Nº 199273/2015 PGR – RJMB
Reclamação 18.136 – SC– Eletrônico
Relator:
Ministro Marco Aurélio
Reclamante:
Figueirense Futebol Clube
Reclamado:
Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região
RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL. ATLETA DE FUTEBOL.
DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. AFASTAMENTO DE DISPOSITIVO DA LEI PELÉ. OFENSA AO ART. 37,
X, DA CF. NÃO SUBMISSÃO AO ÓRGÃO ESPECIAL OU AO
PLENÁRIO DO TRIBUNAL. SÚMULA VINCULANTE 10.
1. Há desrespeito à Súmula Vinculante 10 quando o órgão
fracionário do Tribunal afasta a incidência de dispositivos da
Lei 9.615/98 (Lei Pelé), por afronta aos arts. 7º, XXXIII, e
227 da Constituição Federal.
2. Parecer pela procedência da reclamação.
Trata-se de reclamação proposta por Figueirense Futebol
Clube contra decisão da Primeira Câmara do Tribunal Regional
do Trabalho da 12ª Região, consubstanciada no Processo 001067969.2013.5.12.0026, no qual se examinou a observância das normas
legais de contratação de adolescentes por parte da reclamante, assim ementado:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO
TRABALHO. CLUBE DE FUTEBOL. CONTRATO DE
FORMAÇÃO PROFISSIONAL DOS ATLETAS ADOLESCENTES. A especificidade das atividades regidas pela
Lei nº 9.615/98 não obsta a correta observância por parte
dos clubes de futebol dos direitos trabalhistas e previdenciários assegurado a essa categoria de trabalhadores, sobretudo
diante da indisponibilidade dos direitos da criança e do ado-
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lescente, e em face do princípio da proteção integral previsto
no art. 227 da CRFB/1988.
Sustenta o reclamante estar o ato em confronto com o art. 97
da Constituição Federal e a Súmula Vinculante 10, porquanto julgou inconstitucional o § 4º do art. 29 da Lei 9.615/1998, por suposta ofensa aos arts. 7º, XXXII, e 227 da Constituição Federal
sem prévia submissão da arguição de inconstitucionalidade ao órgão especial do Tribunal.
Liminarmente, pleiteiam a suspensão dos efeitos da decisão
reclamada, considerando-se a cominação de multa diária pelo descumprimento do ato reclamado.
Prestadas as informações pela autoridade reclamada.
Deferido o pedido liminar, vieram os autos à Procuradoria-Geral da República para parecer.
Em síntese, esses os fatos de interesse.
Para o exame da questão, registre-se a fundamentação da decisão reclamada:
(…)
Quanto à constitucionalidade do § 4º do art. 29 da Lei nº
9.615/98 (Lei Pelé), destaque-se para o fato de que a especificidade das atividades por ela regidas (atleta profissional de
futebol) não obsta a correta observância por parte dos clubes
de futebol dos direitos trabalhistas e previdenciários assegurado a essa categoria de trabalhadores, sobretudo diante da
indisponibilidade dos direitos trabalhistas e constitucionais da
proteção integral, que não confere ao contrato de formação
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profissional dos atletas adolescentes a possibilidade de lhes assegurar direitos trabalhistas e previdenciários.
Na verdade, a referida lei, ao estabelecer no § 4º do art. 29
que ‘o atleta não profissional em formação, maior de quatorze e menor de vinte anos de idade, poderá receber auxílio
financeiro da entidade de prática desportiva formadora, sob a
forma de bolsa de aprendizagem livremente pactuado mediante contrato formal, sem que seja gerado vínculo empregatícios entre as partes’ objetivou assegurar o interesse dos
clubes de futebol em detrimento dos atletas nessa faixa etária.
(...)
Nesses termos, há necessidade de se observar os direitos das
crianças e dos adolescentes, pessoas em desenvolvimento, sujeitos de direito e titulares de direitos fundamentais, devendo,
portanto, prevalecer as normas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, que é regido pela Doutrina da Proteção Integral, as normas constitucionais de melhor interesse
destes, porquanto têm prioridade absoluta em seus cuidados,
bem como a legislação trabalhista protetiva de melhor benefício aos atletas na faixa etária ora debatida.
Portanto, o referido § 4º do art. 29 da Lei nº 9.615/98, viola
o disposto nos arts. 7º, inc. XXXIII, 227 da CRFB/88, motivo pelo qual reputo correta a sentença no ponto em que
foi declarada sua inconstitucionalidade.
O fato de a Lei nº 9.615/98 ter sido editada em obediência
a todos os trâmites legislativos em nada obsta a declaração da
sua inconstitucionalidade em face da observância ao controle
difuso da constitucionalidade das leis, não havendo assim falar em violação ao princípio da separação dos poderes.
Assim sendo, deve ser mantida a sentença que, diante dos
efeitos da revelia, reputou verídico os fatos alegados na petição inicial, corroborados pelo inquérito civil juntado, reconhecendo as violações normativas alegadas (em especial: CF,
art. 27, pela ótica da teoria da proteção integral da criança e
adolescente; CF, art. 7º, XXXIII; Lei Federal nº 9.615/98, art.
29, caput e incisos; CLT, art. 428; e ECA, art. 4º, 5º e 19).
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Por fim, saliento que a limitação de 2 anos do contrato de
formação desportiva, rebatida no recurso, decorre da regra
expressa na CLT, referente à aprendizagem, única forma de
trabalho permitida na faixa dos 14 e 15 anos, pelo que deve
ser observada (art. 428, § 3º da CLT).
Ao contrário do alegado, essa questão não esbarra nos interesses do atleta, que, segundo os termos do art. 29, caput, da
Lei Pelé, poderá firmar o seu primeiro contrato de trabalho
como atleta profissional ao completar 16 anos de idade. O
objetivo da aprendizagem é justamente a preparação para o
exercício da profissão que, no caso, é de atleta profissional de
futebol.
Importante ressaltar, que a bolsa auxílio paga pelo clube ao
atleta em formação é de R$ 100,00, que além de ser em valor irrisório, a sua previsão encontra-se ultrapassada pelo disposto na Emenda n. 20/1998. No caso, o pagamento do
salário-mínimo hora decorre da aprendizagem, previsto no
art. 428, § 2º, da CLT.
No mais, adoto como razões de decidir os fundamentos jurídicos arrolados pelo representante do Ministério Público do
Trabalho, aplicáveis ao caso em comento, devendo o réu observar as obrigações determinadas na sentença.
Nego provimento”
Da leitura, observa-se que o órgão reclamado reconheceu a
inobservância dos direitos da criança e do adolescentes protegidos
pela Constituição Federal, afastando a incidência do § 4º do art. 29
da Lei 9.615/98 sem observar a cláusula de reserva de plenário, em
afronta à Súmula Vinculante 10 dessa Corte.
Conforme já preconizado em diversos julgados desse Supremo Tribunal Federal, o respeito ao postulado da reserva de plenário traduz-se como verdadeira condição de eficácia jurídica da
decisão declaradora da inconstitucionalidade dos atos do Poder
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Público, ensejando sua inobservância a declaração de nulidade absoluta da decisão emanada pelo órgão fracionário.
Ante o exposto, opina a PROCURADORIA-GERAL DA
REPÚBLICA pela procedência da reclamação.
Brasília (DF), 29 de setembro de 2015.
Rodrigo Janot Monteiro de Barros
Procurador-Geral da República
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