral daquele
Organismo Internacional, em 28 de junho de 1930, em vigor no ordenamento
jurídico internacional a partir de 1º de maio de 1932 e devidamente ratificada
pelo Brasil, que em seu artigo 2º assim dispõe que:
para fins da presente Convenção o termo “trabalho
forçado ou obrigatório” designará todo o trabalho ou serviço
exigido a um indivíduo sob ameaça de qualquer castigo e para
o qual dito indivíduo não se tenha oferecido de livre vontade
Dez anos mais tarde, vemos na exposição de motivos da Parte
Especial do Código Penal de 1940, no capítulo “DOS CRIMES CONTRA A
LIBERDADE PESSOAL”:
No art. 149 se prevê uma entidade criminal ignorada do
Código anterior: o fato de reduzir alguém por qualquer meio, à
condição análoga de escravo, isto é, suprir-lhe, de fato, o status
libertatis, sujeitando-o o agente ao seu completo poder. É o crime
que os antigos chamavam plagium. Não é desconhecida a sua
prática entre nós, notadamente em certos pontos do nosso
hinterland.
Eis o texto legal:
Art. 149 - Reduzir alguém à condição análoga a de
escravo.
12
Pena - reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos
A Lei nº 10.803/03, dando nova redação ao dispositivo legal acima
transcrito, estabeleceu o conceito de trabalho escravo, nos seguintes termos:
Reduzir alguém à condição análoga a de escravo, quer
submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornadas exaustivas, quer
sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer
restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de
dívida contraída com o empregador ou preposto.
Em
judicioso
CONTEMPORÂNEO
estudo
PRATICADO
entitulado
NO
MEIO
“TRABALHO
RURAL
ESCRAVO
BRASILEIRO.
ABORDAGEM SÓCIO-JURÍDICA” Lília Leonor Abreu e Deyse Jacqueline
Zimmermann dissertam acerca da problemática conceitual do trabalho escravo,
nos termos seguintes:
Escravo, conforme o Dicionário Eletrônico Houaiss da
Língua Portuguesa, é o “que ou aquele que, privado da liberdade,
está submetido à vontade absoluta de um senhor, a quem
pertence como propriedade.
O Código Penal brasileiro, no art. 149, usa o termo
“condição análoga a de escravo” para tipificar o crime de alguém
submeter uma pessoa à sua vontade, como se fosse escravo.
Optamos pelo título trabalho escravo contemporâneo
no meio rural para discerni-lo do trabalho escravo praticado no
Brasil colônia. Neste ficou marcado o escravismo comercial, em
que negros eram vendidos pelos portugueses, com permissão da
Coroa, aos agricultores e donos de minas. O escravo era
propriedade do seu senhor. A escravidão do perído do Brasil
Colônia existe no Brasil moderno com novos contornos, a começar
pela forma dissimulada pela qual é praticada, já que se trata de um
ato criminoso. Hoje, o trabalhador não é mais propriedade do
patrão, mas é submetido por fraude, dívida, violência e ameaça
que resultam no cerceamento da sua liberdade. O trabalho
escravo, pois, extrapola a violação de direitos trabalhistas,
cerceando o direito à liberdade individual.
Embora seja comum a utilização dos termos trabalho
escravo e trabalho forçado como sinônimos, alguns doutrinadores
fazem distinção entre eles. O trabalho escravo é, na verdade, uma
espécie do gênero trabalho forçado, este último definido como
como um trabalho obrigatório, compelido ou subjugado. É possível
afirmar que todo trabalho escravo é forçado, mas nem todo
trabalho forçado é escravo.
Por fim, filiamo-nos ao conceito formulado por Jairo
13
Lins de albuquerque Sento-Sé, a saber: “o trabalho escravo
contemporâneo, na zona rural, é aquele em que o empregador
sujeita o empregado a condições de trabalho degradante, inclusive
quanto ao meio ambiente em que irá realizar a sua atividade
laboral, submetendo-o, em geral, a constrangimento físico e moral,
que vai desde a deformação do seu consentimento ao celebrar o
vínculo quando bem entender, tudo motivado pelo interesse
mesquinho de ampliar os lucros às custas da exploração do
trabalhador (REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO
TRABALHO DA 12ª REGIÃO, 2003, p.106-107).
Por outro lado, Jairo Lins de Albuquerque Sento-Sé conceitua trabalho
escravo contemporâneo na zona rural:
como sendo aquele em que o empregador sujeita o
empregado a condições de trabalho degradantes, inclusive quanto
ao meio ambiente em que irá realizar a sua atividade laboral,
submetendo-o, em geral, a constrangimento físico e moral, que vai
desde a deformação do seu consentimento ao celebrar o vínculo
empregatício, passando pela proibição imposta ao obreiro de resilir
o vínculo quando bem entender, tudo motivado pelo interesse
mesquinho de ampliar os lucros às custas da exploração do
trabalhador (SENTO-SÉ, 2001, p. 27)
Ou, ainda:
considerar-se-á trabalho escravo ou forçado toda
modalidade de exploração do trabalhador em que este esteja
impedido, moral, psicologica e/ou fisicamente, de abandonar o
serviço, no momento e pelas razões que entender apropriados, a
despeito de haver, inicialmente, ajustado livremente a prestação
dos serviços (REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO
TRABALHO, 2003, p.14)
Para se entender a origem da escravidão humana, faz-se necessário
um passeio pela história.
Sua origem se deu na mais remota antiguidade quando teve como
causa potencial a ferocidade do vencedor exaltada sobre o vencido, ou seja, na
verdade, correspondia a um meio de subjugação de um povo por outro mais forte.
No Brasil, os portugueses introduziram o regime escravocrata com os
indígenas e com os negros trazidos da África, tendo perdurado até o século XIX.
14
Com ele, os índios e os negros tornaram-se mercadorias disputadas
pelos colonos, a ponto de serem até mesmo trocados por pequenos utensílios,
além de serem submetidos a severas penas, castigos exagerados, tortura e
humilhações.
O desenvolvimento do Brasil fez-se sobre o suor e sacrifício do trabalho
servil dos índios e dos negros que tiveram sua mão de obra explorada em
condições ofensivas à dignidade da pessoa humana.
Somente no século XIX começou a fase histórica da abolição da
escravatura no Brasil, cujo processo ocorreu paulatinamente.
Começou beneficiando os nascituros de mãe escrava e culminou em 13
de maio de 1888, com a edição da Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel, que
tornou livres todos os escravos.
A partir daí o escravo deixou de ser propriedade de outro homem.
Ocorre que, ao declarar os escravos livres, na verdade, o Estado os
abandonou à própria sorte. Eles ficaram entregues às suas fraquezas, pois, além
de estigmatizados pela cor da pele, eram analfabetos, sem qualquer qualificação
profissional e desprovidos de quaisquer recursos financeiros, razão pela qual
muitos foram obrigados a trabalhar para os seus antigos donos que os exploravam
e humilharam.
Na verdade, eles nem chegaram a dispor de suas liberdades pois logo
sujeitar-se-iam a outro regime deprimente chamado de servidão, onde, apesar de
possuírem alguns direitos, ainda estavam sujeitos a serevas restrições, inclusive
de deslocamento.
Segundo Kátia Mattoso:
ser libertado não é, pois, ser livre imediatamente; [...] O
comportamento do liberto continua a ser o mesmo do seu irmão
escravo; [...] ele continuará a dever obediência, humildade e
15
fidelidade aos poderosos (SENTO-SÉ, 2001, p. 40)
Havia muitas semelhanças entre a escravidão e a servidão, tendo seu
fim, esta última, com a revolução francesa, que primou pela liberdade e igualdade.
Após a revolução industrial, passaram a existir apenas as classes
proletária e capitalista.
Desta vez, os operários não passavam de simples meio de produção,
submetidos à exploração organizada dos capitalistas que não se importavam com
a pessoa do trabalhador.
Exigiam o cumprimento de jornadas que extrapolavam o máximo da
resistência humana e remuneravam os operários com salários reduzidos na
proporção da concorrência do mercado.
Por ser obrigação do Estado impedir as lutas sociais, zelando pela
proteção
dos elementos da sociedade, passou-se a ter um Estado
intervencionista e, finalmente, com ele, nasceu a igualdade jurídica fazendo com
que os trabalhadores pudessem passar a pleitear benefícios e lutar pelos seus
direitos.
O movimento se fortaleceu quando os trabalhadores se juntaram em
prol do espírito sindical que, unificando-os, fez com que os empregadores, na
dependência da mão de obra operária, passassem a se submeter às negociações
e legislações.
Assim, começou a se formar o direito do trabalho que revolucionou a
história, elevando, finalmente, o trabalhador a uma posição mínima de
respeitabilidade.
Apesar das primeiras leis com conteúdo trabalhista terem surgido no
Império, foi com o governo republicano que os legisladores passaram a se
interessar pelos direitos dos operários.
16
Getúlio Vargas implantou a legislação de proteção ao trabalho e logo
após editou-se a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que garantiu os
direitos trabalhistas fundamentais, sem os quais nenhuma civilização é digna.
Acreditou-se que os direitos seriam respeitados e que o trabalho
considerado escravo seria coisa do passado, cujas lembranças estariam apenas
nos livros de história.
Entretanto, a realidade factual demonstra que apesar de não existirem
mais correntes e senzalas, subsiste a prestação de serviços em condições
incompatíveis com a dignidade da pessoa humana, ignorando e ofendendo o
ordenamento jurídico brasileiro.
Mesmo passados mais de cento e vinte e cinco anos da abolição da
escravatura, subsiste uma moderna forma de escravidão, decorrente da má
distribuição de renda, da pobreza, do desemprego e da concentração fundiária
nas mãos de poucos que visam apenas interesses econômicos.
É o chamado Trabalho Escravo Contemporâneo, objeto da presente
pesquisa. que se encontra despido de sua veste cruel e escondido atrás da
pobreza e insuficiência econômica.
17
CAPÍTULO II
A REALIDADE DO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO
NA ZONA RURAL BRASILEIRA
Na sociedade escravagista a prática da escravização era encarada
com naturalidade e gozava da proteção estatal que garantia a legalidade da
compra, venda e uso das pessoas. O escravo era considerado a própria res. E
como homem-coisa não dava apenas a sua força de trabalho para quem dela
se beneficiava pois o mesmo era consumido em toda a sua energia.
A propósito, Jairo Lins de Albuquerque Sento-Sé, Procurador do
Trabalho, diz que:
Desde o período colonial, quando a escravidão era
uma atividade autorizada por lei, a utilização do escravo continha
um objetivo de natureza eminentemente econômica. Importado do
sistema sociocultural europeu para a Colônia portuguesa, tinha por
escopo, justamente, fomentar a agricultura e depois também a
pecuária e a mineração, com custos mais reduzidos, de maneira a
permitir um desenvolvimento econômico mais célere e com maior
índice de lucros.
No entanto, com a ascensão das idéias universais de
defesa dos direitos humanos, acompanhada da necessidade de
fim da escravidão, como se justificar o seu retorno e crescimento ainda que escamoteado e encoberto - no período contemporâneo
da história brasileira?
Como bem sustentou Roberto Santos, '...a
escravidão ressurge, basicamente, porque constitui ainda um meio
de viabilizar certos empreendimentos ligados à economia de
mercado, ou manter abusivamente alta sua taxa de ganho.
(SENTO-SÉ, 2001, p. 79)
Todavia, conquanto a escravidão tenha sido abolida no Brasil há
mais de cento e vinte e cinco anos, a mesma subsiste na zona rural brasileira,
onde são constatadas práticas dissimuladas dessa forma aviltante de
18
exploração do ser humano que se caracterizam pela inexistência de qualquer
proteção social do indivíduo.
A mais comum forma contemporânea de escravidão no Brasil é a
servidão por dívida.
Segundo Lilia Leonor Abreu:
Os grandes focos estão concentrados nos estados
do Pará (desmatamento e fazendas), Mato Grosso (fazendas e
madeireiras),
Maranhão
(fazendas,
manejo
florestal,
reflorestamento e produção de carvão) e Goiás (capina e
colheita de sementes de braquiária) (REVISTA DO TRIBUNAL
REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO, 2003, p. 105)
O empregado,
uma vez que não tem acesso à terra para produzir
e, ainda que a tivesse, sem dispor de um incentivo
governamental para cultivá-la e enfrentar as intempéries
próprias da atividade agropecuária - seca, queda de preço da
safra etc.-, o rurícola se vê obrigado a aceitar a proposta de
trabalho que lhe é formulada pelo fazendeiro, por meio do
“gato”. Quer dizer, não tem ele outra opção (SENTO-SÉ, 2001,
p. 81)
No meio rural encontra-se a maioria desses indivíduos que, por
estarem sujeitos até mesmo às intempéries da natureza,
fica compelida a
aceitar qualquer oferta de trabalho que possa lhe proporcionar um mínimo de
condição para suprir as suas necessidades e às de sua família.
Desta forma, podemos concluir que o interesse econômico é a mola
mestra que impulsiona a existência da escravidão contemporânea na zona
rural brasileira (SENTO-SÉ, 2001, p. 79).
João Carlos Alexim, sociólogo e ex-diretor da Organização
Internacional do Trabalho no Brasil, diz que:
Como a escravidão, tal como é entendida
regularmente, está proibida em basicamente todos os países,
surgem formas de dissimulação que causam efeitos talvez
19
menos escandalosos ou ostensivos, mas resultam na prática
em formas muito semelhantes. Existem muitas maneiras de
impedir que um trabalhador exerça seu direito de escolher um
trabalho livremente ou, ainda, que abandone seu emprego
quando julgar necessário ou conveniente (REVISTA DO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO,
2003, p. 108)
E neste contexto, esses trabalhadores são atraídos pelos supostos
empreiteiros de mão-de-obra, também chamados de “gatos”, com promessas
que jamais serão cumpridas.
A propósito, Lília Leonor Abreu, juíza do Tribunal Regional do Trabalho
de Santa Catarina, diz que:
Na situação esdrúxula a que são submetidos esses
trabalhadores não há falar em ambiente saudável, ao menos nos
padrões exigidos pelas normas de higiene, saúde e segurança do
trabalho. Isso acaba por reduzir-lhes a expectativa de vida.
Esses trabalhadores normalmente são atraídos por
boas propostas de emprego, buscados pelos “gatos” (supostos
empreiteiros de mão-de-obra, que são, na verdade, recrutadores
de trabalhadores) de locais distantes do lugar da prestação dos
serviços, normalmente de regiões pobres, como pequenos
agricultores sem recursos, desempregados ou sem terra. Homens,
mulheres e crianças são subjugados em função da miséria, da
fome, da ignorância e do medo. A eles são sonegados
completamente os direitos trabalhistas. São explorados pelos
detentores do poder econômico que lucram com o trabalho em
condições subumanas (a Justiça do Trabalho vem reconhecendo o
empregador rural - o dono da terra- como o responsável direto
pelas obrigações trabalhistas, e o “gato” simples preposto
daquele).
A forma mais comum de escravidão encontrada no
meio rural é a da dívida. Ela se inicia no processo de aliciamento,
em que o trabalhador deve aos fazendeiros a quantia
correspondente ao transporte até a fazenda. Quando chega no
local de trabalho terá que comprar alimentação, roupas, remédios,
ferramentas de trabalho, etc., tudo no estabelecimento do
empregador,
a
preços
superfaturados,
resultando
no
endividamento do trabalhador, que acaba nunca recebendo o seu
salário.
Há relatos de espancamento, castigo e assassinato,
este último como forma de intimidar os fujões. O trabalhador tem
dificuldade de sair do lugar em função dos óbvios obstáculos que
20
encontra tanto de ordem física como econômica.
A prática de o empregador efetuar o pagamento
somente por meio de bens in natura sofre restrições legais (CLT,
Art. 462, §§ 2º e 3º). Todavia, a escravidão por dívida constitui
prática corriqueira em determinadas zonas do Brasil. [...]
Enfim, apesar de o fenômeno da escravidão por
dívida ser prática combatida inclusive pelo Direito Internacional do
Trabalho, é difícil eliminá-la porque arraigada aos costumes em
determinadas regiões deste imenso país (REVISTA DO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO, 2003, p.
107)
O que há é a arregimentação do trabalhador, com evidente vício de
vontade e cerceio de direitos, senão vejamos:
a) o empregado recebe uma proposta de emprego
bastante tentadora para trabalhar em um determinado local,
normalmente muito distante de sua cidade natal;
b) são-lhe oferecidos salários atraentes e feitas
promessas de melhores condições de vida;
c) a tarefa de arregimentação e recrutamento da mãode-obra é realizada por empreiteiros, 'gatos”, “zangões” ou
'turmeiros”, via de regra, meros prepostos dos empregadores
rurais;
d) os gatos não exigem qualquer documento de
identificação ou Carteira de Trabalho dos trabalhadores, mas
quando apresentado algum documento eles retêm, para criar um
vínculo de dependência entre o trabalhador e o suposto
empreiteiro;
e) o arregimentador geralmente adianta uma pequena
quantia em dinheiro para o trabalhador satisfazer as suas
necessidades básicas e as de sua família. Este não sabe que é a
sua primeira dívida perante o empregador; início do débito que o
reduzirá à escravidão;
f) quando inicia o trabalho, o trabalhador percebe o
engodo em que foi envolvido, o empregador lhe submete a uma
jornada de trabalho insuportável; o pagamento é quase todo feito
in natura - alimentos e vestuário adquiridos nos barracões do
empregador - e o débito para com o patrão vai aumentando de tal
maneira que o valor que ele tem a receber não é suficiente para
saldar a sua dívida;
21
g) muitas vezes, como forma de aliciar os
trabalhadores, o futuro empregador quita a dívida desses com as
pensões onde permanecem nos períodos de entressafra;
h) a dívida aumenta vertiginosamente no local de
serviços. Ao chegar ao seu destino, os trabalhadores recebem os
equipamentos essenciais para realizar o seu trabalho (como facão,
facas, botas, chapéu etc), juntamente com aqueles fundamentais
para a sua sobrevivência (rede de dormir, panelas, mantimentos,
lonas para barraca e outros), todos cobrados pelo empregador, a
preços superiores aos do mercado;
i) os gêneros alimentícios de primeira necessidade são
vendidos pelo próprio proprietário rural em sua fazenda a preços
acima dos de mercado e descontados do salário do obreiro ao final
do mês. É o chamado sistema de barracão ou truck-system. Por
ser uma pessoa de pouco discernimento, muitas vezes analfabeta,
o trabalhador perde totalmente o controle do valor da dívida e é
facilmente ludibriado pelo credor;
j) sob a justificativa de não ter sido quitado todo o
débito, o empregado é coagido pelo fazendeiro e obrigado a
prestar serviços mesmo contra a sua vontade;
k) quando decide abandonar o emprego, o trabalhador
é coagido a manter a relação de trabalho;
l) advém coação física e detenção ilegal de
documentos (REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO
TRABALHO, 2003, p. 57)
Os trabalhadores são iludidos e sem conhecerem suas reais condições
de trabalho são levados para lugares distantes onde começam a constituir
exorbitantes dívidas com o próprio transporte, sua precária moradia, alimentação,
ferramentas de trabalho, dentre outras coisas.
E essas dívidas revelam-se mais eficientes que as antigas correntes
pois têm a capacidade de privar os empregados de suas liberdades, sob o
argumento de não ter sido quitado o débito com seu empregador.
A esses trabalhadores são impostos, o medo, a humilhação e o
sofrimento, não lhes restando nem mesmo a esperança da fuga, pois há
permanente vigilância de pistoleiros armados.
22
O que se percebe é que:
Despida de sua veste mais cruel, a escravidão
escondeu-se e continua agora escondida atrás das máscaras da
insuficiência econômica, da desvalia social e da rusticidade inculta,
a exaurir o trabalhador pela exploração da energia pessoal em
nível de tratamento animalesco (REVISTA DO TRIBUNAL
REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO, 2003, p. 106)
A escravidão contemporânea, diferentemente da colonial, não está
amparada pelo Estado.
Entretanto, é tão perversa quanto, pois a situação dos trabalhadores
hoje submetidos à condição análoga à de escravo é pior do que a dos negros
durante a existência da escravidão dos séculos XVII a XIX.
Constitui desafio para um Estado Democrático de Direito erradicar
tal forma de exploração humana.
23
CAPÍTULO III
A ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO
CONTEMPORÂNEO NA ZONA RURAL BRASILEIRA
A escravidão
é uma chaga que assombra a humanidade desde
tempos remotos. Ela assumiu ao longo da história dos grupos
sociais diversas formas, mas sempre marcada pela dominação de
uns pelos outros. A comunidade internacional há muito tem
condenado essa instituição. A Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948 é exemplo disso ao dispor que 'ninguém será
mantido em escravidão nem em servidão; a escravatura e o tráfico
de escravos serão proibidos em todas as suas formas [...]. toda
pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a
condições justas e favoráveis de trabalho”. [...] O Brasil ao ratificar
essas convenções, comprometeu-se a abolir todas as formas de
trabalho forçado ou obrigatório (REVISTA DO TRIBUNAL
REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO, 2003, p. 108)
E o trabalho escravo contemporâneo é repudiado não só pelo
ordenamento jurídico brasileiro, mas por toda a comunidade internacional que,
tanto rechaça a submissão do homem à condição de escravo que a Declaração
Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Organização das Nações
Unidas em 10 de dezembro de 1948, estabelece em seu artigo 4º que:
ninguém será obrigado à escravidão nem em servidão;
a escravidão e o tráfico de escravos são proibidos em todas as
duas formas.
Em seu artigo 5º, dispõe que:
ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento
ou castigo cruel, desumano ou degradante
Já no artigo 13, diz que:
todo homem tem direito à liberdade de locomoção e
residência dentro das fronteiras de cada Estado
24
E no artigo 23, item 1, estabelece que:
toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de
seu trabalho e à proteção contra o desemprego.
O artigo 6º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos
estabelece a proibição da escravidão e da servidão:
§1º Ninguém será submetido à escravidão ou servidão,
e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres
são proibidos em todas as suas formas.
§2º Ninguém será constrangido a executar trabalho
forçado ou obrigatório. Nos países em que se prescreve, para
certos delitos, pena privativa de liberdade acompanhada de
trabalhos forçados, esta disposição não pode ser interpretada no
sentido de que proíbe o cumprimento da dita pena, imposta por
juiz ou tribunal competente. O trabalho forçado não deve afetar a
dignidade nem a capacidade física e intelectual do recluso.
A Convenção n. 29 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, de
1930, em vigor no ordenamento jurídico internacional a partir de 1º de maio de
1932 e devidamente ratificada pelo Brasil, dispõe acerca da eliminação do
trabalho forçado obrigatório, admitindo algumas exceções, tais como o serviço
militar, o trabalho penitenciário supervisionado adequadamente e aquele
obrigatório em situação de emergência, como em caso de incêndio, terremotos ou
guerra.
O artigo 2º da referida convenção, assim dispõe:
para fins da presente Convenção o termo “trabalho
forçado ou obrigatório” designará todo o trabalho ou serviço
exigido a um indivíduo sob ameaça de qualquer castigo e para o
qual dito indivíduo não se tenha oferecido de livre vontade.
Já a Convenção n. 105, da Organização Internacional do Trabalho –
OIT,
Proíbe o uso de toda forma de trabalho forçado ou
obrigatório como meio de coerção ou de educação política; como
castigo por expressão de opiniões políticas ou ideológicas; a
mobilização de mão-de-obra; como medida disciplinar no trabalho,
punição por participação em greves, ou como medida de
25
discriminação.
Em seu artigo 1º diz que:
qualquer membro da Organização Internacional do
Trabalho que ratifique a presente convenção se compromete a
suprimir o trabalho forçado ou obrigatório, e a não recorrer ao
mesmo sob forma alguma a) como medida de coerção, ou de
educação política ou como sanção dirigida a pessoas que
exprimam certas opiniões políticas, ou manifestem sua oposição
ideológica à ordem política, social ou econômica estabelecida; b)
como método de mobilização e de utilização da mão-de-obra para
fins de desenvolvimento econômico; c) como punição por
participação em greves; d) como medida de discriminação racial,
social, nacional ou religiosa.
Já no que diz respeito ao ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição
da República do Brasil de 1988, em seu art. 1º, elenca como fundamentos da
República Federativa do Brasil: a dignidade da pessoa humana e os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa.
De acordo com o constitucionalista Alexandre de Moraes:
A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado democrático de direito e tem como
fundamentos:
a dignidade da pessoa humana [que] concede unidade
aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às
personalidades humanas. Esse fundamento afasta a idéia de
predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação,
em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor
espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta
singularmente na autodeterminação consciente e responsável da
própria vida e traz consigo a pretensão ao respeito por parte das
demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo
estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente
excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos
direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária
estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.
os valores sociais do trabalho e da livre iniciaitiva: é
através do trabalho que o homem garante sua subsistência e o
crescimento do país, prevendo a Constituição, em diversas
passagens, a liberdade, o respeito e a dignidade ao
trabalhador.[...] Como saliente Paolo Barile, a garantia de proteção
26
ao trabalho não engloba somente o trabalhador subordinado, mas
também aquele autônomo e o empregador, enquanto
empreendedor do crescimento do país (MORAES, 2000, p. 48)
No âmbito do Direito do Trabalho, quem submete alguém à condição de
escravo está violando alguns princípios tais como o da pessoalidade do salário,
preceituado no art. 464 da Consolidação das Leis do Trabalho que dispõe:
o pagamento dos salários deverá ser efetuado contrarecibo, assinado pelo empregado; em se tratando de analfabeto,
mediante sua impressão digital ou, não sendo esta possível, a seu
rogo.
O princípio da intangibilidade do salário também está sendo
desrespeitado, pois , segundo Arnaldo SusseKind:
com a finalidade de proteger o salário contra os
credores do empregado deve o princípio da intangibilidade ser
invocado ainda que o credor seja o correspondente empregador;
este não poderá reter parcelas de salários para cobrar seu crédito,
nem requerer a respectiva penhora (SUSSEKIND, 2003, p. 449)
Também estará violando os princípios da irredutibilidade do salário,
preceituado no artigo 7º, inciso VI, da Constituição da República Federativa do
Brasil, e o da vedação da prática do truck-system, disposto nos §§ 2º e 3º do art.
462 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Conforme Jairo Lins de Albuquerque Sento-Sé, o truck-system
caracteriza-se quando:
os gêneros alimentícios de primeira necessidade são
vendidos pelo próprio proprietário rural em sua fazenda a preços
acima dos de mercado e descontados do salário do obreiro ao final
do mês. É o chamado sistema de barracão ou truck-system
(REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, 2003, p.
58)
Há, ainda, violação à determinação contida no artigo 463 da
Consolidação das Leis do Trabalho que estabelece que:
a prestação em espécie do salário será paga em
moeda corrente do país.
27
Parágrafo único. O pagamento do salário realizado
com inobservância deste artigo considera-se como não feito.
Ao dispor desta forma, o legislador pretendeu proteger o salário do
empregado,
impondo o pagamento do salário em moeda corrente
do país, excluídas, naturalmente, as utilidades fornecidas nas
hipóteses e condições previstas em lei e, por outro lado,
prescrevendo regras de combate ao truck system, certo é que a
legislação brasileira protege adequadamente o empregado,
evitando que a contraprestação dos seus serviços seja efetivada
em moeda estrangeira ou por meio de vales, bônus ou crédito em
estabelecimentos do próprio empregador ou a este vinculados
(SUSSEKIND, 2003, p. 457).
O trabalho é de tal importância que foi erigido a direito social, conforme,
conforme dispõe o artigo 6ª da Constituição da República Federativa do Brasil de
1.988:
São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o
lazer, a moradia, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição.
Também dada a sua relevância, o artigo 7º da carta política dispõe
sobre os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social, onde elenca nada menos que trinta e quatro
incisos.
Não há dúvida de que hoje, o ser humano é o centro de todas as
atenções e que o que se pretende é garantir o seu bem estar social melhorando a
cada dia a sua qualidade de vida.
Conforme assevera Délio Maranhão
o quadro dramático da exploração humana, que o
início do processo de desenvolvimento acarretou, não é mais
tolerável nos dias que correm. A elevação do valor ético do
trabalho humano, através de um longo e penoso esforço contra a
desumanização da economia, é uma conquista definitiva da
civilização (MARANHÃO, 1998, p. 07)
28
Sobre os preceitos e princípios estatuídos no art. 5º, da Constituição da
República Federativa do Brasil, a prática da escravização viola o caput , onde está
consagrado o princípio da igualdade jurídica, o princípio da legalidade, art. 5º, II;
[...] não submissão à tortura ou a tratamento desumano ou degradante, art 5º, III;
[...] a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, art. 5º,
X; [...] a liberdade de exercício de trabalho, ofício ou profissão, art. 5º, XIII; [...] a
liberdade de locomoção, art. 5º XV; [...] a proibição de imposição de pena de
trabalhos forçados e cruéis, art. 5º. XLVI; [...] a proibição de prisão civil por dívida,
art. 5º, LXVII.
Pois bem.
Como se vê, o grande marco na luta contra o trabalho escravo se deu
em 1988, com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil, que
ampliou consideravelmente o papel institucional do Ministério Público, legitimandoo para a defesa interesses transindividuais, sejam coletivos, difusos ou individuais,
que foram definidos pelo Código de Defesa do Consumidor, nos incisos do artigo
81, como segue:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos,
para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza
indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e
ligadas por circunstância de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos,
para efeito deste Código, os transindividuais de natureza
indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de
pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação
jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos,
assim entendidos os decorrentes de origem comum.
Versa a Carta Magna, a propósito:
Artigo 127. O Ministério Público é instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático
edos
interesses
sociais
e
individuais
indisponíveis.[...]
29
Artigo 129. São funções institucionais do Ministério
Público: III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de
outros interesses difusos e coletivos.
O Ministério Público, segundo dispõe o art. 127, da Constituição da
República Federativa do Brasil, é instituição permanente, essencial à prestação
jurisdicional do Estado, a quem incumbe zelar pela defesa da ordem jurídica, pelo
regime democrático e pelos interesses sociais e individuais indisponíveis, cabendolhe, ainda, promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos
interesses chamados meta-individuais.
Dentre as funções institucionais do Ministério Público, insculpidas no artigo
129, da Constituição da República Federativa do Brasil, destaca-se aquelas que se
aplicam, especificamente,ao Ministério Público do Trabalho, quais sejam:
a) promover o inquérito civil e ação civil pública, para a proteção dos
interesses difusos e coletivos dos trabalhadores (art. 129, III);
b) defender judicialmente os direitos e interesses das populações
indígenas (art. 129, V);
c) expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua
competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da
Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993 (art. 129, VI);
d) requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial
(art. 129, VIII); e e) exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que
compatíveis com sua finalidade (art. 129, IX).
A Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar n.
75/93), após elencar suas funções institucionais, especificou os seus instrumentos de
atuação, em cujo artigo 6º tratou das competências, sendo as seguintes, as mais
afetas à atuação do Ministério Público do Trabalho:
a) impetrar habeas corpus e mandado de segurança (art. 6º, VI);
30
b) promover o inquérito civil e a ação civil pública para a defesa de outros
(trabalhistas) interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e
coletivos (art. 6º, VII, d);
c) promover outras ações, quando difusos os interesses a serem
protegidos (art. 6º, VIII);
d) defender judicialmente os direitos e interesses das populações
indígenas, propondo as ações cabíveis (art. 6º, XI);
e) propor ação civil coletiva para a defesa de interesses individuais
homogêneos (art. 6º, XII);
f) promover outras ações necessárias ao exercício de suas funções
institucionais, em defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis (art. 6º, XIV);
g) manifestar-se em qualquer fase dos processos, acolhendo solicitação
do juiz ou por sua iniciativa, quando entender existente interesse em causa que
justifique a intervenção (art. 6º, XV); e
h) expedir recomendações, visando ao respeito, aos interesses, direitos e
bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das
providências cabíveis (art. 6º, XX).
Ainda, em seu artigo 83, a Lei Orgânica do Ministério Público da União,
dispõe que compete ao Ministério Público do Trabalho:
a) promover as ações que lhe sejam atribuídas pela Constituição Federal
e pelas leis trabalhistas (art. 83, I);
b) manifestar-se em qualquer fase do processo trabalhista, acolhendo
solicitação do Juiz ou por sua iniciativa, quando entender existente interesse público
que justifique a intervenção (art. 83, II);
31
c) promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para a
defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais
constitucionalmente garantidos (art. 83, III);
d) propor as ações cabíveis para declaração de nulidade de cláusula de
contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva que viole as liberdades individuais ou
coletivas ou os direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores (art. 83, IV);
e) propor as ações necessárias à defesa dos direitos e interesses dos
menores, incapazes e índios, decorrentes das relações de trabalho (art. 83, V);
f) recorrer das decisões da Justiça do Trabalho, quando entender
necessário, tanto nos processos em que for parte, como naqueles em que oficiar
como fiscal da lei, bem como pedir a revisão dos Enunciados da Súmula de
Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (art. 83, VI);
E relevantes são as condenações por dano moral coletivo, em sede das
ações civis públicas manejadas pelo Ministério Público do Trabalho, que
responsabilizam os empregadores rurais pelo exploração da mão de obra escrava de
seus empregados.
Confira-se a jurisprudência, a propósito, que segue:
RECURSO DE REVISTA - DANO MORAL COLETIVO
- REDUÇÃO DE TRABALHADOR A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE
ESCRAVO - REINCIDÊNCIA DAS EMPRESAS - VALOR DA
REPARAÇÃO. O Tribunal local, com base nos fatos e nas provas
da causa, concluiu que as empresas reclamadas mantinham em
suas dependências trabalhadores em condições análogas à de
escravo e já haviam sido condenadas pelo mesmo motivo em
ação coletiva anterior. Com efeito, a reprovável conduta
perpetrada pelos recorrentes culmina por atingir e afrontar
diretamente a dignidade da pessoa humana e a honra objetiva e
subjetiva dos empregados sujeitos a tais condições degradantes
de trabalho, bem como, reflexamente, afeta todo o sistema
protetivo trabalhista e os valores sociais e morais do trabalho,
protegidos pelo art. 1º da Constituição Federal. O valor da
reparação moral coletiva deve ser fixado em compatibilidade com
a violência moral sofrida pelos empregados, as condições
pessoais e econômicas dos envolvidos e a gravidade da lesão aos
direitos fundamentais da pessoa humana, da honra e da
integridade psicológica e íntima, sempre observando os princípios
32
da razoabilidade e proporcionalidade. Na hipótese, ante as
peculiaridades do caso, a capacidade econômica e a reincidência
dos recorrentes, deve ser mantido o quantum indenizatório fixado
pela instância ordinária. Intactas as normas legais apontadas.
Recurso de revista não conhecido. (TST - RR/17800013.2003.5.08.0117 - TRT8ª R. - 1T - Rel. Ministro Luiz Philippe
Vieira de Mello Filho - DEJT 26/08/2010 - P. 643).
AUTO DE INFRAÇÃO - FISCALIZAÇÃO DO
TRABALHO - AUTO DE INFRAÇÃO - LEGALIDADE DA
INFRAÇÃO - Verificadas por Auditor Fiscal graves irregularidades
em inspeção, com a constatação da existência de trabalhadores
em condições análogas à de escravo e condições degradantes,
não há que se falar em ilegalidade ou nulidade do auto de
infração, que determinou a sanção pecuniária, ora impugnada. A
hipótese dos autos está perfeitamente enquadrada no art. 629 da
CLT, considerando-se que o recorrente foi devidamente notificado
para apresentar documentação na sede do Ministério do Trabalho
e Emprego. Portanto, somente após a análise dos documentos é
que se poderia aferir sobre a incidência ou não da multas,
considerando-se a natureza da atividade de fiscalização, cujo ato
administrativo apresenta-se como vinculado, o que pressupõe, por
certo, a apreciação prévia das condições, em decorrência da
presunção de legalidade e legitimidade com que se reveste.
Decisão de primeiro grau mantida. (TRT 3ª Região Quarta Turma
0000022-23.2011.5.03.0080 RO Recurso Ordinário Rel. Juiz
Convocado Fernando Luiz G. Rios Neto DEJT 26/09/2011 P.92).
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONDIÇÕES DE TRABALHO
DEGRADANTES E DESUMANAS - DANOS MORAIS
COLETIVOS - Nas lições de Francisco Milton Araújo Júnior, "o
dano moral pode afetar o indivíduo e, concomitantemente, a
coletividade, haja vista que os valores éticos do indivíduo podem
ser amplificados para a órbita coletiva. Xisto Tiago de Medeiros
Neto comenta que 'não apenas o indivíduo, isoladamente, é
dotado de determinado padrão ético, mas também o são os
grupos sociais, ou seja, as coletividades, titulares de direitos
transindividuais. (...). Nessa perspectiva, verifica-se que o trabalho
em condições análogas à de escravo afeta individualmente os
valores do obreiro e propicia negativas repercussões psicológicas
em cada uma das vítimas, como também, concomitantemente,
afeta valores difusos, a teor do art. 81, parágrafo único, inciso I, da
Lei 8.078/90, haja vista que o trabalho em condição análoga à de
escravo atinge objeto indivisível e sujeitos indeterminados, na
medida em que viola os preceitos constitucionais, como os
princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana (art. 1º,
III) e dos valores sociais do trabalho (art. 1º, IV), de modo que não
se pode declinar ou quantificar o número de pessoas que sentirá o
abalo psicológico, a sensação de angústia, desprezo, infelicidade
ou impotência em razão da violação das garantias constitucionais
causada pela barbárie do trabalho escravo" ("in" Dano moral
decorrente do trabalho em condição análoga à de escravo: âmbito
individual e coletivo - Revista do TST, Brasília, vol. 72, nº 3,
33
set/dez/2006, p. 99). (TRT 3ª Região. Sexta Turma. 000011095.2011.5.03.0101 RO. Recurso Ordinário. Rel. Desembargador
Jorge Berg de Mendonça. DEJT 28/10/2011 P.283).
HABEAS CORPUS. REDUÇÃO A CONDIÇÃO
ANÁLOGA À DE ESCRAVO. FRUSTRAÇÃO DE DIREITO
ASSEGURADO
NA
LEGISLAÇÃO
TRABALHISTA.
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. DENÚNCIA DE
TRABALHADORES SUBMETIDOS AO TRABALHO ANÁLOGO
AO DE ESCRAVO. AÇÃO REALIZADA PELO GRUPO DE
FISCALIZAÇÃO MÓVEL EM PROPRIEDADE. ALEGAÇÃO DE
ILICITUDE DAS PROVAS COLHIDAS EM FACE DA AUSÊNCIA
DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. INEXISTÊNCIA DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1.
Compete ao Ministério do Trabalho e do Emprego, bem como a
outros órgãos, como a Polícia Federal e o Ministério Público do
Trabalho, empreender ações com o objetivo de erradicar o
trabalho escravo e degradante, visando a regularização dos
vínculos empregatícios dos trabalhadores encontrados e
libertando-os da condição de escravidão. 2. Em atenção a esta
atribuição, a Consolidação das Leis do Trabalho (artigos 626 a
634), o Regulamento de Inspeção do Trabalho (artigos 9º e 13 a
15), e a Lei 7.998/1990 (artigo 2º-C) franqueiam aos auditores do
Ministério do Trabalho e Emprego o acesso aos estabelecimentos
a serem fiscalizados, independentemente de mandado judicial. 3.
Quanto aos documentos apreendidos e à inquirição de pessoas
quando da fiscalização realizada pelo Grupo Especial de
Fiscalização Móvel na propriedade em questão, o artigo 18 do
Regulamento de Inspeção do Trabalho prevê expressamente a
competência dos auditores para assim agirem, inexistindo
qualquer ilicitude em tal atuação. 4. Ademais, na hipótese vertente
os pacientes foram acusados da prática dos delitos de redução a
condição análoga à de escravo, frustração de direito assegurado
pela lei trabalhista e falsidade documental, sendo que apenas o
relativo à falsificação de documento público é instantâneo, já que
os demais, da forma como em tese teriam sido praticados, são
permanentes. 5. É dispensável o mandado de busca e apreensão
quando se trata de flagrante delito de crime permanente,
podendo-se realizar as medidas sem que se fale em ilicitude das
provas obtidas (Doutrina e jurisprudência). 6. O só fato de os
pacientes não terem sido presos em flagrante quando da
fiscalização empreendida no estabelecimento não afasta a
conclusão acerca da licitude das provas lá colhidas, pois o que
legitima a busca e apreensão independentemente de mandado é
a natureza permanente dos delitos praticados, o que prolonga a
situação de flagrância, e não a segregação, em si, dos supostos
autores do crime. Precedente. 7. Ordem denegada.(STJ - HC:
109966 PA 2008/0143508-0, Relator: Ministro JORGE MUSSI,
Data de Julgamento: 26/08/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de
Publicação: DJe 04/10/2010)
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGENCIAMENTO DE
PESSOAS PARA TRABALHO NO EXTERIOR. TRÁFICO
INTERNACIONAL DE PESSOAS. INDÍCIOS. REDUÇÃO À
34
CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. 1. Os direitos
fundamentais da pessoa humana devem ser preservados acima
de qualquer outro. 2. Havendo indícios de que as vítimas eram
mantidas no exterior, em condições de trabalho análogas às de
escravo, cuja caracterização independe de coação física da
liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de
locomoção, ainda que não confirmada efetivamente a existência
do tipo penal citado, diante da gravidade da situação em análise e
com base no poder geral de cautela do juiz, é de rigor a
manutenção da decisão que obrigou os réus a se absterem de
realizar e/ou intermediar, por si ou por interpostas
pessoas/empresas, novas negociações destinadas a recrutar e
encaminhar pessoas ao exterior e fixou multa por
descumprimento. 3. Agravo de instrumento não provido, restando
prejudicado o agravo regimental interposto. (TRF-3 - AI: 21150 SP
0021150-95.2012.4.03.0000,
Relator:
DESEMBARGADORA
FEDERAL VESNA KOLMAR, Data de Julgamento: 21/05/2013,
PRIMEIRA TURMA)
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRABALHO ANÁLOGO AO
DE ESCRAVO. O conjunto probatório revela que os trabalhadores
que prestavam serviços ao Réu não apenas não tinham CTPS
assinada, mas também estavam sujeitos a condições
absolutamente indignas a qualquer laborista, seja pela
inexistência de equipamentos de proteção, primeiros socorros a
despeito da atividade desenvolvida estar impressa de
possibilidade de lesões, seja pela moradia absolutamente sem
estrutura, ausência de água potável, direito à intimidade, seja,
ainda, pela formação de truck system configurado na indução do
trabalhador a se utilizar de armazéns mantidos pelos
empregadores em preço, em regra, superfaturado, inviabilizando a
desoneração da dívida. Nesse passo, devem ser julgados
procedentes os pedidos afetos a obrigações de fazer e não-fazer,
sob pena de multa diária. A indigitada situação deve ser
veementemente combatida; considerar o trabalho em condições
aviltantes como normal em face das circunstâncias de
determinada região do País é transgredir a finalidade ontológica
do Judiciário e fazer letra morta a legislação tutelar do trabalho. A
dignidade da pessoa humana é um dos mais importantes pilares
do Estado Democrático de Direito. (TRT-10 - RO:
11200481110006
TO
00011-2004-811-10-00-6,
Relator:
Desembargadora FLÁVIA SIMÕES FALCÃO, Data de
Julgamento: 09/12/2004, 2ª Turma, Data de Publicação:
06/05/2005)
PROCESSO DO TRABALHO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA
– REPARAÇÃO DE DANO COLETIVO – AFRONTA À
LEGISLAÇÃO DE HIGIENE, MEDICINA E SEGURANÇA DO
TRABALHO – TRABALHO FORÇADO – POSSIBILIDADE
JURÍDICA DO PEDIDO – CONFIGURAÇÃO – CABIMENTO –
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO –
POSSIBILIDADE – INTERESSES COLETIVOS E DIFUSOS DOS
TRABALHADORES – OCORRÊNCIA - Inexistindo dúvida
35
razoável sobre o fato de o réu utilizar-se abusivamente de mão de
obra obtida de forma ilegal, aviltante e de maneira degradante,
com base nos Relatórios de Inspeção do Grupo de Fiscalização
Móvel, emitidos pelos Auditores Fiscais do MTe, tal ato é
suficiente e necessário a gerar a possibilidade jurídica de
concessão de reparação por dano moral coletivo contra o infrator
de normas protetivas de higiene, segurança e saúde do trabalho.
Dizer que tal conduta não gera dano, impõe chancela judicial a
todo tipo de desmando e inobservância da legislação trabalhista,
que põe em risco, coletivamente, trabalhadores indefinidamente
considerados. Os empregadores rurais, que se utilizam de
práticas ilícitas, dessas natureza e magnitude, devem ser
responsabilizados pecuniariamente, com a reparação do dano em
questão, em atenção às expressas imposições constitucionais,
insculpidas nos arts. 1º, III; 4º, II; 5º, III, que, minimamente,
estabelecem parâmetros, em que se fundam o Estado Brasileiro e
as Garantias de seus cidadãos. Desse modo, o pedido do autor,
tem natureza nitidamente coletiva, o que autoriza a atuação do
Ministério Público do Trabalho, de acordo com sua competência
constitucional, podendo ser acatado, sem rebuços de natureza
legal ou acadêmica, pois a atividade produtiva impõe
responsabilidade social (art. 1º, IV, da CF/88) e o direito de
propriedade tem função de mesma natureza, a ele ligado por
substrato constitucional, insculpido no art. 5º, XXIII, pois de nada
adianta a existência de Leis justas, se estas não forem
observadas, ainda que por imposição coercitiva, punitiva e
reparadora, que a presente Ação visa compor. REPARAÇÃO POR
DANO MORAL COLETIVO JULGADA PROCEDENTE. (TRT-PA.
VARA DO TRABALHO DE PARAUAPEBAS/PA Juiz Titular de
Vara do Trabalho, Dr. Jorge Antonio Ramos Vieira PROCESSO
nº: 218/2002, julgado em 30 de abril de 2003)
PROCESSO DO TRABALHO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA
– REPARAÇÃO DE DANO COLETIVO – AFRONTA À
LEGISLAÇÃO DE HIGIENE, MEDICINA E SEGURANÇA DO
TRABALHO – TRABALHO DEGRADANTE – POSSIBILIDADE
JURÍDICA DO PEDIDO – CONFIGURAÇÃO – CABIMENTO –
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO –
POSSIBILIDADE – INTERESSES COLETIVOS E DIFUSOS DOS
TRABALHADORES - OCORRÊNCIA - Inexistindo dúvida razoável
sobre o fato de o réu utilizar-se, abusivamente, de mão de obra
obtida de forma ilegal e aviltante, de maneira degradante, com
base nos Relatórios de Inspeção do Grupo Móvel, emitidos pelos
Fiscais da DRT, tal ato é suficiente e necessário, por si só, a gerar
a possibilidade jurídica de concessão de reparação por dano
coletivo contra o infrator de normas protetivas de higiene,
segurança e saúde do trabalho. Dizer que tal conduta não gera
dano coletivo, impõe chancela judicial a todo tipo de desmando e
inobservância da legislação trabalhista, que põem em risco,
coletivamente, trabalhadores indefinidamente considerados. Os
empregadores rurais, que se utilizam de práticas ilícitas, dessas
natureza
e magnitude,
devem
ser
responsabilizados,
pecuniariamente, com a reparação do dano em questão, em
36
atenção às expressas imposições constitucionais, insculpidas nos
arts. 1º, III; 4º, II; 5º, III, que, minimamente, estabelecem
parâmetros, em que se fundam o Estado Brasileiro e as Garantias
de seus cidadãos. Desse modo, o pedido do autor, tem natureza
nitidamente coletiva, o que autoriza a atuação do Ministério
Público do Trabalho, de acordo com sua competência
constitucional, podendo ser acatado, sem rebuços de natureza
legal ou acadêmica, pois a atividade produtiva impõe
responsabilidade social (art. 1º, IV, da CF/88) e o direito de
propriedade tem função de mesma natureza, a ele ligado por
substrato constitucional, insculpido no art. 5º, XXIII, pois de nada
adianta a existência de Leis justas, se estas não forem
observadas, ainda que por imposição coercitiva, punitiva e
reparadora, que presente Ação visa compor. REPARAÇÃO POR
DANO COLETIVO JULGADA PROCEDENTE. (TRT-PA. VARA
DO TRABALHO DE PARAUAPEBAS/PA Juiz Titular de Vara do
Trabalho, Dr. Jorge Antonio Ramos Vieira. PROCESSO nº:
0276/2002, julgado em 30 de setembro de 2002)
Com efeito, a prática da exploração do trabalho escravo constitui
inquestionável desobediência ao respeito à dignidade da pessoa humana, cabendo
ao Ministério Público, guardião da ordem jurídica, propor ação civil pública para
defesa dos direitos dos escravizados.
E graças à ampliação constitucional do papel institucional do Ministério
Público, os empregados-escravos têm a seu lado, hoje, um aliado em potencial que
através dos inquéritos civis promovidos e das ações civis públicas propostas têm
conseguido além de libertá-los, inibir tais práticas por parte dos empregadores.
37
CONCLUSÃO
A presente pesquisa objetivou refletir e esclarecer uma faceta perversa
da relação capital-trabalho que se pensou já extinta da sociedade brasileira desde
a abolição da escravatura, em 13 de maio de 1888.
Foi feita uma análise da evolução histórica do trabalho escravo no
Brasil, desde a mais remota antiguidade, até a sua abolição pela Lei Áurea,
chegando-se à conclusão de que, mesmo passados mais de cento e vinte e cinco
anos da abolição, subsiste, na atualidade, a prática da exploração do trabalho
escravo, sobretudo na zona rural brasileira, conforme denúncias e constatações
da existência de milhares de pessoas submetidas à condição de escravos ou a
ela análoga.
Nesse contexto, o trabalho dedicou-se a mostrar o que tem sido feito
pelo Estado para erradicar o trabalho escravo contemporâneo, nos moldes em
que praticado nos tempos atuais, em violação aos direitos fundamentais da
dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho.
Restou evidente o repúdio, não só pelo ordenamento jurídico brasileiro,
mas por toda a comunidade jurídica internacional, da exploração humana, que a
Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Organização das
Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, por meio do seu artigo 4º, proibiu,
expressamente, a escravidão, a servidão.
Outras proteções sobrevieram, por intermédio, também, da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, pela Convenção n. 29 da Organização
Internacional do Trabalho - OIT, de 1930, a Convenção n. 105, também da
Organização Internacional do Trabalho – OIT.
No âmbito do ordenamento jurídico pátrio, a Constituição da República
do Brasil de 1988, em seu art. 1º, elenca como fundamentos da República
Federativa do Brasil: a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa, além de erigir o trabalho a direito social, conforme
disposto no artigo 6º.
38
Também, dada a relevância da valorização do ser humano, o artigo 7º
da carta política dispõe sobre os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além
de outros que visem à melhoria de sua condição social, onde elenca nada menos
que trinta e quatro incisos e os preceitos e princípios estatuídos no artigo 5º, da
Constituição da República Federativa do Brasil: princípio da legalidade, artigo 5º,
II; [...] não submissão à tortura ou a tratamento desumano ou degradante, artigo
5º, III; [...] inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem,
artigo 5º, X; [...] liberdade de exercício de trabalho, ofício ou profissão, artigo. 5º,
XIII; [...] liberdade de locomoção, artigo. 5º XV; [...] proibição de imposição de
pena de trabalhos forçados e cruéis, artigo. 5º. XLVI; [...] proibição de prisão civil
por dívida, artigo. 5º, LXVII.
Ficou demonstrado que o grande marco na luta contra o trabalho
escravo se deu em 1988, com o advento da Constituição da República Federativa
do Brasil, que ampliou consideravelmente o papel institucional do Ministério
Público, legitimando-o para a defesa interesses transindividuais, sejam coletivos,
difusos ou individuais.
39
BIBLIOGRAFIA
BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil. 1988. Atualizada até a
Emenda Constitucional nº 73 de 06 de abril de 2013.
BRASIL. Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de
novembro de 1969.
BRASIL. Decreto nº 41.721, de 25 de junho de 1957. Promulga a Convenção nº
29 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, Concernente ao Trabalho
Forçado ou Obrigatório, de 10 de junho de 1930.
BRASIL. Decreto nº 58.822, de 14 de julho de 1966. Promulga a Convenção nº
105 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, Convenção Concernente à
Abolição do Trabalho Forçado, de 04 de junho de 1957.
BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal.
Atualizado até a Lei nº 12.550, de 15 de dezembro de 2011.
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção e a
defesa do consumidor. Atualizada até a Lei nº 12.741, de 08 de dezembro de
2012.
40
BRASIL. Lei Complementar 75, de 20 de maio de 1993. Dispõe sobre a
organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União.
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Define os Direitos Individuais e
Coletivos dos Homens. Proclamada na Assembléia Geral da Organização das
Nações Unidas (ONU), em 10 de dezembro de 1948.
MARANHÃO, Délio. Direito do Trabalho. 17ª ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas,1998, p. 7.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Editora Atlas
S.A., 2000, p. 48.
Revista do Ministério Público do Trabalho. nº 26. São Paulo: LTR, ano 13, n.26,
2003, p. 11-12
Revista do Ministério Público do Trabalho. nº 26. São Paulo: LTR, ano 13, n.26,
2003, p. 14.
Revista do Ministério Público do Trabalho. nº 26. São Paulo: LTR, ano 13, n.26,
2003, p. 108
41
Revista do Ministério Público do Trabalho. nº 26. São Paulo: LTR, ano 13, n.26,
2003, p. 57.
Revista do Ministério Público do Trabalho. nº 26. São Paulo: LTR, ano 13, n.26,
2003, p.58.
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Santa Catarina: TRT
12ª, nº 17, 2003, p. 105.
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Santa Catarina: TRT
12ª, nº 17, 2003, p. 106.
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Santa Catarina: TRT
12ª, nº 17, 2003, p. 107.
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Santa Catarina: TRT
12ª, nº 17, 2003, p. 108.
SENTO-SÉ. Trabalho Escravo no Brasil. São Paulo: LTR, ano 2001, p. 27.
SENTO-SÉ. Trabalho Escravo no Brasil. São Paulo: LTR, ano 2001, p. 79.
42
SENTO-SÉ. Trabalho Escravo no Brasil. São Paulo: LTR, ano 2001, p. 81
SUSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho. São Paulo: Ed. LTR,
2003. p. 449.
SUSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho. São Paulo: Ed. LTR,
2003. p. 457.
TST. http://www.tst.jus.br. Link: Consultas/Jurisprudência. Acesso em 20/07/2013.
Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Minas Gerais. TRT 3.
http://trt3.jus.br. Link: Bases Jurídicas / Jurisprudência / Acórdãos na Íntegra.
Acesso em 20/07/2013.
43
ÍNDICE
RESUMO............................................................................................................... 5
METODOLOGIA.................................................................................................... 6
SUMÁRIO.............................................................................................................. 7
INTRODUÇÃO....................................................................................................... 8
CAPÍTULO I
TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO – CONCEITO E EVOLUÇÃO
HISTÓRICA.......................................................................................................... 10
CAPÍTULO II
A REALIDADE DO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO NA ZONA
RURAL BRASILEIRA.......................................................................................... 17
CAPÍTULO III
A ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO NA ZONA
RURAL BRASILEIRA ..........................................................................................23
CONCLUSÃO...................................................................................................... 37
BIBLIOGRAFIA................................................................................................... 39
Download

documento protegido pela lei de direito autoral