EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM ESTUDO DAS CONCEPÇÕES E PRÁTICAS NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO/BRASIL1 Vania Carvalho de Aráujo Programa de Pós Graduação em Educação Universidade Federal do Espírito Santo/Brasil [email protected] Geide Rosa Coelho Programa de Pós Graduação em Educação Universidade Federal do Espírito Santo/Brasil [email protected] Luziane de Assis Ruela Siqueira Programa de Pós Graduação em Educação Universidade Federal do Espírito Santo/Brasil [email protected] Resumo Com o intuito de compreender as motivações de implementação da educação infantil em tempo integral, esta pesquisa tem como objetivo analisar, por meio de um estudo exploratório, as experiências realizadas no Estado do Espírito Santo e as justificações múltiplas de ampliação do tempo de permanência das crianças em creches e/ou préescolas localizadas na área rural e nos centros urbanos. Os resultados preliminares apontam que a oferta da educação infantil em tempo integral já é uma realidade nos diferentes municípios capixabas, contudo, essa experiência tem apresentado cenários ora contrastantes ora complementares ao reconhecimento da educação infantil como primeira etapa da educação básica. Palavras-chave: Educação infantil. Tempo integral. Políticas de educação infantil. Introdução 1 Pesquisa financiada pelo MEC/FNDE. 1 A ampliação da jornada escolar vem se constituindo como uma política educativa nos diferentes níveis de ensino e em várias regiões do país. Não obstante as implicações conceituais em torno do que se entende por “educação integral”, “tempo integral”, “escola em tempo integral” ou “ampliação da jornada escolar”, o que podemos observar é uma demanda crescente por maior tempo de permanência das crianças, adolescentes e jovens na escola. Tal questão expõe um grande desafio à nossa histórica tradição escolar brasileira de turnos parciais e com jornada de aulas de quatro horas. Originariamente, a educação integral se constituiu como uma referência à educação omnilateral – conceito de base marxista. Karl Marx não elaborou uma teoria ou escreveu um tratado sobre a educação, mas há em sua obra importantes reflexões acerca da educação e de sua relação com o trabalho como produção humana. A educação omnilateral compreende a educação do homem integral, a educação voltada ao homem e a formação da consciência revolucionária (MARX & ENGELS, 1983; MARX & ENGELS, 2004). Estes preceitos fundamentaram a obra de pensadores anarquistas que propunham uma pedagogia libertária, a qual tinha como pressuposto a relação entre trabalho e educação. E justamente esta relação vai marcar as propostas de educação elaboradas pelos movimentos anarquistas. A educação é vista como instrumento de transformação social e, se tem como pressuposto a liberdade, seu fim efetivo consiste na realização da igualdade. Para tanto, é necessário romper com a divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual, que se expressa também na dualidade escolar, nas diferenças entre o que é ensinado às classes dominantes e ao proletariado, e contribui para a reprodução das desigualdades sociais. O conceito de educação integral desenvolve-se no âmbito dessas preocupações (MORAES, CALSAVARA e MARTINS, 2012, p. 4). Ainda que não tenha como foco principal a extensão do tempo escolar, mas uma concepção de método de ensino que valoriza, além de outros conteúdos, atividades ao ar livre e o contato com as diversidades presentes na cidade e na natureza, a chamada “educação integral, racional e científica” já se constituía, desde o final do século XIX e início do século XX uma reivindicação de movimentos de renovação pedagógica de cunho libertário, sobretudo do movimento anarquista, em contraponto à educação burguesa. Ainda de acordo com as autoras, 2 [...] o desenvolvimento do anarquismo iniciado na Europa e em vários países do continente americano se dá no bojo das discussões sobre as condições de trabalho a que estavam submetidos os operários no século XIX. A intrínseca relação entre anarquismo e trabalho marca as propostas de educação elaboradas pelos movimentos anarquistas. A educação é vista como instrumento de transformação social e, se tem como pressuposto a liberdade, seu fim efetivo consiste na realização da igualdade. (MORAES, CALSAVARA e MARTINS, 2012, p. 2). No Brasil, a compreensão do movimento operário em ebulição desde os primeiros anos do século XX, de que a falta de acesso ao conhecimento constituía-se um agravante para manter a situação de exploração vivida pelos trabalhadores, provocou inúmeras críticas aos métodos tradicionais, fazendo emergir mobilizações em torno da laicidade do ensino, da educação democrática, igualitária e libertária. Tais mobilizações tinham como pano de fundo um movimento anarquista reivindicatório de uma educação para se contrapor aos pressupostos educativos destinados à educação escolar burguesa. Tempos depois, no âmbito do modelo de escolarização da Escola Nova, podemos identificar um movimento significativo de reformas pedagógicas empreendidas nos anos 20, que dentre as várias reivindicações, voltava-se à defesa da implantação da “escola primária integral” (RIBEIRO, 1989, p. 90). Em 1932, vários intelectuais, signatários do movimento denominado “Pioneiros da Escola Nova” elaboram um manifesto em defesa da educação pública, que apesar de apresentar fundamentos teóricos de cunho liberal e afastar-se da idéia da educação libertária e revolucionária, uma vez que enfatizavam a educação voltada ao desenvolvimento das aptidões individuais e adaptada às necessidades e demandas da sociedade em transformação, apresentam neste documento os princípios da educação integral. Segundo os Pioneiros, a escola única deveria assegurar “o princípio do direito biológico de cada indivíduo à sua educação integral”, cabendo ao Estado a organização dos meios de o tornar efetivo, por um plano geral de educação, de estrutura orgânica, que torne a escola acessível, em todos os seus graus, aos cidadãos a quem a estrutura social do país mantém em condições de inferioridade econômica para obter o máximo de desenvolvimento de acordo com as suas aptidões vitais. Chega-se, por esta forma, ao princípio da escola para todos, "escola comum ou única", que, tomado a rigor, só não ficará na contingência de sofrer quaisquer restrições, em países em que as reformas pedagógicas estão intimamente ligadas com a reconstrução fundamental das relações sociais (TEIXEIRA, 1932). 3 Para os Pioneiros da Escola Nova a finalidade da educação era o desenvolvimento integral do indivíduo, fundamentado nos “princípios científicos sobre os quais se pode apoiar solidamente um sistema de educação” (TEIXEIRA, 1932). Este movimento influenciou também a elaboração da Constituição Federal de 1934 e 1946 e a elaboração da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 4024/61, apesar de terem tido sua influência minimizada no segundo momento de elaboração desta Lei quando os interesses privatistas se sobrepuseram ao movimento de defesa da escola pública (ROMANELLI, 1999). Ainda na década de 1930, surge o Movimento Integralista que defende a Educação Integral, a partir dos escritos de Plínio Salgado e de outros militantes representativos do Integralismo. Neste movimento as bases da Educação Integral “eram a espiritualidade, o nacionalismo cívico, a disciplina, fundamentos que, no contexto de suas ações, podem ser caracterizados como político-conservadores” (CAVALARI, 1999; COELHO, 2009). Além das esparsas experiências ocorridas em torno da organização da chamada “educação integral”, tais como, os internatos e aulas avulsas, só para citar alguns exemplos ocorridos na história da educação brasileira, uma iniciativa considerada pioneira no País é introduzida pelo educador Anísio Teixeira. Participante ativo do “Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova” (1932) e sob forte influência do pragmatismo e do pensamento escolanovista de John Dewey (1859-1952), Anísio Teixeira propõe uma outra organização curricular para a Escola Nova nascente no Brasil por meio da criação de escolas em turno integral com atividades divididas em dois turnos por meio das chamadas “Escolas-Classe”, onde se trabalhava os conteúdos escolares e no espaço denominado de “Escola-Parque”, onde eram possibilitadas às crianças do Jardim de Infância realizar outros tipos de atividades no contraturno escolar. Como Secretário de Educação e Cultura da Bahia, pode, então, concretizar a primeira experiência de escola em tempo integral na educação pública com a criação do Centro Educacional Carneiro Ribeiro em 1950 (BRASIL, 2009). A oscilação entre os modelos educacionais propostos pela Pedagogia Tradicional, Pedagogia Libertária e Pedagogia Nova, vai permanecer até a década de 1960. Com o golpe militar de 1964, estes modelos cederão espaço à Pedagogia Tecnicista, que ao 4 contrário de uma educação integral, vai propor um modelo de formação unilateral, ou seja, um modelo pautado na formação única e exclusivamente para o trabalho, em uma dimensão taylorista-fordista. Aqui a educação é entendida como a transmissão de técnicas, habilidades e conhecimentos necessários ao sistema produtivo. Este modelo vai perdurar até a década de 1980, atendendo assim as demandas colocadas pelo momento conhecido como “milagre brasileiro” – era de grande expansão e desenvolvimento industrial. Com o enfraquecimento do governo militar e a busca da redemocratização ocorrida a partir da década de 1980, através do arrefecimento dos movimentos populares e de trabalhadores, fim da censura, anistia política, abertura política, pluripartidarismo, a política volta à cena e com as eleições de 1982 para todos os cargos administrativos e legislativos, com exceção de Presidente da República, foram eleitos alguns Governadores de Estado considerados de esquerda. Isto vai ser fundamental para a volta da luta em defesa da escola pública, gratuita e de qualidade, a obrigatoriedade do ensino, a valorização dos professores, a gestão democrática, que em 1988, torna-se um princípio constitucional, e também para a retomada da idéia da educação integral e da educação integral de tempo integral. A experiência de implantação dos Centros Integrados de Educação Pública, conhecidos por CIEPs – constituiu-se como uma das mais fortes expressões da Educação Integral realizada no País. Concebida por Darcy Ribeiro no governo de Leonel Brizola no Rio de Janeiro, no ano de 1983, contribuiu com a difusão da idéia da educação integral. Outro exemplo foi o Programa de Formação Integral da Criança (PROFIC) em São Paulo, durante os anos de 1986 a 1993, que objetivou ampliar o tempo de permanência das crianças de famílias de baixa renda na escola com o intuito de expandir as condições para um melhor aproveitamento escolar, aumentando assim os níveis de aprendizagem. Durante o Governo do Presidente Fernando Collor de Mello, iniciado em 1990, foram criados os Centros Integrados de Apoio à Criança – CIACs como parte do PRONAICA - Programa Nacional de Atenção Integral a Criança e ao Adolescente que depois do impeachment em 1993, sofre algumas modificações no seu projeto inicial que culminou 5 com a mudança dos CIAC’s criados por Collor, em CAIC’s - Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente. Por meio dos CAIC’s pretendia-se criar inicialmente em todo País uma rede de 5 mil estabelecimentos de ensino e assistência, mas este propósito limitou-se somente à criação de 444 escolas (ESQUINSANI, 2003). A partir destas principais experiências em torno da educação integral, muitas propostas foram sendo criadas em âmbito municipal e estadual em todo o País. Essas experiências e concepções permitem afirmar que a Educação Integral se caracteriza pela ideia de uma formação “mais completa possível” para o ser humano, embora não haja consenso sobre o que se convenciona chamar de “formação completa” e, muito menos, sobre quais pressupostos e metodologias a constituiriam. Apesar dessa ausência de consenso, é possível afirmar que as concepções de Educação Integral, circulantes até o momento, fundamentam-se em princípios político-ideológicos diversos, porém, mantêm naturezas semelhantes, em termos de atividades educativas (BRASIL, 2009, p. 16). Como pudemos observar, na história da educação brasileira, diferentes manifestações ideológicas e políticas surgiram em torno da “educação integral” ou da “escola integral”, sem que isso implicasse, necessariamente, na reconfiguração do tempo de permanência dos alunos na escola. Quando os debates se presentificam em torno da idéia da “educação em tempo integral” ou “escola em tempo integral” temos aí uma dupla provocação ao fenômeno educacional: uma pela via da redefinição dos conteúdos e atividades escolares no turno e contraturno e da reconfiguração da estrutura administrativa escolar (universalização x critérios de matrículas, organização do tempo, financiamento, carga horária de trabalho, contratação de profissionais e seleção de alunos) e outra, tão desafiadora quanto a primeira, pelo critério motivador que justifica a necessidade de ampliação da jornada escolar nas unidades de ensino. Ainda que muitas dessas experiências não tenham conseguido sobreviver com o tempo em função de vários fatores, o que vem ocorrendo no Brasil é um crescimento vertiginoso da ampliação do tempo escolar e de iniciativas voltadas à educação em tempo integral, nas escolas de educação básica (CAVALIERE, 2007), sobretudo no ensino fundamental. Como forma de incentivar a ampliação da educação integral, o governo federal criou, em 2008, o Programa Mais Educação destinado às escolas que 6 atendessem a maioria de alunos cadastrados no Programa Bolsa Família e com menos de 3.5 pontos no Ideb – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica 2. Instituído pela Portaria Normativa Interministerial nº. 17/2007, que tem por objetivo fomentar a educação integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio de atividades sócio-educativas no contraturno escolar, articuladas ao projeto de ensino desenvolvido pela escola e dos processos escolares com outras políticas sócio-culturais, o Programa Mais Educação é uma das metas do Plano de Desenvolvimento da Educação. Atualmente 32 mil unidades de ensino fazem parte do Programa (MEC, 2012). Ainda que sejam princípios orientadores do Programa Mais Educação a qualidade da educação, a articulação da educação com outras políticas públicas, prevenção a situações de violação dos direitos da criança e do adolescente, o que observamos é um empenho significativo do Programa melhorar o desempenho escolar e ampliar a permanência dos alunos na escola, sobretudo em territórios mais vulneráveis, com o objetivo de reduzir os índices de evasão e reprovação escolar e de distorção idade/série. Essa perspectiva, sem dúvida, desafia a concepção sistêmica de educação, uma vez que o Programa está voltado exclusivamente para o ensino fundamental, sobretudo às escolas com baixo Ideb e que atendem em sua maioria alunos cadastrados no Programa Bolsa Família. Quando esta questão é deslocada ao campo da educação infantil não há um programa consolidado de âmbito federal. O que temos são iniciativas isoladas, motivadas, sobretudo, pela reivindicação da família em colocar os filhos em unidades de tempo integral ou por iniciativa próprias de governos. Ainda que alguns aspectos da matriz discursiva do Programa Mais Educação parece inspirar a implementação do tempo integral no âmbito da educação infantil, o que observamos é uma ênfase na ampliação do tempo de permanência das crianças, sobretudo naquelas instituições cujos territórios se encontram em áreas mais vulneráveis decorrentes da pobreza e em função dos chamados “riscos sociais” que ameaçam os direitos das crianças pequenas. 2 Índice de qualidade da educação básica instituído pelo Ministério da Educação no ano de 2007. Esse índice é obtido a partir do cruzamento de duas variáveis: taxa de aprovação dos alunos e desempenho na Prova Brasil, e seus resultados são apresentados numa escala de zero a dez. 7 Embora grande parte dos efeitos da tradição assistencialista de educação infantil continua a se perpetuar como um elemento forte de promoção de ampliação do tempo de permanência das crianças nas instituições educativas, principalmente nas creches, a extensão desses efeitos tem ameaçado a tênue experiência da educação infantil como primeira etapa da educação básica, ora porque a ampliação do tempo das crianças em creches e pré-escolas tem se constituído unicamente pelo viés da reivindicação familiar ou do apelo das promessas políticas; ora pelo viés da reprodução do modelo do ensino fundamental comumente adotado. Por diferentes motivações, tais experiências, se apresentam pouco consistentes sob o ponto de vista teórico e metodológico (SANTOS, 2010; MARCHIORI, 2011), realidade esta que tem influenciado significativamente as relações estabelecidas dos adultos com as crianças, a forma como a educação infantil tem se constituído como uma política pública e como primeira etapa da educação básica, o modo como o currículo tem orientado as práticas pedagógicas destinadas às crianças pequenas das creches e das préescolas, só para citar algumas dessas constatações. A hipótese de que a experiência da educação integral na educação infantil se mantém principalmente sob a égide da ampliação do tempo de permanência da criança na instituição é um anúncio do quão se fazem necessários estudos e pesquisas que nos permitam compreender os diferentes desafios e motivações que têm se constituído em torno da demanda de ampliação do tempo integral ou da educação em tempo integral na educação infantil. Portanto, uma análise mais apurada dos diferentes processos que vem ocorrendo em torno da organização e implementação dessas propostas é um caminho importante para subsidiar as políticas de educação infantil. Com o intuito de compreender as concepções, motivações e estratégias que se configuram em torno do atendimento da educação infantil em tempo integral, esta pesquisa tem com o objetivo de identificar e analisar, por meio de um estudo exploratório, as experiências existentes em diferentes cidades do Estado do Espírito Santo, cujos contextos diversos (creches e pré-escolas públicas localizadas no campo e nos centros urbanos), tem feito emergir formas institucionalizadas e justificações 8 múltiplas de ampliação do tempo de permanência das crianças em creches e/ou préescolas. A expansão das creches e pré-escolas continua a ser um tema inquietante, sobretudo se considerarmos os efeitos da afirmação de direitos consagrados pela Constituição de 1988, as mobilizações sociais em torno dos direitos da criança pequena, as reivindicações do movimento de mulheres, as novas responsabilidades públicas e obrigações dos municípios com a educação infantil (CAMPOS, ROSEMBERG, FERREIRA,1995). Contudo, num contexto onde as lutas pela universalização da educação infantil reatualizam debates e colocam em xeque a capacidade do Estado de promover novas interlocuções públicas em torno da educação infantil como primeira etapa da educação básica, o que percebemos é um quadro eivado de disparidades onde a negação de direitos expõe as evidências de uma cidadania inconclusa e demiurga. Se a universalização da educação infantil ainda constitui-se uma luta inacabada, sobretudo se considerarmos a histórica invisibilização das crianças de zero a três anos de idade na sociedade brasileira, quando os olhares se voltam para a expansão da educação em tempo integral em creches e pré-escolas, novas interpelações por políticas públicas surgem no horizonte da reivindicação e da ampliação de direitos. É justamente a possibilidade problematizadora dessas questões que nos permitirá adentrar com maior profundidade no terreno conflituoso que cerca a demanda por ampliação do tempo de permanência das crianças nas unidades de educação infantil, traduzida como política pública. Segundo dados do MEC/INEP (2011) o número de Estabelecimentos das redes federal, estadual, municipais e privada que ofertam creches e pré-escolas correspondem: Número de Estabelecimentos de oferta de Creche e Pré-Escola das redes federal, estadual, municipal e privada (2011) - Brasil, Sudeste e Espírito Santo BRASIL Creche Pré-escola 9 Federal Estadual Municipal Privada Total 19 158 28.417 20.048 48.642 19 1.186 79.094 25.993 106.292 SUDESTE Creche Pré-escola Federal Estadual Municipal Privada Total 7 32 8.887 11.362 20.288 8 49 15.276 11.546 26.879 ESPIRITO SANTO Creche Pré-escola Federal Estadual Municipal Privada Total Fonte: MEC/INEP 20113 1 0 659 149 809 1 0 1.161 236 1.398 Quanto ao o número de estabelecimentos que atendem creches em tempo integral, o Estado do Espírito Santo atende 81%, enquanto na pré-escola o percentual de atendimento é de 19%. Quando analisamos a matrícula inicial no tempo parcial na creche, o Estado aparece com a segunda colocação da Região Sudeste, seguida do Estado de São Paulo, enquanto na matrícula inicial em tempo integral na creche, o Espírito Santo conta com a menor oferta. Ainda que alguns dados apresentem elementos importantes de análise, não foi considerado no Censo Escolar o número de estabelecimentos que mesmo não se denominando como uma instituição em tempo integral possui uma ou mais turmas na creche ou na pré-escola com estas características. Essas experiências sem dúvida expõem variáveis importantes de serem investigadas. Como exemplo, podemos citar o contexto da cidade de Vitória/ES. Embora não estejam incluídas nas estatísticas do INEP- Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais, existem turmas em tempo integral na maioria das unidades de educação infantil, além de outras formas de atendimento em 3 http://portal.inep.gov.br/basica-censo 10 tempo integral que estão localizadas fora da instituição de educação infantil, mas articuladas a ela. Desenvolvimento do projeto Com o objetivo de analisar as concepções, motivações e estratégias que se configuram em torno dos processos de organização e implementação do atendimento do tempo integral nas creches e nas pré-escolas como subsídios às políticas de educação infantil, esta pesquisa teve como objetivos principais: a) identificar os fatores de natureza econômica, administrativa, educacional, social e política que motivam a organização e implementação da educação infantil em tempo integral nas creches e pré-escolas; b) investigar os efeitos/consequências da educação infantil em tempo integral na vida das crianças e de suas famílias, na organização e administração escolar e nas práticas pedagógicas; c) compreender os significados atribuídos pelas crianças, famílias, professores, gestores escolares e Secretarias de Educação à experiência da creche e préescola em tempo integral; d) identificar as relações que se estabelecem entre a experiência da educação infantil em tempo integral, o espaço doméstico e as relações de trabalho. Considerando a diversidade dos contextos a serem investigados, esta pesquisa teve como ponto de partida inicial a realização de um estudo exploratório de natureza quantiqualitativa sobre as concepções, motivações e estratégias que se configuram em torno da organização e do atendimento em tempo integral nas creches e nas pré-escolas, com a perspectiva de formalizar subsídios à implementação de políticas no campo da educação infantil. Foram propostas duas fases para a recolha dos dados. A primeira fase do estudo exploratório constituiu-se da aplicação de um questionário a todos os municípios capixabas, numa tentativa de extrair alguns elementos que subsidiariam as etapas seguintes da pesquisa. A sistematização das questões encaminhadas por 94% dos municípios respondentes contribuiu para caracterizar melhor os contextos e identificar o quantitativo de atendimento da educação infantil em termos de matrícula inicial e número de instituições (campo e centro urbano, tempo parcial e integral, creche e pré- 11 escola). A partir destes dados, foram estabelecidos critérios mais rigorosos de escolha dos municípios a serem investigados in loco, de acordo com os objetivos propostos. Para a seleção dos municípios considerados na segunda fase da pesquisa, foram utilizadas as referências aplicadas pelo Governo do Estado do Espírito Santo na definição das Microrregiões e Macrorregiões do Estado.4 Na tentativa de contemplar um município em cada microrregião, os critérios para a escolha dos dez municípios selecionados foram adotados de acordo com os quesitos previstos em uma escala de prioridade: 1) Oferta de Educação Infantil em Tempo Integral na área urbana e rural; 2) Municípios que possuem instituições que ofertam Educação Infantil (0 a 6 anos) exclusivamente em Tempo Integral; 2.1. Municípios que possuem instituições que ofertam Educação Infantil (0 a 6 anos) exclusivamente em Tempo Integral levando em consideração maior número de instituições do município; 3) Municípios que possuem instituições que ofertam pelo menos uma das etapas da Educação Infantil (creche ou pré-escola) em Tempo Integral. Os municípios selecionados representam as seguintes Microrregiões: Metropolitana (Vitória), Rio Doce (Linhares); Central Serrana (Santa Leopoldina), Litoral Sul (Anchieta); Sudoeste Serrana (Domingos Martins), Nordeste (Pinheiros), Centro Oeste (Vila Valério), Noroeste (Barra de São Francisco), Centro Sul (Castelo), Caparaó (Ibatiba). Os dados preliminares obtidos nesta primeira fase da pesquisa apontam que a oferta da educação infantil em tempo integral já é uma realidade nos diferentes municípios capixabas. A matrícula inicial das crianças nas creches em tempo parcial é de 67,6%, em tempo integral é de 32,4%. Na pré-escola, o atendimento às crianças no tempo parcial em relação ao tempo integral é ainda maior, pois apenas 7,5% dessas crianças possuem a matricula inicial no tempo integral, o que demonstra uma focalização de atendimento em tempo parcial na pré-escola. Comparando a matrícula inicial em tempo integral nas creches e nas pré-escolas obtivemos os seguintes dados: matrículas na creche tempo integral (32,4% das crianças) e matrículas na pré-escola tempo integral (7,5% das crianças). Quanto ao quantitativo de instituições que atendem exclusivamente 4 A divisão dos municípios capixabas em Microrregiões e Macrorregiões está prevista na Lei Estadual nº 9.768/11. 12 o tempo integral identificamos 23,5% de atendimento nas creches e 7,4%, nas préescolas. Por meio da análise de variância- ANOVA (estatística paramétrica que permite a análise de equivalência das médias alcançadas pelos diferentes grupos em relação ao construto investigado) foi possível identificar as diferenças em relação às matrículas iniciais das crianças nas creches em tempo integral nas diferentes microrregiões do estado. O resultado do procedimento ANOVA sugere que existe diferença, de pelo menos uma das microrregiões, em relação ao percentual médio de estudantes matriculados nas creches em tempo integral (F(9,59)=3,793; p=0,001). Quando estabelecemos uma análise complementar através da interpretação do gráfico 1, percebemos que a região metropolitana apresenta o menor percentual médio de estudantes matriculados em tempo integral nas creches. GRÁFICO 1- Percentual médio de matrícula em tempo integral na creche nas microrregiões do Estado 13 Utilizando um teste similar, o Kruskall-Wallis (estatístca não-paramétrica que também permite comparar a equivalência de média entre os grupos) e por meio da análise do gráfico 2, constatamos que não existe diferença entre as microrregiões em relação ao percentual médio de matrículas iniciais na pré-escola em tempo integral (χ2(9)=4,739; p=0,856) . Todas as microrregiões apresentam um percentual médio baixo de crianças matriculadas em tempo integral na pré-escola. GRÁFICO 2- Percentual médio de matrícula em tempo integral na pré-escola nas microrregiões do Estado A partir dos dados coletados e analisados nesta primeira fase da pesquisa algumas questões necessitam ser investigadas: Como interpretar tais evidências? Quais as características da microrregião metropolitana que se diferenciam das demais microrregiões em relação à oferta da creche em tempo integral? Por que a matrícula em tempo integral é inferior na pré-escola? Que concepção de educação infantil está implícita nestes dados? Quais são as motivações das políticas educacionais considerando os contextos investigados? Se na primeira fase do estudo exploratório pudemos identificar, ao menos em seus aspectos mais gerais, a configuração do atendimento da educação infantil, seja em tempo parcial, seja em tempo integral, para a segunda fase (em andamento) foram 14 indicadas duas instituições de educação infantil em cada um dos dez municípios selecionados, obedecendo, assim, os seguintes critérios de escolha: 1) Possuir instituição em área urbana e na área rural; 2) Contar com atendimento em creche e em pré-escola exclusivamente em tempo integral; 3) Contar com atendimento em creche e pré-escola simultaneamente em tempo integral e parcial. Caso, tais municípios selecionados não contemplem o atendimento simultaneamente em creche ou pré-escola, será realizado um sorteio para se definir a instituição em que se realizará a pesquisa. Como sujeitos da pesquisa, privilegiamos as crianças e seus respectivos pais e/ou responsáveis, professores, gestores das unidades de educação infantil e Secretários de Educação. Para a recolha das vozes das crianças foi adotada uma estratégia diferenciada junto a seis crianças com idades de três e cinco anos de idade vinculadas às famílias selecionadas. Considerando a diversidade dos contextos e dos sujeitos, foram observadas as seguintes variáveis: Variável Professor Tempo de profissão, tempo de atuação na educação infantil, tempo de atuação no tempo integral, formação inicial (ano de conclusão). V1 – Caracterização dos processos e dispositivos utilizados para e na implementação do tempo integral na educação infantil; V2 – Atividades predominantes no trabalho com crianças matriculadas em tempo integral; V3 – Possíveis mudanças e/ou efeitos evidenciados com a implementação do tempo integral: na organização do tempo e espaço escolar? Na vida das crianças? Na experiência pedagógica; V4 – Identificação dos desafios encontrados no trabalho com o tempo integral Variável Gestor Tempo na gestão da educação infantil, formação inicial (ano de conclusão), tempo de gestão na instituição de educação infantil ou tempo de gestão na Secretaria de Educação. V1- Fatores de natureza administrativa que corroboram e interferem na experiência da educação infantil em tempo integral; 15 V2 - Fatores de natureza pedagógica que corroboram e interferem na experiência da educação infantil em tempo integral; V3 - Fatores de natureza orçamentária/financeira que corroboram e interferem na experiência da educação infantil em tempo integral; Variável Família Idade do responsável, raça/cor, gênero do responsável, ocupação do responsável/local de trabalho, renda familiar, residência (bairro), nível de escolaridade do responsável, número de pessoas que constituem a família, beneficiário de algum programa federal. V1 – Fatores de natureza econômica, educacional, social e/ou cultural que motivaram a matrícula na educação infantil em tempo integral; V2 – Prescrições e normativas acerca da experiência da educação infantil em creches e pré-escolas Variável Criança Raça/cor, gênero, residência (bairro), tempo de permanência no tempo integral, quanto tempo matriculado no tempo integral, idade das crianças. V1 – Motivos da permanência na creche/pré-escola em tempo integral; V2 – A percepção da criança em relação ao tempo integral Considerações finais As diferentes experiências que se configuram em torno da ampliação do “tempo integral” ou da “educação em tempo integral na educação infantil”, as polarizações em torno das finalidades expressas da educação infantil e do ensino fundamental, as disparidades de investimento público na educação infantil, os desafios em torno da universalização da educação infantil, a obrigatoriedade da matrícula na pré-escola, as exigências da vida contemporânea culminando com a inserção crescente da mulher no mercado de trabalho, as responsabilidades públicas em torno do combate à pobreza, a ampliação e reconhecimento das crianças como sujeitos de direitos, são algumas das evidências do quanto a educação infantil em tempo integral precisa ser analisada com o 16 objetivo de aprimorar as políticas públicas destinadas às crianças pequenas. Ainda que a ampliação do tempo de permanência das crianças na educação infantil não seja um tema atual, os desdobramentos de natureza política, pedagógica, econômica e social que emerge dessa experiência nos provocam a compreender melhor os nexos de uma realidade que continua a alojar os paradoxos e os desafios de nossa educação e de nossa sociedade. Referências bibliográficas BRASIL. Educação integral: texto referência para o debate nacional. – Brasília: MEC/SECADI, 2009. 52 p.: il. – (Série Mais Educação) CAVALARI, Rosa Feiteiro. Integralismo: ideologia e organização de um partido de massa no Brasil. Bauru: Edusc, 1999. CAVALIERE, Ana Maria Villela. Educação integral: uma nova identidade para a escola brasileira? In: Educação e Sociedade, Campinas, vol.23, n.81, p.247-270, dez.2002. CAMPOS, Maria Malta; ROSEMBERG, Fúlvia; FERREIRA, Isabel M. Creches e préescolas no Brasil. 2.ed. São Paulo: Cortez, 1995. COELHO, Lígia Martha C. da Costa. História(s) da educação integral. 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