EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM
ESTUDO DAS CONCEPÇÕES E PRÁTICAS NO ESTADO DO ESPÍRITO
SANTO/BRASIL1
Vania Carvalho de Aráujo
Programa de Pós Graduação em Educação
Universidade Federal do Espírito Santo/Brasil
[email protected]
Geide Rosa Coelho
Programa de Pós Graduação em Educação
Universidade Federal do Espírito Santo/Brasil
[email protected]
Luziane de Assis Ruela Siqueira
Programa de Pós Graduação em Educação
Universidade Federal do Espírito Santo/Brasil
[email protected]
Resumo
Com o intuito de compreender as motivações de implementação da educação infantil em
tempo integral, esta pesquisa tem como objetivo analisar, por meio de um estudo
exploratório, as experiências realizadas no Estado do Espírito Santo e as justificações
múltiplas de ampliação do tempo de permanência das crianças em creches e/ou préescolas localizadas na área rural e nos centros urbanos. Os resultados preliminares
apontam que a oferta da educação infantil em tempo integral já é uma realidade nos
diferentes municípios capixabas, contudo, essa experiência tem apresentado cenários
ora contrastantes ora complementares ao reconhecimento da educação infantil como
primeira etapa da educação básica.
Palavras-chave: Educação infantil. Tempo integral. Políticas de educação infantil.
Introdução
1
Pesquisa financiada pelo MEC/FNDE.
1
A ampliação da jornada escolar vem se constituindo como uma política educativa nos
diferentes níveis de ensino e em várias regiões do país. Não obstante as implicações
conceituais em torno do que se entende por “educação integral”, “tempo integral”,
“escola em tempo integral” ou “ampliação da jornada escolar”, o que podemos observar
é uma demanda crescente por maior tempo de permanência das crianças, adolescentes e
jovens na escola. Tal questão expõe um grande desafio à nossa histórica tradição escolar
brasileira de turnos parciais e com jornada de aulas de quatro horas.
Originariamente, a educação integral se constituiu como uma referência à educação
omnilateral – conceito de base marxista. Karl Marx não elaborou uma teoria ou
escreveu um tratado sobre a educação, mas há em sua obra importantes reflexões acerca
da educação e de sua relação com o trabalho como produção humana. A educação
omnilateral compreende a educação do homem integral, a educação voltada ao homem e
a formação da consciência revolucionária (MARX & ENGELS, 1983; MARX &
ENGELS, 2004).
Estes preceitos fundamentaram a obra de pensadores anarquistas que propunham uma
pedagogia libertária, a qual tinha como pressuposto a relação entre trabalho e educação.
E justamente esta relação vai marcar
as propostas de educação elaboradas pelos movimentos anarquistas. A
educação é vista como instrumento de transformação social e, se tem como
pressuposto a liberdade, seu fim efetivo consiste na realização da igualdade.
Para tanto, é necessário romper com a divisão entre trabalho manual e trabalho
intelectual, que se expressa também na dualidade escolar, nas diferenças entre
o que é ensinado às classes dominantes e ao proletariado, e contribui para a
reprodução das desigualdades sociais. O conceito de educação integral
desenvolve-se no âmbito dessas preocupações (MORAES, CALSAVARA e
MARTINS, 2012, p. 4).
Ainda que não tenha como foco principal a extensão do tempo escolar, mas uma
concepção de método de ensino que valoriza, além de outros conteúdos, atividades ao ar
livre e o contato com as diversidades presentes na cidade e na natureza, a chamada
“educação integral, racional e científica” já se constituía, desde o final do século XIX e
início do século XX uma reivindicação de movimentos de renovação pedagógica de
cunho libertário, sobretudo do movimento anarquista, em contraponto à educação
burguesa. Ainda de acordo com as autoras,
2
[...] o desenvolvimento do anarquismo iniciado na Europa e em vários países
do continente americano se dá no bojo das discussões sobre as condições de
trabalho a que estavam submetidos os operários no século XIX. A intrínseca
relação entre anarquismo e trabalho marca as propostas de educação elaboradas
pelos movimentos anarquistas. A educação é vista como instrumento de
transformação social e, se tem como pressuposto a liberdade, seu fim efetivo
consiste na realização da igualdade. (MORAES, CALSAVARA e MARTINS,
2012, p. 2).
No Brasil, a compreensão do movimento operário em ebulição desde os primeiros anos
do século XX, de que a falta de acesso ao conhecimento constituía-se um agravante para
manter a situação de exploração vivida pelos trabalhadores, provocou inúmeras críticas
aos métodos tradicionais, fazendo emergir mobilizações em torno da laicidade do
ensino, da educação democrática, igualitária e libertária. Tais mobilizações tinham
como pano de fundo um movimento anarquista reivindicatório de uma educação para se
contrapor aos pressupostos educativos destinados à educação escolar burguesa. Tempos
depois, no âmbito do modelo de escolarização da Escola Nova, podemos identificar um
movimento significativo de reformas pedagógicas empreendidas nos anos 20, que
dentre as várias reivindicações, voltava-se à defesa da implantação da “escola primária
integral” (RIBEIRO, 1989, p. 90).
Em 1932, vários intelectuais, signatários do movimento denominado “Pioneiros da
Escola Nova” elaboram um manifesto em defesa da educação pública, que apesar de
apresentar fundamentos teóricos de cunho liberal e afastar-se da idéia da educação
libertária e revolucionária, uma vez que enfatizavam a educação voltada ao
desenvolvimento das aptidões individuais e adaptada às necessidades e demandas da
sociedade em transformação, apresentam neste documento os princípios da educação
integral. Segundo os Pioneiros, a escola única deveria assegurar “o princípio do direito
biológico de cada indivíduo à sua educação integral”, cabendo
ao Estado a organização dos meios de o tornar efetivo, por um plano geral
de educação, de estrutura orgânica, que torne a escola acessível, em todos
os seus graus, aos cidadãos a quem a estrutura social do país mantém em
condições de inferioridade econômica para obter o máximo de
desenvolvimento de acordo com as suas aptidões vitais. Chega-se, por
esta forma, ao princípio da escola para todos, "escola comum ou única",
que, tomado a rigor, só não ficará na contingência de sofrer quaisquer
restrições, em países em que as reformas pedagógicas estão intimamente
ligadas com a reconstrução fundamental das relações sociais (TEIXEIRA,
1932).
3
Para os Pioneiros da Escola Nova a finalidade da educação era o desenvolvimento
integral do indivíduo, fundamentado nos “princípios científicos sobre os quais se pode
apoiar solidamente um sistema de educação” (TEIXEIRA, 1932). Este movimento
influenciou também a elaboração da Constituição Federal de 1934 e 1946 e a elaboração
da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 4024/61, apesar de
terem tido sua influência minimizada no segundo momento de elaboração desta Lei
quando os interesses privatistas se sobrepuseram ao movimento de defesa da escola
pública (ROMANELLI, 1999).
Ainda na década de 1930, surge o Movimento Integralista que defende a Educação
Integral, a partir dos escritos de Plínio Salgado e de outros militantes representativos do
Integralismo. Neste movimento as bases da Educação Integral “eram a espiritualidade, o
nacionalismo cívico, a disciplina, fundamentos que, no contexto de suas ações, podem
ser caracterizados como político-conservadores” (CAVALARI, 1999; COELHO, 2009).
Além das esparsas experiências ocorridas em torno da organização da chamada
“educação integral”, tais como, os internatos e aulas avulsas, só para citar alguns
exemplos ocorridos na história da educação brasileira, uma iniciativa considerada
pioneira no País é introduzida pelo educador Anísio Teixeira. Participante ativo do
“Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova” (1932) e sob forte influência do
pragmatismo e do pensamento escolanovista de John Dewey (1859-1952), Anísio
Teixeira propõe uma outra organização curricular para a Escola Nova nascente no Brasil
por meio da criação de escolas em turno integral com atividades divididas em dois
turnos por meio das chamadas “Escolas-Classe”, onde se trabalhava os conteúdos
escolares e no espaço denominado de “Escola-Parque”, onde eram possibilitadas às
crianças do Jardim de Infância realizar outros tipos de atividades no contraturno escolar.
Como Secretário de Educação e Cultura da Bahia, pode, então, concretizar a primeira
experiência de escola em tempo integral na educação pública com a criação do Centro
Educacional Carneiro Ribeiro em 1950 (BRASIL, 2009).
A oscilação entre os modelos educacionais propostos pela Pedagogia Tradicional,
Pedagogia Libertária e Pedagogia Nova, vai permanecer até a década de 1960. Com o
golpe militar de 1964, estes modelos cederão espaço à Pedagogia Tecnicista, que ao
4
contrário de uma educação integral, vai propor um modelo de formação unilateral, ou
seja, um modelo pautado na formação única e exclusivamente para o trabalho, em uma
dimensão taylorista-fordista. Aqui a educação é entendida como a transmissão de
técnicas, habilidades e conhecimentos necessários ao sistema produtivo. Este modelo
vai perdurar até a década de 1980, atendendo assim as demandas colocadas pelo
momento conhecido como “milagre brasileiro” – era de grande expansão e
desenvolvimento industrial.
Com o enfraquecimento do governo militar e a busca da redemocratização ocorrida a
partir da década de 1980, através do arrefecimento dos movimentos populares e de
trabalhadores, fim da censura, anistia política, abertura política, pluripartidarismo, a
política volta à cena e com as eleições de 1982 para todos os cargos administrativos e
legislativos, com exceção de Presidente da República, foram eleitos alguns
Governadores de Estado considerados de esquerda. Isto vai ser fundamental para a
volta da luta em defesa da escola pública, gratuita e de qualidade, a obrigatoriedade do
ensino, a valorização dos professores, a gestão democrática, que em 1988, torna-se um
princípio constitucional, e também para a retomada da idéia da educação integral e da
educação integral de tempo integral.
A experiência de implantação dos Centros Integrados de Educação Pública, conhecidos
por CIEPs – constituiu-se como uma das mais fortes expressões da Educação Integral
realizada no País. Concebida por Darcy Ribeiro no governo de Leonel Brizola no Rio de
Janeiro, no ano de 1983, contribuiu com a difusão da idéia da educação integral. Outro
exemplo foi o Programa de Formação Integral da Criança (PROFIC) em São Paulo,
durante os anos de 1986 a 1993, que objetivou ampliar o tempo de permanência das
crianças de famílias de baixa renda na escola com o intuito de expandir as condições
para um melhor aproveitamento escolar, aumentando assim os níveis de aprendizagem.
Durante o Governo do Presidente Fernando Collor de Mello, iniciado em 1990, foram
criados os Centros Integrados de Apoio à Criança – CIACs como parte do PRONAICA
- Programa Nacional de Atenção Integral a Criança e ao Adolescente que depois do
impeachment em 1993, sofre algumas modificações no seu projeto inicial que culminou
5
com a mudança dos CIAC’s criados por Collor, em CAIC’s - Centro de Atenção
Integral à Criança e ao Adolescente. Por meio dos CAIC’s pretendia-se criar
inicialmente em todo País uma rede de 5 mil estabelecimentos de ensino e assistência,
mas este propósito limitou-se somente à criação de 444 escolas (ESQUINSANI, 2003).
A partir destas principais experiências em torno da educação integral, muitas propostas
foram sendo criadas em âmbito municipal e estadual em todo o País.
Essas experiências e concepções permitem afirmar que a Educação Integral
se caracteriza pela ideia de uma formação “mais completa possível” para o
ser humano, embora não haja consenso sobre o que se convenciona chamar
de “formação completa” e, muito menos, sobre quais pressupostos e
metodologias a constituiriam. Apesar dessa ausência de consenso, é possível
afirmar que as concepções de Educação Integral, circulantes até o momento,
fundamentam-se em princípios político-ideológicos diversos, porém,
mantêm naturezas semelhantes, em termos de atividades educativas
(BRASIL, 2009, p. 16).
Como pudemos observar, na história da educação brasileira, diferentes manifestações
ideológicas e políticas surgiram em torno da “educação integral” ou da “escola
integral”, sem que isso implicasse, necessariamente, na reconfiguração do tempo de
permanência dos alunos na escola.
Quando os debates se presentificam em torno da idéia da “educação em tempo integral”
ou “escola em tempo integral” temos aí uma dupla provocação ao fenômeno
educacional: uma pela via da redefinição dos conteúdos e atividades escolares no turno
e contraturno e da reconfiguração da estrutura administrativa escolar (universalização x
critérios de matrículas, organização do tempo, financiamento, carga horária de trabalho,
contratação de profissionais e seleção de alunos) e outra, tão desafiadora quanto a
primeira, pelo critério motivador que justifica a necessidade de ampliação da jornada
escolar nas unidades de ensino.
Ainda que muitas dessas experiências não tenham conseguido sobreviver com o tempo
em função de vários fatores, o que vem ocorrendo no Brasil é um crescimento
vertiginoso da ampliação do tempo escolar e de iniciativas voltadas à educação em
tempo integral, nas escolas de educação básica (CAVALIERE, 2007), sobretudo no
ensino fundamental. Como forma de incentivar a ampliação da educação integral, o
governo federal criou, em 2008, o Programa Mais Educação destinado às escolas que
6
atendessem a maioria de alunos cadastrados no Programa Bolsa Família e com menos
de 3.5 pontos no Ideb – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica 2.
Instituído pela Portaria Normativa Interministerial nº. 17/2007, que tem por objetivo
fomentar a educação integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio de atividades
sócio-educativas no contraturno escolar, articuladas ao projeto de ensino desenvolvido
pela escola e dos processos escolares com outras políticas sócio-culturais, o Programa
Mais Educação é uma das metas do Plano de Desenvolvimento da Educação.
Atualmente 32 mil unidades de ensino fazem parte do Programa (MEC, 2012).
Ainda que sejam princípios orientadores do Programa Mais Educação a qualidade da
educação, a articulação da educação com outras políticas públicas, prevenção a
situações de violação dos direitos da criança e do adolescente, o que observamos é um
empenho significativo do Programa melhorar o desempenho escolar e ampliar a
permanência dos alunos na escola, sobretudo em territórios mais vulneráveis, com o
objetivo de reduzir os índices de evasão e reprovação escolar e de distorção idade/série.
Essa perspectiva, sem dúvida, desafia a concepção sistêmica de educação, uma vez que
o Programa está voltado exclusivamente para o ensino fundamental, sobretudo às
escolas com baixo Ideb e que atendem em sua maioria alunos cadastrados no Programa
Bolsa Família.
Quando esta questão é deslocada ao campo da educação infantil não há um programa
consolidado de âmbito federal. O que temos são iniciativas isoladas, motivadas,
sobretudo, pela reivindicação da família em colocar os filhos em unidades de tempo
integral ou por iniciativa próprias de governos. Ainda que alguns aspectos da matriz
discursiva do Programa Mais Educação parece inspirar a implementação do tempo
integral no âmbito da educação infantil, o que observamos é uma ênfase na ampliação
do tempo de permanência das crianças, sobretudo naquelas instituições cujos territórios
se encontram em áreas mais vulneráveis decorrentes da pobreza e em função dos
chamados “riscos sociais” que ameaçam os direitos das crianças pequenas.
2
Índice de qualidade da educação básica instituído pelo Ministério da Educação no ano de 2007. Esse
índice é obtido a partir do cruzamento de duas variáveis: taxa de aprovação dos alunos e desempenho na
Prova Brasil, e seus resultados são apresentados numa escala de zero a dez.
7
Embora grande parte dos efeitos da tradição assistencialista de educação infantil
continua a se perpetuar como um elemento forte de promoção de ampliação do tempo
de permanência das crianças nas instituições educativas, principalmente nas creches, a
extensão desses efeitos tem ameaçado a tênue experiência da educação infantil como
primeira etapa da educação básica, ora porque a ampliação do tempo das crianças em
creches e pré-escolas tem se constituído unicamente pelo viés da reivindicação familiar
ou do apelo das promessas políticas; ora pelo viés da reprodução do modelo do ensino
fundamental comumente adotado.
Por diferentes motivações, tais experiências, se apresentam pouco consistentes sob o
ponto de vista teórico e metodológico (SANTOS, 2010; MARCHIORI, 2011), realidade
esta que tem influenciado significativamente as relações estabelecidas dos adultos com
as crianças, a forma como a educação infantil tem se constituído como uma política
pública e como primeira etapa da educação básica, o modo como o currículo tem
orientado as práticas pedagógicas destinadas às crianças pequenas das creches e das préescolas, só para citar algumas dessas constatações.
A hipótese de que a experiência da educação integral na educação infantil se mantém
principalmente sob a égide da ampliação do tempo de permanência da criança na
instituição é um anúncio do quão se fazem necessários estudos e pesquisas que nos
permitam compreender os diferentes desafios e motivações que têm se constituído em
torno da demanda de ampliação do tempo integral ou da educação em tempo integral na
educação infantil. Portanto, uma análise mais apurada dos diferentes processos que vem
ocorrendo em torno da organização e implementação dessas propostas é um caminho
importante para subsidiar as políticas de educação infantil.
Com o intuito de compreender as concepções, motivações e estratégias que se
configuram em torno do atendimento da educação infantil em tempo integral, esta
pesquisa tem com o objetivo de identificar e analisar, por meio de um estudo
exploratório, as experiências existentes em diferentes cidades do Estado do Espírito
Santo, cujos contextos diversos (creches e pré-escolas públicas localizadas no campo e
nos centros urbanos), tem feito emergir formas institucionalizadas e justificações
8
múltiplas de ampliação do tempo de permanência das crianças em creches e/ou préescolas.
A expansão das creches e pré-escolas continua a ser um tema inquietante, sobretudo se
considerarmos os efeitos da afirmação de direitos consagrados pela Constituição de
1988, as mobilizações sociais em torno dos direitos da criança pequena, as
reivindicações do movimento de mulheres, as novas responsabilidades públicas e
obrigações dos municípios com a educação infantil (CAMPOS, ROSEMBERG,
FERREIRA,1995). Contudo, num contexto onde as lutas pela universalização da
educação infantil reatualizam debates e colocam em xeque a capacidade do Estado de
promover novas interlocuções públicas em torno da educação infantil como primeira
etapa da educação básica, o que percebemos é um quadro eivado de disparidades onde a
negação de direitos expõe as evidências de uma cidadania inconclusa e demiurga. Se a
universalização da educação infantil ainda constitui-se uma luta inacabada, sobretudo se
considerarmos a histórica invisibilização das crianças de zero a três anos de idade na
sociedade brasileira, quando os olhares se voltam para a expansão da educação em
tempo integral em creches e pré-escolas, novas interpelações por políticas públicas
surgem no horizonte da reivindicação e da ampliação de direitos. É justamente a
possibilidade problematizadora dessas questões que nos permitirá adentrar com maior
profundidade no terreno conflituoso que cerca a demanda por ampliação do tempo de
permanência das crianças nas unidades de educação infantil, traduzida como política
pública.
Segundo dados do MEC/INEP (2011) o número de Estabelecimentos das redes federal,
estadual, municipais e privada que ofertam creches e pré-escolas correspondem:
Número de Estabelecimentos de oferta de Creche e Pré-Escola das redes federal,
estadual, municipal e privada (2011) - Brasil, Sudeste e Espírito Santo
BRASIL
Creche
Pré-escola
9
Federal
Estadual
Municipal
Privada
Total
19
158
28.417
20.048
48.642
19
1.186
79.094
25.993
106.292
SUDESTE
Creche
Pré-escola
Federal
Estadual
Municipal
Privada
Total
7
32
8.887
11.362
20.288
8
49
15.276
11.546
26.879
ESPIRITO SANTO
Creche
Pré-escola
Federal
Estadual
Municipal
Privada
Total
Fonte: MEC/INEP 20113
1
0
659
149
809
1
0
1.161
236
1.398
Quanto ao o número de estabelecimentos que atendem creches em tempo integral, o
Estado do Espírito Santo atende 81%, enquanto na pré-escola o percentual de
atendimento é de 19%. Quando analisamos a matrícula inicial no tempo parcial na
creche, o Estado aparece com a segunda colocação da Região Sudeste, seguida do
Estado de São Paulo, enquanto na matrícula inicial em tempo integral na creche, o
Espírito Santo conta com a menor oferta.
Ainda que alguns dados apresentem elementos importantes de análise, não foi
considerado no Censo Escolar o número de estabelecimentos que mesmo não se
denominando como uma instituição em tempo integral possui uma ou mais turmas na
creche ou na pré-escola com estas características. Essas experiências sem dúvida
expõem variáveis importantes de serem investigadas. Como exemplo, podemos citar o
contexto da cidade de Vitória/ES. Embora não estejam incluídas nas estatísticas do
INEP- Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais, existem turmas em tempo integral
na maioria das unidades de educação infantil, além de outras formas de atendimento em
3
http://portal.inep.gov.br/basica-censo
10
tempo integral que estão localizadas fora da instituição de educação infantil, mas
articuladas a ela.
Desenvolvimento do projeto
Com o objetivo de analisar as concepções, motivações e estratégias que se configuram
em torno dos processos de organização e implementação do atendimento do tempo
integral nas creches e nas pré-escolas como subsídios às políticas de educação infantil,
esta pesquisa teve como objetivos principais: a) identificar os fatores de natureza
econômica, administrativa, educacional, social e política que motivam a organização e
implementação da educação infantil em tempo integral nas creches e pré-escolas; b)
investigar os efeitos/consequências da educação infantil em tempo integral na vida das
crianças e de suas famílias, na organização e administração escolar e nas práticas
pedagógicas; c) compreender os significados atribuídos pelas crianças, famílias,
professores, gestores escolares e Secretarias de Educação à experiência da creche e préescola em tempo integral; d) identificar as relações que se estabelecem entre a
experiência da educação infantil em tempo integral, o espaço doméstico e as relações de
trabalho.
Considerando a diversidade dos contextos a serem investigados, esta pesquisa teve
como ponto de partida inicial a realização de um estudo exploratório de natureza quantiqualitativa sobre as concepções, motivações e estratégias que se configuram em torno
da organização e do atendimento em tempo integral nas creches e nas pré-escolas, com
a perspectiva de formalizar subsídios à implementação de políticas no campo da
educação infantil.
Foram propostas duas fases para a recolha dos dados. A primeira fase do estudo
exploratório constituiu-se da aplicação de um questionário a todos os municípios
capixabas, numa tentativa de extrair alguns elementos que subsidiariam as etapas
seguintes da pesquisa. A sistematização das questões encaminhadas por 94% dos
municípios respondentes contribuiu para caracterizar melhor os contextos e identificar o
quantitativo de atendimento da educação infantil em termos de matrícula inicial e
número de instituições (campo e centro urbano, tempo parcial e integral, creche e pré-
11
escola). A partir destes dados, foram estabelecidos critérios mais rigorosos de escolha
dos municípios a serem investigados in loco, de acordo com os objetivos propostos.
Para a seleção dos municípios considerados na segunda fase da pesquisa, foram
utilizadas as referências aplicadas pelo Governo do Estado do Espírito Santo na
definição das Microrregiões e Macrorregiões do Estado.4 Na tentativa de contemplar um
município em cada microrregião, os critérios para a escolha dos dez municípios
selecionados foram adotados de acordo com os quesitos previstos em uma escala de
prioridade: 1) Oferta de Educação Infantil em Tempo Integral na área urbana e rural; 2)
Municípios que possuem instituições que ofertam Educação Infantil (0 a 6 anos)
exclusivamente em Tempo Integral; 2.1. Municípios que possuem instituições que
ofertam Educação Infantil (0 a 6 anos) exclusivamente em Tempo Integral levando em
consideração maior número de instituições do município; 3) Municípios que possuem
instituições que ofertam pelo menos uma das etapas da Educação Infantil (creche ou
pré-escola) em Tempo Integral. Os municípios selecionados representam as seguintes
Microrregiões: Metropolitana (Vitória), Rio Doce (Linhares); Central Serrana (Santa
Leopoldina), Litoral Sul (Anchieta); Sudoeste Serrana (Domingos Martins), Nordeste
(Pinheiros), Centro Oeste (Vila Valério), Noroeste (Barra de São Francisco), Centro Sul
(Castelo), Caparaó (Ibatiba).
Os dados preliminares obtidos nesta primeira fase da pesquisa apontam que a oferta da
educação infantil em tempo integral já é uma realidade nos diferentes municípios
capixabas. A matrícula inicial das crianças nas creches em tempo parcial é de 67,6%,
em tempo integral é de 32,4%. Na pré-escola, o atendimento às crianças no tempo
parcial em relação ao tempo integral é ainda maior, pois apenas 7,5% dessas crianças
possuem a matricula inicial no tempo integral, o que demonstra uma focalização de
atendimento em tempo parcial na pré-escola. Comparando a matrícula inicial em tempo
integral nas creches e nas pré-escolas obtivemos os seguintes dados: matrículas na
creche tempo integral (32,4% das crianças) e matrículas na pré-escola tempo integral
(7,5% das crianças). Quanto ao quantitativo de instituições que atendem exclusivamente
4
A divisão dos municípios capixabas em Microrregiões e Macrorregiões está prevista na Lei Estadual nº 9.768/11.
12
o tempo integral identificamos 23,5% de atendimento nas creches e 7,4%, nas préescolas.
Por meio da análise de variância- ANOVA (estatística paramétrica que permite a análise
de equivalência das médias alcançadas pelos diferentes grupos em relação ao construto
investigado) foi possível identificar as diferenças em relação às matrículas iniciais das
crianças nas creches em tempo integral nas diferentes microrregiões do estado. O
resultado do procedimento ANOVA sugere que existe diferença, de pelo menos uma
das microrregiões, em relação ao percentual médio de estudantes matriculados nas
creches em tempo integral (F(9,59)=3,793; p=0,001). Quando estabelecemos uma
análise complementar através da interpretação do gráfico 1, percebemos que a região
metropolitana apresenta o menor percentual médio de estudantes matriculados em
tempo integral nas creches.
GRÁFICO 1- Percentual médio de matrícula em tempo integral na creche nas microrregiões do Estado
13
Utilizando um teste similar, o Kruskall-Wallis (estatístca não-paramétrica que também
permite comparar a equivalência de média entre os grupos) e por meio da análise do
gráfico 2, constatamos que não existe diferença entre as microrregiões em relação ao
percentual médio de matrículas iniciais na pré-escola em tempo integral (χ2(9)=4,739;
p=0,856) . Todas as microrregiões apresentam um percentual médio baixo de crianças
matriculadas em tempo integral na pré-escola.
GRÁFICO 2- Percentual médio de matrícula em tempo integral na pré-escola nas microrregiões do Estado
A partir dos dados coletados e analisados nesta primeira fase da pesquisa algumas
questões necessitam ser investigadas: Como interpretar tais evidências? Quais as
características da microrregião metropolitana que se diferenciam das demais
microrregiões em relação à oferta da creche em tempo integral? Por que a matrícula em
tempo integral é inferior na pré-escola? Que concepção de educação infantil está
implícita nestes dados? Quais são as motivações das políticas educacionais
considerando os contextos investigados?
Se na primeira fase do estudo exploratório pudemos identificar, ao menos em seus
aspectos mais gerais, a configuração do atendimento da educação infantil, seja em
tempo parcial, seja em tempo integral, para a segunda fase (em andamento) foram
14
indicadas duas instituições de educação infantil em cada um dos dez municípios
selecionados, obedecendo, assim, os seguintes critérios de escolha: 1) Possuir
instituição em área urbana e na área rural; 2) Contar com atendimento em creche e em
pré-escola exclusivamente em tempo integral; 3) Contar com atendimento em creche e
pré-escola simultaneamente em tempo integral e parcial. Caso, tais municípios
selecionados não contemplem o atendimento simultaneamente em creche ou pré-escola,
será realizado um sorteio para se definir a instituição em que se realizará a pesquisa.
Como sujeitos da pesquisa, privilegiamos as crianças e seus respectivos pais e/ou
responsáveis, professores, gestores das unidades de educação infantil e Secretários de
Educação. Para a recolha das vozes das crianças foi adotada uma estratégia diferenciada
junto a seis crianças com idades de três e cinco anos de idade vinculadas às famílias
selecionadas. Considerando a diversidade dos contextos e dos sujeitos, foram
observadas as seguintes variáveis:
Variável Professor
Tempo de profissão, tempo de atuação na educação infantil, tempo de atuação
no tempo integral, formação inicial (ano de conclusão).
V1 – Caracterização dos processos e dispositivos utilizados para e na
implementação do tempo integral na educação infantil;
V2 – Atividades predominantes no trabalho com crianças matriculadas em tempo
integral;
V3 – Possíveis mudanças e/ou efeitos evidenciados com a implementação do tempo
integral: na organização do tempo e espaço escolar? Na vida das crianças? Na
experiência pedagógica;
V4 – Identificação dos desafios encontrados no trabalho com o tempo integral
Variável Gestor
Tempo na gestão da educação infantil, formação inicial (ano de conclusão), tempo de
gestão na instituição de educação infantil ou tempo de gestão na Secretaria de
Educação.
V1- Fatores de natureza administrativa que corroboram e interferem na experiência da
educação infantil em tempo integral;
15
V2 - Fatores de natureza pedagógica que corroboram e interferem na experiência da
educação infantil em tempo integral;
V3 - Fatores de natureza orçamentária/financeira que corroboram e interferem na
experiência da educação infantil em tempo integral;
Variável Família
Idade do responsável, raça/cor, gênero do responsável, ocupação do
responsável/local de trabalho, renda familiar, residência (bairro), nível de
escolaridade do responsável, número de pessoas que constituem a família,
beneficiário de algum programa federal.
V1 – Fatores de natureza econômica, educacional, social e/ou cultural que motivaram a
matrícula na educação infantil em tempo integral;
V2 – Prescrições e normativas acerca da experiência da educação infantil em creches e
pré-escolas
Variável Criança
Raça/cor, gênero, residência (bairro), tempo de permanência no tempo integral, quanto
tempo matriculado no tempo integral, idade das crianças.
V1 – Motivos da permanência na creche/pré-escola em tempo integral;
V2 – A percepção da criança em relação ao tempo integral
Considerações finais
As diferentes experiências que se configuram em torno da ampliação do “tempo
integral” ou da “educação em tempo integral na educação infantil”, as polarizações em
torno das finalidades expressas da educação infantil e do ensino fundamental, as
disparidades de investimento público na educação infantil, os desafios em torno da
universalização da educação infantil, a obrigatoriedade da matrícula na pré-escola, as
exigências da vida contemporânea culminando com a inserção crescente da mulher no
mercado de trabalho, as responsabilidades públicas em torno do combate à pobreza, a
ampliação e reconhecimento das crianças como sujeitos de direitos, são algumas das
evidências do quanto a educação infantil em tempo integral precisa ser analisada com o
16
objetivo de aprimorar as políticas públicas destinadas às crianças pequenas. Ainda que a
ampliação do tempo de permanência das crianças na educação infantil não seja um tema
atual, os desdobramentos de natureza política, pedagógica, econômica e social que
emerge dessa experiência nos provocam a compreender melhor os nexos de uma
realidade que continua a alojar os paradoxos e os desafios de nossa educação e de nossa
sociedade.
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