ICMS E OS ENCARGOS DECORRENTES DE CONTRATOS DE CONEXÃO E DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA – CONVÊNIO ICMS n° 117/2004 Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli Advogado Mestre e Doutorando pela PUC/SP Professor da PUC/COGEAE e do IBET Professor da FGV-LAW Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo 1. O propósito deste trabalho é examinar a legalidade da cobrança do ICMS sobre os denominados encargos originados da celebração de contratos de conexão e de uso dos sistemas de transmissão de energia elétrica, tal qual estabelecido pelo Convênio ICMS n° 117, de 2004 e respectivas alterações levadas a efeito pelos Convênios ICMS n° 59 e 135, ambos de 2005. I – DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA ENERGIA ELÉTRICA NO NÍVEL CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 2. É cediço que a Constituição Federal de 1988 trouxe para o âmbito das competências estaduais e municipais um grande rol de incidências tributárias que, até então, pertenciam à União Federal. 3. No tocante aos Estados e ao Distrito Federal, certamente, as que mais contribuíram para o acentuado aumento da arrecadação foram as competências para tributar as operações e serviços pertencentes aos antigos monopólios federais, dos quais destacam-se as operações com energia elétrica 1, combustíveis, petróleo e seus derivados e os serviços de comunicações. 1 Os dispositivos, abaixo transcritos, demarcam a nova competência outorgada pela CF/88 aos Estados e ao Distrito Federal, relativamente às operações com energia elétrica: “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: 2 4. De fato, na Constituição de 1967, alterada pela Emenda Constitucional n° 1, de 1969, as operações com energia elétrica estavam sujeitas apenas e tão somente ao então denominado Imposto Único sobre Energia Elétrica – IUEE, previsto no inciso VIII, do respectivo art. 21, vazado nos seguintes termos: “Art. 21. Compete à União instituir imposto sobre: (...) VIII - produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos ou gasosos e de energia elétrica, imposto que incidirá uma só vez sobre qualquer dessas operações, excluída a incidência de outro tributo sobre elas;” 5. Tal incidência estava também devidamente regulada no art. 74, do Código Tributário Nacional – CTN, a saber: “Art. 74. O imposto, de competência da União, sobre operações relativas a combustíveis, lubrificantes, energia elétrica e minerais do País tem como fato gerador: (...) III - a circulação, como definida no artigo 52; (...) § 2º O imposto incide, uma só vez sobre uma das operações previstas em cada inciso deste artigo, como dispuser a lei, e exclui quaisquer outros tributos, sejam quais forem sua natureza ou competência, incidentes sobre aquelas operações.” (...) X - não incidirá: b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica; § 3º À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País. Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: “Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores. (...) 9º - Até que lei complementar disponha sobre a matéria, as empresas distribuidoras de energia elétrica, na condição de contribuintes ou de substitutos tributários, serão as responsáveis, por ocasião da saída do produto de seus estabelecimentos, ainda que destinado a outra unidade da Federação, pelo pagamento do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias incidente sobre energia elétrica, desde a produção ou importação até a última operação, calculado o imposto sobre o preço então praticado na operação final e assegurado seu recolhimento ao Estado ou ao Distrito Federal, conforme o local onde deva ocorrer essa operação.” (g.n.) 3 6. Interessa à presente traçar mais alguns detalhes a respeito de significado jurídico-tributário de operações e de circulação, até porque, tratando-se de conceitos técnico-normativos, é assente a orientação da Suprema Corte, firmada nos autos do Recurso Extraordinário n° 166.772/RS2, de que o processo de interpretação dos respectivos textos prescritivos deve considerar os limites semânticos de cada um. 7. Relativamente à circulação, este dispositivo remete o leitor ao previsto no art. 52 do mesmo Diploma Tributário que, por sua vez, fora revogado em 1968 pelo Decreto-lei n° 406, responsável pela normatização do então ICM até o advento da Lei Complementar n° 87/96, editada já sob o império da Carta de 1988. 8. Tal revogação, entretanto, em nada interfere na finalidade desta transcrição, porque o que se pretende, agora, é justamente evidenciar os limites semânticos da circulação para fins da incidência do ICM, posto que, para a CF/67 e o CTN, houve expressa assemelhação entre os respectivos fatos geradores deste imposto com o do IUEE, haja vista que ambos oneravam as operações de circulação de certos tipos de bens móveis. 9. Vejamos, então. 10. Nos primeiros anos após a instituição do ICM ocorreram significativos questionamentos a respeito do fato gerador deste imposto, sustentando o fisco estadual, de um lado, que o mesmo abarcaria toda e qualquer movimentação relacionada com mercadorias, bastando identificar-se nas mesmas algum conteúdo econômico. 11. De outro lado figuravam os contribuintes e a quase unanimidade da doutrina nacional, pregando o alargamento do campo de incidência deste imposto, se comparado ao anterior IVC3, mas não o suficiente para enquadrar a pretensão dos Estados. 12. Esta segunda posição admitia que o campo de incidência do ICM seria bem maior que o do IVC4, posto que compreenderia todas as operações que implicassem a efetiva transferência da titularidade jurídica da mercadoria. Logo, 2 “INTERPRETAÇÃO - CARGA CONSTRUTIVA - EXTENSÃO. Se é certo que toda interpretação traz em si carga construtiva, não menos correta exsurge a vinculação a ordem jurídico-constitucional. O fenômeno ocorre a partir das normas em vigor, variando de acordo com a formação profissional e humanística do intérprete. No exercício gratificante da arte de interpretar, descabe "inserir na regra de direito o próprio juízo - por mais sensato que seja - sobre a finalidade que "conviria" fosse por ela perseguida" - Celso Antonio Bandeira de Mello - em parecer inédito. Sendo o Direito uma ciência, o meio justifica o fim, mas não este aquele. CONSTITUIÇÃO - ALCANCE POLÍTICO - SENTIDO DOS VOCÁBULOS - INTERPRETAÇÃO. O conteúdo político de uma Constituição não é conducente ao desprezo do sentido vernacular das palavras, muito menos ao do técnico, considerados institutos consagrados pelo Direito. Toda ciência pressupõe a adoção de escorreita linguagem, possuindo os institutos, as expressões e os vocábulos que a revelam conceito estabelecido com a passagem do tempo, quer por força de estudos acadêmicos quer, no caso do Direito, pela atuação dos Pretórios”. 3 Imposto sobre Vendas e Consignações – IVC, previsto na Constituição de 1946 até o advento da Emenda Constitucional – EC n° 18, de 1965, que onerava somente os contratos de venda e compra e os de consignação mercantil. 4 Este entendimento restou expressamente confirmado pelo STF, quando do julgamento do Recurso Extraordinário n° 70.613, publicado na RTJ 58/360. 4 não estava limitado apenas àquelas operações originadas de contratos de venda e compra e de consignação mercantil. 13. Porém, discordava que o fato gerador do ICM fosse interpretado somente com apoio em critérios econômicos, porque deveria haver, necessariamente, negócios jurídicos traslativos da propriedade da mercadoria, afastando, assim, por exemplo, a mera movimentação entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo contribuinte (pessoa jurídica ou física). 14. Após longa celeuma, a segunda corrente prevaleceu no Supremo Tribunal Federal, levando-o à edição da Súmula 5735, com o seguinte teor: “Não constitui fato gerador do ICM e saída física de máquinas, utensílios e implementos a título de comodato.” 15. Exatamente pelo fato de o contrato de comodato não prever a transferência da titularidade jurídica do respectivo bem negociado, firmou o STF a orientação de que tal situação não ensejaria a concretização do fato gerador do ICM. 16. Ainda que tenha tratado dos efeitos tributários decorrentes da celebração do comodato, é incontestável que, a partir daí, consolidaram-se os limites do campo de incidência deste imposto no âmbito daquela Corte. 17. E, tendo como função primordial dar os contornos constitucionais das incidências tributárias é perfeitamente possível concluir que, até por força do exigido pelo próprio art. 52, do CTN, o fato gerador do IUEE, relativo à circulação de energia elétrica, também requeria a realização de negócios jurídicos (contratos bilaterais) traslativos de sua propriedade. 18. Desta feita, a entrega da energia elétrica para seu adquirente que, nos termos dos mencionados dispositivos da CF/67, do CTN e, ainda, do art. 3°6, da Lei n° 2.308, de 23/08/54, ensejava o respectivo fato gerador do IUEE, deve ser interpretada como aquela necessariamente originada de vínculo obrigacional que impunha a sua tradição entre pessoas físicas ou jurídicas diversas. 19. Ora, considerando que foi esta a competência outorgada aos Estados a partir da vigência da Constituição de 1988, há que se admitir que o espectro de incidência do ICMS possui as mesmas limitações que se aplicavam ao IUEE, pelo menos no que diz respeito à incidência sobre as referidas operações com energia elétrica, que é o que se trata na presente. 20. Vale dizer, se para o IUEE a incidência sobre operações com energia elétrica exigia a transferência da respectiva titularidade jurídica, até porque, como visto acima, o CTN fazia expressamente a assemelhação deste imposto 5 Apenas para registrar que nada se alterou no cenário jurisprudencial atual, a Súmula 166 do STJ firma entendimento idêntico a este do STF. Confira-se: “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.” 6 Esta lei instituiu o IUEE. Sua redação é a seguinte: “Art. 3º A energia elétrica entregue ao consumo é sujeita ao imposto único, cobrado pela União sob a forma de imposto de consumo, pago por quem a utilizar.” 5 com o antigo ICM, o atual ICMS não pode ter campo de incidência distinto e muito maior do que aquele, como pretendem os Estados. 21. Poder-se-ia contra-argumentar no sentido de que se pretenderia, com isto, recorrer ao método da interpretação histórica para delimitar o campo de incidência do ICMS firmado pela Carta de 1988. 22. Este contra-argumento procede, pois é exatamente isto que se faz neste momento. Porém, é preciso salientar que o emprego deste recurso hermenêutico tem uma razão bastante forte, qual seja, a de que é justamente este método interpretativo que, por várias vezes, foi o adotado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal para examinar inúmeras inconstitucionalidades, sendo várias delas relativas ao próprio campo de incidência do ICMS. 23. Com efeito, no julgamento da Medida Cautelar na ADIn nº 2.010/DF, que declarou a inconstitucionalidade da tributação das pensões dos aposentados, o Plenário daquele Tribunal, seguindo voto do Exmo. Ministro Celso de Mello, firmou a seguinte orientação em relação ao emprego da interpretação histórica: “(...) Debates Parlamentares e Interpretação da Constituição. - O argumento histórico, no processo de interpretação constitucional, não se reveste de caráter absoluto. Qualificase, no entanto, como expressivo elemento de útil indagação das circunstâncias que motivaram a elaboração de determinada norma inscrita na Constituição, permitindo o conhecimento das razões que levaram o constituinte a acolher ou a rejeitar as propostas que lhe foram submetidas. Doutrina. - O registro histórico dos debates parlamentares, em torno da proposta que resultou na emenda constitucional nº 20/98 (PEC nº 33/95), revela-se extremamente importante na constatação de que a única base constitucional - que poderia viabilizar a cobrança, relativamente aos inativos e aos pensionistas da união, da contribuição de seguridade social foi conscientemente excluída do texto, por iniciativa dos próprios líderes dos partidos políticos que dão sustentação parlamentar ao governo, na câmara dos deputados (comunicado parlamentar publicado no diário da câmara dos deputados, p. 04110, edição de 12/2/98). O destaque supressivo, patrocinado por esses líderes partidários, excluiu, do substitutivo aprovado pelo senado federal (PEC nº 33/95), a cláusula destinada a introduzir, no texto da constituição, a necessária previsão de cobrança, aos pensionistas e aos servidores inativos, da contribuição de seguridade social. (...)” (Julgado em 30/09/99 – DJU, de 12/04/2002) 24. Não se alegue que a aplicação da interpretação histórica naquele julgado tenha sido uma manifestação isolada da Suprema Corte, porquanto, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 255.111-2/SP (Julgado em 29/05/02 – DJU, de 13/12/2002)) este mesmo Tribunal, também por sua composição plenária, declarou a inconstitucionalidade do IPVA sobre a propriedade de embarcações e aeronaves, sob o argumento de que este imposto, quando ainda vigorava a Carta de 1967/69, era de competência exclusiva da União Federal, sendo que, naquela época, jamais se cogitou deste tipo de incidência, até porque a sua origem recairia na 6 denominada Taxa Rodoviária Única - TRU que, como o próprio nome diz, onerava apenas os veículos de transporte rodoviário, excluídos, portanto, os aquáticos e aéreos. 25. Anteriormente, quando do julgamento da ADIn nº 1089/DF7 (ocorrido em 29/05/96 – DJU, de 27/06/97), esta Corte Constitucional, sob a lavra do voto do Exmo. Ministro Francisco Resek, decretou a invalidade da incidência do ICMS sobre os serviços de transporte aéreo de cargas e fundamentou seu entendimento no fato de que, historicamente, os transportes tributados por impostos federais jamais atingiram o aéreo, como havia sido pretendido pelos Estados. Portanto, não poderia haver a criação de uma nova incidência, principalmente porque derivada de convênios estaduais!! 26. Ora, mutatis mutandis, a situação em discussão neste trabalho tem o mesmo pano de fundo daquele tratado na ADIn n° 1089/DF, posto que, semelhantemente à questão do transporte aéreo de cargas, jamais se cogitou a possibilidade de o ICMS tributar, como se fossem operações com energia elétrica, os encargos relacionados à conexão e ao uso dos sistemas de transmissão e de distribuição. 27. E veja-se a semelhança destes casos. Tanto naquela oportunidade quanto na presente o instrumento utilizado para viabilizar a cobrança do imposto foi o de um mero convênio que, como visto, não possui fundamento constitucional para este fim. 28. Isto porque, como já se demonstrou, o campo de incidência do ICMS que se projeta sobre as operações com energia elétrica requer, para a concretização do respectivo fato gerador, (i) a celebração de contratos que, necessariamente, impliquem a transferência de sua propriedade, e (ii) que referidos contratos tenham por objeto o bem móvel energia elétrica e não qualquer outro tipo de bem ou serviço. 29. Desta forma, se a própria competência versada na Constituição de 1988 não contempla outras hipóteses de incidência que não aquelas estritamente relacionadas com operações de compra e venda de energia elétrica, os convênios não podem inovar a este respeito, exatamente como fora apontado pelo STF naquele caso do transporte aéreo. 30. Como ainda será melhor esclarecido nas linhas que seguem, estes contratos (de conexão e de transmissão) não garantem para as respectivas contratantes qualquer elétron de energia elétrica, porquanto visam apenas proporcionar a utilização de redes (fios de alta tensão) por meio das quais realiza-se a conexão e a transmissão da energia contratada de produtores. 31. O objeto contratado, portanto, é totalmente diverso, figurando, inclusive, pessoas jurídicas também distintas. 7 “EMENTA: TRANSPORTE AÉREO. ICMS. Dada a gênese do novo ICMS na Constituição de 1988, tem-se que sua exigência no caso dos transportes aéreos configura nova hipótese de incidência tributária, dependente de norma complementar à própria carta, e insuscetível, à luz de princípios e garantias essenciais daquela, de ser inventada, mediante convênio, por um colegiado de demissíveis ad nutum. Procedência da ação direta com que o Procurador-Geral da República atacou o regramento convenial da exigência do ICMS no caso dos transportes aéreos.”. . 7 32. Desta feita, considerando que com a promulgação da CF/88 foi transferida para os Estados e para o Distrito Federal a competência para tributar a energia elétrica, até então detida pela União Federal, tal competência restringiu-se às respectivas operações, entendidas como aquelas em que o bem móvel negociado, por pessoas diversas, é a própria energia. 33. E, para finalizar este tópico, oportuno que se diga que o STF também já possui, de longa data, interpretação assente a respeito dos limites jurídico-semânticos do vocábulo operações, conferindo-lhe o sentido relacionado à realização de ato jurídico mercantil firmado entre pessoas diversas. 34. A propósito, confira-se as seguintes decisões: Ementa: - Imposto Sobre Circulação de Mercadorias Deslocamento De Coisas - Incidência - Artigo 23, Inciso II da Constituição Federal anterior. O simples deslocamento de coisas de um estabelecimento para outro, sem transferência de propriedade, não gera direito à cobrança de ICM. O emprego da expressão "operações", bem como a designação do imposto, no que consagrado o vocábulo "mercadoria", são conducentes à premissa de que deve haver o envolvimento de ato mercantil e este não ocorre quando o produtor simplesmente movimenta frangos, de um estabelecimento a outro, para simples pesagem. (STF, 2ª Turma, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n° 131.941/SP, DJU, de 19/04/91, pág. 932) I.C.M. Não constitui fato gerador do I.C.M. o deslocamento da cana própria do estabelecimento produtor para o industrial da mesma empresa, por não haver no caso, circulação econômica, e jurídica, mas tão-somente física. Precedentes do S.T.F.. Representações n.s 1181, Rel. Min. Rafael Mayer, 1292, Rel. Min. Francisco Rezek e 1355, Min. Oscar Correa. Recurso Extraordinário não conhecido.” (STF, 2ª Turma, Recurso Extraordinário n° 113.090/PB, DJU, de 12/06/1987, pág. 11863) 35. Sendo assim, demonstra-se inexistir competência constitucional para que o ICMS abranja, em sua hipótese de incidência, tais contratos que tenham por objeto a conexão e o uso das redes de transmissão de energia elétrica. II – DOS ENQUADRAMENTOS NORMATIVOS DAS ATIVIDADES DE ENERGIA ELÉTRICA NO NÍVEL INFRACONSTITUCIONAL II.1 – DO ENQUADRAMENTO DA ENERGIA ELÉTRICA COMO BEM MÓVEL 36. Muito embora, no passado, muito se discutiu a respeito da natureza jurídica da energia elétrica, o cenário normativo atual apresenta quadramento específico para a mesma que, portanto, torna-se o devido parâmetro para o início de qualquer análise jurídica que se pretenda realizar, especialmente se voltada para os respectivos reflexos fiscais desta qualificação. 8 37. De fato, com a edição do novo Código Civil (Lei n° 10.406/02), a energia, como gênero, recebeu tratamento normativo típico, tendo sido inserida no rol dos bens móveis, conforme estabelecido no inciso I, do seu art. 83, cuja redação é a seguinte: “Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais: I - as energias que tenham valor econômico;” 38. Sendo este o tratamento do gênero, a espécie, do tipo elétrica, insere-se no mesmo contexto normativo. 39. Isto é de extrema importância, porque a classificação da energia elétrica como bem móvel implica outras conseqüências relevantíssimas para as conclusões que se pretende alcançar neste trabalho. 40. Principalmente pelo fato de que, nos termos do art. 109 e art. 110 8, do CTN, as definições e conceitos firmados pelo direito privado não podem ser desconsiderados pela legislação tributária que, neste aspecto, deve restringir-se apenas e tão somente à determinação dos respectivos efeitos fiscais. Nada mais! 41. A primeira conseqüência a ser destacada é que a negociação da energia elétrica realiza-se, impreterivelmente, com suporte em contratos de compra e venda, cuja base normativa está originariamente prevista no Código Civil. Confirma-se, assim, o sentido de operação indicado no tópico anterior. 42. Com efeito, qualificando-se o adquirente da energia na categoria de consumidor livre, autoriza-lhe a legislação de regência a adquirir energia elétrica no denominado Ambiente de Contratação Livre – ACL9 que se caracteriza pela liberdade de contratar este insumo (energia) em condições e preços previamente pactuados pelas partes interessadas. 43. 15/03/04 10 Diz o parágrafo 3°, do art. 1°, da Lei Federal n° 10.848, de , o seguinte: “Art. 1o A comercialização de energia elétrica entre concessionários, permissionários e autorizados de serviços e instalações de energia elétrica, bem como destes com seus consumidores, no Sistema Interligado Nacional - SIN, dar-se-á mediante contratação regulada ou livre, nos termos desta Lei e do seu regulamento, o qual, observadas as diretrizes 8 “Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários. Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.” 9 De acordo com o inciso I, do § 2°, do art. 1°, do Decreto n° 5.163, de 30/07/04, o ACL é “o segmento de mercado no qual se realizam as operações de compra e venda de energia elétrica, objeto de contratos bilaterais livremente negociados, conforme as regras e procedimentos de comercialização específicos;” Com base neste dispositivo, editou-se a Resolução ANEEL n° 109, de 26/10/04 que instituiu a Convenção de Comercialização de Energia Elétrica. 10 Esta lei dispõe, nacionalmente, sobre a comercialização de energia elétrica. 9 estabelecidas nos parágrafos deste artigo, deverá dispor sobre: (...) § 3o A contratação livre dar-se-á nos termos do art. 10 da Lei n° 9.648, de 27 de maio de 1998, mediante operações de compra e venda de energia elétrica envolvendo os agentes concessionários e autorizados de geração, comercializadores e importadores de energia elétrica e os consumidores que atendam às condições previstas nos arts. 15 e 16 da Lei no 9.074, de 7 de julho de 1995, com a redação dada por esta Lei.” 44. Ora, fica fácil perceber que este ambiente de contratação livre está marcado por negociações que se realizam, unicamente, com suporte em contratos de compra e venda de energia que, como visto, estão originariamente regulados no art. 481 11 e seguintes do Código Civil. 45. Fica fácil perceber, também, que, se a estrutura negocial para estas operações está circunscrita a um único tipo contratual (o de compra e venda) e o objeto negociado restringe-se a bens móveis (no caso, a energia elétrica, cf. inc. I, do art. 83, CC), não existe a mínima condição jurídica para fazer incluir nesta modalidade contratual o uso dos sistemas de conexão e de transmissão, como se fossem, igualmente, operações de compra e venda de energia elétrica. 46. Até porque a contratação do uso destes sistemas de conexão e de transmissão perfaz-se, necessariamente, com pessoas jurídicas distintas daquelas com as quais contrata o próprio fornecimento da energia elétrica. Isto será melhor esclarecido no próximo subtópico. 47. Outra conseqüência importante a ser destacada é a de que se a energia elétrica é considerada, juridicamente, como típico bem móvel, a transferência da sua respectiva titularidade opera-se, exclusivamente, pelo fenômeno da tradição, tal qual definida no art. 1.267 12 do mesmo Diploma Civil, ficando o respectivo fornecedor responsável até o momento de sua ocorrência 13. 48. Isto não passou despercebido do legislador regulamentar. Tanto que, no inciso XXVI, do art. 2°, da Resolução ANEEL n° 456, de 29/11/00 14, há idêntico tratamento normativo que atribui ao fornecedor de energia a sua responsabilidade até o momento em que houver a respectiva tradição, que ocorre quando medida no mencionado ponto de entrega. Confira-se: 11 “Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.” (g.n.) 12 13 “Art. 1.267. A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição.” “Art. 492. Até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do comprador.” 14 Esta Resolução consolidou as normas regulamentares que tratam das Condições Gerais de Fornecimento de Energia Elétrica. 10 “Art. 2°. Para os fins e efeitos desta Resolução são adotadas as seguintes definições mais usuais: (...) XXVI – Ponto de Entrega: ponto de conexão do sistema elétrico da concessionária com as instalações elétricas da unidade consumidora, caracterizando-se como o limite de responsabilidade do fornecimento.” 49. Esta previsão reforça a conclusão anterior de que inexiste amparo normativo para considerar, como pertencente a uma única obrigação, as relações jurídicas que têm por objeto ora a energia elétrica propriamente dita (compra e venda), ora o uso de determinado sistema de conexão e de transmissão, os quais apenas permitem que aquele bem (a energia) chegue até o estabelecimento do contratante da energia. 50. Como já apontado, não só por figurarem pessoas jurídicas distintas, mas, principalmente, por haver, nos termos do inciso II, do art. 104 15, c/c art. 482 16, ambos do Diploma Civil, a contratação de objetos diversos (energia e uso de tais sistemas), torna-se inquestionável que a figura da tradição aplica-se apenas e tão somente ao contrato de compra e venda da energia, a partir da qual o respectivo fornecedor libera-se da obrigação (de entregar a energia) assumida em face do adquirente e passa a ter o direito de exigir o respectivo pagamento do preço, conforme, aliás, preceitua o art. 476 17, do Código Civil. 51. Bem diferente ocorre com os contratos que têm por objeto a conexão e o uso das linhas de transmissão daquela energia elétrica adquirida, porque, seja qual for a natureza jurídica que se lhes atribua, certamente, nestes casos, não há a tradição da propriedade de energia elétrica, nem tampouco dos respectivos sistemas de conexão e de transmissão! 52. Desta feita, se não há a tradição de qualquer tipo de propriedade, a relação jurídica que vincula o contratante às pessoas jurídicas titulares destes sistemas de transmissão e de conexão tem por objeto a respectiva posse ou uso temporário destes sistemas que, sendo assim, não dá ensejo ao fato gerador do ICMS. 53. O fundamento para isto está, justamente, na inexistência de transferência da titularidade jurídica destes sistemas, tal qual fixado na orientação 15 “Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.” (g.n.) 16 “Art. 482. A compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acordarem no objeto e no preço.” (g.n.) 17 “Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.” 11 consagrada na já mencionada Súmula 573, do STF (que examinou a questão do comodato). 54. Ainda cabe destacar que não procede também o eventual argumento fazendário que procura estabelecer distinção entre a compra e venda e o fornecimento de energia elétrica. 55. A razão para se tocar nesta alegada distinção decorre da existência de alguns dispositivos normativos que ora referem a um (à compra e venda), ora a outro instituto (fornecimento) utilizado para negociar a energia elétrica. 56. Veja que o argumento que sustenta haver fornecimento de energia elétrica não implica a inexistência de contrato de compra e venda, porquanto a distinção que há entre ambos cinge-se ao tempo de vigência das relações firmadas entre comprador e vendedor. 57. Isto quer dizer que o objeto do negócio jurídico continua o mesmo, qual seja, a venda energia elétrica enquanto bem móvel, alterando-se apenas a duração deste vínculo obrigacional. 58. A este respeito são esclarecedores as palavras de MARIA HELENA DINIZ 18, verbis: “No contrato de fornecimento uma parte obriga-se a uma prestação periódica ou continuada de coisas, recebendo da outra o preço de antemão estabelecido. O contrato de fornecimento será aquele do qual decorrem obrigações periódicas ou continuadas, fornecidas por uma parte contra o pagamento do preço avençado a ser efetivado pela outra. Com isso o consumidor terá a certeza de que terá a sua disposição certas mercadorias. Muito comum no fornecimento de água, luz, telefone e de mercadorias, de autopeças, de materiais de construção, de obras de vulto, frutas, papel, etc., de maneira que, se houver escassez do produto, seu suprimento está garantido, mediante o pagamento de determinada quantia. Com isso haverá para o consumidor despreocupação com a aquisição do produto. (...) O contrato de fornecimento consistirá, portanto, numa espécie de compra e venda, embora dele se diferencie, por ser possível o descumprimento parcial das obrigações contratuais, sem importar o total inadimplemento contratual.” 59. Portanto, o enquadramento jurídico da energia elétrica como bem móvel implica uma série de conseqüências normativas que, por força dos referidos arts. 109 e 110, do CTN, inviabilizam qualquer tentativa de o Fisco Estadual pretender tributar, pelo ICMS, valores relacionados a estes contratos de conexão e de uso de linhas de transmissão de energia elétrica. 60. Quer pelos limites constitucionais, já definidos acima, quer por este tratamento infraconstitucional, torna-se impossível a incidência em questão. 18 Tratado Teórico e Prático dos Contratos. Saraiva. São Paulo. 3ª Edição, 1999, pág. 420. 12 II.2 – DO ENQUADRAMENTO DOS SISTEMAS DE CONEXÃO E DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA 61. Firmados os exatos limites jurídicos que envolvem o bem móvel energia elétrica faz-se necessário, agora, tecer algumas linhas a respeito do tratamento normativo dado aos sistemas de conexão e de transmissão, até para confirmar o exposto acima, de que os mesmos em nada se assemelham às referidas operações de compra e venda de energia elétrica. 62. Neste contexto importa frisar que foi a partir da edição da Lei Federal n° 8.031, de 12/04/9019 – instituiu o Plano Nacional de Desestatização – PND – que se pode falar de um gradual afastamento do Estado de determinados setores da economia e da delegação de algumas atividades para a iniciativa privada, a fim de proporcionar melhoria na prestação de serviços públicos para a população. 63. Relativamente à energia elétrica, o reordenamento desta participação estatal iniciou-se com a edição da Lei n° 9.074, de 07/07/9520, quando então, todas as atividades relacionadas a este setor foram cindidas e atribuídas a agentes de mercado responsáveis pela: • geração de energia elétrica; • transmissão de energia elétrica; • distribuição de energia elétrica; e • comercialização de energia elétrica. 64. Este novo cenário fica evidente quando se examinam os seguintes dispositivos desta Lei, verbis: “Art. 4o As concessões, permissões e autorizações de exploração de serviços e instalações de energia elétrica e de aproveitamento energético dos cursos de água serão contratadas, prorrogadas ou outorgadas nos termos desta e da Lei no 8.987, e das demais. (...) § 2º As concessões de geração de energia elétrica anteriores a 11 de dezembro de 2003 terão o prazo necessário à amortização dos investimentos, limitado a 35 (trinta e cinco) 19 Posteriormente revogada pela Lei n° 9.491, de 09/09/97, mas que manteve o mesmo rumo da anterior, no sentido de reordenar a participação do Estado na economia. 20 Esta lei sofreu algumas alterações promovidas pelas Leis n° 9.432/97, n° 9.648/98, n° 10.684/03 e n° 10.848, de 2004. 13 anos, contado da data de assinatura do imprescindível contrato, podendo ser prorrogado por até 20 (vinte) anos, a critério do Poder Concedente, observadas as condições estabelecidas nos contratos. § 3º As concessões de transmissão e de distribuição de energia elétrica, contratadas a partir desta Lei, terão o prazo necessário à amortização dos investimentos, limitado a trinta anos, contado da data de assinatura do imprescindível contrato, podendo ser prorrogado no máximo por igual período, a critério do poder concedente, nas condições estabelecidas no contrato. (...) § 5º As concessionárias, as permissionárias e as autorizadas de serviço público de distribuição de energia elétrica que atuem no Sistema Interligado Nacional – SIN não poderão desenvolver atividades: I - de geração de energia elétrica; II - de transmissão de energia elétrica; III - de venda de energia a consumidores de que tratam os arts. 15 e 16 desta Lei, exceto às unidades consumidoras localizadas na área de concessão ou permissão da empresa distribuidora, sob as mesmas condições reguladas aplicáveis aos demais consumidores não abrangidos por aqueles artigos, inclusive tarifas e prazos; (...) Art. 11. Considera-se produtor independente de energia elétrica a pessoa jurídica ou empresas reunidas em consórcio que recebam concessão ou autorização do poder concedente, para produzir energia elétrica destinada ao comércio de toda ou parte da energia produzida, por sua conta e risco. Parágrafo único. O produtor independente de energia elétrica estará sujeito às regras de comercialização regulada ou livre, atendido ao disposto nesta Lei, na legislação em vigor e no contrato de concessão ou no ato de autorização. Art. 12. A venda de energia independente poderá ser feita para: elétrica por produtor (...) II - consumidor de energia estabelecidas nos arts. 15 e 16; elétrica, nas condições (...) Art. 15. Respeitados os contratos de fornecimento vigentes, a prorrogação das atuais e as novas concessões serão feitas sem exclusividade de fornecimento de energia elétrica a consumidores com carga igual ou maior que 10.000 kW, 14 atendidos em tensão igual ou superior a 69 kV, que podem optar por contratar seu fornecimento, no todo ou em parte, com produtor independente de energia elétrica. § 1o Decorridos três anos da publicação desta Lei, os consumidores referidos neste artigo poderão estender sua opção de compra a qualquer concessionário, permissionário ou autorizado de energia elétrica do sistema interligado (...) § 6o É assegurado aos fornecedores e respectivos consumidores livre acesso aos sistemas de distribuição e transmissão de concessionário e permissionário de serviço público, mediante ressarcimento do custo de transporte envolvido, calculado com base em critérios fixados pelo poder concedente. (...) Art. 16. É de livre escolha dos novos consumidores, cuja carga seja igual ou maior que 3.000 kW, atendidos em qualquer tensão, o fornecedor com quem contratará sua compra de energia elétrica.” 65. Neste novo modelo operacional destaca-se, portanto, a efetiva desverticalização do setor energético brasileiro, na medida que se criam submercados com regramentos distintos, como é o caso do da geração, transmissão, etc., acima citados. 66. Esta nova perspectiva se confirma com a edição da Lei n° 9.648, de 27/05/98 que, além de estabelecer modificações importantes para o setor de energia elétrica, prevê a efetiva distinção dos negócios relativos à contratação da energia e do respectivo acesso e uso dos sistemas de transmissão e de distribuição. Vejamos: “Art. 9o Para todos os efeitos legais, a compra e venda de energia elétrica entre concessionários ou autorizados, deve ser contratada separadamente do acesso e uso dos sistemas de transmissão e distribuição. Parágrafo único. Cabe à ANEEL regular as tarifas e estabelecer as condições gerais de contratação do acesso e uso dos sistemas de transmissão e de distribuição de energia elétrica por concessionário, permissionário e autorizado, bem como pelos consumidores de que tratam os arts. 15 e 16 da Lei n° 9.074, de 1995.” 67. Isto independente (cf. art. 11, acima plena liberdade para negociar Ambiente de Contratação Livre – quer dizer que, neste novo modelo, produtor transcrito) e consumidor livre (cf. art. 16, retro) têm a compra e venda de energia no já mencionado ACL. 15 68. No entanto, para que tais negociações surtam os respectivos efeitos foi necessário criar instrumentos para que a entrega (tradição) da energia elétrica ocorresse nos moldes contratados entre aqueles agentes. Daí a razão para o legislador ter mantido sobre a égide do Poder Público e, portanto, fora daquele ambiente de contratação livre, as linhas de transmissão consideradas essenciais a todo o sistema energético brasileiro. 69. Criou-se, assim, conforme fixado pelo art. 17 da referida Lei n° 9.074/95, a figura da Rede Básica dos Sistemas Interligados, constituída por linhas de transmissão e de distribuição de energia elétrica destinadas ao trânsito da energia negociada no mercado nacional. 70. Vejamos a redação deste dispositivo: “Art. 17. O poder concedente deverá definir, dentre as instalações de transmissão, as que se destinam à formação da rede básica dos sistemas interligados, as de âmbito próprio do concessionário de distribuição e as de interesse exclusivo das centrais de geração. § 1o As instalações de transmissão componentes da rede básica do Sistema Interligado Nacional - SIN serão objeto de concessão mediante licitação e funcionarão na modalidade de instalações integradas aos sistemas com regras operativas aprovadas pela ANEEL, de forma a assegurar a otimização dos recursos eletroenergéticos existentes ou futuros. (...)” 71. A composição da rede básica foi estabelecida pela ANEEL com a edição da Resolução n ° 67, de 08/06/04, por meio da qual fixaram-se os critérios técnicos que identificam quais linhas de transmissão passam a integrá-la. Confira-se: “Art. 2° Para os fins e efeitos considerados os seguintes termos e respectivas definições: desta Resolução são I – Acessante: concessionária ou permissionária de distribuição, concessionária ou autorizada de geração, autorizada de importação e/ou exportação de energia elétrica, bem como o consumidor livre; e II – Instalações de Transmissão: instalações para prestação do serviço público de transmissão de energia elétrica, abrangidas pelas Resoluções n° 166 e 167, de 2000, acrescidas das instalações de transmissão autorizadas por resolução específica da ANEEL, aquelas integrantes de concessões de serviço público de transmissão outorgadas desde 31 de maio de 2000 e, ainda, as instalações de transmissão que tenham sido cedidas, doadas ou transferidas a concessionária de transmissão. Art. 3° Integram a Rede Básica do Sistema Interligado Nacional - SIN as Instalações de Transmissão, definidas conforme inciso II do artigo anterior, que atendam aos seguintes critérios: 16 I – linhas de transmissão, barramentos, transformadores de potência e equipamentos de subestação em tensão igual ou superior a 230 kV; e (...).” 72. Pode-se dizer, então, que, a partir da fixação destes critérios, a energia elétrica transita por sistemas de alta e de baixa tensão, sendo que aqueles (os de alta tensão) identificam as linhas de transmissão com tensão igual ou superior a 230 KV que, como visto, podem perfeitamente ser acessadas por qualquer agente de mercado. 73. Os de baixa tensão, por sua vez, representam os sistemas de distribuição, formado por linhas com tensão inferior a 230 KV. 74. Para o gerenciamento e controle destes sistemas viabilizou-se o Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS 21, pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos. 75. Considerando, portanto, este cenário normativo, existem, basicamente, três tipos de contratos que podem ser celebrados pelos agentes de mercado, quais sejam: • Contrato de Compra e Venda de Energia Elétrica – CCVEE22: celebrado com produtores independentes e cujo objeto é, exclusivamente, a aquisição da energia elétrica, enquanto bem móvel; • Contrato de Uso do Sistema de Transmissão – CUST23: celebrado com agentes de transmissão, no qual 21 O art. 13, da Lei n° 9.648/98, conforme redação dada pela Lei n° 10.848/04, prevê que: “Art. 13. As atividades de coordenação e controle da operação da geração e da transmissão de energia elétrica, integrantes do Sistema Interligado Nacional - SIN, serão executadas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS, pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, mediante autorização do Poder Concedente, fiscalizado e regulado pela ANEEL, a ser integrado por titulares de concessão, permissão ou autorização e consumidores que tenham exercido a opção prevista nos arts. 15 e 16 da Lei n° 9.074, de 7 de julho de 1995, e que sejam conectados à rede básica. Parágrafo único. Sem prejuízo de outras funções que lhe forem atribuídas pelo Poder Concedente, constituirão atribuições do ONS: d) a contratação e administração de serviços de transmissão de energia elétrica e respectivas condições de acesso, bem como dos serviços ancilares;” 22 Conforme inciso VI, do art. 2°, da Resolução ANEEL n° 456, de 29/11/00, este tipo de contrato tem por objeto: “VI – Contrato de Fornecimento: instrumento contratual em que a concessionária e o consumidor responsável por unidade consumidora do Grupo “A” ajustam as características técnicas e as condições comerciais do fornecimento de energia elétrica;” 23 Conforme inciso X, do art. 2°, da Resolução ANEEL n° 205, de 22/12/05, este tipo de contrato tem por objeto: “X - Contrato de Uso do Sistema de Transmissão (CUST): contrato celebrado entre a permissionária e o Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS, estabelecendo as condições técnicas e as obrigações relativas 17 figura como interveniente o Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS, cujo objeto é o uso destas linhas para a entrega da energia no seu estabelecimento; • Contrato de Conexão ao Sistema de Transmissão – CCT24: celebrado com agentes de transmissão, cujo objeto é garantir apenas o acesso/conexão às referidas linhas de transmissão da Rede Básica. 76. Ora, tratando-se de negócios distintos, com objeto e pessoas igualmente distintos, é óbvio que são também diversos os respectivos direitos e obrigações das partes contratantes. 77. Como já demonstrado linhas acima, o fornecimento de energia elétrica implica a sua entrega pelo fornecedor, a partir de quando passa a fazer jus ao respectivo preço. 78. Já no tocante aos contratos de transmissão de energia elétrica, tratando-se de objeto diverso, relacionado ao uso dos respectivos sistemas, origina apenas a obrigação de pagar os respectivos encargos25 que, no caso, denomina-se Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica – TUST26. 79. Tanto é assim que existe regulamentação da própria ANEEL para tratar, especificamente, do contrato de transmissão, do de conexão e dos respectivos encargos de uso destes sistemas. Tais regras estão previstas na Resolução ANEEL n° 281, de 01/10/99, sendo oportuno destacar a seguinte passagem do seu preâmbulo: “(...) a regulamentação da contratação do acesso, compreendendo o uso e a conexão, aos sistemas de transmissão e de ao uso das instalações de transmissão, integrantes da Rede Básica, pela permissionária, incluindo a prestação de serviços de transmissão, sob supervisão do ONS, assim como a de serviços de coordenação e controle da operação do Sistema Interligado Nacional - SIN, pelo ONS;” 24 Conforme inciso VII, do art. 2°, da Resolução ANEEL n° 205, de 22/12/05, este tipo de contrato tem por objeto: “VII - Contrato de Conexão ao Sistema de Transmissão (CCT): contrato celebrado entre a permissionária e um concessionário detentor das instalações de transmissão, no ponto de acesso, estabelecendo as responsabilidades pela implantação, operação e manutenção das instalações de conexão e respectivos encargos, bem como as condições comerciais;” 25 De acordo com o inciso XI, do art. 2°, da Resolução ANEEL n° 205, de 22/12/05 estes encargos destinamse a remunerar: “XI - Encargo de Uso: valor devido em função da prestação dos serviços de distribuição e/ou de transmissão de energia elétrica, calculado pelo produto das tarifas de uso pelos respectivos montantes de demanda e energia contratados ou verificados;” (g.n.) 26 De acordo com o inciso XVII, do art. 2°, da Resolução ANEEL n° 205, de 22/12/05, a TUST destina-se a remunerar: “XVII - Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica (TUST): tarifa estabelecida pela ANEEL, na forma TUST RB, relativa ao uso de instalações da Rede Básica, e TUST FR, referente ao uso de instalações de fronteira com a Rede Básica;” (g.n.) 18 distribuição constitui instrumento básico à efetiva introdução da competição nos segmentos de geração e comercialização de energia elétrica, possibilitando o exercício da opção dos consumidores livres e induzindo o incremento da oferta ao mercado pelo produtores independentes e autoprodutores de energia elétrica; de conformidade com o art. 7° do Decreto no 2.655, de 2 de julho de 1998, as condições gerais de contratação do acesso aos sistemas de transmissão e de distribuição e as tarifas correspondentes deverão: I - assegurar tratamento não discriminatório aos usuários; II - assegurar a cobertura de custos compatíveis com custospadrão; III - estimular novos investimentos na expansão dos sistemas elétricos; IV - induzir a utilização racional dos sistemas elétricos; V - minimizar os custos de ampliação ou utilização dos sistemas elétricos; o livre acesso aos sistemas de transmissão e de distribuição possibilitará a comercialização direta entre produtores e consumidores, independente de suas localizações no sistema elétrico interligado, contribuindo para a redução de custos e modicidade das tarifas ao consumidor final, resolve:” 80. Vejamos mais alguns regramentos contidos nesta Resolução da ANEEL: “Art. 4° - As concessionárias transmissão deverão: do serviço público de I – (...) II - negociar e celebrar, com interveniência do ONS, os Contratos de Conexão com os usuários que venham conectarse em suas instalações, encaminhando-os à ANEEL para homologação; III – (...) IV - efetuar o faturamento relativo ao acesso às suas instalações de transmissão; (...) Art. 6° - Os usuários dos sistemas de transmissão ou de distribuição deverão: I - solicitar o acesso aos sistemas de transmissão ou de distribuição, de acordo com o estabelecido no art. 7° desta Resolução. II - celebrar, conforme o caso, os contratos de conexão e de uso dos sistemas de transmissão ou de distribuição; Art. 10 - O acesso aos sistemas de transmissão e de distribuição será regido pelos Procedimentos de Rede, Procedimentos de Distribuição, pelos contratos celebrados entre as partes e pelas normas e padrões específicos de cada concessionária ou permissionária. 19 § 1° - Para o acesso a instalações de transmissão componentes da Rede Básica, os usuários deverão firmar o Contrato de Uso dos Sistemas de Transmissão com o ONS, estabelecendo as condições técnicas e as obrigações relativas ao uso das instalações de transmissão, e o Contrato de Conexão com a concessionária de transmissão no ponto de acesso, estabelecendo as responsabilidades pela implantação, operação e manutenção das instalações de conexão e os respectivos encargos. Art. 12 - Os Contratos de Conexão às Instalações Transmissão ou de Distribuição deverão estabelecer condições gerais do serviço a ser prestado, bem como condições comerciais a serem observadas, dispondo, mínimo, sobre: de as as no (...) Art. 13 - Os encargos de uso dos sistemas de transmissão ou de distribuição deverão ser suficientes para a prestação destes serviços e serão devidos aos respectivos concessionários, permissionários e ao ONS. Art. 14 - Os encargos de uso dos sistemas de transmissão ou de distribuição serão devidos por todos os usuários, calculados com base nos montantes de uso contratados ou verificados, por ponto de conexão, de conformidade com as fórmulas: (...).” 81. Ora, confirma-se, assim, a impossibilidade de o ICMS incidir sobre estes encargos relacionados com o uso dos sistemas de conexão e de transmissão, porquanto não dizem qualquer respeito a operações de compra e venda de energia elétrica, única situação que a Carta de 1988 admite como sujeita a este imposto. 82. Como já demonstrou-se, não só por força da diversidade de objetos contratados, mas também pela total distinção de pessoas jurídicas envolvidas, não há espaço jurídico para tratar estes serviços de conexão e de transmissão como operações de circulação de energia elétrica. 83. Também por isto não há como se sustentar que haveria a responsabilidade de o contratante recolher o ICMS, haja vista que, nos termos do art. 128, c/c art. 121, do CTN, o regime de substituição tributária pressupõe a existência de fato gerador válido, quando, então, a sujeição passiva pode ser atribuída, à escolha do legislador, ao contribuinte ou ao responsável tributário. 84. Este fundamento será melhor tratado no subtópico seguinte. 85. De qualquer forma demonstra-se, assim, que o regramento normativo em vigor dá contornos totalmente diferentes para a contratação da energia elétrica e do uso dos respectivos sistemas de conexão e de transmissão, o que permite concluir que os Fiscos Estaduais não podem ignorar tais distintas relações jurídicas originadas destes contratos e submetê-las, conjuntamente, à incidência deste 20 imposto que, como visto, restringe-se às operações de circulação do bem móvel energia elétrica. II.3 – DOS LIMITES NORMATIVOS DO REGIME DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA E DA FUNÇÃO DOS CONVÊNIOS ESTADUAIS 86. Como já aludido, a Constituição de 1988 conferiu aos Estados e ao Distrito Federal a competência para tributar, pelo ICMS, as operações com energia elétrica, prevendo, inicialmente, que seriam as respectivas distribuidoras as responsáveis pelo pagamento do imposto devido desde a sua produção/importação até entrega a consumo. 87. Previu ainda a Magna Carta que estas novas esferas competenciais poderiam ser reguladas por meio de convênios estaduais enquanto não editadas as leis complementares previstas no texto constitucional. 88. Tais previsões estão contidas na alínea “b”, do inciso X, do § 2°, do art. 155, da CF/88 e nos §§ 8° e 9°, do art. 34, do respectivo ADCT, cuja redação é a seguinte: “Art. 155. (...) § 2° - O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...) X – não incidirá: b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica; Art. 34 - (...) § 8º - Se, no prazo de sessenta dias contados da promulgação da Constituição, não for editada a lei complementar necessária à instituição do imposto de que trata o art. 155, I, "b", os Estados e o Distrito Federal, mediante convênio celebrado nos termos da Lei Complementar n° 24, de 7 de janeiro de 1975, fixarão normas para regular provisoriamente a matéria. § 9º - Até que lei complementar disponha sobre a matéria, as empresas distribuidoras de energia elétrica, na condição de contribuintes ou de substitutos tributários, serão as responsáveis, por ocasião da saída do produto de seus estabelecimentos, ainda que destinado a outra unidade da Federação, pelo pagamento do imposto sobre OPERAÇÕES relativas à circulação de mercadorias incidente sobre energia elétrica, desde a produção ou importação até a última operação, calculado o imposto sobre o preço então praticado na operação final e assegurado seu recolhimento ao Estado ou 21 ao Distrito Federal, conforme o local onde deva ocorrer essa operação.” 89. Verificam-se aí duas regras bastante claras, quais sejam, uma de conteúdo material (alínea “b”, inc. X, § 2°, do art. 155) e que se destina a traçar os já referidos limites da competência estadual para tributar apenas as operações relativas à energia elétrica, e outra, de conteúdo formal (§§ 8° e 9°, do art. 34) que estabelece limite temporal para a permanência dos convênios editados para regular o ICMS nestas novas competências inauguradas pela CF/88. 90. Relativamente à regra de conteúdo material, reporta-se aos fundamentos contidos nos tópico I e II.1 deste trabalho. 91. Quanto à regra de conteúdo formal, manteve-se vigente o Convênio ICMS n° 66, de 1988 até a edição da Lei Complementar n° 87, de 13/09/96 que, com apoio nas alíneas “b” e “c”, do inciso III, do art. 14627 c/c com as letras “a” a “d”, do inciso XII, do § 2°, do art. 155 28, todos da CF/88, versou sobre todas as operações com energia elétrica que podem sujeitar-se à incidência do ICMS, bem como estabeleceu os respectivos fatos geradores, sujeitos passivos e base de cálculo. 92. Portanto, qualquer análise que se queira fazer a respeito da incidência do ICMS sobre tais operações com energia elétrica deverá, necessariamente, ficar restrita aos já mencionados limites constitucionais e infraconstitucionais, estes fixados pela LC n° 87/96. 93. Este foi, aliás, o expresso entendimento do Plenário da Suprema Corte, quando julgou o Recurso Extraordinário n° 149.922/SP (DJU, de 29/04/94, pág. 9733) que, considerada a LC n° 87/96 ao invés do DL n° 406/68, em tudo e por tudo aplica-se à situação analisada neste trabalho. Vejamos sua ementa: “Tributário. Exportação de Café em Grão. ICMS. Base de calculo. Quota de Contribuição do IBC. DL 406/68, art. 2., par. 8°, Convênio ICM 66/88, art. 11, editado sob invocação do art. 34, par. 8°, do ADCT. Princípio da Imunidade Tributaria Recíproca. 27 “Art. 146. Cabe à lei complementar: III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; 28 “Art. 155. (...) § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: XII - cabe à lei complementar: a) definir seus contribuintes; b) dispor sobre substituição tributária; c) disciplinar o regime de compensação do imposto; d) fixar, para efeito de sua cobrança e definição do estabelecimento responsável, o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das prestações de serviços;” 22 A competência delegada aos estados, no art. 34, par. 8°, do ADCT, para fixação, por convenio, de normas destinadas a regular provisoriamente o ICMS, limita-se pela existência de lacunas na legislação. Se a base de calculo em referencia já se achava disciplinada pelo art. 2., par. 8°, do DL 406/68, recepcionado pela nova Carta com o caráter de lei complementar, até então exibido (art. 34, par. 5., do ADCT), não havia lugar para a nova definição que lhe deu o Convenio ICM 66/88 (art. 11), verificando-se, no ponto indicado, ultrapassagem do linde cravado pela norma transitória e conseqüente invasão do Princípio Constitucional da Legalidade Tributaria. Acertado entendimento do acórdão impugnado, suficiente para respaldar sua conclusão, dispensando-se, por isso, o exame da tese da imunidade tributária, sem prejuízo do registro de sua absoluta impertinência, já que não se esta diante de exigência fiscal dirigida a qualquer dos entes de direito público beneficiários dessa limitação ao poder de tributar. Não-conhecimento do recurso, com declaração da inconstitucionalidade do art. 11 do Convênio ICM 66/88, de 14 de dezembro de 1988.” 94. Esta premissa é de extrema importância, pois é a partir dela que se identifica a inquestionável invalidade do Convênio ICMS n° 117, de 2004 e demais alterações supervenientes. 95. Considerando os estreitos contornos da competência do ICMS para tributar apenas as operações com energia elétrica, a referida LC n° 87/96, nos incisos I, do art. 2° e no inciso III, do respectivo § 1°, determina que: “Art. 2° O imposto incide sobre: I – operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares; (...) § 1º O imposto incide também: III - sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente”. 96. No inciso I, do caput do art. 2°, tem-se a regra geral relativa às já mencionadas operações com o bem móvel denominado mercadoria, dentro da qual inserem-se, por óbvio, as operações pertinentes aos aludidos contratos de compra e venda de energia elétrica. 97. No tocante ao inciso III, do § 1°, há uma regra excepcional aplicável àqueles insumos adquiridos em operações interestaduais e destinados a consumo final pelo respectivo adquirente. Daí o legislador referir-se às operações com “combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização”. Neste caso, o fato gerador do 23 ICMS ocorrerá na entrada da mercadoria no respectivo estabelecimento do adquirente, consumidor final do insumo. 98. Verifica-se, assim, que o âmbito de incidência do ICMS sobre as operações de circulação de energia elétrica circunscreve-se ao seguinte: • Incidência normal nas operações internas; • Não incidência nas operações interestaduais; e • Incidência apenas no Estado do comprador quando destinada a consumo final e decorrente de operação interestadual. 99. Relativamente a esta última hipótese muito se discutiu a seu respeito, discussão esta que girou em torno de se saber se haveria aí ou não a regulação de uma imunidade, originariamente fixada na mencionada alínea “b”, do inciso X, do § 2°, do art. 155, da CF/88. 100. Levado este assunto ao STF por intermédio do Recurso Extraordinário n° 198.088/SP29, esta Corte consagrou a orientação de que não há imunidade neste dispositivo da Carta, posto que o mesmo instituiu apenas a nãoincidência do ICMS nas mencionadas operações interestaduais. Por outro lado, garantiu a plena incidência deste imposto nas operações internas havidas no território do Estado onde houver a utilização daqueles produtos. 101. A seguinte passagem do voto do então Relator, EXMO. MIN. ILMAR GALVÃO, deixa evidente o acima exposto: “(...) É patente, entretanto, que não se está, no caso, diante de imunidade propriamente dita, mas de genuína hipótese de não-incidência do tributo – como aliás, se acha expresso no inc. X do § 2° do art. 155 da CF -, restrita ao Estado de origem, não abrangendo o Estado de destino, onde são tributadas todas as operações que compõem o ciclo econômico por que passam os produtos descritos no dispositivo sob enfoque, desde a produção até o consumo. Não beneficia, portanto, o consumidor, mas o Estado de destino do produto, ao qual caberá todo o tributo sobre ele incidente, até a operação final. Do contrário, estaria consagrado o tratamento desigual entre consumidores, 29 Publicada no DJU, de 05/09/2003, pág. 32, cuja ementa é a seguinte: “EMENTA: TRIBUTÁRIO. ICMS. LUBRIFICANTES E COMBUSTÍVEIS LÍQUIDOS E GASOSOS, DERIVADOS DO PETRÓLEO. OPERAÇÕES INTERESTADUAIS. IMUNIDADE DO ART. 155, § 2º, X, B, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Benefício fiscal que não foi instituído em prol do consumidor, mas do Estado de destino dos produtos em causa, ao qual caberá, em sua totalidade, o ICMS sobre eles incidente, desde a remessa até o consumo. Conseqüente descabimento das teses da imunidade e da inconstitucionalidade dos textos legais, com que a empresa consumidora dos produtos em causa pretendeu obviar, no caso, a exigência tributária do Estado de São Paulo. Recurso conhecido, mas desprovido. 24 segundo adquirissem eles os produtos de que necessitam, no próprio Estado, ou no Estado vizinho, o que não teria justificativa. Para assegurar a arrecadação do ICMS incidente sobre as operações alusivas à energia elétrica destinada a consumidor final em outro estado, proveu o próprio legislador constituinte, no § 9° do art. 34 do ADCT, neste sentido: (...) Aliás, o dispositivo transcrito, ao regular, transitoriamente, o ICMS sobre energia elétrica (“até que a lei complementar disponha sobre a matéria”), na verdade, demonstra o acerto do que acima ficou dito sobre a inocorrência, no caso, de imunidade, posto que prevê a incidência do tributo, em caráter definitivo, no Estado de destino.” 102. Firmado este entendimento pelo Plenário da Suprema Corte, constata-se que não há qualquer espaço para que convênios estaduais venham a regular a incidência do ICMS sobre operações com energia elétrica, quer realizadas ou não dentro do território dos respectivos Estados e Distrito Federal – operações internas ou interestaduais. 103. Seja qual for, portanto, o tipo de incidência, por expressa determinação constitucional, deverá recair apenas e tão somente sobre operações com energia elétrica, cujos contornos normativos já foram integralmente delimitados pela mencionada LC n° 87/96. 104. Logo, sendo este o restrito campo de incidência do ICMS a instituição de eventual regime de substituição tributária não poderá extrapolá-lo, sob pena de criar nova hipótese de incidência, como foi o que ocorreu no aludido Convênio ICMS n° 117/04. 105. As regras-matrizes que delimitam o instituto da substituição tributária estão originariamente fixadas nos arts. 121 e 128 do Código Tributário Nacional – CTN, vazados nos seguintes termos: “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal dizse: I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei. Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.” 25 106. Note-se que tanto a definição de contribuinte quanto a de responsável pressupõem a observância ao conceito de sujeito passivo. Em outras palavras, considerando que contribuinte e responsável são espécies do gênero sujeito passivo, devem conter todas as suas características (de sujeito passivo), às quais somam-se aquelas (características) que lhes são peculiares. Assim deve ser por conta da seguinte razão: a espécie, por definição, representa o gênero acrescido de uma diferença que lhe é específica 30. 107. Logo, ser contribuinte ou responsável implica ser, antes de tudo, sujeito passivo. Desta forma, sujeito passivo que tenha relação direta e pessoal com o fato gerador, dá ensejo à definição de contribuinte. Por sua vez, sujeito passivo, cuja obrigação venha a ser definida por lei, dá nascimento à figura do responsável. 108. No caso do responsável, embora o CTN afirme que será a lei que o definirá, não significa isto qualquer autorização ilimitada para o legislador ordinário, pois o próprio CTN limitou tal competência dizendo que o responsável deverá estar sempre enquadrado no conceito de sujeito passivo. 109. Tal conclusão pode ser inferida também pelo seguinte argumento, de natureza, digamos, mais formal. 110. A Lei Complementar n° 95, de 1998, que regulou o processo de elaboração legislativa nacional, contém na alínea “d” 31, do inciso III, do seu art. 11, a determinação de que o legislador deve dar precisão lógica aos dispositivos normativos elaborados, o que é obtida atrelando-se o conteúdo dos incisos e parágrafos ao conteúdo do respectivo caput do artigo da norma. 111. Note-se que este referido dispositivo da LC 95/98 prescreve que os incisos dos respectivos artigos devem apenas discriminar e enumerar o seu conteúdo. 112. Isto significa que os parágrafos não têm função autônoma no processo de interpretação dos enunciados normativos. Estão sempre vinculados ao que estiver previsto no caput do respectivo artigo. 113. Aplicando, então, tais considerações na interpretação sistemática do art. 121 do CTN, verifica-se que as definições de contribuinte e de responsável, por estarem previstas nos seus incisos I e II, devem ser analisadas dentro do contexto da definição de sujeito passivo, contida no respectivo caput. 114. Constata-se, assim, por mais este fundamento, que a interpretação da definição de responsável deve ser feita em consonância e não isoladamente com a de sujeito passivo, tal qual prevista no caput do art. 121 do CTN. 30 Dicionário de Filosofia, Nicola Abbagnano, Mestre Jou, 1982, pág. 134. 31 “Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas: (...) III - para a obtenção de ordem lógica: d) promover as discriminações e enumerações por meio dos incisos, alíneas e itens.” 26 115. Posto isto, vejamos quais os critérios legais que demarcam o perfil do sujeito passivo tributário. 116. De acordo com o mencionado caput do art. 121 do CTN, o conceito de sujeito passivo tributário está estritamente vinculado ao de obrigação tributária, que, por sua vez, está definida no parágrafo 1° 32, do art. 113 do mesmo Diploma, como aquele vínculo jurídico originado da ocorrência de um determinado fato gerador tributário. 117. Portanto, a conceituação do fato gerador tributário é determinante para as definições de obrigação tributária e, conseqüentemente, de sujeito passivo, o qual, como visto, interfere diretamente na designação do contribuinte e do responsável. 118. Ora, considerando que o ICMS só pode incidir sobre aqueles fatos que configurem operações de circulação de energia elétrica, bem como que a qualificação do responsável/substituto tributário está necessária e indiretamente ligada à ocorrência de tais operações, qualquer regime de substituição tributária que pretenda romper com estes limites é manifestamente inválido. 119. Vejamos, então, o que prevê o Convênio ICMS n° 117/04, com suas referidas alterações posteriores: “Cláusula primeira. Fica atribuída ao consumidor de energia elétrica conectado à rede básica a responsabilidade pelo pagamento do imposto devido pela conexão e uso dos sistemas de transmissão na entrada de energia elétrica no seu estabelecimento. § 1º Sem prejuízo do cumprimento das obrigações principal e acessórias, previstas na legislação tributária de regência do ICMS, o consumidor conectado à rede básica deverá: I - emitir nota fiscal, modelo 1 ou 1-A, ou, na hipótese de dispensa da inscrição no Cadastro de Contribuintes do ICMS, requerer a emissão de nota fiscal avulsa, até o último dia útil do segundo mês subseqüente ao das operações de conexão e uso do sistema de transmissão de energia elétrica, na qual conste: a) como base de cálculo, o valor total pago a todas as empresas transmissoras pela conexão e uso dos respectivos sistemas de transmissão de energia elétrica, ao qual deve ser integrado o montante do próprio imposto; b) a alíquota aplicável; c) o destaque do ICMS; (...).” 32 “Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.” 27 120. Independentemente da invalidade da própria tributação dos encargos relativos à conexão e à transmissão, já demonstrada anteriormente, há de se destacar também a invalidade originada pelo descumprimento das regras estabelecidas pelo CTN para a instituição do regime de substituição tributária. 121. Isto porque, esta pretensa responsabilidade tributária criada pelo Convênio ICMS n° 117/04 elege como responsável pelo pagamento do ICMS o consumidor livre quando contratar a conexão e o uso das linhas de transmissão de energia elétrica, hipótese esta que, como já demonstrado, não se relaciona, minimamente, com operações de circulação de energia elétrica. 122. De acordo com o exposto, está consagrada na Suprema Corte a orientação de que, salvo a competência para tratar de isenções e outros tipos de benefícios fiscais33, o §8°, do art. 34, do ADCT facultou aos convênios função normativa meramente suplementar, para eliminar lacunas que, eventualmente, não tenham sido reguladas por lei complementar. 123. Mas é de todo evidente que os limites para a instituição do regime de substituição tributária já foram totalmente delineados nos mencionados dispositivos do CTN. 124. Outrossim, e especificamente sobre o ICMS, a LC n° 87/9634 também já exauriu a competência outorgada pela CF/88 e regulou as hipóteses de incidência deste imposto, base de cálculo e sujeitos passivos, quer os contribuintes, quer os responsáveis. Mesmo que se procure no art. 6°35 desta lei complementar suporte para validar o convênio em exame, não haverá êxito em tal empreitada, porque a previsão aí constante vincula, tal qual os mencionados dispositivos do CTN, o regime de substituição tributária à existência de fato gerador do ICMS que, no caso, restringe-se às operações com energia elétrica apenas. 125. Também não há embasamento legal no art. 9°36 da LC n° 87/96. A uma, porque este dispositivo reitera a determinação para que o regime de 126. 33 Regulada pela Lei Complementar n° 24, de 1975, recepcionada pela CF/88, de acordo com a alínea “g”, do inciso XII, do § 2°, do art. 155. 34 A propósito, confira-se na LC n° 87/96 o que a mesma fixa sobre ass operações com energia elétrica: (a) fato gerador: inc. II, do art. 2° e inc. III, § 1°, art. 2° c/c inc. XII, do art. 12; (b) contribuinte: caput e inc. IV, parág. único, do art. 4°; (c) estabelecimento responsável pelo recolhimento do ICMS: alínea “a”, inc. I e alínea “g”, inc. I, ambas do art. 11; (d) base de cálculo: incs. I e VIII, do art. 13. 35 “Art. 6o Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que assumirá a condição de substituto tributário. § 1º A responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto incidente sobre uma ou mais operações ou prestações, sejam antecedentes, concomitantes ou subseqüentes, inclusive ao valor decorrente da diferença entre alíquotas interna e interestadual nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, que seja contribuinte do imposto. § 2o A atribuição de responsabilidade dar-se-á em relação a mercadorias, bens ou serviços previstos em lei de cada Estado.” (g.n.) 36 “Art. 9º A adoção do regime de substituição tributária em operações interestaduais dependerá de acordo específico celebrado pelos Estados interessados. 28 substituição tributária restrinja-se às operações sujeitas ao ICMS. A duas, porque, relativamente à energia elétrica, o inciso II deste dispositivo é taxativo e permite que sejam alçados à categoria de responsável tributário apenas e tão somente as empresas que sejam qualificadas pela ANELL como geradoras ou distribuidoras de energia. 127. Como se vê, a qualificação de consumidor livre, previsto no aludido Convênio ICMS n° 117/04, não se insere em nenhuma destas hipóteses, o que confirma a invalidade deste pretenso regime de substituição tributária. 128. Na verdade, a redação marota utilizada na cláusula primeira deste Convênio pretende, mesmo, instituir um novo tipo de incidência do ICMS que, como demonstrado, não está cogitado pela Constituição Federal. 129. De fato, sob a máscara da responsabilidade tributária os Estados e o Distrito Federal criaram um novo fato gerador que tem por aspecto material a utilização dos sistemas de conexão e de transmissão de energia elétrica. 130. É evidente o enquadramento desta situação na definição de imposto, contida no art. 16 37 do CTN, haja vista que se trata de uma típica atividade realizada pelos agentes que usam os referidos sistemas de conexão e de transmissão de energia. 131. Veja que os contratos de conexão e de transmissão não têm por objeto a venda de energia elétrica, mas apenas e tão somente o uso das respectivas linhas pertencentes à Rede Básica dos Sistemas Interligados. Além disso, são firmados com pessoas jurídicas que também não exercem a negociação de energia, mas unicamente o uso destas linhas de transmissão. 132. Portanto, não há como por em dúvida que se está diante de uma nova incidência tributária, porém dissimulada na redação daquele Convênio que procura dar a este novo tributo roupagem de substituição tributária. 133. A invalidade, posta agora à lume, é patente e macula de forma irreversível a pretensão contida neste Convênio ICMS n° 117/04. 134. A confirmação desta nova incidência é que os Estados, cientes da fragilidade do Convênio em questão, pretendem alterar a LC n° 87/96, justamente para fazer com que o ICMS passe, também, a incidir sobre esta atividade de uso dos sistemas de transmissão de energia elétrica. § 1º A responsabilidade a que se refere o art. 6º poderá ser atribuída: (...) II - às empresas geradoras ou distribuidoras de energia elétrica, nas operações internas e interestaduais, na condição de contribuinte ou de substituto tributário, pelo pagamento do imposto, desde a produção ou importação até a última operação, sendo seu cálculo efetuado sobre o preço praticado na operação final, assegurado seu recolhimento ao Estado onde deva ocorrer essa operação.(...)” (g.n.) 37 “Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.” 29 135. Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n° 352, de 2002, cujo objetivo é, justamente, ampliar o campo de incidência do ICMS, para nele fazer incluir tais atividades. Confira-se a proposta: “Art. 1º A Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 2º- (...) § 3º A incidência do imposto sobre energia elétrica alcança todas as etapas, desde a produção ou importação até a sua destinação final, tais como a transmissão, a distribuição, a conexão, a conversão e a comercialização.” (NR) “Art. 9º- (...) § 1º - (...) II – às empresas de geração, importação, transmissão, distribuição, ou comercialização de energia elétrica, pelo pagamento do imposto, desde a produção ou importação até a sua destinação final, sendo seu cálculo efetuado sobre o valor total cobrado do adquirente, nele computados todos os encargos, tais como os de geração, importação, conexão, conversão, transmissão e distribuição, assegurado seu recolhimento ao Estado de localização do destinatário final.(NR) “Art. 13. (...) VIII – na hipótese do inciso XII do art. 12, o valor: a) da operação de que decorrer a entrada de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo; b) total cobrado do adquirente, nele computados todos os encargos, tais como os de geração, importação, conexão, conversão, transmissão e distribuição, em relação à entrada de energia elétrica; § 1º - (...) II – (...) c) todos os encargos cobrados do adquirente, no fornecimento da energia elétrica, tais como os de geração, importação, conexão, conversão, transmissão, distribuição e comercialização, mesmo que devidos a terceiros.(NR) Art. 2º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação.” 136. Desta feita, ainda que se queira dar algum foro de legalidade à pretensão fazendária, constata-se a sua inviabilidade porque, como demonstrado, a Constituição Federal limita o campo de incidência do ICMS às operações com energia elétrica, dentro das quais não se encaixam, nem tampouco se assemelham, as relações jurídicas firmadas no âmbito destes contratos de uso dos sistemas de conexão e transmissão de energia. 137. Portanto, também pelo fundamento examinado neste tópico não há como dar provimento à pretensão fazendária, posto que totalmente 30 inválido o já mencionado Convênio ICMS n° 117, de 2004 e as suas sucessivas alterações, patrocinadas pelos Convênios ICMS n° 59 e 135, ambos de 2005. III – CONCLUSÕES 138. Diante disto, pode-se concluir o seguinte: • A CF/88 conferiu aos Estados e ao Distrito Federal competência para tributar, pelo ICMS, apenas e tão somente as atividades de energia elétrica que se enquadrem no conceito de operações de circulação de mercadorias, assim consideradas os atos negociais que tenham por objeto a transferência da titularidade jurídica de um determinado bem móvel que, no caso, é a própria energia elétrica; • Enquadrada como típico bem móvel pela legislação civil (inc. I, art. 83, CC), a propriedade da energia elétrica transfere-se unicamente pelo fenômeno da tradição, bem como é negociada somente no âmbito de contratos bilaterais que impliquem direitos e deveres, quais sejam, o de, respectivamente, receber o preço e o de entregá-la nas condições negociadas; • Sendo bem móvel e negociada por meio de contratos bilaterais, inexiste embasamento jurídico para pretender inserir nesta relação contratual o uso dos sistemas de conexão e transmissão de energia elétrica, pertencentes à Rede Básica do Sistema Nacional Interligado, porque a utilização de tais sistemas ocorre em função da celebração de contratos com objeto e pessoas diversas; • A desconsideração destes limites e diferenças contratuais que envolvem a aquisição da energia elétrica, na condição de bem móvel, e o uso destes sistemas de conexão e de transmissão, implica violação frontal ao campo de competências do ICMS, bem como às regras do art. 109 e art. 110, do CTN; • Implica também expressa negativa de vigência do tratamento normativo fixado pelas Leis n° 9.074/95, n° 9.648/98 e n° 10.848/02 que cindiram as operações de produção de energia elétrica daquelas atividades relacionadas a sua transmissão; • A edição do Convênio ICMS n° 117/04, bem como dos que o alteraram (Convênios ICMS n° 53 e 135, de 2005) não tem amparo na regra do § 8°, do art. 34, do 31 ADCT da CF/88, porque a competência para tratar sobre as operações com energia elétrica, em todos os seus aspectos, já foi integralmente exaurida pela Lei Complementar n° 87, de 1996; logo, são inconstitucionais por usurpação indevida de competência; • Ainda que se atribua algum mote de legalidade a este Convênio n° 117/04 e suas respectivas alterações, a instituição do regime de substituição tributária em total afronta às regras dos arts. 121 e 128, do CTN, acaba por fulminá-lo integralmente, levando consigo todas as demais normas regulamentares editadas com o desejo de normatizar este regime no âmbito do território do Estado de Minas Gerais; e • Posto à lume a dissimulação criada por tais Convênios, torna-se evidente que, na realidade, pretendese instituir, por convênio, um típico imposto que tem por fato gerador, nos termos do art. 16, do CTN, o referido uso dos sistemas de conexão e de transmissão da Rede Básica que nada se assemelha às operações com energia elétrica; inquestionável, assim, a inconstitucionalidade material e formal desta pretensão fazendária.