Universidade Federal do Rio de Janeiro – Instituto de Economia – Curso de
pós-Graduação em Economia – Doutorado em Economia.
A Criação da CVM e a Regulação do Mercado de
Capitais no Brasil – 1976/1986
Paula Marina Sarno
2006
Universidade Federal do Rio de Janeiro – Instituto de Economia – Curso de
pós-Graduação em Economia – Doutorado em Economia
A Criação da CVM e a Regulação do Mercado de Capitais
no Brasil – 1976/1986
Paula Marina Sarno
2006
Dissertação submetida para obtenção do título de doutor em economia
Orientador: Fernando J. Cardim de Carvalho
Banca Examinadora:
Fernando J. Cardim de Carvalho
Fernando Carlos Greenhalgh de Cerqueira Lima
Francisco Eduardo Pires de Souza
Marco Aurélio Cabral Pinto
Rogério Sobreira
27.03.2006
2
Dedico a minha filha, Bia, e ao meu marido, Paulo, pela companhia, compreensão, paciência e, sobretudo,
pelo amor que recebo todos os dias;
À Euzenir, minha mãe, companheira, nos mais diferentes momentos e das mais variadas formas,
durante todo esse processo, mas que, sobretudo, sempre foi um referencial importante para mim de
dedicação à pesquisa e à ciência;
A meu pai, Geraldo, pelo enorme exemplo de integridade, persistência e amor ao que faz, que
sempre me inspirou..
3
Agradecimentos
Primeiramente, agradeço ao Prof. Fernando Cardim, pela ajuda e orientação que foram
fundamentais para o desenvolvimento desse estudo. Ter tido duas vezes a oportunidade de
tê-lo como orientador em minha trajetória na vida acadêmica, no mestrado e agora no
doutorado, foi motivo de grande estímulo e motivação. Ressaltando que, como não poderia
deixar de ser, os possíveis erros existentes e as opiniões aqui expressas são de minha
exclusiva responsabilidade.
Ao Roberto Tadeu, Superintendente Geral da CVM, que sempre esteve disponível para
ajudar e elucidar, em vários momentos desta tese, quando precisei recuperar e compreender
os fatos ocorridos durante o período investigado.
Agradeço à CVM a oportunidade que me foi dada e à Elizabeth Machado, Superintendente
de Relações com Empresa, pela possibilidade, no âmbito do programa de capacitação, de
dedicar-me integralmente à tese no período final de sua elaboração.
Aos amigos da CVM, em particular, Jorge Andrade e Fernando Vieira, pelos cuidadosos
comentários e sugestões, e Marcelo Vieira, Andréa Erthal e Maria Inês Duprat Avellar, pela
preciosa ajuda no trabalho de revisão.
Ao Marcelo Cidade pela possibilidade de contatar profissionais que atuaram no mercado no
período investigado e ao Dalton Boechat pelos comentários recebidos.
À Marilena Lacerda Tenório e à Nilza Nogueira pela ajuda no levantamento de informações
e referências bibliográficas.
À Soraia Jorge, Cristina Lara e Leila Vieira por terem me acompanhado bem de perto.
4
SUMÁRIO
Página
RESUMO
ABSTRACT
INTRODUÇÃO
7
7
8
1ª Parte - Mercado de capitais e regulação - a Abordagem Teórica
Capítulo 1 - Sistemas e Mercados Financeiros
1.1 - Sistemas Financeiros e Crescimento Econômico
1.2 - Mercado de Crédito e Mercado de Capitais
1.2.1 - Operações Intermediadas e Desintermediadas
1.2.2 - Mercado Privados e Mercados Públicos – A Questão Informacional
1.2.3 - Contratos padronizados e contratos idiossincráticos
1.2.4 - Relacionamento de longo prazo e negociação
1.2.5 - Exigências na Forma de Colaterais e Garantias
1.2.6 - Exit e Voice como mecanismos corretivos (disciplinadores) dos
Contratos financeiros
1.3 - Conclusão
Capítulo 2 - Teorias de Mercado: a leitura crítica à Hipótese dos Mercados Eficientes
2.1 - Introdução
2.2 - A Hipótese de Mercados Eficientes
2.3 - Críticas à Hipótese dos Mercados Eficientes
2.3.a) Comportamento irracional e as operações de arbitragem
2.3.b) Assimetria de informações
2.3.c) Incerteza
2.4 - Conclusão
Capítulo 3 - Monitoramento Privado e Regulação dos Mercados
3.1 - Introdução
3.2 - O Monitoramento dos Acionistas sobre as Empresas – Instrumentos e
Vulnerabilidades
3.2.1 - O monitoramento dos investidores sobre as empresas
3.2.2 - O papel das instituições intermediárias
3.3 - Governança Corporativa
3.4 - As Operações de Aquisição Hostis e a Governança Externa à Firma
3.5 - Papel da Regulação para o Mercado de Capitais
11
12
12
14
14
16
18
19
21
Capítulo 4 - A Origem do Mercado de Capitais nos Estados Unidos e o
Desenvolvimento da Regulação
4.1 - O Papel Inicial dos Bancos de Investimento e da Bolsa de NovaYork
4.2 - Desenvolvimento do Mercado e Proteção ao Acionista – a Questão Legal
e Regulatória
4.3 - O Desenvolvimento da Regulação para o Mercado de Capitais
nos Estados Unidos
4.3.1 - O fim do laissez faire e os diferentes modelos de sistema financeiro
4.3.2 - O Modelo Inglês de Regulação para o Mercado de Capitais
4.3.3 – O Modelo Americano do Mercado de Capitais
4.3.3.a) - O Sistema de disclosure
4.3.3.b) - O Sistema de auto-regulação: as Bolsas e o Mercado de Balcão
4.3.4 - Os Bancos e a Crise Financeira
4.3.5 - Vulnerabilidades do Modelo Americano de Regulação
4.4 - Conclusão
Conclusão 1ª Parte – Breve Sumário das Proposições Teóricas
22
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81
5
2a PARTE: CVM e a regulação sobre as companhias abertas no Brasil - 1976/86
Capítulo 5 - O Ambiente Regulatório pré-reformas dos anos 70
5.1 - Constituição de Mercados de Capitais em Países em Desenvolvimento
5.2 - As Reformas Financeiras dos anos 60 e a Lei do Mercado de Capitais
(Lei no 4728/65)
5.2.1 – Antecedentes
5.2.2 - Os princípios da divulgação de informações e da auto-regulação
5.2.3 - Bancos de Investimento
5.2.4 - Conceito de Sociedade Anônima de Capital Aberto (SACAs)
5.2.5 - Os Incentivos fiscais – a regulação dos fundos 157
5.3 - O Mercado de Capitais Brasileiro nos anos 70
Capítulo 6 - A CVM e A Regulação sobre as Companhias Abertas - 1976/1986
6.1 - A Criação da CVM - Princípios, Objetivos, Função e Poderes do Novo
Órgão Regulador
6.1.1 - O quadro vigente à época e o papel da CVM
6.1.2 - Objetivos e desafios da análise proposta
6.1.3 - A Lei no 6.385/76 - princípios, função e poderes do novo órgão regulador
6.2 - A Questão da Divulgação de Informação das Companhias e o
Papel Normativo da CVM
6.2.1 - O conceito de Companhia Aberta
6.2.2 - O registro das Companhias Abertas e a atividade normativa da CVM
6.2.3 - Insider trading
6.2.4 - O Registro de distribuição de ações mediante subscrição pública
6.2.4.a) A Instrução CVM no 13/80
6.2.4.b) A Instrução no 13 e os limites do princípio de disclosure
enquanto proteção ao investidor
6.3 - Proteção ao Acionista Minoritário na Lei das SA (Lei 6.404 de 15.12.76)
6.3.1 - A CVM e a Lei das S.A.
6.3.2 - Objetivos e desafios da Lei das S.A.
6.3.3 - Lei das S.A. e a proteção ao acionista
6.3.3.a) A instituição do dividendo mínimo obrigatório
6.3.3.b) Alteração do limite de participação das ações preferenciais,
a figura do controlador na Lei das S.A.
6.3.3.c) Vantagens econômicas das ações preferenciais
6.3.3.d) Ampliação do direito de preferência
6.3.3.e) Incremento nas situações que dão direito de retirada ao acionista
6.3.3.f) A instituição da Oferta Pública no caso de alienação de controle
6.3.3.g) Voto múltiplo
6.3.3.h) A Criação do agente fiduciário e a flexibilização dos contratos
6.3.4 - Como fica o acionista minoritário depois da Lei nº. 6404/76 ?
6.4 - A Segunda Fase das Reformas – O Papel dos Investidores Institucionais
Capítulo 7 - O Comportamento do Mercado de Capitais - 1978-86
7.1 - O Comportamento da Inflação e o Nível de Atividade
7.2 - O Mercado Primário
7.2.a) O segmento de debêntures
7.2.b) O segmento de ações
7.3 - Mercado Secundário de Ações
7.4 - As Emissões de Ações e os Demais Ativos da Economia
7.5 - As Emissões de Ações, a FBCF e o PIB da Economia
Conclusão
Referências Bibliográficas
Anexo I – Entrevistas
Anexo II – Tabelas 1 a 17
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6
Resumo
A tese examina o impacto da criação do órgão regulador específico do mercado de capitais - a
Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Diante da ineficiência dos mercados e da precariedade do
monitoramento exercido pelos acionistas sobre as empresas emissoras e as instituições
intermediárias, existe um papel importante a ser exercido pelo Estado, estabelecendo regras e
monitorando o mercado e seus participantes. A análise do caso brasileiro teve dois objetivos: i)
investigar se, no âmbito das reformas dos anos 70, a criação da CVM promoveu um ambiente de
maior proteção para o investidor; ii) examinar quais foram os efeitos das medidas implementadas, de
1976 a 1986, pelo novo órgão regulador, sobre o mercado de capitais. Este último item analisa se a
experiência brasileira neste período permite comprovar a proposição, sugerida pelos trabalhos da
escola legal finance, de que mercados de capitais mais regulados seriam mais desenvolvidos.
Verificou-se que a atuação da CVM gerou um ambiente de maior proteção ao acionista, em
comparação às condições que vigoravam anteriormente, em especial devido à redução de emissões
irregulares de valores mobiliários e a uma maior disponibilização de informações sobre as
companhias abertas, além da introdução e ampliação de alguns dispositivos, previstos na Lei das
S.A., de proteção ao acionista minoritário. No entanto, constatou-se que essas reformas não lograram
promover efeitos positivos significativos sobre o nível de desenvolvimento do mercado de capitais,
não sendo possível, então, diante da experiência do mercado de capitais no Brasil no período
decorrido de 1976 a 1986, estabelecer uma relação direta positiva entre regulação e desenvolvimento
do mercado.
Abstract
This thesis examines the impact of the creation, in 1976, of the Brazilian Securities and Exchange
Commission - the federal agency responsible for regulating the national securities market. In view of
gross market inefficiencies and lack of shareholder power to monitor both the publicly held
companies and intermediate institutions, it was deemed necessary that the federal government
establish standards and pass a series of laws to oversee the conduct of all concerned. In this respect,
the objective of the thesis was twofold: 1) to determine whether the investor was, in fact, better
protected as a result of the newly-created commission, set of standards, and rules; and 2) to examine
the effects of these regulatory measures - gradually implemented between 1976 and 1986 - on the
conduct of the securities market as a whole. Item 2 is further analyzed to determine if the Brazilian
experience proved the contention, as suggested by the legal finance school, that the most highly
regulated stock markets are also the most highly developed. The results showed that the protective
measures instituted by the Commission, at least in comparison to the pre-1976 scenario, were able to
create a safer environment for the shareholder by requiring that investors receive financial and other
relevant information and by significantly reducing the number of irregular public offerings. In
addition, the new corporate laws also determined that the minority shareholder be more fully
protected. It was found, however, that these reforms did not appear to have had a significant effect on
the level of development of the Brazilian securities market from 1976 to 1986. In this context, it was,
therefore, not possible to establish a direct relationship between regulation and development of the
securities market in Brazil during that period.
7
Introdução
A importância do mercado de capitais é, de acordo com a visão mais comumente veiculada,
atribuída ao seu papel na formação de poupança para o investimento. Diferentemente, a
teoria pós-keynesiana nos oferece uma visão particular sobre esse tema. Keynes, em sua
visão do multiplicador da renda, defende que o investimento agregado enquanto gasto
autônomo não exigiria poupança agregada prévia. Isto porque, a obtenção por parte das
empresas de recursos para seus investimentos sob a forma de financiamentos bancários
dependeria da disposição dos bancos de elevar seu grau de alavancagem, e, portanto, seu
nível de fragilidade financeira. Mas, o mercado de capitais poderia exercer uma função
fundamental, qual seja: se a poupança gerada por esses investimentos, através do processo
do multiplicador da renda, pudesse ser direcionada para ativos de longo prazo, emitidos por
essas empresas, proveria-se o funding, que permitiria reduzir o risco dos investimentos em
capital fixo e garantir a estabilidade do processo de crescimento.
Dentre os vários fatores que influem no comportamento dos mercados de capitais, o presente
estudo se propõe a investigar qual papel pode ser reservado especificamente ao fator
regulação. A tese examina, mais especificamente, os impactos da criação da Comissão de
Valores Mobiliários como reguladora do mercado de capitais no Brasil, ao longo do período
compreendido entre 1976 e 1986. Tem como objetivo também avaliar, a partir da
experiência brasileira, as proposições que ressaltam o fator regulatório e legal como fatores
determinantes para o desenvolvimento desses mercados.
As regulações desenvolvidas para os sistemas financeiros podem ser subdivididas, grosso
modo, em dois tipos. A regulação prudencial, basicamente voltada para instituições
bancárias, que consiste em impor restrições em termos de composição de ativos e passivos e
em termos de riscos assumidos pelas operações do balanço. Seu objetivo é reduzir o risco de
falência dessas instituições e, por conseguinte, afastar o risco sistêmico e promover a
estabilidade do sistema financeiro como um todo. Nesse caso, os agentes regulados são as
instituições financeiras.
Uma segunda linha de regulação é aquela voltada à integridade e à eficiência dos mercados,
que é o caso da regulação adotada para o mercado de capitais, será esta, portanto, a linha
aqui abordada.
8
Essa regulação consiste em definir regras de atuação para os agentes e instituições
participantes, as quais abrangem exigências de disponibilização de informações, regras de
especialização e conduta, dispositivos de proteção, proibição do uso de informação
privilegiada, de emissões irregulares etc. O objetivo é, fundamentalmente, proteger o
investidor e afastar práticas de manipulação, abusos e fraudes. Apesar de que essa regulação
atue sobre as instituições financeiras intermediárias (corretoras, bancos de investimento,
auditores independentes etc.) seu foco não é no balanço contábil dessas instituições, mas nos
produtos e serviços que oferecem.
A constituição de mercado de capitais desenvolvido, em particular, em países menos
desenvolvidos, tem-se demonstrado tarefa complexa. Para o caso brasileiro, foram vários os
momentos em que tal preocupação se fez presente na agenda dos Governos brasileiros na
forma da implementação de esforços regulatórios. Foi nos anos 60 que se deram as
primeiras iniciativas de mais vulto voltadas para o mercado de capitais no Brasil. Nos anos
70, o Governo brasileiro editou uma nova rodada de iniciativas mais profundas nessa
direção. Cumpre ressaltar que essas iniciativas se deram, portanto, bem antes dos processos
mais recentes de liberalização e de globalização financeira, que promoveram estímulo para o
desenvolvimento de mercados de títulos em vários países.
Vários são os motivos que têm sido levantados como empecilhos para a obtenção de
resultados mais sólidos nesse campo. Contudo, a finalidade principal desta tese é examinar
de que forma o desenvolvimento da regulação e a atividade de monitoramento, realizados
pela CVM, puderam contribuir para o mercado de capitais no Brasil. A análise abrange os
primeiros dez anos após a constituição do novo órgão regulador, com o intuito de observar
quais foram os primeiros impactos de sua atuação.
Visando a cumprir o objetivo almejado, serão analisados a regulação implementada e o
comportamento do mercado ao longo desse período.
A análise do mercado de capitais compreenderá os segmentos de ações e de debêntures.
Apesar de que hoje o mercado de capitais contemple gama mais ampla de títulos e valores
mobiliários, no período em análise, o mercado brasileiro consistia-se basicamente desses
dois segmentos.
9
Nesse sentido, a tese prioriza a análise dos dispositivos legais e regulatórios voltados mais
especificamente para a atuação das companhias emissoras de ações e debêntures - as
companhias abertas. Dessa forma, serão examinados, fundamentalmente, a regulação que
tratou de divulgação de informações das companhias e os dispositivos mais importantes da
Lei das S.A., promulgada em 1976, que proveram suporte às atividades da CVM voltadas à
proteção do acionista minoritário.
Os capítulos estão subdivididos em duas grandes partes. A primeira apresenta a abordagem
teórica. O Capítulo 1 analisa as principais características que distinguem crédito e títulos
enquanto fonte de recursos para as empresas. O Capítulo 2 apresenta a Hipótese de
Mercados Eficientes – HME e as críticas a ela direcionadas por diferentes escolas. O
Capítulo 3 discute o monitoramento dos acionistas sobre as companhias emissoras de títulos
e o papel que pode ser exercido pelo Estado. O Capítulo 4 estuda a evolução do mercado de
capitais nos Estados Unidos, a partir do final do séc. XIX e a implementação de órgão
regulador específico e regulação no âmbito federal para esse mercado.
A segunda parte trata do caso brasileiro. O Capítulo 5 apresenta o ambiente regulatório para
o mercado de capitais resultante das reformas dos anos 60. O Capítulo 6 examina a atuação
normativa da CVM sobre as companhias abertas e os dispositivos da Lei das S.A. mais
importantes. O Capítulo 7 avalia o comportamento do mercado de capitais no período
compreendido entre 1976 e 1986.
10
1ª parte:
Mercado de Capitais e Regulação - a Abordagem Teórica
11
Capítulo 1 – Sistemas e Mercados Financeiros
1.1 – Sistemas Financeiros e Crescimento Econômico
Em economias com formas de organização mais primitivas, a possibilidade de expansão da
capacidade produtiva estaria condicionada à reserva de parte do produto corrente, ou
excedente, que, não sendo utilizado para consumo, poderia ser direcionado para a expansão
da produção futura.
Em economias modernas de mercado, onde a produção é organizada por empresas, a
ampliação da capacidade produtiva requer a compra de bens de capital que, por sua vez,
exige recursos disponíveis por parte da unidade investidora e, ainda, expectativa positiva
acerca do retorno monetário que a receita derivada desses investimentos possa originar.
Na literatura econômica, a relação entre desenvolvimento financeiro e desenvolvimento
econômico já havia sido ressaltada por Gurley e Shaw1, nos anos 50. Mais recentemente
uma literatura empírica tem analisado indicadores de desenvolvimento financeiro para
diversos países e confirmado uma relação positiva entre desenvolvimento financeiro e
econômico2.
A existência de transações financeiras entre os agentes torna possível às unidades que
desejem gastar mais do que os recursos próprios que têm disponíveis, a emissão de
obrigações financeiras, mediante as quais se obrigam a pagar no futuro um determinado
fluxo de recursos, em troca de recursos imediatos para efetuar seus planos de gastos
correntes.
O ofertante de recursos emprestáveis, por outro lado, troca poder de comando sobre recursos
no presente por promessa de recebimento de fluxo futuro, seja porque não possui a
capacidade empreendedora para utilizar esses recursos, ou porque o retorno esperado de
1
Gurley J. G. e Shaw, E. S. (1955). “Financial Aspects of Economic Development” in The American Economic
Review, Vol. XLV, no 4, September.
2
Ver, por exemplo, Beck, Demirgüç-Kunt, Levine e Maksimovic (2000). “Financial Structure and Economic
Development: Firm, Industry and Country Evidence”, mimeo, w.w.w.worldbank.org., agosto.
12
seus próprios projetos é menos promissor do que os resultados prometidos pela unidade que
está a demandar recursos, não justificando os riscos que teria que correr.
Seria possível, assim, caracterizar unidades superavitárias como aquelas cujos gastos
correntes são menores que o poder de compra que elas têm disponível. Essas unidades
podem, assim, converter poupança em poupança financeira, mediante a aquisição de ativos
financeiros e, desse modo, disponibilizar recursos para as unidades deficitárias. As unidades
deficitárias são, então, as demandantes de poupança financeira.
Dessa forma, o
desenvolvimento e o aprofundamento das relações financeiras viabilizam a separação entre
quem possui comando sobre a renda social e quem vai utilizá-la efetivamente (Carvalho et
al., 2000).
Supondo-se taxas de retorno diferenciadas para os ativos de capital e nível de investimento
desejado distinto por parte das unidades econômicas, existiria uma demanda potencial pelas
obrigações financeiras a serem emitidas, porque a decisão de investimento de uma
determinada unidade observaria, também, o custo de oportunidade de utilizar esses recursos
em projetos de outras unidades (Herring & Chaturspitak, 2000). Diante de tais condições, e
na medida em que existam instrumentos financeiros que interliguem os diferentes setores, a
emissão de obrigações permitiria melhorar a alocação de recursos entre os agentes e
promoveria, assim, um aumento do retorno do capital e do volume de investimento e, por
conseguinte, do crescimento econômico.
As instituições e mercados financeiros conformam os sistemas financeiros, que podem
apresentar diferentes níveis de desenvolvimento e sofisticação. São por intermédio das
instituições financeiras e dos mercados financeiros que se viabilizam as transações
financeiras as quais tomam a forma de obrigações financeiras ou promessas de pagamento.
Sistemas financeiros mais sofisticados permitem viabilizar a realização de transações
financeiras por meio dos títulos de propriedade, que são, na verdade, expectativas de
pagamento.
13
1.2 - Mercado de Crédito e Mercado de Capitais
O mercado de crédito e o mercado de capitais se distinguem entre si, fundamentalmente,
pelo canal por meio do qual são transferidos os recursos mas, também, por outros aspectos
tais como o grau de disponibilização de informações e de padronização dos contratos, as
formas de monitoramento, mecanismos de garantia, tipos de relacionamentos estabelecidos,
etc, que serão analisados a seguir.
1.2.1 - Operações intermediadas e desintermediadas
Uma forma básica de distinção entre as transações financeiras refere-se ao canal por meio do
qual é transferido o poder de compra da unidade superavitária para a unidade deficitária.
A intermediação financeira consiste no mecanismo pelo qual os recursos captados junto ao
público, que serão registrados no passivo das instituições financeiras, são disponibilizados
aos agentes deficitários, dando origem aos ativos que serão, também, registrados no balanço
dessas instituições. O exemplo mais representativo desse processo é a oferta de crédito
realizada pelos bancos comerciais a partir dos recursos captados via depósitos.
A outra modalidade de financiamento consiste na colocação de papéis no mercado. Nesta os
recursos são obtidos pelos agentes tomadores de forma direta junto ao público sem,
portanto, resultar em direitos e obrigações nos balanços das instituições financeiras
envolvidas. Nesse caso, essas instituições atuam como agentes colocadores, ou “corretores”.
Caso subscrevam esses papéis para posterior colocação no mercado, exercem função
adicional, que é a de prover liquidez a esses papéis adiantando recursos ao tomador, que
serão, de qualquer forma, obtidos mais a frente junto ao público. Esse é o caso das
operações de emissões primárias de títulos de dívida emitidos pelas empresas, de curto ou
longo prazo, como notas promissórias e debêntures, e de títulos de propriedade (ações), já há
muito disseminadas3. Nessas operações, destacam-se os bancos de investimento, como
instituições financeiras que tipicamente atuam como colocadoras e/ou subscritoras desses
papéis.
3
As operações de securitização têm, mais recentemente, apresentado novas formas de operacionalização,
nominadas de securitização secundária. Estas consistem, em linhas gerais, na atividade de “empacotar” uma
coleção de obrigações e colocá-las na forma de títulos - Asset Backed Securities, junto ao tomador final.
14
Os dois grupos de modalidades de financiamento apresentam algumas diferenças
importantes no que diz respeito ao tipo de risco assumido pelas instituições financeiras
envolvidas. No processo de intermediação financeira, a instituição bancária assume o risco
de crédito, ou seja, de não pagamento. Já no caso das operações de securitização, a
instituição financeira que atuar como subscritora está submetida ao risco de mercado, ou
seja, ao risco de perda de capital, caso o preço dos títulos caiam relativamente ao valor pelo
qual foram obtidos, ou mesmo ao risco de liquidez, caso não consiga encontrar tomadores
para esses papéis. Esses são riscos, no entanto, assumidos de forma temporária.
Evidentemente, ao atuar exclusivamente como organizadoras e colocadoras, ou “corretoras”,
essas instituições não se submetem a nenhum desses riscos, e, nesse caso, os riscos estão
sendo socializados integralmente entre os tomadores finais.
Desse modo, enquanto a colocação de títulos em mercado promove uma dispersão
horizontal do risco entre um grande número de investidores, a concessão de crédito pelas
instituições bancárias está associada a um modelo de distribuição vertical e intertemporal do
risco que se dá no âmbito do balanço dessas instituições (Sarcinelli, 1996).
Do ponto de vista do tomador de recursos, a socialização do risco de crédito, viabilizada
pela colocação de papéis, seria uma forma de reduzir o custo de captação de recursos
relativamente ao custo de obter crédito, somado ao fato de que o desenvolvimento de
mercados secundários daria liquidez aos estoques de papéis existentes, sendo mais um
atrativo para esses ativos. No entanto, essas vantagens dependeriam do cumprimento de um
conjunto de condições adicionais, como veremos adiante.
Os mercados primários de títulos consistem naqueles onde os ativos, depois de emitidos
pelas empresas, são distribuídos, ou seja, ofertados pela primeira vez, originando, no caso de
títulos de dívida, uma obrigação para o agente emissor e um direito para o detentor. Já no
caso de títulos de propriedade, as emissões no mercado primário permitem ampliar o capital
da empresa. A propriedade do capital torna o detentor do título de propriedade um sócioproprietário, repartindo os riscos do negócio, e a ela associa-se uma expectativa de
pagamento na forma de dividendos.
15
Mercados secundários são aqueles nos quais os detentores dos ativos podem transacionar
tais direitos entre si. Os mercados de títulos costumam apresentar maior liquidez do que o
mercado de crédito.
De acordo com Zysman (1993) entre vários outros, a predominância em uma economia de
uma das duas modalidades de financiamento acima apresentadas é basicamente o que
permitiria classificar o modelo de sistema financeiro adotado nessa economia como um
modelo com base no mercado de capitais ou com base no crédito. Desse modo, com base
numa abordagem de estoques, o sistema financeiro com base em mercado de capitais
apresentaria, dentre os ativos detidos pelos agentes não financeiros, uma participação mais
significativa de títulos, enquanto que o sistema financeiro com base em bancos teria uma
maior participação de obrigações bancárias na forma de depósitos.
1.2.2 – Mercados privados e mercados públicos – a questão informacional
Os diferentes canais de transferência de recursos têm níveis bem distintos de transparência
de informações acerca das unidades deficitárias, fator este que diferencia os mercados
públicos dos privados. As empresas não financeiras serão o foco da análise no nosso caso.
Os mercados privados se distinguem pela existência de um baixo nível de transparência das
informações relativas à empresa demandante de recursos. O crédito bancário é um exemplo
de um instrumento transacionado em mercado privado. Para autores como Goodhart, na
presença de problemas de informação justifica-se a existência de instituições bancárias, sem
as quais os mercados financeiros seriam ditos incompletos. Os bancos especializam-se em
reunir informações facilitando as atividades de emprestar e tomar emprestado4.
Os bancos detêm informações acerca das empresas/clientes seja porque avaliam essas
empresas no momento em que decidem conceder o crédito, seja porque recebem
informações ao longo da vigência do financiamento. Dessa forma, ao reunir e levantar
informações, diz-se que os bancos produzem informações que, no entanto, não
disponibilizam e nem negociam, mantendo-as privadas e usando-as internamente.
4
Para Goodhart (1989), o aspecto informacional é determinante para explicar a existência de instituições que
intermediam recursos: “With no private information financial intermediation would be irrelevant to economic
activity as in the Miller-Modigliani analysis” (Goodhart, 1989).
16
Por outro lado, em decorrência do uso privado de informações, os bancos podem auferir
rendas de informação (Gorton, 2002). De acordo com Fischer, isto se dá a partir do
momento que o banco detém a informação acerca do nível de risco de crédito da empresa.
Fischer propõe, assim, um modelo de dois períodos. No primeiro momento o banco
desconhece para que tipo de devedor está concedendo o crédito, mas provê o financiamento
na expectativa de que, no segundo momento, quando puder distinguir quais são as firmas
com boa qualidade de crédito, poderá obter rendas de informação. Portanto, terá um prejuízo
resultante de sua falta de informação, no primeiro momento, quando empresta para empresas
boas e ruins, e obterá ganhos num segundo momento, quando poderá distinguir as empresas
que são boas devedoras e usufruir disto por ser o único a deter esse conhecimento. Devido
às informações privadas que possui sobre essas firmas, relativamente à falta de informações
de seus concorrentes, deterá um poder de monopólio, podendo cobrar taxas de juros mais
elevadas do que as que seriam compatíveis com o nível de risco das mesmas. Por outro lado,
tal possibilidade reduziria o problema de seleção adversa no caso das firmas em questão,
que pagariam mais caro, mas não estariam submetidas ao racionamento de crédito5.
Com relação a esse aspecto, os bancos universais apresentariam uma vantagem com relação
aos bancos especializados, porque a partir da relação multifacetada com as empresas
tomadoras, derivada do diferenciado conjunto de serviços que oferece, podem obter uma
gama de informações sobre diferentes aspectos financeiros daquelas empresas, usufruindo
de economias informacionais de escopo. A regulação, no entanto, pode impedir ou dificultar
a ocorrência de economias desse tipo quando estabelece mecanismos do tipo Chinese walls,
que visam exatamente evitar a troca de informações não públicas entre diferentes setores de
uma instituição financeira.
Os mercados públicos caracterizam o espaço de negociação dos instrumentos de
financiamento direto, ações e títulos de crédito (de curto e longo prazo). Esses mercados
requerem um maior grau de disponibilização de informações acerca dos emissores dos
títulos, o que, por sua vez, requer a atuação de um conjunto de agentes e instituições que
irão elaborar, auditar, registrar, divulgar, coletar, analisar e interpretar tais informações. Por
conseguinte, esta maior transparência requer, por um lado, um sistema financeiro mais
5
Esse modelo é apresentado em Edwards and Fischer (1994) tendo como referência Fischer, K., tese de PH.D
não publicada, University of Bonn, 1990.
17
sofisticado no que se refere à diversidade de agentes e instituições atuantes e implicará, por
outro, custos para as empresas e para os investidores.
Uma maior transparência nos mercados públicos é obtida, em geral, em decorrência de
fatores como: demonstrações financeiras auditadas, emissão de títulos negociáveis que
estejam continuamente cotados no mercado, registros em instituições reguladoras, o
conhecimento público acerca dos contratos que estabelecem com seus fornecedores,
consumidores e mão de obra, etc.
1.2.3 – Contratos padronizados e contratos idiossincráticos
O crédito bancário resulta do estabelecimento de um acordo particular privado entre o banco
e o seu devedor, onde as condições e compromissos constantes do contrato de empréstimo
(custo, prazo, cláusulas restritivas, garantias) são desenhados caso a caso, de acordo com as
necessidades de financiamento do tomador e as necessidades de segurança do financiador,
frente à avaliação de crédito que possui. Estes são, em geral, contratos complexos e
estruturados que podem ser desenhados em conformidade com cada tomador. Em suma, são
os chamados contratos indiossincráticos ou contratos feitos sob medida, como denominam
Herring & Chaturspitak (2000) e são, por isso, transacionados no mercado de balcão. Em
decorrência, tais contratos apresentam uma menor substitutibilidade, sendo por tanto menos
líquidos.
Os títulos, sejam de propriedade ou de crédito, tendem a ser contratos mais padronizados e,
diferentemente do crédito bancário, dizem respeito a uma relação da empresa que se dá com
vários investidores anônimos simultaneamente.
Comparativamente aos contratos de crédito bancário, que tendem a ser mais minuciosos e
complexos, os contratos dos títulos corporativos de crédito seriam mais simples e objetivos.
Já no caso das ações, como ressalta Williamson (1984), os acionistas possuem com a
empresa um contrato em aberto sem proteções específicas. São estabelecidas regras gerais
relativas aos direitos e deveres dos acionistas e da companhia, usualmente previstas no
estatuto da companhia, e a distribuição de dividendos depende da ocorrência de lucro.
18
1.2.4 - Relacionamento de longo prazo e negociação
Uma forma importante de distinguir o mercado de crédito e o mercado de capitais seria o
tipo de relacionamento que se constitui nas transações financeiras que se estabelecem.
Conforme afirmam Allen e Gale (2000):
“Any financial transaction involves time in an essential way, so any financial transaction
establishes a relationship of some sort between the parties to the transaction. For example, if a
firm sells bonds to investors, the investors become stakeholders in the company. But this is rather
loose kind of relationship. There may be a large number of investors and they can sell their bonds
at any time, so they have little incentive to monitor the firm and the firm has little incentive to
find out about them. On the other hand, if the firm obtains a loan from a bank, a different sort of
relationship, and it is more likely to be a long-term relationship. It may be a multifaceted
relationship, as the bank may be providing many different services to the firm. We should expect
this kind of relationship to provide different information flows and different incentives to monitor,
cooperate, and co-insure” (Allen and Gale, 2000, p. 315).
No caso do mercado de crédito, o possível estabelecimento de uma relação de confiança
entre as partes, propiciada pela relação bilateral existente, entre os demandantes e o banco
permitiria acordos implícitos. Nessas condições, menos importante seria o papel do contrato
em si, e mais fundamental seria o que está estabelecido entre as partes. Como está relação
não estaria, principalmente, regida por regras e instrumentos externos, pode ser considerada
como uma relação autogovernável (Rajan e Zingales, 1995).
Por outro lado, no caso dos detentores de títulos em circulação no mercado tende a se
estabelecer uma relação mais frouxa com os demandantes de recursos, onde não existiriam
acordos tácitos, mas somente as obrigações e direitos que estariam acordados
explicitamente.
A partir dessas considerações é possível considerar a realização de contratos ditos
incompletos como uma das conseqüências de relacionamentos de longo prazo no âmbito das
transações financeiras que envolvem banco e empresa. Tais contratos diferenciam-se dos
contratos completos porque não prevêem integralmente todas as contingências possíveis e
19
permitem processos de renegociação como mecanismo de adaptação às contingências não
esperadas6.
Os
contratos
incompletos
tornariam
os
processos
de
renegociação
desejáveis,
principalmente, porque não seriam contraditórios com o poder disciplinador do
monitoramento7.
As atividades de renegociação, como também de monitoramento, são mais facilmente
exercidas quando há concentração de recursos no lado do ofertante. Isto se deve, em parte,
porque a concentração implica que há poder de decisão, mais difícil de ocorrer no caso dos
investidores pulverizados de títulos. Ademais, o rescalonamento ou a renegociação da dívida
é uma possibilidade concreta na relação banco/cliente, o que é, de certa forma, facilitado por
ser uma relação bilateral, e que envolve também um horizonte mais longo de tempo e outras
atividades e produtos, fatores que poderão ser pesados em conjunto.
Nas formas de financiamento direto, menores são as facilidades para as atividades de
monitoramento e de renegociação, devidas, em grande medida, a um maior grau de
pulverização dos ofertantes de recursos e a necessidades mínimas de padronização de ativos
negociados em mercado.
A existência de um relacionamento de longo prazo entre o banco e empresa traria, também,
implicações para a precificação do crédito. O financiador poderia oferecer uma taxa abaixo
do mercado no curto prazo e recuperar suas perdas com uma taxa acima do mercado no
6
A hipótese de constituição de contratos incompletos seria justificada para alguns autores devido aos custos
de realizar contratos completos: “Because the high transaction costs of writing complete contracts, some
potentially Pareto-improving contingencies are left out of contracts and securities” (Allen and Gale, 2000,
p.319). Para outros o fator impeditivo não são os custos que decorrem da complexidade desses contratos, sob
incerteza seria impossível estabelecer contratos completos porque não seria possível prever todas as
situações possíveis (ver discussão Capítulo 2).
7
Para Dewatripont and Naskin (1995) a hipótese de contratos incompletos é entendida como crucial para a
discussão do papel da renegociação. Isto porque no caso dos contratos ditos completos, a possibilidade de
renegociação traria restrições, e, portanto, custos adicionais, ao tipo de contrato ou acordo que seria viável.
Esses seriam derivados de problemas potenciais de inconsistência temporal decorrentes das dificuldades do
financiador em manter o compromisso de recusar prover fundos adicionais, em caso de inadimplência do
devedor. Isto porque a decisão de suspender o crédito seria uma decisão ótima numa perspectiva ex-ante, mas
em termos ex-post poderia ser sub-ótima, caso, os fundos fossem considerados já perdidos e a empresa
acenasse com um novo projeto lucrativo. Dessa forma, a possibilidade de renegociação tenderia a limitar o
poder disciplinador do monitoramento na forma da ameaça de suspensão do crédito e ambas as partes
tenderiam a ter seu bem estar reduzido ex-ante. Nesse caso, monitoramento e renegociação seriam atividades
contraditórias. Allen and Gale (2000) duvidam da força empírica desse argumento teórico. Dentre os
argumentos levantados por esses autores destaca-se o entendimento de que o efeito disciplinador da
suspensão do crédito poderia ser mais limitado do que se supõe, devido à existência de outras fontes de
financiamento.
20
longo prazo (subsídios cruzados intertemporais), quando a firma estiver saudável e puder
arcar com seus pagamentos. O fator reputação, quando se trata de uma relação que se repete
no tempo, estimularia uma atitude de cooperação por parte dos bancos.
Entretanto, em contrapartida à cooperação, os bancos procurariam garantir poder de
monopólio a fim de auferir rendas de relacionamento ou rendas de reputação. Esse poder
visaria garantir o retorno no longo prazo, assegurando que nos momentos em que o banco
cobrasse uma taxa mais alta que a do mercado, compensando os períodos em que cobrou a
menor, as empresas não pudessem ir à busca de outros credores. Desse modo, os subsídios
cruzados parecem pressupor relação exclusiva, ou talvez, ao menos claramente diferenciada,
comparativamente aos demais bancos que viessem a prestar serviços à empresa.
1.2.5 – Exigências na forma de colaterais e garantias
Na medida em que o cadastro dos clientes é de acesso exclusivo do banco, ou seja, não está
disponível a outros intermediários, exceto a um custo (Allen and Galle, 2000) e, ainda que a
realização do valor imputado aos ativos correspondentes depende, em grande medida, da
habilidade do intermediário em realizá-lo (Rajan e Zingales,1995), resulta que os créditos
bancários possuem baixo grau de liquidez. Como ressalta também Llewelllyn (1999):
“asymmetric information means that the value of a banks assets´(loans) is based on inside
information possessed by the bank (because it manages the borrower´s payments account and has a
long term relationship with the customer) that cannot be transferred with credibility in a secondary
market or to another institution. Put another way, a banks´ assets (loans) are valued more highly on
a going-concern basis than on a liquidation or break-up of the bank” (Llewellllyn, 1999, p.14).
Em conseqüência decorre que, no caso de inadimplência dos devedores, os bancos não
poderiam recuperar os recursos emprestados facilmente e sem perdas. Em contrapartida os
bancos podem exigir colaterais, ou seja, ativos de propriedade dos tomadores de recursos
como garantia.
Fundamentalmente, as exigências na forma de colaterais facilitam a transação financeira
porque, primeiramente, é menor o custo de avaliar o valor dos ativos dados em garantia do
21
que o valor da própria empresa, que depende de cálculo do fluxo de caixa futuro e, em
segundo, porque estabelece direitos dos credores sobre esses ativos.
No caso dos títulos de dívida as garantias assumem papel menos importante, seja devido ao
maior nível de transparência desses contratos, ou à existência de mercados secundários, ou
ainda porque suas condições estejam fortemente determinadas pelo rendimento oferecido e
pela percepção do mercado acerca do risco da empresa emissora. Em muitos casos esses
contratos podem não oferecer garantias ou apenas garantias flutuantes8.
No caso das ações, a empresa está compartilhando o risco com seus investidores, de forma
que os acionistas não possuem nenhum tipo de garantia, a sua parte no capital da companhia
varia com as condições financeiras e econômicas da empresa.
1.2.6 - Exit e Voice como mecanismos corretivos (disciplinadores) dos contratos
financeiros
De uma maneira geral as transações de compra e venda de produtos e serviços envolvem o
risco de que ambas as partes não cumpram o que foi acordado. Tal risco costuma ser
contrabalançado com diferentes mecanismos de proteção, em grande parte, de caráter
preventivo, corretivo ou compensatório, conforme o caso9.
Os contratos de produtos e serviços financeiros não são diferentes. Os contratos financeiros
diferenciam-se dos contratos não financeiros por aglutinarem um grande número de
características especiais que elevam o risco mencionado, e que estão presentes nesses
últimos, porém, de maneira mais dispersa (Llewellyn,1999).
Dentre essas características, destaca-se o fato de que, num sentido mais geral, a qualidade
dos contratos financeiros não pode ser verificada a não ser com algum custo.
8
As garantias flutuantes asseguram um privilégio geral sobre o ativo da companhia, mas não impedem
negociações envolvendo os bens que compõem esse ativo e, por isso, se diz que são flutuantes.
9
O mecanismo de proteção utilizado nos contratos privados vai depender de fatores como a freqüência com
que o bem ou serviço são consumidos ou o seu nível de padronização. A falta de experiência do consumidor,
ou seja, uma menor freqüência na utilização de um produto ou serviço, pode ser compensada pelo fato de que
caso sejam produtos mais padronizados, poderão sofrer processos de classificação, que servirão de
referência para o consumidor.
22
Para vários casos o valor do contrato pode não estar sujeito a avaliações objetivas. Isto
ocorre, por exemplo, quando o valor de compra deve considerar os resultados de um longo
período de tempo ou quando esses resultados somente emergem após um determinado
período de tempo após a assinatura do contrato.
Observa-se, também, que quando se trata de transações financeiras de longo prazo prever
todas as contingências pode ser difícil ou impossível 10.
Destacam-se os problemas de informação associados ao fato de que as partes podem possuir
níveis de informação distintos - assimetria de informação e, em decorrência, problemas de
seleção adversa e de agente-principal.
Em geral, atribui-se, dependendo do tipo de contrato financeiro, seja de crédito, ou de título
de capital ou de dívida, diferentes mecanismos através dos quais as instituições financeiras,
e/ou detentores de títulos, exercerão sua influência sobre as empresas, visando garantir o
retorno dos recursos disponibilizados, reduzindo o risco de não cumprimento do contrato.
Nesse sentido, Zysman (1983) ressalta os dois mecanismos usualmente destacados como
fundamentais: o mecanismo de “saída” (exit) e o mecanismo de “voz” (voice).
Tendo inicialmente como referência o mercado de bens, o mecanismo de “saída” estaria
associado à decisão do consumidor de mudar para o produto de uma outra firma quando essa
declinasse em sua performance, comparativamente às demais. Constitui-se, portanto, num
mecanismo de mercado, ou seja, a mudança promovida pelo consumidor colocaria em
movimento forças de mercado11.
10
Segundo a escola neo-institucionalista, de acordo com o conceito de racionalidade limitada, estes custos
estariam associados ao grau de complexidade que esse exercício encerraria e explicariam, por outro lado, a
existência de contratos incompletos. De acordo com a escola pós keynesiana, sob incerteza seria impossível
estabelecer contratos completos, dada a precariedade das informações disponíveis não seria possível prever
em contrato todas as situações possíveis (ver discussão Capítulo 2).
11
Hirschman (1970) demonstra sua surpresa com o fato de que “...the precise modus operandi of the exit
option has not received much attention (…) Most authors are content with general references to its ‘pressures’
and ‘disciplines” (p21). Adicionalmente, o autor ressalta que: “as far as I have been able to ascertain, no study,
systematic or casual, theoretical or empirical, has been made of the related topic of competition’s ability to lead
firms back to ‘normal’ efficiency, performance, and growth standards after they have lapsed from them” (p.22).
Numa análise mais detida desse mecanismo seria possível contrapor, por exemplo, o entendimento geral de
que estaria de antemão garantida a eficiência desse mecanismo pelo fato de que se supunha também
garantida a rapidez com que seus efeitos deveriam se proliferar. No entanto, no entendimento de Hirshman a
eficiência desse mecanismo não repousa, ao contrário do que usualmente se defenderia, na velocidade com
que seus efeitos se disseminam:
23
Com relação a esse mecanismo de “saída”, de acordo com Hirshman (1970), podem ser
observadas algumas características gerais. É um mecanismo cujas sinalizações podem ser
claramente definidas: ou o consumidor sai ou fica. Nesse caso, não há um confronto entre
consumidor e firma, o sucesso ou fracasso são observados através dos resultados estatísticos
que vão se apresentando. Esse é, então, um mecanismo impessoal. E, além disso, como a
esperada recuperação da firma com fraca performance seria um co-produto não intencional
da decisão do consumidor de mudar, pressupõe, também, mecanismo de correção indireto.
No caso dos títulos é a existência de mercados secundários organizados que permite que o
mecanismo de “saída”, em caso de discordância acerca das condições oferecidas pelo ativo
financeiro, possa ser largamente utilizado pelos investidores, porque simples, rápido e com
baixos custos. É evidente que tal possibilidade dependerá do atributo de liquidez do ativo
em questão, ou seja, a sua capacidade de ser trocado por moeda, ou seja, vendido,
rapidamente sem perda de valor 12.
Um segundo ponto a ser observado refere-se a como tal mecanismo poderia atuar de forma
corretiva. O subproduto esperado, porém não intencional, dos movimentos de saída e
entrada dos investidores seria: ao afetarem os preços no mercado secundário e, por
conseguinte, a procura e a alocação de fundos em favor desses ativos, promoveriam uma
pressão sobre as empresas emissoras ao definir quais as condições das colocações desses
ativos no mercado primário. Veja-se, então, que para o caso do mercado financeiro,
comparativamente ao caso do mercado de bens, agrega-se um fator adicional que faz o
subproduto esperado depender de um mecanismo ainda mais indireto, ou seja, dos efeitos da
atuação dos investidores de um determinado mercado sobre outro mercado.
“For competition (exit) to work as a mechanism of recuperation from performance lapses, it is generally best for a firm to have
a mixture of alert and inert customers. The alert customers provide the firm with a feedback mechanism which starts the effort
at recuperation while the inert customers provide it with the time and dollar cushion needed for this effort to come to fruition.
According to traditional notions, of course, the more alert the customers the better for the functioning of competitive markets.
Consideration of competition as a recuperation mechanism reveals that, although exit of some customers is essential from
bringing the mechanism into play, it is important that other customers remain unaware of, or unperturbed by, quality decline: if
all were assiduous readers of Consumer Reports, or determined comparison shoppers, disastrous instability might result and
firms would miss out on chances to recover from their occasional lapses” (Hirschman, 1970, p.25).
12
Para os mercados de títulos, a figura do market maker é essencial para garantir que haja uma permanente
oferta e demanda do ativo sem significativas variações de preços. A capacidade deste em prover liquidez
estará, por sua vez, condicionada a capacidade de obter recursos, que, em última instância, dependerá da
liquidez proporcionada pelo Banco Central. Ver Davidson (1978).
24
Já o mecanismo de “voz”, tendo como referência mais uma vez o mercado de bens, refere-se
à tentativa do consumidor de mudar a prática, a política ou os produtos da firma cujos
produtos ele consome. Em comparação ao mecanismo de “saída”, o mecanismo de “voz”
tende a ter um espectro mais amplo de sinalizações possíveis a serem dadas pelo
consumidor, tende a ser mais pessoal e caracteriza-se como um mecanismo corretivo direto.
No mercado de crédito destaca-se a utilização do mecanismo de voz (voice), visto que os
intermediários financeiros usariam sua posição para opinar e exercer influência sobre os
negócios da empresa, ou seja, para monitorar as atividades da empresa credora. Nesse caso,
seria mais difícil a utilização de mecanismos de saída. Nesse sentido, Zysman ressalta as
especificidades da relação entre bancos e firmas quando do empréstimo de longo prazo,
devido aos riscos assumidos pelos bancos.
Dessa forma, numa primeira aproximação, dentro de uma lógica mais micro, ficam claros os
elementos disciplinadores básicos usualmente citados que sustentariam os dois tipos de
transação financeira: o monitoramento, ou “voz”, que predominaria no sistema com base em
bancos, e os mercados secundários, ou mecanismo de “saída”, no sistema com base em
mercados.
1.3 - Conclusão
Da discussão acima apresentada, deriva-se que títulos e crédito possuem características bem
distintas no que se refere a um conjunto bem amplo de aspectos. Além disso, tanto do ponto
de vista dos agentes deficitários, quanto dos agentes superavitários, estão associados, em
geral, custos, sejam monetários e/ou não monetários, às vantagens que cada tipo de
transação financeira, em tese, pode oferecer.
Dessa forma, o mercado de crédito bancário caracteriza-se por operações intermediadas que
são realizadas em mercados privados, podendo, assim, atender a demanda de recursos por
parte das companhias que possuam baixo de grau de transparência. Porém, ao possuírem
informações privilegiadas sobre as empresas, os bancos podem auferir rendas
informacionais.
25
Já o mercado de títulos caracteriza-se por transações financeiras desintermediadas,
realizadas no âmbito do mercado público. Mercados mais transparentes seriam, em tese,
uma vantagem para o investidor e também para as empresas, que poderiam ter ampliadas
sua capacidade de obter recursos. No entanto, maior transparência implica custos para
ambos, monetários e não monetários, e um maior grau de sofisticação exigido para o sistema
financeiro.
Do ponto de vista da empresa, a socialização do risco de crédito, viabilizada pela colocação
de papéis, seria uma forma de reduzir o custo de captação de recursos relativamente ao custo
de obter crédito. No entanto, isso dependeria da formação de mercados secundários líquidos
para esses títulos, que dentre outros requisitos requer uma maior transparência de suas
informações.
Adicionalmente, as transações entre bancos e empresas tenderiam a gerar relações de mais
longo prazo e contratos idiossincráticos que permitiriam arranjos implícitos entre devedor e
credor, facilitados por uma maior possibilidade de negociação e de monitoramento. Porém,
em troca das vantagens que essa relação poderia oferecer para as empresas, os bancos
procurariam auferir rendas de reputação.
Comparativamente, nas formas de financiamento direto, devido, em grande medida, a um
maior grau de pulverização dos ofertantes de recursos e às necessidades mínimas de
padronização dos ativos negociados em mercado, são mais difíceis os arranjos implícitos e
as atividades de monitoramento e renegociação.
Diferentemente do crédito bancário e dos títulos de dívida, os acionistas possuem com a
empresa um contrato em aberto. São estabelecidas regras gerais, usualmente previstas no
estatuto da companhia, e a distribuição de dividendos depende da ocorrência de lucro. Os
acionistas também não possuem nenhum tipo de garantia - sua parte no capital da
companhia varia com as condições financeiras e econômicas da empresa.
Usualmente, apontam-se os mercados secundários líquidos, ou mecanismo de “saída”, como
o dispositivo de proteção do investidor contra o risco de não cumprimento do contrato para
o caso dos títulos. Por outro lado, o monitoramento ou “voz” seria o mecanismo de proteção
utilizado pelos bancos.
26
No Capítulo que segue discutiremos como diferentes escolas do pensamento econômico
compreendem a eficiência do mecanismo de “saída”.
27
Capítulo 2 – Teorias de Mercado: a leitura crítica à Hipótese dos Mercados
Eficientes
2.1 - Introdução
A Hipótese dos Mercados Eficientes – HME teve origem no debate sobre teoria das finanças
e embasou igualmente os estudos de mercado relacionados à análise do comportamento dos
títulos financeiros. Essa hipótese dominou o entendimento do comportamento do mercado
de ativos financeiros pelo menos durante a década de 70
13
, após a qual passou a ser
desafiada, primeiramente por estudos empíricos e, posteriormente, por desenvolvimentos
teóricos. Nessa seção serão discutidos seus preceitos básicos e analisados os argumentos
críticos apresentados às fundações teóricas dessa hipótese que foram desenvolvidos por
diferentes escolas.
A discussão discorre, principalmente, sobre a validade dessa hipótese no mercado de
capitais, e não no mercado de crédito, tendo em vista que a tese trata do regulador do
mercado de títulos. Nosso objetivo é investigar a eficiência do mecanismo de “saída” no
mercado de capitais, no sentido de em que medida consistiria num mecanismo de proteção
suficiente aos seus participantes.
2.2 – A Hipótese de Mercados Eficientes
O conceito de eficiência de Pareto, utilizado nas análises de equilíbrio geral para o caso do
mercado de bens, define que o sistema em equilíbrio apresentará um vetor de preços que
equilibrará a oferta e a demanda de bens e maximizará o bem estar social (ou a função
utilidade social), de forma que neste ponto não será possível melhorar o bem estar de um
indivíduo sem que se reduza o bem estar de outro. O conceito de eficiência para o mercado
de ativos requer algumas adaptações, como salienta Hermann:
“No mercado de ativo, o recurso escasso que limita o máximo relativo da função-utilidade não
são fatores de produção (como no mercado de bens), mas sim a informação a respeito das
condições de retorno e risco dos ativos. Neste mercado, portanto, o equivalente da alocação
13
O marco teórico para essa hipótese foi o artigo escrito por Fama publicado em 1970, intitulado “Efficient
capital markets: A review of theory and empirical work”, publicado no Journal of Finance, 25:383-417.
28
ótima de recursos que define a eficiência de Pareto no mercado de bens é a utilização ‘plena e
correta’ da informação disponível” (Hermann, 2002, p.62) (Grifo do autor).
Esta condição estará assegurada se a informação relevante estiver disponível para todos os
participantes ao mesmo tempo e se os preços dos ativos refletirem de forma rápida e correta
todas as informações relevantes disponíveis. Se assim for, o vetor de preços, ao se mover,
equilibra as ofertas de compra e de venda, de forma a encontrar o seu nível justo ou correto,
veiculando ou refletindo ele próprio todas as informações e eliminando as possibilidades de
ganhos de arbitragem. Conforme descreve Malkiel (1992):
“A capital market is said to be efficient if it fully and correctly reflects all relevant information
in determining security prices. Formally, the market is said to be efficient with respect to some
information set, φ, if security prices would be unaffected by revealing that information to all
participants. Moreover, efficient with respect to an information set φ, implies that it is
impossible to make economic profits by trading on the basis of φ” ( p. 739, 1992, Malkiel).
De acordo com a versão semi-forte da HME14, versão mais veiculada dessa teoria, os preços
refletiriam os fundamentos micro e macroeconômicos do mercado em questão, absorvendo,
além das informações relativas ao comportamento histórico dos preços dos títulos, todas as
informações públicas disponíveis, ou seja, balanços contábeis, notícias e anúncios relevantes
a respeito das empresas e dos títulos por elas emitidos.
Os investidores são racionais e valoram os títulos racionalmente, ou seja, de forma a refletir
seus fundamentos, qual seja, o valor presente líquido do fluxo futuro de caixa descontado,
ajustado a características de risco. Os preços incorporam todas as informações disponíveis
quase imediatamente, visto que os investidores ajustarão os preços para cima no caso de
uma informação boa e para baixo no caso de uma informação ruim, de forma que reflitam o
novo valor presente líquido do fluxo de caixa descontado correspondente ao título em
questão. Dessa forma a HME seria uma conseqüência do equilíbrio em mercados
competitivos com investidores plenamente racionais (Shleifer, 2000).
14
A HME, em sua versão fraca, afirma que os preços correntes refletem completamente as informações
contidas nas séries históricas dos preços. Em sua versão forte, a HME afirma que toda a informação sobre as
companhias que seja do conhecimento de qualquer participante do mercado se refletirá completamente nos
preços. Para uma discussão mais detalhada ver Malkiel (1992).
29
A ausência de racionalidade por parte de alguns indivíduos não constitui, porém, problema a
essa hipótese, supondo-se que os negócios dos indivíduos irracionais são aleatórios, ou seja,
não correlacionados, anulando-se entre si. Mesmo se supondo que os negócios dos
indivíduos irracionais são correlacionados, a defesa da HME ainda seria possível, se também
for possível supor que estes indivíduos são encontrados no mercado por arbitradores
racionais cuja atuação eliminaria sua influência sobre os preços.
Dessa forma, sendo válida a HME, o mercado por si só funcionaria de forma adequada, e o
mecanismo de “saída” funcionaria como forma de proteção aos agentes detentores de títulos,
por conseguinte, nesse contexto, à regulação não teria nenhum papel relevante a cumprir.
2.3 – Críticas à Hipótese dos Mercados Eficientes
À luz das críticas apresentadas pela teoria das finanças comportamentais e pelas escolas
neo-keynesiana e pós-keynesiana serão a seguir discutidas cinco das hipóteses que se
revelam cruciais a HME: comportamento racional, eficiência das operações de arbitragem,
ausência de custo de transação, ausência de custo de informação, ausência de incerteza.
2.3.a) Comportamento irracional e as operações de arbitragem
O objeto da teoria das finanças comportamentais – TFC é o estudo da falibilidade humana
em mercados competitivos (Shleifer, 2000). Essa escola tem como foco as conseqüências
sobre os preços e outras dimensões do mercado de um comportamento humano tendencioso,
ignorante e confuso no âmbito de mercados financeiros competitivos, em contraste com o
assumido pela HME.
O aspecto central para a teoria das finanças comportamentais no que se refere a sua crítica à
HME poderia estar representado na formulação da seguinte questão: o que poderia impedir a
utilização correta pelos agentes das informações relevantes disponíveis, de forma que os
preços não refletissem os chamados fundamentos? A questão que se coloca para essa teoria
não é a informação em si, mas o uso que os investidores fazem dela. Comportamento
30
racional e eficiência das operações de arbitragem são as hipóteses da HME que são
discutidas por essa escola.
Uma primeira resposta a questão apresentada poderia ser: os investidores podem
transacionar com base em informações irrelevantes, ou seja, mais com base no ruído do que
na informação.
Os erros de julgamento derivariam, na teoria das finanças comportamentais, de opiniões e
preferências que estariam associadas a influências ou de ordem mais psicológica, quando
referindo-se a reações comportamentais e emocionais dos investidores frente a uma
determinada situação, ou de ordem mais cognitiva, relativas aos processos de apreensão e
percepção de uma dada situação. Em decorrência, os investidores não agiriam de forma
racional, e, portanto, sua conduta não estaria em conformidade com um determinado modelo
normativo, sendo caracterizados como “unsophisticated” ou “noise traders”.
Convém pontuar que a TFC não apresenta um modelo único, mas características de
comportamento que procuram dar conta de diferentes aspectos de operação dos mercados. O
objetivo dessa seção será apenas apresentar alguns dos aspectos e hipóteses que norteiam
alguns desses modelos. Fundamentalmente, a TFC identifica desvios comportamentais,
sejam de caráter individual ou coletivo, que podem ser classificados como de ordem
cognitiva ou de ordem emocional.
No âmbito dos desvios cognitivos de ordem individual ressalta-se, por exemplo, uma
“racionalidade limitada” que se origina das dificuldades do indivíduo, quando em situações
mais complexas, de observar e encontrar os fatos relevantes, de absorver um excessivo
volume de informações ou de mensurar a relação retorno-risco correspondente. Por isso, os
investidores teriam em mente pontos de referência que lhes serviriam de guia e poderiam se
comportar de forma a: rejeitar novos fatos que pudessem contrariar sua opinião e idéias préconcebidas, se ajustar insuficientemente a novas informações ou reagir exageradamente
quando essas informações forem finalmente confirmadas.
Dentre alguns dos demais comportamentos destacados, a teoria pontua o excesso de
confiança e a tendência à racionalização, que procuraria atribuir uma explicação a um
determinado evento mesmo que esse evento seja irracional. Os investidores construiriam
31
opiniões mais baseadas na heurística do que na racionalidade bayesiana: consideram um
histórico recente e perguntam que situação mais ampla poderia representar, tendendo assim
a extrapolar histórias passadas recentes para um futuro distante. Os investidores poderiam
ainda fazer escolhas diferentes dependendo de como um determinado problema se apresente
(framing).
Em termos dos desvios coletivos de ordem cognitiva ressalta-se uma inclinação para seguir
a tendência observada no comportamento dos demais agentes (rational mimetic
expectations), e, ainda, os comportamentos que revelam uma obediência ou respeito a
autoridades – altos executivos das empresas (os CEOs, Chiefs Executive Officer),
Presidentes de Banco Centrais e especialistas, analistas ou jornalistas, que obtenham o status
de “gurus”.
Do ponto de vista dos desvios individuais e coletivos atribuídos aos aspectos de ordem mais
psicológica, a teoria ressalta, por exemplo, a aversão a perdas, que explicaria um
comportamento no qual o investidor demonstraria uma relutância em vender ações que
perdem valor. A aversão ao risco poderia, então, ser parcial e a aversão a perdas seria maior
que a urgência de ampliar oportunidades de ganhos.
Do ponto de vista dos desvios coletivos atribuídos aos aspectos de ordem mais psicológica,
destacar-se-iam os sentimentos coletivos definidos pela situação na qual num grupo ou
multidão os indivíduos tenderiam a perder suas próprias referências, e compartilhariam das
emoções coletivas, podendo tomar ações distintas e mesmo extremas que não tomariam
isoladamente. Tais desvios referem-se ao instinto de manada, que em sua versão mais
branda definiria a tendência de seguir a tendência dominante e em sua versão mais forte
justificaria corridas ou bolhas especulativas.
A segunda hipótese da HME criticada pela TFC consiste na atuação eficaz de arbitradores
racionais, ou seja, aqueles arbitradores que não seriam sujeitos a desvios psicológicos. Tais
agentes poderiam atuar na contraparte da demanda não sofisticada e trazer os preços de volta
aos fundamentos, o que seria suficiente para sustentar a HME, mesmo considerando a
hipótese de desvios comportamentais. A eficiência da arbitragem seria uma condição crucial
no entendimento da TFC, porque, de acordo com o seu argumento os erros não seriam
aleatórios, e, portanto, não se anulariam entre si.
32
Define-se arbitragem como “the simultaneous purchase and sale of the same, or essentially
similar, security in two different markets at advantageously different prices”15.
Espera-
se, assim, que, na presença de desvios, o arbitrador atue da seguinte forma: na situação em
que o preço do título estiver sobrevalorizado constituindo-se, portanto, numa compra
prejudicial, o arbitrador venderá a posição que possui desse título e se não o possuir venderá
a descoberto, e comprará outro título que seja essencialmente similar a este, e que não esteja
sobrevalorizado, hedgeando seu risco. Ao contrário, se o preço estiver abaixo do preço que
reflete os fundamentos, constituindo-se numa boa compra, o arbitrador comprará o título
subvalorado e venderá a descoberto títulos similares hedgeando seu risco. Espera-se, então,
que na presença desse mecanismo, os preços retornarão ao seu valor correto, caindo quando
estiverem sobrevalorizados e subindo caso contrário.
Contudo, de acordo com a escola de finanças comportamentais, essa descrição não seria
suficiente para descrever a realidade das operações de arbitragem, visto que não daria conta
de duas características básicas dessas atividades: requerem capital e implicam riscos
(Schleifer, 2000). Além disso, nem sempre vendas a descoberto são permitidas pela
regulação.
Nesse sentido, o primeiro ponto importante seria o fato de que para muitos títulos não
existiriam substitutos perfeitos ou quase perfeitos, impedindo que o arbitrador faça hedge de
sua posição e limitando, portanto, que atue ilimitadamente como comprador ou vendedor,
conforme o caso
16
. Quanto menos perfeito for o título substituto mais exposto estará o
arbitrador ao risco de que as notícias acerca do título que esteja vendido sejam boas e as
notícias acerca do título que esteja comprado sejam ruins, o que ameaçaria sua estratégia de
hedge.
Porém, mesmo que existam esses substitutos perfeitos ou quase perfeitos, como os preços
não convergem para os valores fundamentais instantaneamente, os arbitradores incorreriam
em riscos, em especial de que o preço equivocado torne-se ainda mais distante de seu valor
correto antes que o desajuste desapareça. Assim, por exemplo, o arbitrador ao vender o ativo
16
De acordo com Shleifer, “an exact substitute for a given security is another security (or portfolio of security)
with identical cash flows in all states of the world. A close substitute is a security (or portfolio) with very similar
cash flows in all states of the world” (Shleifer, 2000, p.8).
33
sobrevalorizado e comprar um substituto perfeito desse ativo cujo preço está a menor sofrerá
perdas no valor de sua carteira caso o preço do ativo que detém caia ou caso suba ainda mais
o preço do ativo sobrevalorizado. Tais perdas temporárias teriam que ser sustentadas até que
os preços convergissem.
Em suma, para a TFC, o comportamento irracional e a arbitragem limitada implicariam que
mercados eficientes seriam um caso especial, pouco provável de se sustentar em condições
plausíveis, seja porque os preços poderiam reagir à informação, mas em montante
insuficiente, ou porque poderiam reagir à não informação, ou ruído, que se expressaria
através de uma demanda desinformada.
2.3.b) Assimetria de informações
O aspecto central para a escola neo-keynesiana no que se refere a sua crítica à HME poderia
ser resumida na seguinte questão: é possível considerar que todos os agentes teriam acesso
pleno às informações relevantes? A questão, então, ressaltada por essa teoria é o grau de
acesso às informações e, portanto, a hipótese da HME que é criticada por essa escola é a de
ausência de custo de informação.
A hipótese de ausência de custos de informação presente na HME permite supor que todas
as informações relevantes estarão disponíveis a todos, ou que os agentes estão plenamente
informados. Para os autores alinhados à escola neo-keynesiana, a existência de assimetria de
informações contraria essa hipótese (Stiglitz e Weiss, 1981,1988; Stiglitz e Greenwald,
2003). A ocorrência de assimetria de informações define-se como a situação na qual um
lado da transação detém informações, em geral relativas a si mesmo, que o outro lado
desconhece. A partir desse entendimento, não seria possível assegurar que todas as
informações relevantes estariam sendo amplamente disseminadas.
Além disso, em se tratando de mercado financeiro, para vários casos não há como ter
previamente uma avaliação objetiva acerca do valor do contrato. Isto ocorre, por exemplo,
quando o valor de compra de um determinado ativo deve considerar os resultados a serem
obtidos durante um longo período de tempo ou quando esses resultados somente emergem
após um determinado período de tempo após a assinatura do contrato. O não atendimento
34
dos resultados prometidos por esses ativos só seriam percebidos muito tempo depois,
quando já poderia ser tarde demais (Llewelllyn, 1999).
É possível descrever duas categorias de assimetria que estão associadas aos momentos exante e ex-post do estabelecimento da transação financeira. A primeira decorre da opacidade
de informações que seriam relevantes quando do momento de avaliação do ativo financeiro,
em especial, para a tipificação do tomador de recursos no que tange ao risco. Daí podem
originar-se problemas de seleção adversa devido às dificuldades de discernir o bom do mau
tomador 17.
A segunda categoria de assimetria estaria associada à dificuldade de obter informações ou
sinalizações acerca do comportamento do tomador de recursos ao longo do período de
vigência do contrato, que permitissem avaliar o esforço despendido para o cumprimento dos
compromissos especificados. Desta categoria originam-se os problemas de agência, ou risco
moral. Estes problemas existem quando é necessária a atuação de um “agente” para
maximizar a utilização de recursos que são de propriedade de outro, o “principal”,
ocorrendo, em decorrência, uma transferência do poder decisório, em alguma extensão, para
este primeiro. Assim, o “agente” para o qual foi passado o poder de comando sobre os
recursos pode, por exemplo, despender esforços insuficientes, ter uma preferência por
assumir riscos ou realizar gastos, ou ainda, ser pouco eficiente na tomada de decisões.
Ambas as categorias de assimetria dependem de duas condições importantes: a primeira,
derivada diretamente do conceito em questão, é que não seja possível haver uma capacidade
uniforme, ou seja, de todos os agentes, de observação de maneira direta das informações ou
das ações relevantes.
A segunda condição refere-se à existência de algum tipo de conflito de interesse potencial,
ou possível oportunismo, relativamente às partes envolvidas, que possa justificar um
desinteresse, ou mesmo intenção, de não revelar informações relevantes, e a concomitante
desconfiança acerca das informações que estão disponíveis da parte de quem disponibiliza
17
Um exemplo tradicionalmente utilizado é o da empresa de seguro que por não conhecer o risco de seus
clientes levará em consideração a média de ocorrências passadas. Ao agir assim afastará os clientes
potenciais que tendem a apresentar um menor risco, porque para esse grupo o custo definido em função do
custo médio não compensará o benefício do seguro. Ao afastar o grupo de menor risco a empresa acabará
elevando o risco médio de seus clientes.
35
os recursos. São estes os casos de relações que se estabelecem entre o banco e o credor, o
arrendador e o arrendatário, o administrador de recursos e o investidor, o administrador da
empresa e o acionista.
Com relação ao mercado de títulos, no que diz respeito à relação entre o investidor potencial
e os administradores da empresa emissora do título, haveria pelo menos duas grandes
dificuldades que resultam de problemas de assimetria de informações. Primeiro, no que se
refere às ofertas de ações no mercado primário, haveria uma dificuldade do investidor
avaliar a situação econômica e financeira da companhia de forma a distinguir quais títulos
estariam sendo emitidos com um preço sobrevalorizado, o que acarretaria desvantagem para
os novos acionistas em relação aos antigos acionistas. Tal problema revelar-se-ia
especialmente grave quando a companhia está abrindo seu capital e realiza uma oferta
inicial de ações, visto que não haveria títulos transacionados no mercado secundário cujo
preço possa servir de parâmetro, e, também, para o caso de ações com baixa liquidez.
Em segundo, tem-se o problema de agência, que tem na relação acionista/administrador um
caso clássico (Jensen e Mecklin, 1976). O acionista possuiria, em geral, uma menor
capacidade de avaliar a situação da empresa do que os administradores da mesma.
Igualmente, teria dificuldade de obter informações que lhe permitisse examinar com
segurança a atuação desses administradores e averiguar se estariam ou não agindo de
maneira prejudicial à empresa e provocando efeitos negativos sobre os seus resultados.
Em decorrência dessa assimetria de informações, os investidores tenderiam a exigir um
desconto sobre o preço de todos os títulos. Por conseguinte, ocorreria uma seleção adversa,
na medida em que as empresas bem intencionadas se veriam desestimuladas a obterem
recursos no mercado de capitais (Choi and Fisch, 2003).
No que se refere à relação banco/credor, os demandantes de crédito possuiriam uma melhor
avaliação acerca da sua possibilidade de honrar seus compromissos do que o credor, o que
acarretaria uma assimetria de informação (Stiglitz e Weiss; 1981, 1988.)
Supõe-se que os que se dispõem a pagar uma taxa de juros mais elevada devem ser os piores
credores com relação ao risco de crédito. Assim, a taxa de juros cobrada pelo banco afetaria
o nível de risco da carteira de empréstimo via o efeito de seleção adversa. Uma taxa de juros
36
elevada faria com que o banco selecionasse, na média, os projetos mais arriscados, porque
tenderia a atrair devedores do tipo amantes do risco, otimistas ou desonestos18.
Ao longo do período do empréstimo, a taxa de juros cobrada afetaria, também, o
comportamento dos tomadores de recursos ao aumentar a atratividade relativa de projetos
mais arriscados.
É como decorrência desse fato que a taxa de juros seria um mecanismo utilizado para
seleção/classificação dos tomadores de crédito (screening device). Como o retorno esperado
do banco decorrente de um empréstimo é uma função decrescente do nível de risco do
empréstimo haveria uma taxa de juros considerada ótima a qual maximizaria o retorno
ajustado ao risco do banco, acima da qual ele não emprestaria. O banco determinaria a oferta
de crédito em condição de racionamento, definido pelo montante no qual a demanda por
empréstimos correspondente a taxa de juros ótima excederia a oferta de fundos, isto porque
caso elevasse a taxa de juros acima desse valor ocorreria um decréscimo do retorno do
banco por dólar emprestado.
2.3.c) Incerteza
O aspecto central para a escola pós-keynesiana no que se refere a sua crítica à HME poderia
ser resumida na seguinte questão: as informações disponíveis seriam suficientes para que os
preços refletissem os fundamentos? A hipótese da HME criticada por essa escola é a de
ausência de incerteza.
De acordo com a HME, todos os agentes teriam acesso às informações, como também, as
informações passadas e correntes disponíveis seriam informações suficientes para que os
agentes tomassem a decisão correta. No âmbito da escola pós-keynesiana, a hipótese de
ausência de incerteza sustentada pela HME não refletiria as condições sobre as quais os
agentes deveriam tomar suas decisões, conforme analisa Davidson (1994):
18
Esses tipos caracterizam, respectivamente, aqueles devedores que implementam projetos arriscados com
baixa probabilidade de sucesso mas com elevadas taxas de retornos se bem sucedidos; os que superestimam
a probabilidade de sucesso do projeto e o seu retorno no caso de serem bem sucedidos; e, por último, os que
não têm a intenção de pagar, e, portanto, estão indiferentes à taxa de juros acordada (Stiglitz e Weiss, 1988).
37
“The economic system is moving through calendar time from an irrevocable past to an uncertain
and statistically unpredictable future. Past and present market data do not necessarily provide
correct signals regarding future outcomes. This means, in the language of statisticians, that
economic data are not necessarily generated by a stochastic ergodic process. Hicks has stated
this condition as ‘People know that they just don’t know’ (Davidson, 1994, p. 17).
Sob esse prisma, então, a HME estaria desconsiderando que, em especial quando se trata de
promessas de pagamentos futuros, os agentes não disporiam do conjunto de informações
relevantes que permitiria definir as condições de realização da transação financeira em
questão. A hipótese de incerteza não probabilística diferencia-se, assim, da hipótese de
assimetria, porque não corresponde a uma falha no acesso a informação, ou seja, na
extensão em que a informação está disponível. A hipótese de incerteza implica que o
desconhecimento ocorre não somente para uma das partes, mas para ambos os lados da
operação financeira.
Em contraste com o enfoque da HME, Keynes argumenta que o mercado de ações encerra
um dilema crucial cujos efeitos repercutem sobremaneira sobre o seu nível de eficiência.
Keynes considera, como ponto de partida, “a extrema precariedade da base de informações
sobre a qual nossas estimativas de retorno prospectivo são realizadas” (Keynes, CW vii.
149). Sendo, assim, a constituição dos mercados de ações reduz o risco do investimento
quando permite a transferência dos ativos entre os agentes, dando liquidez aos investimentos
já realizados, que caso contrário poderiam ser considerados irrevogáveis, e, portanto, pouco
atrativos. Por outro, ao facultar a reavaliação diária do valor dos investimentos realizados,
tais mercados permitem com que os preços desses ativos sofram a influência de fatores e
mudanças de curto prazo e afastem-se das considerações relativas às perspectivas de retorno
de longo prazo do investimento real e, portanto, dos fundamentos. Tais variações criam
instabilidade nesses mercados e podem, assim, prejudicar os novos investimentos. Dessa
forma, Keynes argumenta, no capítulo 12 da Teoria Geral:
“Com a separação entre a propriedade e a gestão que prevalece atualmente e com o
desenvolvimento de mercados financeiros organizados, surgiu um novo fator de grande
importância que, às vezes, facilita o investimento, mas que, às vezes, contribui sobremaneira par
agravar a instabilidade do sistema. Na ausência de Bolsas de valores não há motivo para se
procurar, com freqüência, reavaliar os investimentos que fazemos. Mas a Bolsa de valores
reavalia, todos os dias, os investimentos e estas reavaliações proporcionam a oportunidade
freqüente a cada indivíduo (embora isto não ocorra para a comunidade como um todo) de rever
38
suas aplicações. [...] Todavia, as reavaliações diárias da bolsa de valores, embora se destinem,
principalmente, a facilitar a transferência de investimentos já realizados entre indivíduos,
exercem, inevitavelmente, uma influência decisiva sobre o montante do investimento corrente.
[...] Destarte, certa categorias de investimento são reguladas pela expectativa média dos que
negociam na bolsa de valores, tal como se manifesta no preço das ações, em vez de expectativas
genuínas do empresário profissional” (Keynes, 1982, p.126).
Tendo em vista a base precária de conhecimento de que dispõe os agentes, suas avaliações
são guiadas por uma convenção que consiste basicamente em “supor que a situação
existente dos negócios continuará por tempo indefinido, a não ser que tenhamos razões
concretas para esperar uma mudança” (Keynes, 1982, p.126). Esclarece, ainda, Keynes:
“Efetivamente, estamos supondo que a avaliação do mercado existente, seja qual for a maneira
que a ela se chegou, é singularmente correta em relação ao nosso conhecimento atual dos fatos
que influirão sobre a renda do investimento, e só mudarão na proporção em que variar o dito
conhecimento, embora no plano filosófico essa avaliação não possa ser univocamente correta,
uma vez que o nosso conhecimento atual não nos fornece as bases suficientes para uma
esperança matematicamente calculada. De fato, nas avaliações do mercado intervém toda a
espécie de considerações que são de modo algum relevantes para a renda esperada” (Keynes,
1982, p.127).
Dessa forma, “... o método convencional de cálculo (...) será compatível como um
considerável grau de continuidade e estabilidade em nossos negócios, enquanto pudermos
confiar na continuação do raciocínio” (Keynes, 1982, p.127) (Grifo do autor). No entanto,
uma convenção assim formulada possui bases reconhecidamente frágeis. Tal fragilidade
pode, ainda, agravar-se pela influência sobre os preços de outros fatores como o efeito
desproporcional que flutuações de lucros no curto prazo podem ocasionar, ou pelas
variações excessivas de opiniões em decorrência das notícias correntes, bem como pela
atuação especulativa dos investidores profissionais de mercado que consiste, muitas vezes,
em “prever mudanças de curto prazo com certa antecedência em relação ao público em
geral” ao invés de “fazer previsões abalizadas a longo prazo sobre a renda provável de um
investimento ao longo de sua vida” (Keynes, 1982, p.128).
Adicionalmente, em contraposição ao enfoque apresentado pela HME, Glickman (1994)
ressalta que as informações divulgadas ao mercado devem ser analisadas e interpretadas
pelos agentes detentores de títulos antes de originar algum tipo de resposta:
39
“Efficient markets theorists present an image of information as something that exists objectively
and is ready for use. However, in themselves events are just isolated occurrences. They do not
come ready packaged as ‘information’. Before they can possibly become such, we must first
understand them in some way and register them as relevant to our concerns. We must interpret
them” (Glickman, p. 325, 1994) (Grifo do autor).
Do fato de que as decisões são tomadas de forma atomizada pelos diferentes participantes de
mercado líquidos sob incerteza não-probabilística, resulta que suas interpretações deverão
considerar não somente o seu julgamento pessoal, ou seja, como interpretam
individualmente uma determinada ocorrência ou evento, mas, também, em que extensão a
visão dos demais participantes poderá diferenciar-se da sua. Em decorrência, os eventos
divulgados podem estar sujeitos a pelo menos dois níveis de interpretação: como
potencialmente relevantes para a compreensão das condições inerentes à realidade e como
sugestivos de mudanças futuras no comportamento dos participantes do mercado
(Glickman,1994).
Tal possibilidade não parece ser considerada pela HME, que estaria, então, supondo que
todos os participantes do mercado possuam expectativas homogêneas em relação às
implicações da informação disponível (Hendricsen e Vanbreda, 1999). Sob essas condições,
a direção na qual um evento ou informação conduzirá o mercado não exigiria dois níveis de
interpretação.
Dessa natureza dual da informação, destacada por Glickman, decorre que a resposta do
mercado a um determinado evento poderia resultar do somatório de reações individuais dos
agentes, cada um operando de acordo com seu entendimento de qual foi o significado dado
pelo conjunto dos participantes do mercado ao evento em questão. Essa situação não será
eficiente do ponto de vista do mercado, no sentido em que define a HME. Isto porque, nesse
caso, os preços não refletirão as condições econômicas subjacentes. Considerando o
conceito de eficiência de mercado como comportando dois aspectos, o primeiro relativo à
velocidade com a qual o mercado reage e o segundo relativo à adequação da reação, deduzse que a falha aqui ocorreria em relação ao último aspecto mencionado.
40
Vê-se que o mercado serve à sua função básica, qual seja, encontrar o preço que equilibra a
oferta e a demanda dos ativos, isso, porém, não nos diz nada acerca de quais informações
estão refletidas no preço e nem qual será o próximo equilíbrio. Isto porque esse processo
será consistente com qualquer trajetória, incluindo aquelas que violem a HME (Findlay e
Williams, 2000-2001).
Dada a precariedade do conhecimento e a fragilidade das convenções, é possível explicar a
sustentação de bolhas ou corridas especulativas a partir da natureza dual da informação
ressaltada por Glickman, quando o comportamento de cada indivíduo resume-se a seguir o
comportamento da maioria, afastando-se dos prognósticos individuais possíveis que poderia
construir.
2.4 - Conclusão
De acordo com a HME, a disponibilização das informações e a rapidez com que são
absorvidas seriam condições suficientes para assegurar que o movimento de compra e venda
levasse os preços para o que seria considerado seu preço justo. Enquanto forma de proteção
ao investidor e correção dos valores em mercado, o mecanismo de “saída” estaria sujeito, e
ao mesmo tempo reforçaria, a eficiência da sinalização a ser efetuada pelos preços no
sentido defendido pela HME.
Cumpre salientar que, de acordo com a HME, como não existem corridas especulativas, a
“saída” é um evento individual e, por isso, um mecanismo que pode ser assegurado a cada
investidor. Contudo, considerando a possibilidade de ocorrência de um processo de “saída”
coletivo, tem-se que esse mecanismo não poderá se efetivar para todos.
Resulta dos argumentos apresentados pelas três escolas acima analisadas, que não seria
possível afirmar que os preços dos ativos transacionados em mercado reflitam e veiculem
necessariamente o que seria o valor das empresas subjacentes ou os supostos fundamentos
do ativo em questão.
Em resumo, as críticas consistem, basicamente, no entendimento de que: os agentes podem
agir de maneira irracional, os arbitradores de forma limitada, as informações disponíveis ao
41
mercado podem se revelar assimétricas e, também, incompletas e precárias, sendo
suscetíveis a especulações de curto prazo e a um processo de interpretação pelo investidor,
que leva em consideração a sua expectativa acerca da avaliação dos demais agentes.
Sob essas circunstâncias, a hipótese de mercados eficientes não se sustentaria. Isto porque as
informações relevantes não se refletiriam de forma plena nos preços, seja porque as
informações estão disponíveis a todos, mas os agentes não as utilizam corretamente, seja
porque não estão, na realidade, disponíveis a todos os agentes, ou seja porque são
incompletas ou insuficientes, indistintamente.
O mecanismo de “saída” requer que os preços reflitam e veiculem as informações
relevantes. Diante das condições acima descritas, o mercado por si só seria insuficiente
como mecanismo disciplinador das transações financeiras, tanto como mecanismo de
proteção ao investidor, quanto como fator corretivo dos preços dos valores emitidos pelas
empresas.
Dessa forma, é possível justificar teoricamente que as transações financeiras que envolvem
os emissores e os detentores de títulos, apesar da existência de mercados secundários
líquidos para esses ativos, demandariam, também, monitoramento contínuo. Este será o
assunto do próximo capítulo, que analisará o monitoramento sobre as transações financeiras
na forma de títulos e as implicações decorrentes.
42
Capítulo 3 – Monitoramento Privado e Regulação dos Mercados
3.1. – Introdução
Diante de um enfoque menos simplista do que o apresentado pela HME e, por conseguinte,
pela provável ineficiência do mecanismo de “saída”, é possível atribuir espaço considerável
a ser exercido pelo mecanismo de “voz”. O monitoramento contínuo sobre os contratos que
envolvem títulos com mercados secundários organizados seria uma forma de discipliná-los e
reduzir as incertezas neles presentes.
De acordo com Stiglitz (1988), os processos de seleção/classificação de risco de crédito e o
monitoramento exercido pelas instituições bancárias seriam respostas ao problema de
assimetria de informações.
Jensen and Meckling (1976), assim como Stiglitz, associam o monitoramento como
resposta aos problemas de assimetria no âmbito das relações acionistas/administradores, e
definem os custos de agência como se compondo de três elementos: os custos de
monitoramento, os custos de prover garantias (bonding costs) e a perda nos resultados da
empresa que decorrem do esforço insuficiente promovido pelo administrador.
Ressalta Stiglitz que, no caso de ações, a atividade de acompanhamento e verificação do
cumprimento do contrato é ainda mais complexa. Isto porque, diferentemente do crédito
bancário onde estão determinadas parcelas fixas de pagamento, os pagamentos oriundos dos
títulos de capital dependem dos lucros auferidos pela empresa, e estes, por sua vez, podem
ser manipulados (Stiglitz, 2003). Cabe enfatizar, ainda, que além da vantagem informacional
do administrador com relação aos acionistas, destacada por Stiglitz, adiciona-se a posição de
poder do acionista controlador frente aos acionistas minoritários.
43
3.2 – O Monitoramento dos Acionistas sobre as Empresas - Instrumentos e
Vulnerabilidades
3.2.1 - O monitoramento dos investidores sobre as empresas
O exercício do monitoramento pelos agentes privados sobre os títulos de capital e de dívida
emitidos pelas empresas sugere, então, que o mecanismo de “saída” tem seus limites como
forma de pressão e defesa dos ofertantes de recursos contra possíveis prejuízos. Dessa
forma, poderia ser possível compreender o mecanismo de “voz” como mecanismo adicional
de proteção utilizado pelos detentores de ativos com mercados secundários organizados.
O monitoramento a ser exercido por parte dos agentes privados, no caso os acionistas, sobre
a empresa emissora pode consistir: 1) no monitoramento ativo e contínuo pelos detentores
de grandes blocos de ações (na figura de investidores pessoa física possuidores de grandes
riquezas, instituições financeiras, investidores institucionais etc); 2) na eleição, delegação e
concentração do controle no Conselho de Administração (Board of Directors) que atuariam
enquanto representantes dos interesses dos acionistas, e a quem o CEO19 deverá prestar
contas; 3) em caso de situações extremas, na concentração do direito de voto por procuração
(proxy voting constests) ou nas operações de aquisições hostis (hostile takeover),
deslanchadas por raiders da empresa, ambos constituindo-se como mecanismos rápidos e
temporários de concentração de voto ou de propriedade, de maneira a resolver situações de
crise, substituir administradores ineficientes ou tomar decisões estratégicas.
Adicionalmente, observam-se os contratos de compensações aos executivos que visam
prover incentivos a fim de reduzir o conflito de interesses e a definição clara dos deveres
fiduciários atribuídos ao CEO, juntamente com os processos judiciais20 que visam,
19
CEO = Chief Executive Officer denominação em inglês para o cargo executivo mais importante de uma
empresa.
20
Eizirik destaca os fatores que permitem compreender porque que esse tipo de processo revelou-se eficiente
nos Estados Unidos: “A prática norte-americana permite a atuação de advogados especializados em mercado
de capitais como uma espécie de empresários no negócio de promoverem ações judiciais contra aqueles que
violam a lei. Isso é possível principalmente porque as class suits permitem ao advogado propor uma ação em
favor não só de seu cliente, mas também de um grande número de clientes na mesma situação, os quais,
entretanto, não procuraram advogado. Como os honorários do advogado serão fixados com base no montante
de dinheiro que ele conseguir recuperar para todos os acionistas da mesma classe, isto constitui um incentivo
bastante grande para a sua atuação” (Eizirik,1977. p.87).
44
respectivamente, bloquear decisões nocivas aos interesses dos acionistas ou buscar
compensação para os prejuízos ocasionados por decisões passadas.
Os acionistas que detêm parcela expressiva do capital são capazes, em princípio, de eleger
membros do conselho de diretores que representarão seus interesses. Se tiverem a maioria
dos conselheiros podem demitir ou contratar o administrador, podem impedir a ratificação
de decisões que julguem desfavoráveis, etc. No caso dos acionistas controladores da
empresa, há especial interesse nos benefícios atribuídos ao direito de controle, dentre eles o
poder que exerce de monitoramento sobre os administradores das empresas21. No entanto,
esse poder poderá ser exercido a favor da companhia ou em defesa de benefícios pessoais.
Exatamente por isso as leis societárias costumam impor limites a esse poder para que não
haja abusos.
Dessa forma, a concentração do capital em grandes acionistas permite o exercício do
monitoramento sobre o administrador, mas trazem duas dificuldades adicionais: a
possibilidade de conluio com o administrador, em detrimento do acionista minoritário, e a
redução da liquidez no mercado secundário (Becht et all, 2002, p. 6).
Num sentido mais geral, o dilema poderia traduzir-se em como exercer um monitoramento
efetivo sobre a empresa de maneira a, por um lado, controlar o poder discricionário do
administrador, ou seja, dos executivos da empresa (management board), e, por outro,
garantir proteção aos direitos do acionista minoritário.
A questão crucial reside no fato de que os acionistas minoritários têm dificuldade de exercer
a atividade de monitoramento sobre a empresa de forma efetiva. Primeiramente, devido à
pulverização acionária, que enfraquece seu poder de controle e decisão. Neste ponto vale
mais uma vez fazer um paralelo com a utilização desse mecanismo no âmbito do mercado
de bens. Conforme ressalta Hirschman (1970):
“Voice is most likely to function as an important mechanism in markets with few buyers or
where a few buyers account for an important proportion of total sales, both because it is easier for
21
Uma série de decisões tomadas no interior das firmas como as escolhas de projetos, a contratação de
pessoal e decisões de cunho mais operacionais estarão influindo nos resultados da companhia. Em grande
parte, esses resultados dependem de quem tem o poder de tomá-las e com que objetivos, se para elevar a
eficiência da empresa ou para obter benefícios privados.
45
few buyers than for many to combine for collective action and simply because each one may
have much at stake and wield considerable power even in isolation” (1970, p41).
Em segundo lugar, existe também o problema do caroneiro (free-rider), que consiste no
comportamento no qual o investidor espera que os outros estejam monitorando por ele e que
decorre do fato de que os custos incorridos por quem monitora não seriam distribuídos mas
os benefícios decorrentes desta atividade sim. O monitoramento, como ressaltam alguns
autores, poderia ser entendido como um bem público, de forma que os custos serão
assumidos por quem exerceu a atividade, mas os benefícios que produzisse seriam
apropriados por todos os investidores, acarretando um desestímulo no monitoramento por
parte desses.
Com relação ao exercício do direito de voto na assembléia de acionistas, órgão maior de
deliberação da empresa, em tese, também existiriam dificuldades dos acionistas expressarem
diretamente seus interesses e exercer o controle sobre os executivos das empresas. Isto se
deve ao fato de que, devido às assimetrias de informação, o acionista sempre incorreria em
algum custo associado ao esforço de obter as informações e analisar a competência dos
executivos. Este custo desestimularia o exercício do voto de maneira “inteligente”, porque
seria comparado com um retorno relativamente negligível, dado que função da participação
do acionista no capital de empresa (Stiglitz, 1985, p.136). Isoladamente, os acionistas
poderiam, também, duvidar de sua capacidade de realmente interferir no rumo dos
acontecimentos e, por outro lado, iniciativas que visassem promover e organizar ações
coletivas, por exemplo, por meio de voto por procuração, tenderiam a apresentar um custo
elevado22.
Adicionalmente, em decorrência da falta de especialização dos acionistas e da duplicação de
esforços presentes na atividade de monitoramento, esta tende a ser excessivamente
complexa ou demasiadamente cara para os investidores individuais que detêm uma parcela
pouco expressiva do capital.
22
Para um investidor de pequeno porte as contestações que se viabilizam por meio da concentração de votos na
assembléia de acionistas obtida mediante a reunião de procurações são um mecanismo pouco utilizado, devido aos custos
para operacionalizar tal instrumento (Allen and Gale,2000; Chio and Fisch, 2003).
46
Então, comparativamente, quanto mais pulverizada a estrutura de capital da empresa menor
tende ser o monitoramento a ser exercido diretamente pelo acionista e, por conseguinte,
maior será o poder discricionário do administrador. Allen and Gale (2000) descrevem os
efeitos de diferentes graus de concentração de capital sobre o monitoramento:
“In the extreme case, one person or a single family owns the firm, and there are significant
incentives to maximize its value. At the other extreme, shares are held by a large number of people,
with no single person holding a large stake; in this case nobody has no incentive to monitor the
management and ensure they are running the firm in shareholders’ interests. In an intermediate
case, one or more shareholders own a large stake, and many small shareholders have a few shares.
On this situation, the large shareholder may have an incentive to monitor the firm’s management
and ensure they maximize share value” (Allen and Gale, 2000, p. 102).
O monitoramento sobre o CEO poderia ser exercido indiretamente, no âmbito interno da
empresa, através dos que deveriam atuar enquanto representantes/intermediários dos
acionistas - o Conselho de Administração (board of directors), ao exercerem sua função de
controlar os executivos (management board). No entanto, a eficácia desse instrumento
dependeria, em grande medida, do grau de independência que esses conselheiros possuam
frente aos diretores da companhia. A situação ideal seria aquela na qual fosse possível ter
um conselho com relativo conhecimento acerca dos negócios da companhia, porém,
independente com relação à diretoria. Contudo, nem sempre isso ocorre23.
3.2.2 - O papel das instituições intermediárias
Diante das condições acima mencionadas é possível compreender a existência de um aparato
institucional complexo e sofisticado no âmbito dos mercados de capitais. Esses mercados
contam com uma série de instituições e agentes, chamados por alguns autores de
“intermediários”, cujas funções consistem em reduzir o custo de informação, ao
“intermediar informações”, e o custo de monitoramento, ao auxiliar os investidores a
atuarem de forma mais ativa e mais embasada (Choi and Fisch, 2003). São estes,
fundamentalmente: os analistas de investimento, os auditores independentes, os advogados e
23
De acordo, por exemplo, com algumas evidencias encontradas para vários países, verifica-se que: no Japão o CEO tem
enorme poder de indicar os conselheiros, na Alemanha cargos executivos participam do Supervisory Board, nos Estados
Unidos estudos empíricos demonstrariam certa fraqueza dos conselheiros em disciplinar os diretores. Ver discussão Allen
and Gale, 2000, p.93 a 96.
47
instituições que fornecem serviços relacionados à organização de contestações por meio da
reunião de procurações ou acompanhamento e consultoria relacionada ao voto nas
assembléias etc. Podemos incluir, também, ao considerar sua função informacional, os
bancos de investimento24. A atuação dessas instituições e agentes, como será discutida, não
está, porém, destituída de vulnerabilidades, e, na verdade, também não está a atividade do
regulador.
No caso do analista de investimento, sua função é reunir, avaliar e sintetizar as informações
e, ao final, prover o resultado de sua pesquisa e as recomendações para o mercado. A
atuação do analista permitiria que os investidores utilizassem o mecanismo de saída, na
medida em que as informações oferecidas por ele permitiriam ao investidor ajustar o preço
pelo qual estaria disposto a transacionar o título.
Vale destacar, porém, que a atuação dos analistas que proveriam as informações diretamente
ao mercado (sell-side analysts), em oposição àqueles que provêm informações a uma
instituição contratante, em geral, investidores institucionais (buy-side analysts), estaria
fortemente condicionada pelas dificuldades originadas da qualidade de bem público
associada à informação. Essas dificuldades decorrem do problema de apropriação, visto que
a informação não se esgota quando utilizada, ou seja, a produção e transferência da
informação não eliminam a possibilidade de que seja repassada novamente. Por conseguinte,
os investidores não pagantes terão acesso direta ou indiretamente aos resultados da pesquisa
realizada pelo analista (o problema do caroneiro - free-riding), e, portanto, os pagantes não
se beneficiariam plenamente do uso dessas informações. Dessa forma, o analista não
conseguiria vender a outros investidores os resultados de sua pesquisa, sendo obrigado a
cobrar um preço mais caro para os primeiros que o utilizem antes que se dissemine. Os
analistas tenderiam, por isso, a se focar em ações bem capitalizadas com um grande número
de compradores potenciais ou disponibilizariam suas pesquisas apenas a grandes
investidores institucionais que estariam dispostos a pagar elevadas comissões e não
disseminariam a informação para o público. Tratando-se do bem “informação”, existe,
ainda, o problema de fidedignidade, que decorre da dificuldade do comprador se assegurar
de que o produto vendido é, de fato, o produto que deseja.
24
Rajan e Zingales (1995) ressaltam o papel das entidades auto-reguladoras (como as bolsas de valores), as agencias de
avaliação de risco e os auditores independentes no sentido de reduzir o custo de enforcement.
48
Tais problemas, então, limitariam a atuação de analistas que não estivessem associados a
outras instituições financeiras (muitas vezes chamados de analistas independentes). Quando
esses agentes se associam a outras instituições financeiras torna-se possível o financiamento
de suas pesquisas por intermédio da transferência de recursos, ou subsídios, devido aos
efeitos nos negócios dessas instituições promovidos pela atividade do analista25. A esse
respeito afirmam Choi and Fisch (2003): “Evidence suggest that financial services firms
routinely use analysts coverage as a carrot (or stick) to induce issuers to hire the
intermediary for investment banking services” (Choi and Fisch, 2003, p. 288).
No caso dos serviços do analista, quem está pagando é a empresa emissora, ou seja, em
última instância, são todos os acionistas, o que evita o problema do caroneiro. A dificuldade,
porém, reside no fato de que embora os recursos sejam dos acionistas, quem tem o controle
dos mesmos são os administradores da empresa, cujos objetivos podem estar em contradição
com o objetivo de maximizar a capacidade dos investidores de avaliar a companhia. Há
neste caso uma situação potencial de conflito de interesse. A função do analista deveria ser
permitir aos acionistas e investidores terem uma avaliação correta acerca da situação da
empresa. Porém, o analista é contratado pelos administradores da companhia, cujo interesse
pode ser maximizar suas compensações ou sua reputação, por intermédio de elevados níveis
de otimismo acerca da empresa. Se assim for, a atuação do analista consistirá mais em uma
forma de vender os títulos da empresa do que em prover uma avaliação objetiva acerca da
mesma.
Já os auditores teriam a função de revisar e certificar as demonstrações financeiras da
empresa, de forma a garantir que as informações disponibilizadas sejam fidedignas. As
informações de balanço das empresas, que estão dentre o conjunto de informações
relevantes disseminadas ao mercado, representam uma estimativa da situação patrimonial e
financeira das empresas e enquanto tal pode apresentar falhas importantes. Os
procedimentos contábeis que resultam na configuração do balanço podem estar sendo mal
utilizados, seja por falhas de legislação, ou por dificuldades que são inerentes ao próprio
objeto ou operação a ser contabilizada, ou ainda, por interesse de constituir fraude26. Em
25
Com efeito, antes da desregulamentação financeira em 1975, era comum, nos Estados Unidos, a associação
de analistas de investimento com as corretoras, sendo posteriormente mais comum a associação com os
bancos de investimento.
26
Relativamente aos três fatores citados que poderiam distorcer as informações disponibilizadas alguns
exemplos merecem ser citados.
49
resumo, as informações podem ser em si uma fonte de problemas, muitas vezes de difícil
identificação pelo acionista, o que revela a importância da atividade do auditor.
Os serviços de auditoria são pagos pela empresa emissora sendo uma forma, portanto, de
evitar o problema do caroneiro. Contudo, da mesma forma que no caso do analista, o
potencial para o conflito de interesse reside no fato de que os administradores detêm um
controle substancial sobre a escolha do auditor, podendo, então, escolher aquele que atuará
de uma forma pró-administração. Pode, ainda, se dispor a contratar outros serviços da
instituição financeira, de banco de investimento, de consultoria ou de analista de
investimento, por exemplo, o que pode servir como um poder de negociação sobre a mesma.
No caso em que os auditores contratarem serviços de consultoria com a empresa a ser
auditada, ocorre um conflito de interesse potencial, na medida em que estariam auditando
operações que foram estruturadas no âmbito de uma mesma instituição financeira, perdendo
a necessária independência.
Os investidores estariam fracamente posicionados para disciplinarem os auditores. O
mecanismo de “saída” seria acionado somente quando os problemas virem à tona, o que
poderia demorar muito tempo.
Os bancos de investimento também exercem um papel em relação ao aspecto informacional.
Isto porque os efeitos dos seus serviços, quando promovem a realização de uma oferta
pública no mercado primário, projetam-se além das responsabilidades que têm para com a
empresa contratante. Como cabe a eles uma re-análise dos dados que se tornarão públicos,
na verdade, estão dando seu aval à operação de colocação, são assim co-responsáveis
A utilização de empresas de propósito específico pela Enron, decorrente de uma falha na legislação, permitiu
que não fosse revelada ao público a real situação financeira dessa empresa.
Como resultante da dificuldade relacionada à incerteza a respeito do fluxo incremental futuro resultante de um
novo projeto ou investimento que esteja sendo implementado pela empresa existem diferentes critérios de
contabilização possíveis. Num primeiro caso, a legislação pode recomendar a contabilização das despesas
iniciais na forma de ativo no balanço (ativo diferido), quando fôr certo a obtenção de resultados positivos
futuros, os quais, por sua vez, serão contabilizados enquanto receita nos resultados futuros da empresa. Uma
segunda possibilidade, em caso de dúvida acerca dos resultados do novo investimento, seria a contabilização
dos gastos com os novos projetos como despesa, como se fossem um gasto a fundo perdido, o que reduziria o
resultado da empresa. A dificuldade em saber de antemão qual seria o melhor tratamento contábil reside na
dificuldade de saber ao certo qual será o resultado futuro do novo projeto.
No que se refere à fraude, destacam-se as falhas possíveis nos controles internos da empresa de forma a
garantir a contabilização correta das operações financeiras e econômicas da empresa, o que constituiu uma
das preocupações presentes na regulação americana conforme previsto na Lei Sarbanes Oxley.
50
perante o público por garantir que as informações sejam verdadeiras, suficientes e corretas.
Atuam, dessa forma, quase como um auditor (Eizirick, 1984). Frente a tais condições, a
reputação dessas instituições tende a ser um fator importante para a confiança que os
investidores depositam nas informações que são disponibilizadas no decorrer desse processo
de colocação, e, portanto, no título que será emitido. Assim como no caso dos analistas e
auditores, sua atuação neste campo estará igualmente prejudicada se os serviços de banco de
investimento resultar de um comprometimento com uma posição pró-administração da
empresa em troca da venda de mais serviços financeiros a mesma.
Vê-se que, para o caso dos Bancos de Investimento, a situação de conflito com os interesses
dos investidores não ocorre somente no que diz respeito ao aspecto informacional. Quando
esses bancos atuam como subscritores, facilitando a colocação desses títulos no mercado
primário, a instituição financeira intermediária está se submetendo ao risco de mercado, ou
seja, ao risco de perda de capital, caso o preço dos títulos caiam relativamente ao valor pelo
qual foram obtidos, ou mesmo ao risco de liquidez, caso não consiga encontrar tomadores
para esses papéis. No entanto, verifica-se um processo pelo qual as instituições subscritoras,
exatamente com o objetivo de reduzir os riscos provenientes de uma possível queda no
preço dos títulos que viria a subscrever, poderiam forçar para baixo o preço de emissão dos
ativos, processo denominado em finanças como underpricing. Essas instituições também
poderiam atuar vendendo os títulos logo após a emissão, o que acarretaria uma pressão
baixista sobre os preços desses ativos. Este comportamento tende a ser mais comum nas
emissões primárias iniciais, visto que quando a companhia está abrindo seu capital
inexistem padrões concretos para a fixação dos preços de emissão27.
Tais fatos demonstram, portanto, a existência de um possível conflito de interesse entre as
instituições subscritoras, de um lado, e as empresas emissoras e seus acionistas, do outro,
visto que para as últimas o objetivo é justamente obter um preço de emissão tão alto quanto
possível, pois assim, estão obtendo mais recursos a um custo menor.
Além dos analistas, auditores e bancos de investimento observam-se, também, o
desenvolvimento de um conjunto de instituições que visam prover informações e assessoria,
auxiliando a atividade de monitoramento por parte dos acionistas, como: recomendações de
27
De acordo a experiência americana há evidências são de que tal procedimento ocorra (Stiglitz, 1985; Eizirik,
1983).
51
voto, posicionamentos acerca das contestações mediante procurações, informações acerca de
governança etc 28. Os custos de tais serviços são, no entanto, reconhecidamente elevados.
Os investidores institucionais têm menos problemas associados às dificuldades de ações
coletivas, conforme ressaltam Choi and Fisch (2003): “an institutional investor with a
sizeable stake in a particular issuer should have, in theory, a much greater incentive than
dispersed individual shareholders to make expenditures that will increase the total value of
the company” (Choi and Fisch, 2003, p.279)
Ademais, como agregam recursos, podem prover serviços de informação, empregando seus
próprios analistas e possuem um maior potencial de centralizar o exercício de voto pelo
acionista. Dessa forma, os investidores institucionais podem exercer o monitoramento sobre
as empresas de maneira mais efetiva. Tem-se, ainda, que, para o acionista que detém
posições mais significativas do capital da empresa, como é, em geral, o caso dos
investidores institucionais, o mecanismo de saída pode não funcionar de forma eficiente,
porque a venda de uma posição significativa implicaria em uma desvalorização de suas
ações. Logo, o mecanismo de monitoramento pode, assim, assumir maior relevância29. Essas
instituições permitem, ao investidor, ainda, deter um portfólio diversificado com um volume
reduzido de recursos.
Contudo, os investidores institucionais possuem o seu próprio tipo de problema de agência
que decorre da atividade daqueles que devem atuar enquanto intermediários/gerenciadores
de recursos de terceiros. Os interesses dos administradores dos fundos podem divergir dos
interesses do fundo, e, portanto, de seus cotistas. Não obtêm esses administradores todos os
benefícios que resultariam de uma boa performance do fundo e são, também, classificados
de acordo com sua performance, o que em geral, privilegia os resultados de curto prazo,
concorrendo com os demais administradores, e, podem, inclusive, ser demitidos.
28
O ISS – Institutional Shareholder Services é, por exemplo, considerado o mais influente conselheiro
independente para os investidores institucionais americanos em assuntos que serão objeto de votação nas
asssembléias e de votações por procuração.
29
Com efeito, observou-se um enorme crescimento da participação desse segmento a partir da década de
oitenta. Para as maiores empresas americanas de capital aberto 60% do capital em ações estão na mão dos
investidores institucionais (Choi and Fisch, 2003).
52
Há, ainda, a possibilidade de conflito de interesse dos administradores dos fundos com a
empresa emissora e, portanto, seus acionistas, caso ofereçam serviços diretamente à mesma,
na forma, por exemplo, de administração do fundo de pensão da companhia ou oferta de
serviços de banco de investimento, pelo qual evitariam desafiar os administradores da
empresa, a fim de manter seus contratos de serviços financeiros.
3.3 - Governança Corporativa
Mais recentemente, notadamente ao longo das últimas duas décadas, nota-se um
fortalecimento dos tópicos relacionados ao monitoramento exercido sobre as empresas pelos
acionistas e demais partes interessadas, prática conhecida como governança corporativa.
Assim, pode-se definir governança corporativa como: “o conjunto de práticas que tem por
finalidade otimizar o desempenho de uma companhia ao proteger todas as partes
interessada, tais como investidores, empregados e credores, facilitando o acesso ao capital”
(Cartilha da CVM, 2002).
O exercício de governança pode ser analisado, na verdade, como um mecanismo de “voz”
que pode se estender a um espectro amplo de agentes e a um raio também amplo de atuação,
visto que define configurações de poder no interior da empresa.
Becht et all (2002) ressaltam que há uma analogia explícita entre o voto político e o voto
corporativo quando da origem da Lei das S. A. americana: “The term ‘corporate
governance’ derives from an analogy between the government of cities, nations or states and
the governance of corporations” (Becht et all, 2002, p. 6).
Becht et all (2002) atribuem o aumento da importância dos tópicos relacionados à
governança corporativa ao longo dos últimos 20 anos a fatores como: a onda de
privatizações, a reforma dos fundos de previdência e o crescimento da poupança privada, a
onda de takeover ocorrida nos anos 80, a desregulamentação e a integração dos mercados de
capitais, a crise asiática ocorrida em 1997/98, que chamou a atenção para as questões de
governança corporativa no âmbito dos mercados emergentes.
53
3.4 - As Operações de Aquisição Hostis e a Governança Externa à Firma
As operações de aquisição hostis (hostile takeover) consistem na aquisição do controle da
empresa por grupo ou bloco de controle diverso (os chamados raiders), que são muitas
vezes uma outra empresa, sem a participação, presença e/ou concordância do administrador
da empresa alvo.
Essas operações seriam consideradas como um mecanismo eficiente de mercado, capaz de
oferecer uma alternativa para reduzir o excesso de poder discricionário por parte do
administrador. Isto porque elas atuariam como um mecanismo rápido e temporário de
concentração de propriedade que seria utilizado em caso de situações extremas, de maneira a
resolver situações de crise, substituir administradores ineficientes ou tomar decisões
estratégicas30.
Verifica-se, porém, que podem existir impedimentos objetivos a essas operações (managers
entrenchment). Dentre os fatores impeditivos destacam-se os mecanismos que exercem o
papel de dificultar ou impedir, muitas vezes de forma intencional, o desenvolvimento dessas
operações. Como exemplos têm-se: a emissão de direitos de subscrição de ações para que os
acionistas comprem ações da companhia a um preço insignificante, de maneira a elevar
rapidamente o capital da empresa e dificultar a aquisição do controle (poison pills), e a
eleição dos conselheiros de forma fracionada de maneira que leve tempo até que o
adquirente possa exercer efetivamente o controle (Allen and Galle, 2000). Nos EUA, por
exemplo, diferentemente do Reino Unido, o Conselho de Administração, em geral, deve
aprovar a mudança de controle31. Para países como Alemanha e Japão, padrões complexos
de propriedade do capital vigentes nas companhias controladoras dificultariam essas
operações porque impediriam a aquisição do número necessário de ações para a obtenção do
controle.
Por outro lado, não parece haver uma concordância acerca da funcionalidade dessas
operações. Becht et all (2002), Allen and Gale (2000) e Chapman (1999) resenham um
30
Esse mecanismo consistiria, segundo alguns autores, numa governança externa à firma, como contraponto
aos mecanismos que seriam relativos à governança interna, e fomariam juntamente com as operações de
aquisição amigáveis (tender take over) e as disputas na assembléia de acionistas proporcionada pela
concentração do direito de voto por procuração (proxy voting constests), o chamado mercado de controle
corporativo.
31
Ver Becht et all, 2002.
54
conjunto de exemplos ou trabalhos empíricos que exemplificam ou estudam as dificuldades
para o funcionamento eficaz desse instrumento de governança no âmbito dos sistemas
americano e britânico, países onde essas operações ocorrem com mais frequência32.
Alguns dos resultados apurados a respeito dos impactos dessas operações sobre a
produtividade da empresa adquirida são ambíguos. Nesse ponto, citam-se inclusive as
dificuldades que podem se originar do próprio processo de financiamento dessas operações,
que muitas vezes são viabilizados com o comprometimento dos resultados financeiros
futuros da empresa, em pagamento das dívidas contraídas no processo de aquisição.
Por outro lado, os trabalhos que concluem por resultados positivos advindos desse processo
também não são conclusivos, seja porque apontam no sentido de que os resultados poderiam
decorrer de uma sub-avaliação ex-ante da empresa que foi adquirida, ou porque levantam a
possibilidade de uma transferência de valor em prejuízo de outros constituintes da empresa,
como os empregados, os fundos de pensão ou demais devedores, através da violação de
contratos implícitos anteriormente estabelecidos.
Ressalta, assim, Stiglitz: “Takeovers and other market mechanisms provide only a limited
discipline for managers and no markets mechanism can protect minority shareholders”
(Stiglitz, 1998, p.3)
Conclui-se que o monitoramento por parte dos acionistas apresenta vulnerabilidades, ou, em
outras palavras, é elevado o custo de transação para os agentes privados no que se refere aos
aspectos de monitoramento e verificação dos contratos.
3.5 - Papel da Regulação para o Mercado de Capitais
A hipótese da irrelevância dos custos de transação é uma das hipóteses assumidas pela
HME, que associam esses custos à viabilização do encontro das pontas vendedoras e
compradoras de um determinado mercado (os custos de corretagem, por exemplo, ou
emolumentos da Bolsa), e supõe serem, em grande medida, reduzidos pela organização
32
No campo teórico, Stiglitz (1985) e Allen and Gale (2000), sistematizam alguns dos problemas teóricos que envolveriam o
próprio funcionamento e a constituição desse mercado: inconsistências que inviabilizariam o equilíbrio derivado do fato de
que os acionistas procurariam pegar carona (free-rider) com os raiders (problema de free-rider entre acionistas e raiders)
32
(Grossman and Hart, 1980) , a provável eliminação dos lucros devido a concorrência entre o raider inicial e os raiders
potenciais (problema de free rider entre raiders).
55
desses mercados. Contudo, deve-se considerar que custo de transação refere-se a todos os
custos incorridos para realização da transação e para sua validação, englobando, então, os
custos de pesquisa, de negociação e contratação, de monitoramento, de fazer cumprir, de
verificação, e de execução dos mecanismos de compensação, em caso de não
cumprimento33. No caso dos contratos financeiros em geral, como já comentado, esses
custos não são negligíveis. Em se tratando do mercado de ações, em decorrência dos
aspectos anteriormente analisados, são especialmente elevados os custos de verificação e
monitoramento desses contratos.
As dificuldades verificadas ocorrem tanto para o monitoramento direto a ser exercido pelo
acionista ou por seus supostos representantes, o Conselho de Administração, quanto com
relação aos intermediários ou auxiliares, que seriam agentes ou instituições externos a
empresa, cujo papel seria justamente reduzir as assimetrias de informação e o custo de
monitoramento.
Especialmente frágil é a posição do investidor individual e, em muitos casos, do acionista
minoritário (o acionista não controlador). Para ambos, tende a haver um desestímulo ao
monitoramento, devido a fatores como a duplicação de custos, o problema do caroneiro, o
problema de ação coletiva, a falta de especialização, existindo, ainda, no caso de utilizarem
o serviço do intermediário, as dificuldades de identificar adequadamente as situações que
envolvem conflito de interesse. Em particular, os acionistas minoritários, sejam investidores
individuais ou não, estarão expostos a situações de abuso de controle por parte do
controlador.
Diante dessas condições, ao governo pode ser atribuído um papel importante nesses
mercados, no sentido de regular, acompanhar e fiscalizar as companhias e proteger o
investidor. Para isto, são válidas as definições utilizadas por LLewelyn: regulação como o
estabelecimento de regras específicas de comportamento, e monitoração correspondendo ao
acompanhamento do cumprimento das regras.
Nesse sentido, pode-se destacar como medidas de Governo a serem implementadas com
objetivo de proteger o investidor e monitorar as companhias emissoras:
33
Para uma descrição detalha dos custos de transação ver Kreps, D. (1990). A Course in Microeconomics
Theory. New York: Harvest Wheasheaf, Capítulo 12.
56
I - formação de órgão regulador especializado que:
1) desenvolva regras de atuação e comportamento para os agentes atuantes nesse mercado,e
que, em especial, estabeleça:
a) exigências mínimas de disponibilização de informações que permitam aos agentes
obter as informações relevantes de forma padronizada, objetivando reduzir as assimetrias;
b) instrumentos que permitam coibir a prática do uso de informação privilegiada;
c) padrões de atuação e comportamento, quanto à integridade e a honestidade das
firmas e de seus empregados, e quanto à competência das instituições ou agentes que
ofereçam serviços financeiros, objetivando estabelecer padrões mínimos de atuação e
comportamento e reduzindo, assim, os problemas de seleção adversa;
2) realize um monitoramento sobre as empresas e demais agentes atuantes nesse mercado e
exerça um poder de enforcement derivado de seu poder de agência reguladora;
II) formulação de leis:
a) que protejam os acionistas minoritários contra os acionistas controladores;
b) que protejam os acionistas contra fraude;
c) que determinem uma padronização dos procedimentos contábeis.
Cabe destacar, ainda, como vantagens importantes associadas à atuação do órgão regulador,
a redução da duplicação de custos ocorrida na atividade de monitoramento realizada por
parte do investidor e as vantagens de economias de escala associadas à expertise acumulada
e ao desenvolvimento de sistemas próprios de monitoração por este órgão (Llewellyn,
1999).
Veja-se que o recurso, por parte dos investidores, a processos judiciais, no caso de sentiremse lesados, muitas vezes não substitui o papel da agência reguladora, já que processos
tendem a ter custos elevados, seus resultados são incertos e são usualmente demorados
(Llewellyn, 1999).
57
Capítulo 4 - A origem do mercado de capitais nos Estados Unidos e o
desenvolvimento da regulação
4.1 – O Papel Inicial dos Bancos de Investimento e da Bolsa de Nova York
Relativamente ao processo de formação do mercado de capitais nos EUA, Carosso (1970),
Calomiris & Ramirez (1996) e Coffee (2000) analisam o papel exercido pelos bancos de
investimento americanos na consolidação de um mercado de capitais líquido naquele país, a
partir do séc. XIX, num contexto onde vigorava, claramente, ausência de estruturas e de
instrumentos apropriados de regulação.
Ao final do séc. XIX, os significativos gastos iniciais necessários à construção de estradas
de ferro teriam dado origem às sociedades anônimas. A partir dos primeiros anos do séc.
XX, os fatores determinantes para o surgimento dessas sociedades eram: o caráter de
utilidade pública da atividade em questão e a quantidade de capital fixo necessário para
realização do empreendimento.
De acordo com Berle & Means (1932), a dissociação entre propriedade e controle
apresentara-se como uma característica fundamental da estrutura de capital das corporações
americanas, mais nitidamente a partir do séc. XX. Surgiria a partir daí duas outras
características que estariam associadas, de forma inevitável, à empresa de capital aberto
norte-americana: por um lado, o seu tamanho significativo, a partir da aglomeração de um
grande número de proprietários passivos, e, por outro, o mercado público de ações, que
viabilizava a oferta de recursos por parte desses proprietários34.
Ressaltam Berle & Means (1932), que somente teria sido possível contar, inicialmente, com
a participação significativa, enquanto acionistas, de indivíduos provenientes das classes mais
altas35. Nos períodos em que essas classes não puderam atuar enquanto demandantes de
ações, as empresas teriam promovido campanhas procurando angariar os clientes e
consumidores como seus acionistas. A formação de um mercado de pequenos investidores
34
Conforme citam Berle e Means (1932): “Dessa separação surgiram duas características quase tão típicas da
empresa semi-pública quanto a própria separação - o tamanho e o mercado publico de ações’’ (Berle &
Means, 1932, p.35).
35
Em 1916, mais de 57% de todos os dividendos das ações teria sido recebido pelos que declararam as 25 mil
rendas mais elevadas, pelos dados do Imposto de Renda (Dados citados em Berle & Means, p.79, 1932).
58
teria sido, no entanto, bem mais complexa do que poderia sugerir a análise desses autores.
Para compreendê-la é necessário analisar como se deu o desenvolvimento das atividades das
instituições financeiras na formação desse mercado.
A atividade de banco de investimento teve início com a colocação de grandes emissões de
títulos do governo por ocasião da Guerra Civil americana. Após a guerra, o desafio imposto
aos bancos num primeiro momento era convencer os investidores estrangeiros e americanos
de que valeria a pena investir em títulos de dívida emitidos pelas empresas ferroviárias.
A primeira experiência de colocação de bônus para uma dessas empresas, a Northen Pacific,
teria sido mal sucedida e causou a falência da Cooke & Co, principal banking house da
época, e desencadeou o pânico e a depressão de 1873 em Wall Street. Tal evento teria
demonstrado, dentre outras, as dificuldades de atrair o pequeno investidor que, por ocasião
da Guerra Civil americana, havia respondido aos apelos patrióticos da campanha de
colocação de títulos do governo (Carosso, 1970).
Após a falência da Cooke & Co, a liderança das atividades de banco de investimento passa
para os banqueiros internacionais cuja força iria residir, exatamente, em sua habilidade de
mobilizar grandes somas de recursos estrangeiros e domésticos e direcioná-los para a
construção e o aprimoramento das ferrovias americanas. Era necessário, então, redirecionar
a atividade de colocação de títulos, antes voltada para a colocação em massa da época da
guerra, para colocações que deveriam ser concentradas em emissões no exterior e na seleção
de clientela de grandes compradores americanos institucionais e individuais, ou seja, era
necessário atrair uma fatia mais sofisticada do mercado.
Para isso, um mecanismo importante encontrado, que foi entendido como uma inovação, foi
os bancos de investimento tomarem assento nos conselhos de administração das empresas
emissoras (Coffee, 2000)36. Dessa forma, os bancos de investimento, além de organizar,
36
Coffee (2000) descreve, assim, a atuação dos bancos de investimento nesse período:
“Foreign investors might buy debt and equity securities on the reputational capital of merchant bankers like J.P.
Morgan, but this implied in turn that these agents had to develop a governance structure that enabled them to
fulfill their representations to their clients that their investments were safe and sound.
One means to the end was developed by J. P. Morgan& Co.: namely, placing a partner of the firm on the client’s
board. Up until World War I, the American investment banking industry was extremely concentrated, and any
flotation of more than $10 million invariably was underwritten by one of six firms, of which the largest was J.P
Morgan & Co. Given their market power and the desires of distant investors for a “hands on” representative
protecting their interests, it became common in the Unites States (but much less in the UK) for the investment
banker to place one or more representatives on the issuer’s board. During the last two decades of the 19th
Century, virtually every major US railroad developed close ties with one or more US investment banking firms,
59
precificar e subscrever os títulos, atividades nas quais se utilizavam de sua reputação para
convencer os investidores de que possuíam informações seguras e positivas acerca da
empresa, também proporcionaram um monitoramento sobre a empresa emissora. A presença
desses bancos na administração da empresa teria, desse modo, proporcionado aos
investidores garantia acerca do valor futuro desses investimentos. Ressalta-se, também, o
fato de que protegeriam o público investidor contra pessoas ou grupos que pudessem
usurpar o controle da empresa, então pulverizado, sem o devido pagamento do prêmio de
controle 37 . Para os bancos, por outro lado, tal mecanismo proporcionava a possibilidade de
defender sua reputação.
Igualmente se observou, nesse período, por parte das companhias férreas, a prática de
utilizar repetidamente a mesma instituição financeira para colocar seus títulos, fortalecendo
a formação de relações estreitas dessa indústria com os bancos. Ao longo desses processos,
fortalecera-se o exercício da influencia dessas instituições sobre a política interna das
corporações a quem serviam, processo que se denominou de active investment banking.
A infra-estrutura financeira utilizada para a construção de ferrovias nos anos de 1870/1880
foi utilizada no início do Séc. XX para as necessidades financeiras de outros setores da
economia. Após o pânico de 1873, grandes corporações de outros setores da indústria
passaram também a demandar a atividade dos bancos de investimento com o intuito de
levantar recursos, muitas das quais empresas familiares que teriam se transformado em
empresas de capital aberto38. Em geral, as instituições financeiras líderes que atenderam as
corporações industriais promoveram transações que envolviam grande volume de recursos,
muitas vezes fusões ou conversão dos Trusts em companhias Holdings, que requeriam a
emissão de bônus ou ações preferenciais.
37
and the practice of partners from investment banks and officers of commercial banks going on the railroad’s
board became institutionalized” (Coffee, p.30, 2000).
Para Coffee (2000), a separação entre controle e propriedade surge quando o mercado pode compensar os
proprietários iniciais pela obtenção do controle pagando a eles o prêmio de controle em montante igual ou
maior do que qualquer outra parte também interessada no controle pagaria. No caso dos EUA e do Reino
Unido essa questão historicamente teria se traduzido numa questão próxima: como o público/mercado pode
deter o controle e prevenir-se da usurpação por pessoas que pretendam obter o controle sem pagar o prêmio
de controle? Para o papel exercido pelos bancos de investimento americanos nesse campo ver Coffee, 2000,
p. 32 a 34.
38
Descreve, assim, Carosso (1970):
“Claffin´s success in reorganizing H. B. Claffin & Co. and selling a large part of his holdings led other
businessmen to follow his example; during the early 1890´s a number of partnerships were capitalized as
corporations, some of the important ones being Procter $ Gamble, P. Lorillard, and Westinghouse Electric”
(Carosso, 1970,p.42).
60
Para os bancos de investimento mais conservadores, as ações ordinárias emitidas pela
maioria das companhias industriais eram compreendidas como títulos especulativos.
Adicionalmente, existia por parte dos clientes certa relutância e falta de costume em deter
esses títulos. Em contraposição, as ações preferenciais gozavam de maior popularidade entre
emissores e investidores. Por parte dos investidores pesava o fato de que já possuíam maior
familiaridade com esses títulos, devidos às emissões das empresas férreas, e adicionalmente
proporcionavam uma maior garantia acerca do retorno que proporcionavam. Do ponto de
vista do emissor, pesava o fato de que, como, em geral, esses títulos não tinham direito a
voto, a emissão dessas ações proporcionava a possibilidade de obter recursos sem a perda do
controle.
Ao final dos séc. XIX e início do séc XX, os bancos de investimento começaram, então, a
participar mais ativamente dos processos de reestruturação das empresas, que antes eram
assumidas em maior escala pelos denominados promotores (promoters), corretores e
homens detentores de grandes fortunas, os quais formavam sindicatos para a distribuição
dos títulos das novas empresas. A participação mais ativa dos bancos de investimento se deu
mais nitidamente após a fusão que deu origem a Federal Steel Company, em 1898,
organizada por Morgan. Vários bancos comerciais se tornaram também bastante ativos
nessas operações, em especial, o National City Bank of New York.
A respeito do papel assumido pelas atividades de banco de investimento frente às
necessidades de recursos das grandes corporações americanas, ao final do séc. XIX,
descreve Carosso (1970):
“the country’s leading investment houses, reluctant earlier to underwrite such issues, now were
taking over the major responsibility for financing heavy industry and manufacturing, initiating
mergers and consolidations, distributing industrial bonds and preferred stocks, accepting
representations on the directorates of these corporations, and generally assuming the same
responsibilities for these companies that they did for railroad.
By the beginning of the twentieth century virtually all the principal railroads in the country and
many of the largest industrial corporations looked to the investment banker for their long-term
capital requirements” (Carosso, 1970, p.47) (grifo nosso).
61
A distribuição ao público das grandes emissões se dava nos seguintes termos, conforme
também analisado por Carosso (1970):
“The number of private investment houses and commercial banks capable of meeting the
financials needs of these large borrowers was very small, at most no more than a dozen
institutions. Their services were eagerly solicited by a rapidly growing number of big businesses
dependent upon raising capital from the public (…) The reputation and influence of the leading
investment firms, such as J.P. Morgan, Kuhn, Loeb, and The First National Bank of New York,
rested upon their ability to distribute large quantities of securities by selling them to their
branches or correspondents abroad and to private and commercial banks, brokerage houses, and
trust and life insurance companies in the Unites States; such firms then resold the stocks or bonds
to the public or held them as investments” (Carosso, 1970, p.47).
As instituições envolvidas diretamente nas atividades de colocação de grandes emissões
dependiam, portanto, em grande medida, do suporte das demais instituições financeiras. A
fim de garantir essa assistência procuraram investir nessas instituições, obter representações
em suas diretorias ou adquirir o controle das mesmas.
A extensão do papel assumido pelos bancos de investimento até o período anterior aos anos
30 fica evidente na declaração proferida, em 1937, por W. Douglas, presidente da SEC
americana durante o período de constituição dessa entidade, para uma audiência que incluía,
praticamente, todos os banqueiros dos bancos de investimento mais importantes de Wall
Street daquele período:
“(T)he banker (should and will) restricted to underwriting or selling. Insofar as management
(and) formulation of industrial policies (…)The banker will be superseded. The financial power
which he has exercised in the past over such processes will pass into other hands” (W. Douglas,
Democracy and Finance 32, 41, 1940). (grifo nosso)
A Bolsa de Nova York (New York Securities Exchange – NYSE) teria provido, também, um
controle sobre a atuação de seus membros, além de definir critérios restritivos para as
empresas que desejavam listar ali as suas ações, exercendo, em certa medida, um
monitoramento sobre as empresas emissoras (Coffee, 2000). Estimava-se que para ser
listada na NYSE uma companhia deveria ser cinco vezes maior do que o exigido para
listagem na Bolsa de Londres (London Securities Exchange - LSE).
62
A atuação da NYSE contrastava com a passividade presente na atuação das demais Bolsas
então existentes. Nesse sentido, fatores como a estrutura organizacional e a dinâmica
institucional desta Bolsa tiveram grande importância.
A NYSE detinha uma estrutura fechada e a admissão de novo membro dependia, portanto,
da obtenção do assento de algum membro. Essa Bolsa manteve, então, número constante de
participantes entre o período decorrido entre 1870 e 1905. Deste fato decorre a valorização
do assento na Bolsa e a caracterização dos membros como grandes firmas que ofereciam
uma gama diversificada de serviços financeiros, como a JPMorgan & Co, para as quais o
controle sobre as empresas que seriam ali listadas era uma forma de defender suas
reputações. O contraste era bem significativo se comparada com sua co-irmã a LSE, cujos
membros caracterizavam-se por um grande e crescente número de pequenas corretoras.
Adicionalmente, as comissões de corretagem na NYSE eram fixas desestimulando os
negócios de menor valor. Com um número pequeno e limitado de membros e elevado custo
para operações de menor vulto, a bolsa não era capaz de atender a todas as empresas que
teriam o interesse de serem ali listadas. Por conseguinte, teria optado, então, por limitar-se a
grandes volumes de negócios de maior qualidade, o que, por outro lado, era também uma
forma de limitar o risco de falência de seus membros.
A respeito do papel dos bancos de investimento e da NYSE, Coffee (2000), então, conclui:
“These twin developments - the development of a monitoring capacity by the NYSE and the
bonding mechanism first developed by US underwriters to attract foreign capital - constitute the
twin pillars that supported the development of a liquid equity securities market in the United
States. Such a public market arose far quicker in the Unites States than in the UK” (Coffee, p.39,
2000).
Os mecanismos analisados teriam sido particularmente importantes considerando que não
existia regulação e nem órgão regulador no âmbito federal. Na sua ausência era possível se
utilizar de arbitragens regulatórias, ou seja, as empresas podiam migrar para uma jurisdição
63
estadual mais permissiva ou forçar emendas na lei que lhes dessem mais liberdade em
prejuízo do público investidor e havia, também, o risco de corromperem os juízes39.
Para o caso inglês, também alguns mecanismos extra mercado foram especialmente
importantes para o desenvolvimento do mercado de capitais na ausência de uma proteção
legal adequada ao pequeno acionista, a saber: as relações de confiança estabelecidas entre os
administradores das empresas e os investidores, assim como o papel da auto-regulação
exercida pela Bolsa de Londres (LSE), por motivos bem diferentes do que se observou com
respeito à atuação da NYSE. Nesse campo ressalta-se, em especial, o fato de que a LSE
centralizava praticamente todas as operações realizadas com títulos, incluindo mercado
primário e títulos públicos, e sempre exerceu sobre elas uma atividade de supervisão que era
aceita de forma voluntária pelo mercado e era facilitada pela concentração geográfica
significativa de suas atividades.
4.2 – Desenvolvimento do Mercado e Proteção ao Acionista – a Questão Legal e
Regulatória
No que se refere ao papel da regulação, a história de países desenvolvidos com experiências
bem sucedidas de desenvolvimento do mercado de capitais, o caso americano e inglês,
demonstra que foi possível o surgimento desses mercados apesar da ausência de estruturas
legais e regulatórias apropriadas. Nessa primeira fase, ao menos, para o caso americano, o
fator legal/regulatório não foi uma condição necessária, sugerindo que outros mecanismos
atuaram de forma a reduzir as incertezas desses contratos e proteger os investidores,
conforme acima discutido.
39
A batalha pelo controle da Erie Railroad, que teve seu início em 1860, oferece um exemplo concreto de
alguns desses problemas. A luta pelo controle da ferrovia mobilizou dois grupos: Commodore Vanderbilt, de
um lado, e Jay Gould e Daniel Drew, de outro. Os últimos, que eram conhecidos como os líderes da
manipulação no mercado de ações naquele tempo, impediram o grupo adversário de comprar o controle da
empresa ao promoverem uma operação de venda de bonds conversíveis em ações com um significativo
desconto a seus aliados. Estes, por sua vez, ao converterem os bonds em ações diluiriam o poder de voto de
Vanderbilt. Ambos os grupos utilizaram-se de ordens judiciais para tentarem fazer valer seus interesses. A
corrupção teria sido o mecanismo de convencimento utilizado frente ao poder judiciário e ao final teria sido
Gould, ao corromper um número suficiente de magistrados, quem teria feito aprovar lei que legitimava a tática
utilizada por ele nesse caso (Coffee, 2000, p.28/29).
64
Num sentido diverso, os trabalhos desenvolvidos pela escola legal finance40, a partir da
relação positiva encontrada entre o nível de desenvolvimento do mercado de capitais e o
nível de proteção dado ao acionista, para uma amostra de países num determinado período,
sugerem que uma regulamentação apropriada seria condição determinante para que esses
mercados se desenvolvessem. De acordo com esses estudos, a tradição legal do país, se
caracterizada como Civil Law ou Common Law41, determina o nível de proteção atribuído
ao acionista, e países que oferecem maior proteção legal ao acionista possuem um mercado
de capitais mais desenvolvido (maior relação capitalização bursátil/PIB, menor grau de
concentração, maior número de empresas de capital aberto, maior número de ofertas
públicas iniciais de ações - IPO etc.)42.
Cumpre ressaltar, no entanto, que a presença de estruturas legais adequadas como um fator
de sustentação dos mercados de capitais bem sucedidos existentes, como afirmariam os
indicadores de La Porta, não significa que esse seja um pré-requisito indispensável para a
formação desses mercados. A experiência histórica americana, como já anteriormente
analisado, sugere que esse não foi um requisito necessário na sua fase inicial de
desenvolvimento.
Adicionalmente, a evolução do mercado americano analisada na seção 4.1 corroboraria para
o entendimento de que o desenvolvimento da estrutura legal muitas vezes ocorreria
posteriormente às mudanças econômicas, e não o contrário. Dessa forma, afirma Coffee que:
“Viewed in retrospect, this sequence makes obvious political sense: legal reforms are enacted at
the behest of a motivated consistency that is protected (or at least perceives itself to be protected)
by the reforms. Hence, the constituency (here, dispersed public shareholders) must first arise
40
La Porta, Lopez de Silanes, Shleifer, Vishny (1997)- LLSV; La Porta, Lopez de Silanes e Shleifer (1998) LLS e La Porta (Versão refinada de La Porta et. Al. 1996.)
41
Grosso modo, Common Law refere-se à tradição legal na qual as leis resultam, principalmente, dos
precedentes das decisões judiciais, ou a jurisprudência. Essa tradição é fortemente disseminada na Inglaterra
e suas coloniais, inclusive nos EUA. No caso da Civil Law, ao contrário, a formulação das leis é fortemente
influenciada pelo código legal romano, pelo seu estudo nas universidades européias e sua prática pelos
advogados, tendo as decisões judiciais um peso menos relevante. Aponta-se que seguiram essa tradição três
famílias de leis, a francesa, a alemã e a Escandinávia.
42
Os países foram classificados de acordo com o índice de proteção ao acionista minoritário baseado no
direito a voto, conforme previsto nas Leis das S.A., construído por LLSV(1998). O índice proposto de proteção
ao acionista baseado nos direitos a voto soma um ponto para cada um dos cinco critérios: 1) base legal para
que acionistas votem em assembléia através de procurações, 2) direito a representação proporcional no
conselho de administração, 3) direito de retirar-se da companhia obtendo por suas ações o valor patrimonial
quando certas decisões fundamentais (fusão, mudança de estatutos, etc.) são tomadas, 4) direito aos
acionistas de subscrever novas emissões proporcionalmente ao capital detido, 5) porcentagem do capital
necessário para convocar assembléia extraordinária (soma-se um ponto quando esse percentual é menor que
10 %)42.
65
before they can become an effective lobbying force and an instrument of legal change” (Coffee,
2000, p.8).
Já a experiência inglesa demonstraria que o fator legal não se demonstrou fundamental nem
mesmo quando esse mercado já se encontrava bem desenvolvido. Conforme defendem
Franks, Mayer e Rossi (2005), a partir do cálculo do indicador de proteção ao investidor
proposto por LLSV (La Porta, Lopez de Silanes, Shleifer, Vishny, 1997) para a Inglaterra ao
longo do séc. XX, aufere-se que o mesmo muda significativamente nesse período, variando
de 1 a 5 pontos. Demonstra-se, portanto, um nível de proteção bem fraco no início do século
a despeito do elevado grau de desenvolvimento do mercado de capitais apresentado no país
ao longo desse período. Ademais, tais fatos contrapõem-se ao argumento de LLSV acerca da
importância da tradição legal de um país como determinante do grau de proteção que
apresenta. O caso inglês, país onde se originou a tradição do Civil Law, deveria, segundo a
tese desses autores, apresentar um elevado nível de proteção ao acionista.
Para o caso inglês, de acordo com Franks, Mayer e Rossi (2005), frente à fraca proteção
legal, o desenvolvimento do mercado ao longo da primeira metade do séc. XX, que se
expressava no alto volume de emissões e pulverização do capital das empresas, teria sido
fortemente calcado nas relações informais e de confiança que se estabeleceram entre os
acionistas e os membros do conselho de administração das empresas43. A importância das
relações de confiança aparece, também, no papel de auto-regulação exercido pelas Bolsas na
Inglaterra, já mencionado anteriormente.
Cabe ressaltar que os mecanismos extra mercado discutidos são bem específicos e resultam
da experiência histórica que se promoveu nesses países no âmbito de seus mercados. Na
ausência de mecanismos desse tipo, haverá espaço importante para os instrumentos
legais/regulatórios. No entanto, não é possível derivar destas experiências históricas bem
sucedidas uma relação positiva direta entre proteção e desenvolvimento desses mercados.
43
Evidencias dessas relações eram encontradas no âmbito das operações de aquisições e fusões, onde as
ofertas para a compra de ações eram feitas sem discriminação de preço e com a participação dos conselheiros
das empresas que sustentavam a convenção do preço equivalente ao tornar pública sua participação na dita
oferta e ao dar recomendações aos acionistas acerca da mesma. Note-se que na ausência de tais relações as
companhias, grupos ou investidores que pretendessem adquirir o controle de uma empresa poderiam adquirir a
empresa alvo fazendo ofertas discriminatórias para um grupo seleto de acionistas procurando comprar o
mínimo requerido para assegurar o controle.
66
4.3 – O Desenvolvimento da Regulação para o Mercado de Capitais nos Estados
Unidos
4.3.1 - O fim do laissez faire e os diferentes modelos de sistema financeiro
No séc. XX, ao longo das décadas de 30 e 40, diante da instabilidade demonstrada pelos
sistemas financeiros dos países desenvolvidos, a partir da Grande Depressão de 1929 e das
crises bancárias ocorridas no Japão, em 1927, e na Alemanha, em 1931, torna-se clara a
fragilidade dos regimes financeiros, que eram a essa altura em maior ou em menor extensão,
regimes de laissez faire. Verifica-se, a partir de então, mudanças promovidas nos objetivos
sociais e econômicos dos governos nacionais e soluções regulatórias bastante distintas no
âmbito do setor financeiro para os diferentes países.
Nesse contexto, o Estado sai de uma atitude mais ou menos laissez faire em direção a
implementação de uma regulação financeira e toma medidas ativas para modelar o sistema
financeiro.
De um lado, os Estados Unidos definem um modelo liberal de intervenção do Estado, com
foco no papel exercido pelos contratos privados e com base em regras de sanções que
garantissem o fair play nos mercados financeiros. Além disso, esse país adota fortes
restrições à participação dos bancos comerciais nesses mercados, de forma a impossibilitar
sua atuação enquanto bancos universais e, também, a impedir a expansão geográfica de suas
agências.
De outro lado, analisa Vitols (2001), a Alemanha e o Japão optam por um modelo não
liberal de regulação financeira. A Alemanha opta por um modelo corporativista calcado em
forte influência das associações dos bancos na definição da regulação a ser adotada para o
setor, reforça a posição dominante dos bancos vis a vis mercados, remove o Estado da
alocação de recursos aos setores da indústria, mas mantém os bancos públicos de poupança,
com a função de promover o desenvolvimento regional e prover crédito a empresas de
pequeno e médio porte. O Japão opta por uma orientação administrativa, utilizando sistemas
de licenciamento e reforçando a presença do Estado nas decisões de alocação de crédito. As
diferenças mencionadas teriam persistido apesar dos EU, no período pós II GM, tentarem
impor o seu sistema liberal na regulação financeira desses dois países.
67
A participação dos Estados nacionais e diferentes objetivos adotados por cada um, a partir
do final da primeira metade do séc. XX, teriam tido um papel fundamental na determinação
dos modelos de sistema financeiro a serem adotados para esses países a partir de então. Isto
porque, essas definições, contrapondo-se ao estado de laissez faire que vigorava no período
anterior, deram um caráter nacional às políticas que foram estabelecidas, privilegiaram
claramente uma fonte de recursos em detrimento de outras, definiram qual seria a
participação direta do estado e, ainda, sobre que regras e emanadas de quem o sistema
financeiro deveria operar.
Os arranjos originalmente verificados no âmbito das relações entre as instituições
financeiras e o setor produtivo quando do processo de industrialização desses países teriam,
também, conformado importantes condições para o desenvolvimento de sistemas com base
em mercado ou de sistemas com base em bancos. Nesse sentido, ressaltem-se as relações
financeiras específicas que se conformaram entre banco e indústria nos distintos países, que
no caso americano se deram principalmente no âmbito do mercado de títulos, como já
analisado e, no caso alemão, por exemplo, via o fornecimento de crédito44.
4.3.2 - O Modelo Inglês de Regulação para o Mercado de Capitais
O desenvolvimento de uma regulação nacional nos Estados Unidos para o mercado de
capitais ocorreu no início dos anos trinta, quando não havia regulação nacional que provesse
normas e regras para a emissão e negociação de títulos e nem órgão específico responsável
pela sua implementação. Tal marco regulatório foi, sem dúvida, decorrente dos efeitos e das
inevitáveis preocupações que surgem com e após a Crise de 1929. Desde então o mercado
44
Nesse contexto destaca-se a especificidade das relações que se estabeleceram entre o capital industrial e
bancário alemão e sua consolidação através da conformação dos bancos universais, que combinavam as
atividades tradicionais de banco comercial com o fornecimento de crédito de longo prazo para investimentos.
Gerschenkron explicita:
“the German banks, and with them the Austrian and Italian banks, established the closest possible relations
with industrial enterprises. A German bank, as the saying went, accompanied an industrial enterprise from the
craddle to the grave (...).Through the device of formally short-term but in reality long-term current account
credits and trough development of the institution of the supervisory boards to the position of most powerful
organs within corporate organizations, the banks acquired a formidable degree of ascendancy over industrial
enterprises, which extended far beyond the sphere of financial control into that of entrepreneurial and
managerial decisions” ” (Gerschenkron,1962. p.14).
68
de capitais americano é considerado como o mais regulado e tem sido uma referência
importante para os demais países.
É importante ressaltar, contudo, que existem outros modelos de regulação para o mercado de
capitais que se caracterizaram por uma menor presença da atividade reguladora exercida
pelo Estado. Nesse sentido, destaca-se, em especial, o modelo de regulação inglês. A
Inglaterra é exemplo singular de um país que desenvolve um mercado de títulos já no final
do séc. XVII e cujo modelo de regulação do mercado de capitais foi durante um longo
período fortemente calcado na força da auto-regulação.
Tal possibilidade parece ter sido sustentada em grande medida, além da tradição que foi
sendo construída ao longo do tempo nesse mercado, por um conjunto de fatores dentre os
quais: concentração e sofisticação do mercado; normas jurídicas válidas nacionalmente; a
realização de quase todas as transações com títulos no âmbito das Bolsas, inclusive quase
todas as emissões primárias mais importantes, e também transações com os títulos
governamentais; proximidade geográfica da indústria que se localiza em sua maioria no
setor da cidade denominado City of London; a atividade de supervisão sobre o mercado ter
sempre sido exercida pelas entidades auto-reguladoras; e, mais recentemente, a fusão das
Bolsas da Grã Bretanha e Irlanda em 1973, originando a Bolsa de Valores de Londres com
sete unidades administrativas, e resultando em grande capacidade de centralização da
entidade auto-reguladora (Castro e Eizirick, 1974).
As entidades auto-reguladoras na Inglaterra exerciam a supervisão e a regulação de seus
membros sem possuírem poderes delegados pelo governo, ou seja, as regras definidas pela
Bolsa não poderiam ser caracterizadas como normas jurídicas:
“No caso das entidades auto-reguladoras na Inglaterra, suas regras não devem ser caracterizadas
como normas jurídicas; não estão incluídas dentro de um sistema de normas jurídicas e não
apresentam o aspecto de coação. Qualquer penalidade aplicada pela bolsa pode ser ou não aceita
pelo membro punido; caso não aceite, a pena não pode ser aplicada à força” (Castro e Eizirick,
p.81, 1974).
69
4.3.3 - O Modelo Americano de Regulação do Mercado de Capitais
A discussão sobre qual deveria ser o modelo a ser implementado para a regulação americana
na década de trinta foi motivo de disputas num ambiente onde as discussões acerca de qual
seria a melhor forma de inserção do Estado na economia se proliferavam. A era do New
Deal, que foi inaugurada com o governo de Roosevelt em 1933, refletia uma visão na qual
se entendia como necessária à atuação do governo num formato de colaboração entre este e
o mercado, conforme o objetivo acordado, numa concepção, pode-se dizer, mais
cooperativa.
Contudo, do ponto de vista da regulação nacional para o mercado financeiro, e, mais
especificamente, para o mercado de capitais, coube ao governo, no modelo adotado, o papel
de supervisor do mercado e não de agente atuante ou colaborador. Não faltaram propostas
dos assessores do governo e de membros do Congresso no sentido de uma presença mais
ativa do Governo no sistema financeiro, como por exemplo, a nacionalização dos maiores
bancos. Nesse sentido, o modelo vitorioso significou uma derrota da parte dos que se
alinhavam mais fortemente com as proposições do New Deal, conforme ressalta Vitols
(2001):
“the national regulatory regime established for financial markets drew heavily on precedents
from the populist and progressive eras. This approach which was established in areas such as
antitrust, railroad, and other utility regulation, involved congressional delegation of rule-making
authority to independent agencies. These rules are intended to define fair play in markets where
some actors are considerably stronger than others or enjoy significant information advantages.
Rule making is guided by administrative law and the enforcement of these rules can be triggered
by private actors through recourse to the judicial system” (Vitols, 2001, p.190).
Para o segmento do mercado de capitais foi adotado, então, o enfoque de formação de
agências, no qual o governo exercia um papel de supervisor, ou seja, sua atuação visava
corrigir os erros atribuídos ao mercado.
Relativamente ao modelo de regulação vitorioso duas características foram consideradas as
mais importantes: o sistema de auto-regulação e o sistema de divulgação de informações
(disclosure). Esses dois sistemas definiam, como veremos adiante, as características das
70
funções de supervisão e de prover informações para o investidor, que seriam exercidas pelo
órgão regulador nesse novo modelo.
A partir dos poderes outorgados pelas leis aprovadas pelo congresso, a agência deveria
desenvolver um conjunto de regras e práticas que visavam regular o mercado e os agentes
que nele atuam. Esta função poderia ser entendida como a atividade onde a agência
reguladora teria uma participação menos passiva no novo modelo.
Adicionalmente, uma característica importante também merece ser mencionada o fato de
que, como ressaltam Castro e Eizirick (1974), a atuação do governo no mercado de capitais
deveria visar especificamente esse próprio segmento, e diferentemente da regulação para
outros setores da economia, não estava subordinada a um planejamento econômico global.
4.3.3.a) O sistema de disclosure
Até o período da Crise de 1929, havia certa passividade por parte do público diante da
atuação dos insiders, visto que costumavam atuar no mercado de ações utilizando seus
conhecimentos acerca dos negócios internos da companhia. Ademais, não existia uma
uniformidade no nível de exigência sobre as empresas emissoras com relação às
informações a serem prestadas ao público em geral e aos acionistas em particular, visto que
variava de acordo com a Bolsa em que estava sendo transacionado o título.
O princípio de divulgação de informações ao público, ou transparência (disclosure), como
ressalta Eizirick (1984), teria sido defendido já em 1914 por um Ministro da Suprema Corte
dos EU, que sustentava para o mercado de capitais uma legislação semelhante à imposta aos
fabricantes de alimentos - a Pure Food Law, a qual havia criado a obrigatoriedade de
divulgação dos ingredientes utilizados na confecção dos produtos. A intenção era através
dessa divulgação permitir que os consumidores pudessem ter a possibilidade de avaliar a
qualidade do produto adquirido.
Mediante a promulgação da Lei de Valores Mobiliários de 1933 - Securities Act of 1933,
criou-se a agência reguladora do mercado de capitais americano – a Securities and
Exchange Comission (SEC) e definiu-se o estatuto de divulgação de informações
71
(disclosure) para as emissões primárias. Este estatuto exige das empresas emissoras que
forneçam aos investidores informações acerca dos títulos emitidos. As empresas devem
registrar suas emissões junto a SEC, provendo informações como:
descrição
das
propriedades e negócios da companhia; descrição da quantidade de ações oferecidas e sua
relação com os demais títulos representativos do capital da empresa; informações sobre a
direção da companhia; relatórios financeiros assinados por auditores independentes.
A exigência de registro junto à agência reguladora foi compreendida e implementada como
um recurso, na verdade, meramente instrumental visto que seu objetivo foi obrigar os
emissores a fazer o disclosure. A atuação do regulador aprovando o registro da emissão não
visa agregar nenhuma informação adicional à operação, a não ser a de que todas as
informações exigidas foram apresentadas. A SEC não assume a responsabilidade por checar
a veracidade dessas informações. A SEC também não assegura a qualidade do título
emitido. É o investidor, que de posse das informações disponibilizadas, deve avaliar o
investimento, assim como, ao analisar os ingredientes que constam na composição dos
alimentos, o consumidor avalia a qualidade do produto em mercado45 .
Nesse aspecto, observa-se, contudo, o papel atribuído às instituições e profissionais que
assegurariam a qualidade, veracidade das informações e dariam suporte aos investidores nas
suas decisões. Na seção 11 do Securities Act de 1933, por ocasião da colocação de títulos no
mercado primário, no registro da emissão ou nos prospectos de venda, atribuiu-se
responsabilidade pela prestação de informações falsas ou omissão de informações sobre fato
relevante ao emissor e à instituição financeira intermediária colocadora e subscritora da
operação, bem como, também, aos demais profissionais, como os auditores, que tenham se
responsabilizado pela preparação das informações disponibilizadas.
Por intermédio do Securities Exchange Act de 1934, o Princípio de Disclosure foi estendido
também às ações registradas na Bolsa. Tal medida determina a divulgação de informações
periódicas acerca da companhia emissora dos títulos. O objetivo é que os acionistas possam
exercer seu direito de voto e possam, também, avaliar a oportunidade de vender suas ações
45
No entanto, como ressaltado no Capítulo 1, os contratos financeiros, por aglutinarem um grande número de
características especiais, tendem a ser mais complexos que os contratos não financeiros, e, portanto, as
condições de proteção do consumidor no âmbito do mercado de bens tendem a ser mais simples do que as
exigidas para o mercado de ativos financeiros.
72
no caso de ofertas públicas, assim como, visa impedir a prática do insider trading (Eizirik e
Porto, 1974).
Dessa forma, para as ações já emitidas requisita-se o registro junto à Bolsa e junto à SEC
(Seção 12 da lei), e a atualização de Relatórios anuais e periódicos (Seção 13 da lei). Os
Relatórios Anuais devem conter, além do balanço anual auditado, informações acerca da
composição de acionistas com direito a voto, nome, profissão e número de ações,
remuneração dos diretores, participação de assessor ou diretor em transações importantes da
companhia, opções de compra e seu exercício etc. Relativamente ao insider trading
especifica-se, na Seção 16 da lei, que os acionistas com participação no capital da
companhia acima de 10% deveriam enviar relatórios periódicos à SEC .
Em 1942, por intermédio da Regra no 5, com base na Seção 10-b do Securities Exchange
Act, foi declarado ilegal a conduta de qualquer pessoa que, ao negociar ações, prestasse
declarações falsas ou incorretas sobre um fato material ou omitisse um fato material46.
Em 1968 e 1970 o Securities Exchange Act sofreu emendas adicionais que visaram impedir
o uso de informações privilegiadas (insider trading) ampliando o princípio de disclosure
para qualquer grupo que visasse obter o controle da companhia (tender offers - compra
direta) ou para pessoa ou grupo que visassem adquirir mais de 10% das ações da companhia.
4.3.3.b) - O sistema de auto-regulacão: as Bolsas e o mercado de balcão
No período anterior a crise de 1929 as Bolsas de ações americanas consistiam em órgãos
voluntários, cuja condução e regulação de seu funcionamento interno eram da
46
A primeira vez que tal Regra foi aplicado com todo seu rigor foi, somente em 1959, no caso exemplar
envolvendo a companhia Texas Gulf Sulphur Company. A Texas Gulf Sulphur Company era a maior produtora
mundial de enxofre. Informações acerca de perfuração que teria permitido a descoberta pela citada companhia
de novas reservas de zinco e cobre não teriam sido veiculadas pela empresa ao público. No entanto, enquanto
isso diretores e funcionários diretamente envolvidos na descoberta em questão adquiriram ações da empresa
no mercado diretamente ou através de seus prepostos. Após divulgação em jornais canadenses a cerca da
descoberta, a diretoria teria vindo a público procurando amenizar a dimensão dessas revelações, e após
alguns dias, divulgou informação reafirmando a importância das ditas descobertas. A SEC entrou em juízo e a
corte de segunda instância reformou a sentença da primeira instância, que teria sido contrária e condenou os
insiders que teriam comprado ações após a citada descoberta, visto que seria considerada Material
Information, e também condenou a empresa por declaração enganosa. A Corte definiu que entendia como Fato
Material, para efeito da Regra 10 B-5, aquela que é levada em conta por investidor médio para a compra,
venda ou manutenção de ações, ou que provoca impacto sobre o mercado de ações (ver Eizirick ,1974).
73
responsabilidade exclusiva dos seus membros. Estas instituições gozavam de grande
autonomia visto que estavam sujeitas a pouca ou nenhuma regra. Por outro lado, as
atividades realizadas no mercado de balcão não possuíam nenhuma forma de autoregulação.
Algumas conseqüências dessa situação puderam ser observadas ao longo do período que
culminou na crise de 1929. Existia, por exemplo, uma diferenciação entre os níveis de
exigência de divulgação de informações das empresas requeridas pela Bolsa de Nova York e
os definidos para as demais Bolsas americanas. Devido a isso, foi possível observar, à
medida que se elevava o fluxo de operações de caráter especulativo, uma certa migração em
favor desse último grupo, como analisou Galbraith (1988):
“as transações da Bolsa de Nova York não mais constituíam bom indicador do interesse total na
especulação de títulos. Muitas ações novas e empolgantes - da Shenandoah, da Blue Ridge, da
Pennroad, da Insul Utilities - não constavam do grande quadro da Bolsa (...) A maioria das
empresas que o quisesse podia ter suas ações admitidas à negociação. Algumas delas, porém,
achavam prudente, e muitas outras achavam conveniente, não responder às indagações bastante
simples que a Bolsa fazia para obter informações. Dessa forma, muitas ações eram
transacionadas no mercado secundário, na Bolsa de Boston, ou em outras bolsas. Embora as
negociações da Bolsa de Nova York continuassem maiores do que as de todas as outras juntas,
sua posição relativa sofrera certo abalo (...) no verão de 1929 as bolsas de Boston e São
Francisco, normalmente indolentes e até a de Cincinnati, estavam experimentando um boom.
Em vez de apresentar um pálido reflexo do que acontecia em Wall Street, elas possuíam vida e
personalidade próprias. Certas ações ali negociadas não eram admitidas em Nova York, algumas
de excepcional sabor especulativo” (Galbraith, 1988, p. 60).
Adicionalmente, as atividades de manipulação de mercado eram freqüentes no período em
questão e, mais importante ainda era o fato de que nelas estavam amplamente envolvidos os
profissionais de mercado:
“naquele período ferviam as associações e coligações - em resumo, manipulações em grande
escala. No decorrer de 1929, mais de cem emissões foram objeto de operações desse gênero na
Bolsa de Nova York, de que participaram associadas da Bolsa ou seus prepostos. As operações
eram de natureza um pouco variada, mas, basicamente, uma série de operadores reunia seus
recursos para forçar alta de determinada ação (...) Essas compras elevavam a cotação da ação e
despertavam o interesse das pessoas (...) tudo correndo bem, o público comprava e o papel
74
passava a subir por si mesmo (...). Nesse ponto o gerente se desfazia de tudo, retirava uma
porcentagem do lucro e dividia o resto com seus investidores” (Galbraith, 1988, p.71) 47.
O sistema de auto-regulação foi instituído mediante o Securities Exchange Act de 1934 que
regulou o mercado de títulos e os negócios realizados pelos profissionais de mercado dealers and brokers. Mediante esse instrumento legal foram delegados poderes às entidades
auto-reguladoras, ou seja, às Bolsas e, à NASD, após sua constituição, as quais passaram a
ter a responsabilidade de desenvolver normas para as negociações e conduta dos seus
membros. À SEC coube atuar diretamente sobre o mercado ou por intermédio das entidades
auto-reguladoras, exercendo, também, a função de supervisionar as atividades dessas
últimas. Dentre alguns dos objetivos a serem perseguidos e atribuições a serem exercidas
diretamente pela SEC, sobre as Bolsas e os negócios nelas ocorridos, contidas nesse ato
legal, constam: a exigência de registro das corretoras e de Bolsas; a extensão do Princípio de
Disclosure a todas as ações listadas em Bolsa, implicando na exigência de apresentação de
Relatórios anuais e trimestrais por parte das companhias emissoras que transacionam seus
títulos no mercado de balcão ou de Bolsa; a proibição de manipulação de preços ou o uso de
esquemas de manipulação na compra ou venda de títulos; a autoridade de suspender as
corretoras de suas atividades no mercado de títulos etc.
Foi por intermédio do Maloney Act de 1938, constituído enquanto uma emenda a Seção 15 A do Securities Act, que a legislação previu a formação de entidades auto-reguladoras, antes
inexistentes, para o mercado de balcão48. Com a promulgação dessa lei foi possível ocorrer
um acordo entre a SEC e a indústria em torno da constituição de uma única associação autoreguladora, a NASD - National Association of Securities Dealers, que foi formada e
registrada em 1939, e que começou a funcionar em 1940. Diferentemente das Bolsas, nesse
mercado não havia uma centralização física das operações, constituiu-se numa rede de
informações através da qual as instituições intermediárias espalhadas geograficamente
operavam em nome de seus clientes. Desde 1981, essa funcionalidade passou ser exercida
de maneira tecnologicamente bem mais avançada por intermédio de seu sistema - NASDAQ
- National Association of Securities Dealers Automated Quotations System.
47
Informações obtidas no Stock Exchange Practices, Relatório de 1934.
Define-se como mercado de balcão no âmbito das transações efetuadas no mercado de capitais aos
negócios efetuados diretamente pelas instituições intermediárias, portanto, fora de bolsa.
48
75
4.3.4 - Os Bancos e a Crise Financeira
Para alguns autores, a crise de 29 poderia ser analisada enquanto o começo de uma longa
crise financeira que se alastrou por vários anos e culminou na crise bancária de 1933.
No que se refere mais especificamente ao colapso da Bolsa, ao longo do ano de 1929, vários
foram os momentos que demarcaram uma inter-relação entre os bancos e o mercado de
capitais americano no período analisado. Um dos mais significativos foi quando em 24 de
outubro, diante do primeiro momento de grande pânico, que teria se instalado a partir da
queda abrupta das cotações, os banqueiros resolveram reunir recursos para apoiar o mercado
e conter a crise. O anúncio de tal decisão teria sido capaz de acalmar o mercado, muito
embora o valor do montante efetivamente disponibilizado não chegou a se saber ao certo49.
Um outro momento foi quando se tornaram públicas as operações de manipulação no
mercado de títulos, envolvendo banqueiros e dois dos mais importantes bancos de Wall
Street: Chase National Bank e o National City Bank 50.
Em 1933, foi o arcabouço regulatório voltado às atividades das instituições bancárias que
passou por importantes mudanças. Dentre as mudanças que repercutiram mais diretamente
sobre o mercado de títulos, destaca-se a provision Glass-Steagall, contida no Banking Act de
1933, que tornou obrigatória a separação da função dos bancos de investimento da função
dos bancos comerciais, e proibiu a esses últimos de se filiarem a qualquer corporação
engajada em atividades de emissão, subscrição e colocação de ações, títulos, debêntures,
notas e outras securities. Restringe-se, assim, fortemente a participação dos bancos
comerciais no mercado de títulos, de forma a impedir sua atuação enquanto bancos
universais. Foram, também, estabelecidas restrições à expansão de suas agências, atingindo
de forma mais significativa os bancos que apresentavam à época uma atuação em escala
nacional.
Dessa forma, objetivou-se reduzir o poder dos bancos e separar as atividades especulativas
do mercado de títulos das atividades de banco comercial, dificultando crises de caráter
sistêmico.
49
50
Ver Galbraith, 1988, p. 90/91.
Ver Galbraith, 1988, p. 132/138.
76
Em termos gerais, as motivações que ensejaram tais regulamentações teriam sido de ordem
basicamente econômica e política, justificadas pelo apelo ao sentimento reconhecidamente
disseminado na sociedade americana de desconfiança em relação as grandes instituições
financeiras e na necessidade de delimitar seu poder, e, especificamente, na defesa do
argumento no qual a Crise de 29 teria tido como causa o excesso de poder dessas
instituições.
Segundo Roe (1989), a regulação financeira americana nos moldes então implementados
teria sido também decisiva para o processo de dissociação entre propriedade e controle
observado nas corporações americanas, de forma que, como afirma esse autor: “The BerleMeans corporation is an adaptation, not a necessity” (1989, p.73).
Isto porque, tal regulação teria impedido, ou tornado altamente custoso ou delimitado a
participação de instituições financeiras (bancos, empresas de seguros, fundos de pensão,
fundos de investimento) enquanto detentoras dos títulos de propriedade, justamente os
investidores que teriam os recursos para deterem parte substancial do capital, ou mesmo
exercerem o controle sobre as grandes corporações. Conforme analisa Roe (1989):
“ Influence was direct: prohibitions on banks and bank holding companies - the institutional
players with half of the money - from owning and controlling, prohibitions on insurance
companies from owning stock for a half-century (and now limiting their ownership), and tax
penalties on mutual funds owning control blocks. And influence was indirect: i ) fragmented
investors talking to one another must act trough the SEC’s proxy machinery, ii) schedules have
to be filled with the SEC, iii) groups that own 10% or more of an industrial company’s stock
risk imposition of 16B liability, forcing disgorgement of any short-swing profits, iv) an
institution wishing to obtain influence and control will be subjected to many enhanced duties
and liabilities (Roe, 1989, p.27).
Em suma, o conjunto de medidas implementadas nos anos 30, segundo diferentes autores,
teriam tido impactos estruturais diferenciados de grande importância: primeiro, por definir
as condições para que o sistema financeiro americano se tornasse um sistema altamente
segmentado e especializado; segundo, por constituir as bases para a constituição do modelo
com base em mercado nos Estados Unidos, na medida em que teria favorecido o mercado de
capitais enquanto forma de financiamento das empresas (Vitols, 2001); e, por último, por
estimular uma maior pulverização do capital das empresas, na medida em que teria
77
impedido a participação de instituições financeiras enquanto detentoras e, portanto,
controladoras do capital das empresas (Roe, 1989).
4.3.5 - Vulnerabilidades do Modelo Americano de Regulação
O sistema de auto-regulação facilitou, em grande medida, o trabalho da agência reguladora
norte americana, que tenderia a se tornar bem mais difícil se não pudesse transferir parte de
suas atribuições para as entidades auto-reguladoras, em especial no caso do mercado de
balcão americano.
Contudo, uma desvantagem importante atribuída a esse mecanismo refere-se às dificuldades
das Bolsas em assumir adequadamente a função de fiscalizadores dos agentes de mercado
que são seus sócios membros. No caso americano, as primeiras dificuldades ficaram
evidenciadas durante a crise financeira, ocorrida entre 1967 e 1970, que veio a afetar o
sistema de regulação como um todo.
A referida crise demonstrou a incapacidade das entidades auto-reguladoras em fazer com
que os brokers/dealers cumprissem regras de padrões financeiros mínimos. Frente ao
crescimento significativo do volume de negócios com títulos, ocorrido ao longo da década
de 60, teria sido possível observar que as corretoras não teriam conseguido se ajustar
adequadamente. Diante do crescimento do seu nível de atividade, chegou-se a evidenciar,
em alguns casos, falhas no cumprimento do prazo para entrega de ações ao cliente. Com a
queda do volume de negócios, observada em 1969/70, e conseqüente queda das cotações das
ações, várias instituições não foram capazes de fazer frente à queda abrupta de suas receitas,
provocando a falência de enumeras corretoras51.
O ocorrido demonstrou a possibilidade de falhas no sistema de auto-regulação: a vigilância
sobre a atividade dos brokers era deficiente, o fundo de garantia (Trust Fund) da NYSE não
foi eficaz enquanto sistema de proteção aos clientes das firmas membros, os clientes das
firmas não-membros estavam sem cobertura às perdas.
51
Para descrição dos efeitos da crise sobre as corretoras ver Porto e Eizirick, 1974.
78
Em decorrência desses acontecimentos foram implementadas, então, novas medidas
regulatórias por intermédio do Securities Investor Protection Act (1970). Esta lei criou o
SIPC (Securities Investor Protection Corporation), entidade que congregou todos os
brokers-dealers (membros e não membros) e que teria a finalidade de cobrir prejuízos em
até 50 mil dólares por investidor, nos casos de liquidação de um broker-dealer.
Já o segundo braço do modelo de regulação para o mercado de capitais adotado, o sistema
de disclosure, veio a partir do final dos anos 60 revelar algumas de suas vulnerabilidades.
Dentre os vários casos de irregularidade ocorridos à época, destacou-se o caso do Equity
Funding Corporation of America que se constituiu em um exemplo de comportamento
fraudulento envolvendo falsificação de apólices de seguros e publicação de informações
financeiras fictícias, e também, apresentou falhas no sistema de auto-regulação52 .
No caso descrito, a Bolsa teria falhado ao ter aceito o registro da empresa, falharam as
instituições que subscreveram seus títulos, que deveriam ter examinado as contas da
companhia, e os auditores que aprovaram suas demonstrações financeiras. Tal exemplo,
conforme salienta Eizirik e Porto (1974): ''evidenciou ainda a dificuldade de se detectar as
práticas fraudulentas por mais sofisticado que seja o processo de disclosure" (Eizirik e
Porto, p.74, 1974).
Dessa forma, nos anos 60 foi possível constatar que os princípios adotados nos anos 30 para
a regulação do mercado de capitais nos EUA não estavam desprovidos de vulnerabilidades,
e que a regulação exigia um processo permanente de desenvolvimento e aprimoramento cuja
necessidade poderia ser, muitas vezes, percebida somente após períodos de crises e
instabilidades.
52
A Equity Funding Corporation of America era uma companhia de seguros de vida e de investimentos, os
prêmios do seguro seriam pagos com recursos provenientes da aquisição, por parte do investidor segurado, de
cotas de um fundo mútuo de investimentos. A companhia apresentou, no início de 1973, um crescimento
fabuloso e seus ativos eram estimados em 750 milhões de dólares. A fraude consistiu na falsificação de
apólices de seguros e publicação de informações financeiras fictícias por meio do qual a companhia induziu o
público a comprar títulos de sua emissão, tendo se apropriado de forma fraudulenta, no conjunto das
operações realizadas no período, de cerca de 400 milhões de dólares do público investidor (Eizirik e Porto, p.
72/73, 1974).
79
Além disso, o ocorrido demonstrava que a regulação sobre esses mercados poderia reduzir
as assimetrias de informações existentes, mas dificilmente eliminá-las, ou seja, a atuação do
Governo tem seus próprios limites. Conforme ressalta Stiglitz (1998):
“The experience of the Unites States shows, however, that even with all legal protections, the
informational problems are so severe that equity will still play only a limited role in new finance”
(Stiglitz, p.13, 1998).
4.4 – Conclusão
A partir da observação da evolução histórica do mercado de ações nos EU, constatou-se que
um ambiente regulatório adequado não foi condição de desenvolvimento para o mercado de
capitais nos EU, assim como, também, não para o mercado inglês. Evidenciou-se, assim,
que essas experiências contrariaram a escola legal finance, cujos trabalhos sugerem o
aspecto legal como determinante para o desenvolvimento desses mercados.
Verificou-se que, para os casos analisados, mecanismos extra mercado específicos puderam
exercer, até um determinado período, um papel importante em reduzir as incertezas nesses
mercados. No entanto, para o caso americano, a crise de 29 teria demonstrado que o
mercado por si só não seria capaz de prover sistemas de monitoração e informação
adequados e, como resposta, criou-se, nos anos 30, um órgão regulador específico e
desenvolveu-se uma regulação no âmbito federal voltados para o mercado de capitais.
Tal regulação apresentou dois princípios básicos, o da divulgação de informação e o da
auto-regulação. A partir do final dos anos 60, diante da crise da Bolsa e de vários casos de
fraude, foram introduzidas novas alterações na regulação americana. O ocorrido teria
demonstrado que a regulação pode reduzir, mas não eliminar, as ineficiências existentes no
mercado de títulos.
80
Conclusão 1ª Parte - Breve Sumário das Proposições Teóricas
No Capítulo 1, averiguou-se que títulos e crédito possuem características bem distintas no
que se refere a um conjunto bem amplo de aspectos, e que às facilidades ou benefícios que
cada tipo de transação financeira pode prover também estão associados, em geral, seus
devidos custos, monetários e/ou não monetários. Observou-se que, dentre as diferentes
características analisadas para esses contratos, atribui-se, usualmente, também mecanismos
distintos de proteção contra o risco de não cumprimento do contrato, monitoramento ou
“voz” para os bancos, e mercados secundários ou “saída” para os títulos.
No Capítulo 2, examinaram-se as críticas de diferentes escolas de pensamento às hipóteses
assumidas pela hipótese dos mercados eficientes (HME) e concluiu-se que, diante de
hipóteses menos simplistas do que as assumidas pela HME, os mercados não são eficientes,
sendo, portanto, falho o mecanismo de “saída” como dispositivo de defesa do investidor
detentor de títulos transacionados em mercados secundários organizados.
No Capítulo 3, concluiu-se que, não sendo válida a HME e sendo, portanto, falho o
mecanismo de “saída”, existe um papel para o mecanismo de “voz”, ou monitoramento.
Verificou-se que os investidores individuais e os minoritários, por várias razões, encontram
dificuldades em monitorar de forma adequada as companhias e seus administradores e que,
também, existem dificuldades em assegurar que as instituições financeiras intermediárias e
auxiliares atuantes nesse mercado exerçam suas atividades de forma adequada. Por
conseguinte, existe um papel para o Governo, estabelecendo normas e leis que protejam os
investidores e realizando um monitoramento sobre o mercado.
No Capítulo 4, constatou-se que as experiências de constituição do mercado de capitais, no
caso americano e inglês, contrariaram a escola legal finance, cujos trabalhos sugerem o
aspecto legal como determinante para o desenvolvimento desses mercados. Para o caso
americano, a crise de 29 teria evidenciado as falhas do mercado em prover sistemas de
monitoração e informação adequados e, como resposta, criou-se órgão regulador específico
e desenvolveu-se uma regulação no âmbito federal voltados para o mercado de capitais. A
partir do final dos anos 60, os princípios básicos adotados, de divulgação de informação e de
auto-regulação, demonstraram mais claramente seus pontos de vulnerabilidade. Igualmente,
81
as fraudes e crises ocorridas nesse período corroboraram para o entendimento de que a
atuação do Governo, no sentido de reduzir as ineficiências do mercado, também apresenta
seus limites.
82
2a PARTE:
A CVM e a Regulação sobre as Companhias Abertas no Brasil 1976/86
83
Capítulo 5 – O Ambiente Regulatório pré-reformas dos anos 70
5.1 - Constituição de Mercados de Capitais em Países em Desenvolvimento
Mercados de capitais desenvolvidos caracterizar-se-iam, num modelo ideal, pela presença de
firmas emissoras de grande porte, mercados secundários bem organizados e o
desenvolvimento de sistemas de informação e supervisão. No caso dos países em
desenvolvimento como poderiam se constituir mercados de capitais dessa natureza? Em
muitos casos, devido às dificuldades encontradas, arranjos em direção a modelos com base
em crédito consistiram na solução obtida para os países de industrialização tardia53.
Com efeito, é possível constatar que condições impeditivas para o desenvolvimento do
mercado de capitais tendem a se auto-reforçar nas economias menos desenvolvidas. Por um
lado, a possibilidade de constituir mercados secundários líquidos, em geral, encerra-se num
círculo adverso definido pelo dilema: baixo nível de densidade do mercado impede a
formação de liquidez e baixa liquidez impede o crescimento do mercado.
Necessário pontuar, ainda, os riscos oriundos dos efeitos decorrentes de processos de
transformação de mercados de baixa liquidez em mercados mais líquidos. Mercados com
pouca profundidade estão expostos a significativas variações de preços e, portanto, estarão
mais suscetíveis, ao longo desse processo, a movimentos especulativos. Esse poderá ser um
fator de desestímulo à entrada de novos participantes54.
Por outro lado, na ausência de sistemas de financiamento apropriados, as empresas tendem a
ter uma capacidade de crescimento atrelada aos lucros retidos, o que, nos casos dessas
economias, pode significar um limite permanente à sua expansão. As empresas podem,
ainda, ter uma estrutura de financiamento com elevado grau de fragilidade financeira,
decorrente da necessidade de financiar investimentos de longo prazo por meio de recursos
obtidos sob a forma de empréstimos. Ademais, diante desse quadro, como o pagamento das
dívidas contraídas depende dos lucros, as empresas estarão fortemente suscetíveis a
53
“Companies tend to turn to bank financing when the growth rates they choose to pursue exceed the capital
they can obtain from retained earnings and securities issues. This is why credit-based systems tend to be tied
to late and rapid growth; investigation will show that in late-developing countries the state has helped to
organize the provision of financial resources” (Zysman, 1983, p.63).
54
Ver em Studart, 1995/96.
84
variações no nível de renda. No caso de redução do nível de atividade e queda de suas
vendas, as empresas tenderão a recompor suas margens de lucros por meio de uma elevação
dos preços de seus produtos, gerando pressões inflacionárias.
A análise desenvolvida em 1932 por Berle & Means teve como referência a experiência
americana, e entendeu que o processo de dissociação entre propriedade e controle seria
inevitável, afirmando, assim:
“Esse sistema promete ser tão abrangente quanto o sistema feudal em sua época. Exige que
examinemos tanto suas condições quanto suas tendências, para entendermos a estrutura sob a
qual se baseará a ordem econômica do futuro” (1932, p.38)55.
No entanto, constatou-se que o processo de separação entre propriedade e controle das
empresas não se verificou, por exemplo, nas economias em desenvolvimento. Ademais, no
caso de diversos países desenvolvidos, essa dissociação entre a propriedade e o controle das
empresas não teria atingido o nível e a extensão ocorridos nos EUA 56.
Em decorrência do acima exposto, encontram-se resistências, por parte dos proprietários das
empresas em abrir o capital, ou mesmo expandir a base de acionistas, devido ao receio de
perderem o controle de suas empresas. Nesses casos, como ressaltam Becth et all (2002) e
Roe (2002), permanecem, em larga escala, estruturas onde predominam empresas de
propriedade familiar ou sob o controle de grupos específicos, e, por conseguinte, não há
pulverização do capital da empresa entre os chamados, por Berle & Means, de proprietários
passivos.
Ademais, vale lembrar que o processo de abertura do capital implica custos. Dentre os
custos incorridos pelas empresas basicamente verifica-se: o custo de underpricing57, as
despesas administrativas (taxa de registro, auditorias etc) e a perda de confidencialidade de
suas informações.
55
Esse entendimento fica igualmente claro quando afirmam Berle & Means: “Essa organização da atividade
econômica se apóia sobre duas vigas mestras, tendo cada uma delas possibilitado a ampliação da área sob
controle unificado. O sistema fabril, base da Revolução Industrial, levou um número cada vez maior de
trabalhadores a se colocar diretamente sob uma única administração. Depois disso, a sociedade anônima,
cujos efeitos são igualmente revolucionários, colocou a riqueza de inúmeras pessoas sob o mesmo controle
central” (Berle & Means, 1932, p.34).
56
“with the exception of the US some form of concentration of ownership and/or voting control is the most
common corporate governance arrangement in OECD and developing countries” (Becht at all ,p.80, 2002).
57
Ver conceito de underpricing no Capítulo 3.
85
Além de implicar custos monetários e não monetários inevitáveis, a abertura de capital
implica benefícios que são incertos, porque estão condicionados à liquidez de suas ações no
mercado. Como benefícios usualmente apontados têm-se, principalmente, a redução do
custo de capital e a maior facilidade para obtenção de recursos (Barros et al, 2000).
Do ponto de vista do acionista, diante de uma estrutura de capital concentrada, a figura do
administrador tende a se confundir com a figura do acionista controlador, na medida em que
o primeiro estará, na verdade, representando o segundo. O problema de agência e de
assimetria de informações, bem como de conflito de interesses, ficaria, nesse caso, mais
claramente definido na relação acionista controlador e acionista minoritário, podendo
originar situações de abuso de controle.
Vale notar, ainda, que os mercados de capitais caracterizam-se por atenderem,
principalmente nos seus segmentos mais tradicionais, ou seja, no mercado de ações e
debêntures, às demandas de recursos provenientes do segmento de empresas de maior porte.
Nesse caso, as necessidades de recursos das pequenas e médias empresas podem ficar
desassistidas58.
Da mesma forma, o setor bancário, usualmente, apresenta estrutura concentrada e também
direcionada ao atendimento das grandes empresas.
Em decorrência desse conjunto de fatores, tendo em vista as necessidades de recursos para o
financiamento e, principalmente, o desenvolvimento dessas economias, demonstra-se a
importância de prover fontes adicionais de recursos, a partir de experiências bem sucedidas.
Esta necessidade pode ser exemplificada pela experiência coreana que, além de adotar
políticas de estímulo ao desenvolvimento do mercado de capitais, atribuiu importante papel
às instituições financeiras públicas voltadas para o desenvolvimento.
58
Nesse ponto as exceções são possíveis, mas tendem a referirem-se a desenhos mais específicos. Destacase nesse sentido o exemplo chileno. Contrariando as características normalmente associadas a esses
mercados nas economias mais avançadas, o mercado chileno de debêntures destaca-se pela participação
expressiva de empresas emissoras de menor porte. Isto, segundo Glen & Pinto (1994), é decorrência da
elevada concorrência dos fundos privados chilenos que faz com que as emissões de pequeno valor encontrem
preços competitivos.
86
Dessa forma, são claras as dificuldades estruturais que podem ser encontradas para a
consolidação de mercados de capitais em economias em desenvolvimento que possam
representar uma fonte importante de recursos para as empresas.
No que se refere ao papel da regulação, a história dos países desenvolvidos com
experiências bem sucedidas de desenvolvimento do mercado de capitais - os casos
americano e inglês - demonstram que foi possível o surgimento desses mercados, apesar da
ausência de estruturas regulatórias apropriadas. Nessa primeira fase, ao menos, o fator
legal/regulatório não foi uma condição necessária, e, além dos estímulos oriundos dos
ganhos esperados com essas operações, foram importantes os mecanismos que atuaram de
forma a reduzir as incertezas desses contratos e proteger os investidores, conforme discutido
no Capítulo 4. Cabe ressaltar que os mecanismos extra mercado ressaltados são bem
específicos e resultam da experiência histórica que se promoveu nesses países no âmbito
desses mercados. Na ausência de mecanismos dessa natureza haverá um papel importante
para os instrumentos legais/regulatórios, com o intuito de proteger o investidor, como
analisado no Capítulo 3. No entanto, não foi possível se depreender da análise dessas
experiências históricas bem sucedidas uma relação positiva direta entre proteção e
desenvolvimento desses mercados.
A esse respeito, situação inteiramente diversa é configurada no caso dos países em
desenvolvimento, visto que os processos de abertura dos capitais domésticos a investimentos
estrangeiros de portfólio têm imposto um concomitante processo de uniformização dos
padrões de informação, harmonização da regulamentação e dos mecanismos de supervisão.
Dessa forma, uma questão que se apresenta, para o caso de mercados de capitais ainda
incipientes ou pouco desenvolvidos, é se a implementação de uma regulação apropriada
pode ser fator de desenvolvimento desse mercado.
A história do mercado de ações e, em especial a Crise de 1929, teria revelado as
insuficiências e falhas do mercado e a necessidade de regulação. Trata-se de direitos de
propriedade que representam expectativas de pagamento transacionados em mercados
públicos na presença de um conjunto de instituições de suporte privadas. Nesse caso, as
forças de mercado se revelaram insuficientes para promover espontaneamente um sistema
de informação eficiente, assim como para reduzir a níveis apropriados o risco de conflito de
interesse entre os diferentes agentes que ali atuam.
87
No Brasil, desde meados dos anos 60, realizaram-se esforços no sentido de aprimorar os
instrumentos regulatórios voltados para o mercado de capitais. No nosso caso, foi, porém, o
estouro da bolha especulativa, ocorrido em 1971, e a posterior fuga dos investidores, o
marco a partir do qual o Governo implementou reformas mais profundas, como a
promulgação da Lei das S.A. e a criação de órgão regulador especificamente voltado para
regular, supervisionar e fiscalizar esse mercado.
A 2ª parte desse trabalho pretende analisar o arcabouço legal e regulatório do mercado de
capitais no Brasil resultante das reformas implementadas a partir de 1976, destacando-se, em
especial, os instrumentos de proteção ao investidor, com enfoque no período relativo aos dez
primeiros anos de atuação da Comissão de Valores Mobiliários – CVM.
Nessa parte investigam-se as características principais que nortearam as reformas que se
iniciaram com a promulgação da Lei no 6.385 e da Lei no 6.404, ambas em 1976, e que
deram seguimento por meio dos atos normativos expedidos pelo novo órgão regulador e
com as medidas voltadas para a atuação dos investidores institucionais. Objetiva-se verificar
em que medida as mudanças significaram, de fato, um avanço no que diz respeito a
proporcionar instrumentos adequados de proteção aos acionistas das companhias abertas.
Adicionalmente, analisa-se o comportamento do mercado ao longo desse período,
ressaltando as possíveis implicações das mudanças legais e regulatórias promovidas.
5.2 - As Reformas Financeiras dos anos 60 e a Lei do Mercado de Capitais (Lei no
4728/65)
5.2.1 - Antecedentes
Em meados de 60, o sistema financeiro em operação no Brasil já demonstrava sua
inadequação frente às exigências da economia, em especial diante dos desafios impostos
pelo fim do ciclo de crescimento e frente às mudanças estruturais da economia que
resultaram do esforço consubstanciado no Plano de Metas (1956/60).
Na ausência de fontes privadas que provessem recursos de longo prazo para os
investimentos privados, o crescimento consubstanciado nos anos 50 havia sido financiado,
88
primordialmente, por recursos públicos, destacando-se o papel do BNDE e do Banco do
Brasil, e, por empréstimos externos.
A partir de 1962 ocorreu a reversão do ciclo de crescimento que teria se iniciado no final
dos anos 40. O crescimento do PIB cai de 10,3% em 1961, para 5,2% em 1962 e 1,6% em
1963, enquanto a inflação anual de 40% em 1959 chegou a 90% em 1964.
Por outro lado, a indústria de bens de consumo duráveis, que liderou o crescimento do setor
industrial no período do Plano de Metas, requeria mecanismos de financiamento de médio
prazo ao consumo.
Considerando o tripé constituído pelas três fontes de financiamento - os recursos públicos,
privados nacionais e estrangeiros - a reforma financeira de 1964/65 teve o objetivo de
consolidar, no contexto acima destacado, o braço privado e promover, ainda, uma maior
abertura da economia ao capital externo, mas dando seguimento ao papel fundamental até
então atribuído aos bancos públicos.
Constavam como fatores usualmente considerados impeditivos para o desenvolvimento do
mercado de ações a inflação, que tendia a concentrar o mercado em torno das ações mais
rentáveis, o acesso difícil a informações, a desorganização das Bolsas, o monopólio dos
corretores públicos que criavam condições propícias a manipulações, e os excessivos
impostos 59.
A reforma representada pelas denominadas Lei Bancária (Lei no 4595/64) e Lei do Mercado
de Capitais (Lei no 4728/65) tinha, nitidamente, o intuito de constituir um sistema financeiro
à semelhança do sistema financeiro americano: competitivo, segmentado e com importante
papel do mercado de capitais como fonte de recursos de longo prazo.
Do ponto de vista institucional, a reforma reconfigurou completamente o sistema financeiro
brasileiro. Dentre as mudanças institucionais implementadas destacam-se a criação do
Conselho Monetário Nacional, como órgão disciplinador, e a criação do Banco Central,
como órgão regulador e fiscalizador do sistema financeiro e do mercado de capitais.
59
Ver Almeida, J.S.G. (1984).
89
Adicionalmente, a reforma criou os bancos de investimento, as sociedades de investimento e
os fundos de investimento.
5.2.2 - Os princípios da divulgação de informações e da auto-regulação
A Lei no 4.728/65 foi a primeira disciplina voltada basicamente, ainda que não
exclusivamente, para o mercado de capitais. Essa lei continha, a espelho da legislação
americana, os dois princípios fundamentais que nortearam a legislação daquele país,
introduzidos nos anos trinta por meio do Securities Act de 1933 e do Securities and
Exchange de 1934: o princípio de divulgação das informações e o princípio da autoregulação.
Com efeito, a divulgação de informações encontrava-se dentre as finalidades e as atribuições
do CMN e do Bacen, previstas na Lei no 4.728/65, a saber: facilitar o acesso do público a
informações sobre os títulos ou valores mobiliários distribuídos no mercado e sobre as
sociedades que os emitirem; proteger os investidores contra emissões ilegais ou
fraudulentas; evitar modalidades de fraude ou manipulação; assegurar a observância de
práticas comerciais eqüitativas por todos aqueles que exerçam, profissionalmente, funções
de intermediação; regular o exercício da atividade corretora de títulos mobiliários e de
câmbio.
Nesse sentido, era da competência do Banco Central, de acordo com o disposto na Seção I
da Lei no 4.728/65, registrar títulos e valores mobiliários para efeito de sua negociação nas
Bolsas de Valores e registrar as emissões de títulos ou valores mobiliários a serem
distribuídos. Cabia também a esse órgão regulador fiscalizar as sociedades emissoras de
títulos ou valores mobiliários negociados na Bolsa relativamente à publicidade de sua
situação econômica e financeira, à sua administração e à aplicação dos seus resultados, à
proteção dos interesses dos portadores de títulos e à utilização de informações não
divulgadas ao público em benefício próprio ou de terceiros, por acionistas ou pessoas que a
elas tenham acesso, em virtude dos cargos que exerçam.
A Lei no 4.728, conforme previsto nos art. 19 e 20, determina a obrigatoriedade desses
registros. Nenhuma emissão de títulos ou valores mobiliários poderia ser lançada, oferecida
90
publicamente, ou ter iniciada a sua distribuição no mercado sem estar registrada no Banco
Central, assim como somente poderiam ser negociados nas Bolsas de Valores os títulos ou
valores mobiliários de emissão das empresas registradas no mesmo.
A obrigatoriedade dos registros visava garantir a disponibilidade dessas informações ao
público.
No que se refere ao registro das empresas emissoras compete ao CMN expedir normas
gerais relativas a informações, documentos, periodicidade, padrões de organização contábil,
etc.
Por sua vez, relativamente ao pedido de registro dos títulos ou valores mobiliários emitidos
pelas companhias, compete ao CMN, de acordo com a Lei no 4.728, estabelecer normas
gerais sobre as informações que deviam ser prestadas relativas: à situação econômica e
financeira, administração e acionistas que controlam a maioria de seu capital votante, às
características e condições dos títulos ou valores mobiliários a serem distribuídos e às
pessoas que participarão da distribuição. Previu, ainda, que deviam ser apresentados os
prospectos e quaisquer outros documentos a serem publicados, ou distribuídos, para oferta,
anúncio ou promoção de lançamento da emissão.
Completando os requisitos para o funcionamento do sistema de divulgação de informações,
o art. 5º da Lei no 4.728 no seu, caracterizou o sistema de distribuição de títulos ou valores
mobiliários como aquele constituído pelas: Bolsas de Valores e sociedades corretoras que
sejam seus membros; instituições financeiras autorizadas a operar no mercado de capitais; e
sociedades ou empresas que tivessem por objeto a subscrição de títulos para revenda, ou sua
distribuição no mercado, e que sejam autorizadas a funcionar pelo Banco Central. Seria por
meio desse sistema de distribuição que podiam ser feitas as colocações de títulos ou valores
mobiliários (art. 16).
E, por último, conforme exemplificado pela referida Lei, a colocação ou distribuição de
títulos ou valores mobiliários nos mercados financeiros e de capitais a negociação, oferta ou
aceitação de oferta para negociação e aquela que ocorre:
a) mediante qualquer modalidade de oferta pública;
b) mediante a utilização de serviços públicos de comunicação;
91
c) em lojas, escritórios ou quaisquer outros estabelecimentos acessíveis ao público;
d) através de corretores ou intermediários que procurem tomadores para os títulos.
Já o sistema de auto-regulação, o segundo princípio assumido pela reforma, se encontrava
previsto, no art. 6 da Lei no 4.728, que estabeleceu a autonomia administrativa, financeira e
patrimonial das Bolsas de Valores e a supervisão de suas operações pelo Banco Central, de
acordo com regulamentação expedida pelo CMN. A função das Bolsas de fiscalizarem seus
membros, evidentemente fundamental para a complementação do sistema de auto-regulação,
foi disposta mediante Resolução do CMN no 39/69, na medida em que estabelece como
objeto social das Bolsas “preservar elevados padrões éticos de negociação e comportamento
para seus Membros e para as sociedades emissoras de títulos e valores mobiliários,
fiscalizando seu cumprimento e aplicando penalidades aos Membros e às sociedades
emissoras que deixarem de corresponder aos referidos padrões” (Grifo nosso).
Por meio dessa Resolução, a reforma também promoveu importantes mudanças no
funcionamento das Bolsas. A figura do corretor público, cargo hereditário e vitalício
nomeado pelo Governo, representava, no entendimento dos reguladores, um desestímulo ao
exercício eficiente da profissão. Tal figura foi substituída pela sociedade corretora, sujeita à
autorização e fiscalização do BACEN.
5.2.3 - Bancos de Investimento
A Reforma Financeira previa, no âmbito do seu objetivo de segmentar e especializar o
sistema financeiro brasileiro, instituições com funções definidas e instrumentos próprios de
atuação. Bancos comerciais seriam responsáveis pelas operações de curto prazo, tendo como
fonte de recursos os depósitos à vista e como ativos, empréstimos e descontos de duplicatas.
As financeiras responderiam pelas necessidades de prover crédito de médio prazo,
especialmente, para o financiamento de bens de consumo duráveis, tendo como fonte de
captação os aceites cambiais.
Nesse contexto, destacava-se, a criação dos bancos de investimento instituições que
exerceriam papel chave no desenvolvimento do mercado de capitais, a exemplo do ocorrido
no mercado americano. No projeto original da reforma, a fonte de captação dessas
92
instituições consistiria em títulos de prazo superior a um ano com correção monetária,
colocados no mercado interno e junto a instituições bancárias estrangeiras, e do lado do
ativo praticariam operações relacionadas com a concessão de crédito a médio e longo
prazos, por conta própria ou de terceiros, subscrição para revenda e distribuição no mercado
de títulos e valores mobiliários. Dessa forma, essas instituições responderiam pelo crédito de
mais longo prazo e fortaleceriam o processo de capitalização das empresas.
No entanto, os acontecimentos não evoluíram conforme o esperado. As dificuldades de
colocação de títulos de mais longo prazo no mercado interno teriam acarretado uma pressão
por parte dos bancos de investimento e, posterior flexibilização da gestão financeira após as
reformas. Dessa forma, essas instituições acabaram passando a realizar operações voltadas
ao financiamento de capital de giro de curto e médio prazo, com a conseqüente tendência de
encurtamento dos prazos também nas suas operações do lado do ativo. Não se constituíram,
portanto, no suporte que se previa ao mercado de capitais.
5.2.4 - Conceito de Sociedade Anônima de Capital Aberto (SACAs)
A expressão sociedade anônima de capital aberto havia sido definida em 1964 por lei que
visava proporcionar incentivos fiscais às companhias cujas ações estivessem distribuídas
entre o público (Lei Fiscal no 4.506, de 30.11.64). Nesse caso era o critério de dispersão das
ações, que permitia caracterizar as empresas como de capital aberto. As companhias
deveriam ter pelo menos 30% de ações com direito de voto, cotadas em Bolsa de Valores,
pertencentes a, no mínimo, 200 acionistas, sendo que nenhum deles poderia ser titular de
ações representativas de mais de 3% do capital da companhia.
A Lei de Mercado de Capitais (Lei no 4.728/65) eliminou os requisitos definidos pela antiga
lei, e concedeu poderes ao CMN para instituir periodicamente as condições necessárias às
sociedades anônimas para serem consideradas de capital aberto.
As primeiras exigências fixadas definiam uma série de critérios, com um nível elevado de
detalhamento, que comprovassem um elevado grau de negociabilidade, ou liquidez, dos
títulos emitidos em Bolsas de valores, e também de dispersão da propriedade do capital das
empresas (Resoluções do Banco Central no 16 e 26, de 10.02.66 e Circular do Bacen no 32,
93
de 04.66)
60
. Esses critérios eram, no entanto, de difícil operacionalidade e, ainda, não
asseguravam uma expansão do grau de pulverização do capital.
Posteriormente, mediante a Resolução no 106/68, do CMN, foram abolidas as exigências de
liquidez, no caso de registro simples, e mantidas as exigências relativas ao grau de dispersão
do capital, sendo novidade a obrigatoriedade de que o capital da companhia estivesse
progressivamente ampliando sua dispersão61.
Assim, essa Resolução definiu como
requisitos para que as empresas continuassem a se beneficiar de incentivos fiscais a
comprovação de dois em dois anos de que o número de acionistas minoritários ordinaristas,
e sua percentagem, com relação ao capital, haviam aumentado em 10%, comparativamente
às ações antes adquiridas, até que o público em geral, detivesse 49% do capital da
companhia.
A simplificação das exigências teria tornado mais realista o grau de exigência e facilitado
sua operacionalidade tendo sido fator de contribuição para a expansão do número de
SACAs.
Por meio da Resolução do Banco Central no 176, de 1971, foram introduzidas novas
modificações. As exigências relativas à expansão da dispersão do capital na forma dos
acréscimos das ações em poder do público passaram a poder ser computadas com base no
somatório das ações ordinárias e preferenciais, e não unicamente com base nas primeiras,
como havia sido anteriormente determinado. Tal alteração teria sido um fator adicional de
estímulo para o aumento do número de companhias registradas porque permitia às empresas
ampliarem o grau de dispersão do capital, conforme exigido, mediante aumento de capital
via subscrição de ações, mas sem o risco de perda de controle, ao emitirem ações
preferenciais.
60
Por meio das Resoluções do CMN no 16 e 26, de 10.02.66 e Circular do Bacen no 32, de 04.66, exigia-se : a) com relação
ao grau de negociabilidade: a ocorrência de operações de compra e venda pelo menos um vez por semana e cinco vezes ao
mês, envolvendo valores de no mínimo CR$ 8 mil semanais e Cr$ 40 mil mensais, sendo que o volume mensal de ações
negociadas deveria ser superior a 0,25% do número de ações emitidas; b) com relação ao grau de dispersão da propriedade:
15% do capital deveria estar distribuído a pelo menos 500 pessoas físicas e jurídicas, cada uma possuidora de um mínimo
de 100 e no máximo 20 mil ações. Adicionalmente, empresas em fase de lançamento de ações ao público podiam ser
consideradas companhias de capital aberto se estivessem se empenhando para obter elevado grau de negociabilidade de
suas ações. E, ainda, num prazo de 180 dia após a publicação das Resoluções, empresas seriam declaradas de capital aberto
caso tivessem ações efetivamente cotadas nas Bolsas de valores e seu capital com direto a voto pertencesse, pelo menos,
em 30%, a mais de 200 acionistas, que não poderiam ter cada um mais de 3% do capital.
61
Para o critério de dispersão, a Resolução do Banco Central no 106/68, estipulou que pelo menos 20% de suas
ações ordinárias deveriam estar distribuídas ao público entre um número mínimo de acionistas, de acordo com
o Estado em que localizava-se a companhia.
94
A partir de 1968, conforme será analisado mais adiante, cresce o número de companhias
registradas.
5.2.5 - Os Incentivos fiscais – a regulação dos fundos 157
O governo militar assumiu em 1964, em uma conjuntura de crescimento da economia
praticamente nulo e inflação. Adotou-se à época uma política monetária de cunho mais
restritivo, ainda que com um programa gradualista de metas, tendo em vista a preocupação
em torno de uma recuperação do crescimento. As metas monetárias nem sempre foram
atingidas, mas, em 1966, a política monetária foi especialmente restritiva, o que acoplado
com uma política fiscal que já se revelava restritiva desde 1964, resultou em um quadro
fortemente recessivo, com impactos especialmente negativos sobre o setor produtivo, que,
em decorrência cresceu em média 2,6% ao ano no período decorrido entre 1962 e 1967. Tal
cenário resultou em processos de falências e concordatas, fundamentalmente por parte das
pequenas e médias empresas, bem como, em um elevado nível de evasão fiscal.
Esse processo de reversão do ciclo de crescimento, que se deu a partir de 1962, revelou os
limites do sistema de financiamento adotado para o setor privado, que havia vigorado na
fase de ascensão. O setor privado que financiara seus investimentos, basicamente, com
linhas de crédito de curto prazo junto às instituições privadas, encontrava dificuldades de
administrar o descasamento entre as receitas oriundas desses investimentos e o vencimento
das obrigações, num contexto, então, de queda de suas vendas, e, concomitante redução de
sua capacidade de autofinanciamento.
Observou-se, igualmente, um processo de ampliação por parte das empresas de investimento
em ativos não-produtivos, basicamente imóveis, uma das formas que teriam encontrado de
se defender contra a desvalorização da moeda.
Nesse contexto, a implementação dos incentivos fiscais definidos por meio do Decreto-Lei
no 157/67 espelhava as preocupações existentes em torno da necessidade de capitalização
das empresas. Afirmava-se, assim, em sua exposição de motivos: “Seria, (...) deplorável que
o governo concedesse uma dedução de imposto para estimular a compra de ações em Bolsa,
contribuindo para sua valorização, sem ter a certeza da imediata conjugação desse
95
movimento com a capitalização das empresas e o declínio da pressão sobre o crédito. A
situação da Bolsa é uma conseqüência. A causa está na descapitalização das empresas, cada
vez mais corroídas pelos exageros do apelo ao crédito. O essencial e urgente consiste em
suprir capital às empresas, por meio de aquisição de ações novas ou debêntures, em prazo
longo de vencimento”.
O incentivo previsto no Decreto-Lei 157/67 consistia na isenção de uma parte do Imposto de
Renda para pessoas físicas e jurídicas e destinação dos recursos assim provenientes às
instituições financeiras autorizadas que deveriam, por meio de fundos de investimento - os
Fundos de Investimento 157, aplicá-los na compra de ações e debêntures novas, emitidas
por empresas.
As empresas deveriam, cumulativamente, aplicar os recursos provenientes do aumento de
capital em capital de giro, assegurando a proporção entre dívida e capital próprio, sendo,
para efeito dessa lei, consideradas como capital próprio às debêntures conversíveis em ações
de prazo mínimo de três anos. Esse Decreto procurava também estimular as empresas a
reduzirem a participação no seu imobilizado dos ativos não produtivos.
Dessa forma, diante do quadro de elevada fragilidade financeira das empresas, a
implementação de incentivos fiscais reforçavam os objetivos originais da reforma financeira
de 1964/65 consubstanciando uma tentativa de desenvolver o mercado de capitais e
capitalizar as empresas.
Adicionalmente, essa iniciativa representou um esforço de atrair, estimular e educar os
investidores individuais, que se esperava, poderiam, a partir dessa experiência, continuar a
investir nesse mercado. Isso se justificaria porque, por exemplo, os incentivos não se deram
de forma direta na forma de subsídios ou redução fiscal às empresas emissoras. Ao
contrário, o sistema de Fundos-157 representou um esforço institucional razoável, por meio
de um sistema de operação de certo engenhoso, no qual contribuintes se transformavam em
investidores de fundos.
96
Contudo, foram inúmeras as modificações na legislação que se procederam desde sua
implementação em 196762. Dentre elas ressalta-se algumas medidas implementadas em 1972
e 1974 que permitiram que os Fundos 157 pudessem exercer melhor sua função de
investidores institucionais ao alargar o tempo de permanência dos recursos no fundo inicialmente, de apenas dois anos - e ao permitir uma significativa elevação dos recursos
disponíveis no sistema.
Considerando o mercado primário como um todo, esses fundos representaram, em média, no
período 1975/78, uma participação em torno de 20% no volume total de colocações
registradas (ver Tabela 14 - Anexo).
No que se refere ao mercado de Bolsa, os fundo-157 tiveram papel pouco significativo no
giro dos negócios, representando, com base numa amostra dos 20 maiores fundos, 4,25 %,
em média, do volume total negociado na BVRJ e BOVESPA, no período 1976/78 (ver
Tabela 15 - Anexo).
Esses fundos tiveram, no entanto, papel importante como supridor constante de recursos
líquidos. Os dados disponíveis para o período decorrido entre 1975 e 1977 demonstram
entrada líquida de recursos de aplicações em Bolsa por parte dos fundos-157 em
comparação a saída líquida de recursos dos fundos mútuos (Ver Tabela 15 - Anexo). E, no
que se refere ao valor da carteira consolidada, desde 1974, se confirmaram como o principal
investidor institucional brasileiro, superando os fundos mútuos, e perdendo essa posição
somente em 1982, para as entidades fechadas de previdência privada.
No entanto, apesar das inúmeras modificações observadas, alguns problemas se mantiveram
ao longo do tempo. Do ponto de vista do investidor, conforme destaca os diagnósticos
elaborados pela CVM à época (CVM, 1978 e 1979), ao menos dois aspectos se revelaram
especialmente negativos: i) a não obrigatoriedade legal de distribuição dos rendimentos na
forma de dividendos ou juros dos títulos que compunham a carteira dos fundos em favor dos
62
As inúmeras modificações na legislação que se procederam desde sua implementação se referem a um
conjunto bem amplo de aspectos a saber: alocação dos investimentos no mercado primário e secundário,
critérios das empresas a serem beneficiadas, percentuais de dedução do imposto de renda, tempo de
permanência dos recursos no sistema, forma operacional de utilizar o benefício, exigências relativas à atuação
das instituições administradoras, critérios de diversificação da carteira dos fundos etc.
97
cotistas dos fundos e ii) as limitadas ou inadequadas informações prestadas pelos fundos aos
seus cotistas.
Tais fatores poderiam explicar o pouco interesse da parte dos contribuintes/investidores nas
aplicações do fundo e nos resultados delas provenientes63. O pouco interesse poderia
originar-se, em parte, também, porque o investidor dos fundos poderia já se considerar
satisfeito com o ganho inicial relativo ao montante não pago ao fisco, que não lhe requeria
nenhum esforço adicional de poupança. Fatores como as constantes mudanças de regras, em
especial, o alargamento do período de indisponibilidade das cotas e o resgate parcelado
poderiam ter sido fatores de desestímulo, de confusão e desinformação por parte dos
contribuintes/investidores.
Em decorrência desse conjunto de fatores, observou-se concentração da administração dos
fundos em um número restrito de grandes instituições, em geral associadas aos grandes
conglomerados financeiros, não tendo o montante aplicado nos fundos 157 uma relação com
o retorno proporcionado (ver Tabela 16 - Anexo). Ao que tudo indica, as grandes
instituições financeiras teriam assumido uma participação privilegiada nesse mercado
devido à sua extensa rede de captação, constituída de um grande número de agências
bancárias.
Medidas que procuraram enfrentar a algumas das dificuldades acima descritas foram
implementadas, somente em 1978, quando a CVM já respondia como órgão regulador do
mercado de capitais. Serão, assim, analisadas mais adiante.
5.3 - O Mercado de Capitais Brasileiro nos anos 70
O processo de queda nas taxas de crescimento da economia vivenciado durante o período
1962/67 foi revertido, e uma nova fase expansiva se conforma no período 1967/74 com o
chamado “Milagre” econômico, fase na qual o crescimento médio do produto industrial
correspondeu a 13%. Tal comportamento foi, basicamente, sustentado, no âmbito externo,
63
Os dados disponíveis indicam, por um lado, um grau de ociosidade na utilização dos incentivos por parte dos
contribuintes, demonstrado pela não utilização das cautelas dos CCAs disponibilizadas pela SRF, e, por outro,
a permanência de um volume considerável de recursos no sistema dos fundos – 157 mesmo após a data de
resgate.
98
pela liquidez vigente no mercado internacional, e, no âmbito interno pelo elevado nível de
capacidade ociosa pré-existente e por uma política monetária e fiscal mais folgada.
Relativamente à expansão do número de Sociedades Anônimas de Capital Aberto e a
atuação dos fundos -157 é possível verificar diferentes fases nesse período. O período de
1966 a 1969, constituiu-se numa primeira fase, denotando crescimento rápido do número de
SACAs que atingiu um total de 296, tendo nesse resultado grande participação os fundos157 que atuaram praticamente como única fonte de recursos novos no mercado primário.
Em grande medida, a euforia decorrente do período de crescimento econômico acelerado, a
elevação dos lucros, aliadas ao sentimento crescente à época, de que o mercado de capitais
seria capaz de proporcionar grandes resultados financeiros a quem nele aplicasse seus
recursos, trouxeram para o mercado de Bolsa, notadamente a partir de 1970 um grande
número de investidores individuais. Tal movimento acabou por acarretar um crescimento
desproporcional dos preços das ações e do volume de negócios ao longo do primeiro
semestre de 1971, e, com ele a inevitável queda posterior das cotações, a partir do segundo
semestre, quando essas expectativas revelaram-se demasiadamente otimistas, conformando,
a partir de então, um quadro de crise e de estagnação do volume de negócios. Tal quadro vai
se recuperar, de forma mais significativa, somente em 1976, com a expansão do nível de
atividade econômica, resultante de um novo ciclo de crescimento, que, no entanto, se
revelou bem menos sólido que o ciclo de crescimento anterior.
O movimento de expansão do mercado secundário entre 1967/71 parece ter tido, juntamente
com a aceleração da atividade econômica, efeitos claros sobre o mercado primário de títulos.
Em 1971 ocorreu um volume recorde de emissões. Nesse período, no entanto, a participação
dos investidores institucionais foi diminuta, destacando-se a participação dos investidores
individuais.
Considerando o período 1968/73 como um todo, verificou-se uma expansão extraordinária
do número de Sociedades Anônimas de Capital Aberto (SACAS) que cresceram de 289, em
1968, para 400, em 1971, chegando a 610, em 1973, ou seja, dobraram em cinco anos. Tais
resultados espelham, em grande medida, os efeitos dos incentivos fiscais atribuídos às
companhias abertas, principalmente a simplificação dos critérios para efetuação desse
99
registro, em 1968 e em 1971, conforme destacado anteriormente, e a fase de crescimento
econômico, e, em especial, o período de auge das Bolsas.
No entanto, o mercado primário sofreu os efeitos dos reveses no mercado secundário, sendo
o ano de 1972 o ponto de inflexão na curva de crescimento das SACAS, o que refletiu,
também, o processo de desaceleração do crescimento da economia. O processo de abertura
de capital foi pouco significativo no período decorrido entre 1974 e 1977 e o total de
SACAS, entre as novas empresas que se registraram e as que cancelaram seu registro,
chegou a decrescer, a partir de 1974, e atingiu o número de 551 empresas, em 1977, em
comparação com 610 empresas em 1973.
Nessa fase, é possível que os fundos de
investimento – 157 tenham exercido algum papel no sentido de fazer com que esse número
não viesse a cair ainda mais.
A crise de 1971, que resultou na fuga dos investidores da Bolsa e queda abrupta dos preços e
volumes negociados, representou a pá de cal nas esperanças de que o mercado de capitais
pudesse vir a representar naquele momento o papel de destaque desejado no processo de
financiamento do crescimento econômico no Brasil.
O primeiro choque do petróleo em 1972 impôs novos desafios à política econômica e ao
desenvolvimento econômico. Apesar da elevação da liquidez internacional, devido à
rolagem dos petrodólares, a economia demonstrava desequilíbrios no saldo de transações
correntes, que derivavam das pressões sobre as importações oriundas da elevação dos preços
do petróleo e do processo acelerado de crescimento das importações em curso.
Em tal cenário, a implementação do II PND, em 1974, consistiu num esforço de enfrentar tal
situação ampliando a produção nacional de setores considerados fundamentais, que
representavam um gargalo e pressionavam nossa pauta de importações. Reedita-se a
institucionalidade do financiamento de longo prazo do investimento vivenciada no período
do Plano de Metas, com base no investimento público e empréstimos estrangeiros,
novamente, portanto, sem o braço privado.
100
Capítulo 6 – A CVM e A Regulação sobre as Companhias Abertas - 1976/1986
6.1 - A Criação da CVM - Princípios, Objetivos, Função e Poderes do Novo Órgão
Regulador.
6.1.1 – O quadro vigente à época e o papel da CVM
No âmbito dos esforços empreendidos pelo governo à época, destacou-se a criação de órgão
regulador específico e especializado para o mercado de títulos e valores mobiliários. Seguiase, assim, o desenho institucional implementado para o regulador do mercado de capitais
nos Estados Unidos, como analisado no Capítulo 4 e, também, o caso francês, tendo em
vista a criação pelo Governo da França da “Comissão de Operação de Bolsa”, em 1967.
Dessa forma, mediante a Lei no 6.385, de 07.12.76, criou-se a Comissão de Valores
Mobiliários.
Tal medida sugeria que o entendimento à época por parte do Governo brasileiro era de que o
Banco Central não estava sendo capaz de abraçar, na dimensão necessária, a tarefa de
regulador do mercado de capitais e que, por outro lado, um órgão especializado estaria mais
preparado para vencer os desafios que se colocavam. Defendem, assim, Lamy Filho e
Pedreira (1992):
“A experiência de 1971 convenceu a muitos da necessidade de atribuir-se a um órgão especializado
do Governo federal a competência para policiar o mercado, que a Lei no 4.728/65 cometera ao
Banco Central. Desde sua criação, o Banco Central ganhara diversas outras atribuições (...) e no
conjunto de todas as suas atividades a função de fiscalizar os mercados de capitais ficava
necessariamente relegada a um dos seus departamentos, sem os meios nem o status indispensáveis
para o exercício eficiente dessa função” (Lamy Filho e Pedreira, 1992, p.138).
Por outro lado, os desafios que se colocavam para o novo órgão regulador não eram, de fato,
pequenos. A fuga dos investidores do mercado secundário devido ao colapso da Bolsa em
1971, a ocorrência usual de emissões irregulares no mercado primário, o fato de que eram
transacionadas na Bolsa tanto ações de companhias de capital aberto como de capital
fechado, e que não estavam submetidas a um acompanhamento específico do regulador,
101
tornavam o mercado de capitais um ambiente bastante hostil para o investidor não
especializado. Conforme relatam Lamy Filho e Pedreira (1992):
“milhares de investidores perderam suas economias, em pouco tempo, na voragem das cotações
artificiais e das maquinações de alguns empresários e intermediários inescrupulosos. E tudo sem
defesa eficiente do público investidor e sem que nenhuma sanção ocorresse, num processo oposto
ao que seria desejado para a criação de um forte mercado de capitais de risco” (Lamy Filho e
Pedreira, 1992, p.138).
Evidentemente, um ambiente dessa natureza caracterizava-se por disponibilização precária
de informações e, portanto, elevado nível de assimetrias, insuficiência do nível de
monitoramento exercido pelos investidores e pelo órgão regulador, e inadequação dos
instrumentos de proteção, em especial, do investidor individual e dos acionistas
minoritários.
No que se refere à velocidade da resposta dada pelo Governo brasileiro poder-se-ia avaliá-la
como tendo sido um pouco baixa. De fato, a Lei no 6385 e a Lei das S.A. são promulgadas
cinco anos depois da crise de 1971. No entanto, considerando o exemplo do ocorrido no
mercado americano, que se encontrava a um nível de desenvolvimento bem superior, e cuja
resposta à Crise de 29 veio três anos depois, a resposta no caso brasileiro parece não ter sido
tão demorada. Deve-se considerar, ainda, o esforço que aqui se procedeu de editar a Lei
Societária.
No que concerne à adequação das medidas tomadas pelo Governo brasileiro, pode-se dizer
que foram, em tese, condizentes com o apontado no capítulo 3, em especial, no que se refere
a: 1) formação de uma agência reguladora especializada que desenvolva regras de atuação e
comportamento para os agentes atuantes nesse mercado, determine exigências mínimas de
disponibilização de informações e realize um monitoramento sobre as empresas e demais
agentes atuantes nesse mercado; 2) formulação de leis que protejam os acionistas
minoritários contra o os acionistas controladores.
102
6.1.2 – Objetivos e desafios da análise proposta
O objetivo principal desse capítulo consiste em examinar o papel que pôde exercer o novo
órgão regulador nesse contexto, tendo como limite temporal os dez (10) anos seguintes a sua
criação, e analisando mais de perto os pontos 1) e 2) acima destacados, de forma a verificar
se, de fato, foram cumpridos os objetivos neles apontados.
Contudo, analisar como ficou o mercado de capitais no Brasil no período pós CVM,
comparado ao período anterior, apresenta alguns desafios importantes. O mais importante
deles é que, num sentido geral, as atividades de regulação, de monitoramento e de
supervisão a serem exercidas pela CVM, dadas as circunstâncias, poderiam ter, num
primeiro momento, repercussões sobre o mercado mais associadas a aspectos de ordem
qualitativa do que quantitativa, como, por exemplo, a ordenação das emissões no mercado
primário.
Nesse sentido, iremos examinar os esforços regulatórios realizados pela CVM no sentido de
organizar o mercado primário e afastar as emissões consideradas irregulares, dentre eles a
expedição da Instrução CVM no 13, normativo específico que visou a regulamentar o
registro de emissões de ações e debêntures.
Igualmente, serão analisadas as várias Instruções expedidas pela CVM voltadas à
normatização do registro de companhia aberta, visando a regularizar as informações
prestadas por essas empresas ao investidor e ao público em geral. Nesse caso, o papel da
CVM seria, através do monitoramento, melhorar a qualidade e a quantidade das
informações, ou mesmo, em casos mais extremos, proceder ao cancelamento de ofício do
registro de companhia aberta no caso das empresas que de fato não atuavam enquanto tal.
Cumpre-se ressaltar, igualmente, as iniciativas da CVM que pudessem prover formas mais
eficazes de disseminação ao público das informações que eram prestadas pelas companhias
abertas. Isto porque, como afirma Jorge Hilário Gouveia, presidente da CVM de 1979 a
1981, o Banco Central havia atuado como um depositário de informações. Estas ficavam
103
arquivadas no órgão regulador, mas não havia nenhum mecanismo por meio do qual as
informações pudessem ser disseminadas no mercado ou para o público em geral64.
Estiveram também nitidamente presentes na política adotada pelo novo órgão regulador
medidas que objetivavam dar uma maior visibilidade a sua atuação. Procedimentos como a
adoção de audiência pública para as propostas de novos atos normativos a serem editados, a
edição de Notas Explicativas para os atos normativos expedidos e o julgamento público para
os processos administrativos.
Esse conjunto de fatores deveria, assim, ter contribuído para que, num sentido geral, a CVM
pudesse ter exercido um papel importante de ordenação do mercado, de fortalecimento do
mercado oficial e de redução do mercado paralelo.
Outro desafio importante encontrado para o desenvolvimento da análise comparativa
proposta resulta da descontinuidade das séries estatísticas, cuja análise permitiria avaliar
indiretamente, via o comportamento do mercado, a atuação do novo órgão regulador. No
caso das emissões primárias, a metodologia que foi utilizada pelo Banco Central não era
compatível com a metodologia que passou a ser utilizada pela CVM65. No caso ainda das
estatísticas relativas ao número de companhias abertas, também, não faz sentido a
comparação entre os períodos pré e pós CVM, porque em lugar do conceito adotado pelo
Banco Central de Sociedade de Capital Aberto (SACA), associado a incentivos fiscais,
adotou-se, a partir da criação da CVM, conceito distinto, o de companhia aberta66. Por
conseguinte, a análise se baseará, principalmente, nas informações disponíveis
correspondentes ao próprio período de 1976-86.
64
Conforme esclareceu Jorge Hilário Gouveia, Presidente da CVM no período de dezembro de 1979 a julho de
1981 e membro do primeiro Colegiado da CVM de 1977 a dezembro de 1979, em entrevista concedida em
26.01.06.
65
O Banco Central considerava para efeito do valor registrado das emissões as sobras das emissões. As
sobras correspondem ao saldo que vai para o público, e resultam da dedução do total emitido pela companhia
do montante correspondente ao exercício de preferência pelos atuais acionistas e do cumprimento do
montante subscrito relativo às garantias assumidas em contrato pelas instituições financeiras subscritoras.
Diferentemente, a CVM computa como valor das emissões o total emitido pela companhia, considerando,
portanto, o montante relativo ao exercício de preferência pelos acionistas da companhia e ao cumprimento das
garantias acordadas.
Adicionalmente, o Banco Central permitia as companhias cancelarem, posteriormente, a parcela do valor das
emissões registradas que não tinha sido absorvida pelo mercado, o que implicava ajustes constantes do valor
das emissões, muitas vezes realizadas em anos posteriores ao seu registro. Diferentemente, a CVM expediu
parecer no qual expressava entendimento diverso: as emissões uma vez não totalmente absorvidas deveriam
ser anuladas, não deveria ser permitido, à princípio, sua homologação parcial. Isto porque, no entendimento da
CVM, as justificativas que fundamentaram a emissão, apresentadas pela companhia no momento do registro,
serviam de base à decisão do investidor e levavam em consideração o total de recursos a serem captados.
66
O conceito de companhia aberta será analisado mais adiante.
104
Convém observar, por último, que também não seria possível comparar diretamente a
atividade de monitoramento e fiscalização sobre as companhias exercida pela CVM com a
atuação do Banco Central, devido à dificuldade de estabelecer indicadores adequados para
quantificar tais atividades, bem como, para avaliar sua eficácia. Além disso, dados a esse
respeito não chegaram a ser disponibilizados pelo Banco Central.
Considerando os objetivos e desafios mencionados, a discussão acerca do papel exercido
pela CVM, após as reformas de 1976, consistirá em três linhas de análise: i) atividade
normativa promovida pela CVM – voltada para divulgação de informações das companhias
abertas, ii) os direitos dos acionistas minoritários previstos na Lei das S.A. cujos
dispositivos é dever da CVM defender e, quando for o caso, regulamentar, e iii) o
comportamento do mercado de ações e debêntures no período 1976-86. Este último ponto
será analisado ao longo do Capítulo 7.
6.1.3 – A Lei no 6.385/76 - princípios, função e poderes do novo órgão regulador
Os fundamentos e princípios a serem seguidos pela CVM foram estabelecidos por meio do
Voto CMN no 426, de 21.12.78. Dentre os fundamentos, destaque especial foi dado ao
investidor individual por dois motivos, conforme ressaltado no Voto CMN: i) “Este, em face
de seu menor poder econômico e menor capacidade de organização, precisa de proteção, de
forma a resguardar seus interesses no relacionamento com intermediários e companhias,
dentro da orientação de que seus riscos fiquem limitados apenas ao investimento
realizado...”; ii) “Além disso, o investidor individual é o protagonista da maior relevância no
processo de dispersão da propriedade e de diversificação dos centros de decisão, o que
contribui para aumentar a eficiência do mercado”.
Como princípios, o Voto CMN no 426/78 previu: i) auto-regulação e ii) divulgação de
informações, reforçando as linhas básicas já presentes na Lei no 4.728/65 e, adicionalmente,
iii) qualificação para o exercício de atividades no mercado de valores mobiliários, definindo
a obrigatoriedade de registro de intermediários, com o objetivo de assegurar a presença de
profissionais honestos, capazes e experientes, e iv) definição de regras de conduta para esses
profissionais objetivando dotar o exercício de atividades nesse mercado de padrões éticos.
105
No que se refere ao princípio de divulgação de informações, a CVM esclarece em suas
diretrizes que a instituição optará por não emitir juízo de valor acerca das informações
recebidas:
“Abrem-se duas grandes opções para a ação do órgão regulador, partindo-se do pressuposto de que as
forças de mercado e os interesses particulares não são suficientes para assegurar a existência de um
sistema de informações eficiente. A primeira é a de este órgão determinar quais as companhias
elegíveis para captação de recursos junto ao público, a partir de sua própria análise das informações
por elas fornecidas, expondo aos interessados as razões que nortearam sua decisão. A segunda,
escolhida pela CVM, é a de não exercer tal julgamento de valor, zelando apenas pelo fornecimento
adequado de informações, por parte das companhias, ao público investidor. Este, com base nos
elementos colocados à sua disposição, tomará a decisão de adquirir ou não valores mobiliários por ela
emitidos” (Voto CMN no 426/78).
O princípio de divulgação de informações já havia sido previsto na Lei no 4.728, afirma-se,
no entanto, que teria sido adotado basicamente em termos formais, visto que era discutível a
qualidade e a fidedignidade das informações prestadas pelas companhias ao Banco Central
(Eizirick, 1977). Além disso, não havia formas de acesso por parte do público a essas
informações, como acima assinalado, e a regulação voltada para utilização de informação
privilegiada também não era adequada, como será analisado adiante.
Contudo, valem ressaltar, principalmente, os limites desse princípio quando adotado num
mercado
de
capitais
pouco
desenvolvido
como
o
brasileiro.
O
princípio de divulgação de informações supõe que informação é a melhor forma de proteger
o investidor, o que, por sua vez, supõe que ele terá acesso a mesma e saberá utilizá-la de
forma apropriada. Em termos gerais, as dificuldades de monitoramento para o investidor
individual já foram apontadas no capítulo 3. Essas são, no entanto, ainda maiores, em um
mercado de pouca tradição e reduzido conhecimento e costume por parte dos agentes acerca
do funcionamento e opções de investimento existentes no mercado. Nessas condições, não é
possível assegurar que o investidor, em particular o investidor individual, saberá utilizar as
informações de maneira correta.
Ao contrário era a situação do mercado de capitais
americano, já com um nível de desenvolvimento considerável nos anos 20 e 30, quando esse
princípio foi então implementado. Esse ponto poderá ser exemplificado mais
detalhadamente pela pouca importância dada pelo investidor ao prospecto, que será
analisado adiante na seção 6.2.4.b.
106
Ainda que, no caso brasileiro, um maior acesso às informações das empresas emissoras
poderia estimular também uma maior especialização por parte dos profissionais de mercado,
tendo em vista que a característica mais predominante à época era a de profissionais com um
perfil mais comercial, ou seja, de vendas, do que propriamente analistas de mercado67.
Diante da falta de conhecimento do investidor individual, o papel a ser exercido pelo órgão
regulador torna-se, então, de maior relevância. Cumpre destacar, notadamente, a
importância que adquire a atividade da CVM de fiscalizar as companhias abertas
priorizando “aquelas que não apresentam lucros em balanço ou as que deixam de pagar o
dividendo mínimo obrigatório”, conforme previsto na Lei no 6385/76.
A Lei nº. 6.385/76 enumerou como valores mobiliários os seguintes títulos: ações, partes
beneficiárias, debêntures, cupons desses títulos, bônus de subscrição e certificados de
depósito de valores mobiliários. A lei autorizou que outros títulos criados ou emitidos pelas
sociedades por ações fossem considerados valores mobiliários, a critério do CMN. Ficaram,
assim, excluídos desse conceito os títulos da dívida pública e os títulos cambiais de
responsabilidade de instituição financeira 68.
Conforme dispõe a Lei no 6.385/76, dentre as competências da CVM estão regulamentar as
disposições nela contidas e fiscalizar as companhias abertas, a emissão, distribuição,
negociação e intermediação de valores mobiliários no mercado, a organização,
funcionamento e operações das Bolsas de valores, a administração de carteiras e custódia de
67
Conforme esclareceu Jorge Hilário Gouveia, Presidente da CVM no período de dezembro de 1979 a julho de
1981 e membro do primeiro Colegiado da CVM de 1977 a dezembro de 1979, em entrevista concedida em
26.01.06. Marco Albino, que atuou como profissional de mercado nos anos 70 e 80, em entrevista concedida
em 10.01.2006, ressaltou que eram pobres os instrumentos analíticos utilizados para avaliação das empresas,
não era comum, por exemplo, o cálculo do fluxo de caixa.
68
Posteriormente, a Lei nº 10.198/01 ampliou bastante o conceito de valor mobiliário definindo que “constituem
valores mobiliários sujeitos ao regime da Lei nº 6.385/76, quando ofertados publicamente, os títulos ou
contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou remuneração, inclusive
resultante da prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço de empreendedor ou de terceiros”.
A Lei nº 10.303, também de 2001, ainda ampliou mais esse conceito, considerando como valores mobiliários
todos os contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes. Nos anos subseqüentes, uma série
de outros títulos, resultado da própria expansão dos instrumentos existentes no mercado, passou a ser
considerada como valores mobiliários, ampliando, em grande medida, os limites de atuação da CVM. Foram
estes: quotas de fundos de investimento em valores mobiliários; audiovisual, certificados representativos de
contratos mercantis de compra e venda à termo de energia elétrica.
107
valores mobiliários69, a auditoria das companhias abertas70 e os serviços de consultor e
analista de valores mobiliários71.
No que se refere ao poder disciplinador da CVM sobre as instituições e agentes por ela
regulados, a Lei no 6.385/76 dispôs que a Comissão teria poderes, no exercício de suas
atribuições, para examinar registros contábeis, livros ou documentos, intimar para prestar
esclarecimentos, apurar, mediante inquérito administrativo, atos ilegais ou práticas não
eqüitativas.
No sentido de punir os infratores responsáveis pelas irregularidades apuradas, a CVM
poderá aplicar no âmbito do processo administrativo sancionador penalidades previstas na
lei como advertência, multa, suspensão do cargo de administrador ou conselheiro fiscal,
inabilitação temporária, até vinte anos, para o exercício desses cargos, suspensão de
autorização ou registro, cassação de autorização ou registro.
6.2 - A Questão da Divulgação de Informação das Companhias e o Papel Normativo da
CVM
6.2.1 – O conceito de Companhia Aberta
A Lei no 6.404, de 15.12.76, (art. 4º) e a Lei no 6.385, de 07.12.76 (art.9º, inciso V, e art.8º,
Inciso IV) estabelecem que somente os valores mobiliários de companhias registrada na
CVM poderiam ser distribuídos no mercado e negociados em Bolsa ou no mercado de
balcão72. Definem, igualmente, esses dispositivos legais, que a companhia é aberta ou
69
A atividade de custódia é privativa de instituições financeiras e Bolsas de valores, sendo definida como a
atividade que envolve depósito para guarda, e registro e controle de recebimento de dividendos e bonificações,
resgate, amortização ou reembolso e exercício de direitos de subscrição. Sendo que o depositário não tem
poderes, salvo autorização expressa do depositante em cada caso, para alienar os valores mobiliários
depositados ou reaplicar as importâncias recebidas.
70
Aos auditores cabe auditar, com exclusividade, as demonstrações contábeis de companhias abertas e de
instituições, sociedades ou empresas que integram o sistema de distribuição e intermediação de valores
mobiliários.
71
A CVM é, por conseguinte, responsável por controlar, além dos registros das companhias abertas e da
emissão pública de valores mobiliários, os registros das empresas de auditoria contábil ou auditores contábeis
independentes, administradores de carteiras de valores mobiliários de outras pessoas; consultor e analista de
valores mobiliários; agentes autônomos e sociedades corretoras de valores mobiliários; e a atividade de
custódia de valores mobiliários.
72
São realizados no denominado mercado de balcão os negócios com valores mobiliários ocorridos fora da
Bolsa, mas que envolvem o concurso de instrumentos e agentes de mercado. Esses negócios se diferenciam
das negociações particulares, onde comprador e vendedor em contato direto e sem concurso de qualquer
108
fechada conforme estejam seus valores mobiliários admitidos ou não à negociação no
mercado de Bolsa ou de balcão, ou seja, companhia aberta é aquela cujos valores
mobiliários são negociados publicamente. Introduziu-se, assim, na legislação o conceito de
companhia aberta, e, com ele a exigência deste registro no órgão regulador.
Tendo em vista a transferência das responsabilidades do Banco Central para a CVM,
determinou-se, por meio da Resolução do Bacen no 436, de 20.06.77, que as sociedades
anônimas emissoras de títulos e valores mobiliários negociáveis em Bolsa e nos demais
integrantes do sistema de distribuição, já registradas naquele banco segundo o regulamento
previsto na Resolução do Bacen no 88, de 30.01.68, e que tivessem seus valores admitidos à
negociação nesses mercados estariam automaticamente registradas na CVM, e seriam,
conseqüentemente, consideradas companhias abertas. Havia, no entanto, sociedades cujos
valores mobiliários negociados em Bolsa não tinham registro no Banco Central. Para esses
casos, a lei deu um prazo dentro do qual essas empresas deveriam, então, obter seu registro.
Dessa forma, as que tinham seus títulos negociados em Bolsa foram automaticamente
registradas na CVM para negociação de seus valores mobiliários nesse mercado, e as que
não tinham seus valores mobiliários ali negociados foram consideradas registradas na CVM
para negociação de seus valores mobiliários em mercado de balcão. A referida Resolução
previa, porém, que os valores mobiliários admitidos à negociação em Bolsa não poderiam
ser negociados no mercado de balcão.
Adicionalmente, em face da existência das sociedades já registradas no Banco Central na
forma de sociedades anônimas de capital aberto (SACA), que respondiam a critérios de
dispersão (exigência de elevação gradual de sua dispersão) e faziam jus a incentivos fiscais,
decidiu-se por: revogar as Resoluções no 106 e no 176, que definiam os requisitos de
dispersão do capital dessas sociedades e unificar os diferentes conceitos, considerando, a
partir de então, como sociedades anônimas de capital aberto todas as companhias abertas
(Resolução do Banco Central no 457, de 21.12.77).
instrumento de mercado buscam concretizar uma operação, não estando, por isso, sujeitos aos mecanismos
legais.
109
Como resultado dessas alterações, duplicou-se o número de companhias abertas de 552 para
1086, sendo que as companhias que possuíam o certificado de SACA até janeiro de 1977
poderiam ainda gozar dos benefícios vigentes.
6.2.2 - O registro das Companhias Abertas e a atividade normativa da CVM
Em relação às companhias abertas, a Lei 6.385 atribui à CVM competência para expedir,
dentre outras normas, sobre a natureza das informações que devam divulgar e periodicidade
da divulgação; padrões de contabilidade, relatórios e pareceres de auditores independentes;
informações que devem ser prestadas por administradores e acionistas controladores,
relativas à compra, permuta ou venda de ações emitidas pela companhia e por sociedades
controladas ou controladoras; divulgação de deliberações da assembléia geral e dos órgãos
de administração da companhia ou de fatos relevantes etc.
A partir de junho de 1978, a CVM assume plenamente suas funções73 e desenvolve esforços
no sentido de editar uma série de instruções com o intuito de normatizar o processo de
disponibilização das informações pelas companhias, por ocasião de seu registro como
companhias abertas e dos registros das emissões de seus títulos.
Os desafios que se colocavam para a CVM, como acima salientado, referem-se a problemas
relativos à fidedignidade das informações e à viabilização do acesso por parte do mercado e
do público a essas informações. Vale frisar, também, que não havia à época do Banco
Central procedimentos de registros para as empresas, mas somente para as emissões. Dessa
forma, não havia um acompanhamento periódico, mas a renovação de um conjunto de
informações a cada nova emissão realizada pela companhia. O registro de SACAS era
realizado para controle das empresas que iriam gozar de incentivos fiscais.
Dentre o conjunto de publicações ordenadas pela Lei nº 6.404/76 constam as demonstrações
financeiras consideradas obrigatórias sendo estas o Balanço Patrimonial (BP), a
Demonstração de Lucros ou Prejuízos Acumulados (DLPA), a Demonstração do Resultado
do Exercício (DRE) e a Demonstração das Origens e Aplicações de Recursos (DOAR).
73
A Resolução CMN no 435 determinou que a CVM deveria assumir plenamente suas funções a partir de
30.06.78.
110
Define a Lei Societária que essas demonstrações contábeis devem ser complementadas por
notas explicativas e outros quadros analíticos ou demonstrações contábeis, necessários para
esclarecimento da situação patrimonial e dos resultados do exercício, devem conter o
parecer do auditor, e devem ser elaboradas ao fim de cada exercício social e submetidas à
aprovação da Assembléia Geral. Importante inovação introduzida pela Lei das S.A. foi a
obrigatoriedade de correção monetária do ativo permanente e do patrimônio líquido, visando
a eliminar as distorções produzidas pela deterioração do poder de compra da moeda nas
demonstrações financeiras.
Além das demonstrações financeiras constam da Lei das S. A., por exemplo, outras
exigências de publicação, como as relativas às atas das assembléias da companhia e as
Reuniões do Conselho de Administração quando produzirem efeitos perante terceiros.
A CVM editou a Instrução no 02, de 04.05.78, determinando que as companhias, além de
efetuar as publicações ordenadas em lei, as quais devem ser publicadas na localidade em que
se situa a sede da companhia, deverão, também, publicar em jornal de grande circulação,
editado na localidade em que se situa a Bolsa de Valores na qual a companhia tenha
verificado, no último exercício, maior volume negociado de valores de sua emissão e,
quando não listada em Bolsa, publicar na capital do estado em que se situa a sede da
companhia.
Boa parte das informações de que trata o registro da companhia são ordenadas pela própria
lei que estabeleceu sua disseminação pela imprensa. Nesses casos, a Instrução CVM no 09
estabelece que devam ser também enviadas à CVM e às Bolsas. Para as informações
requeridas para o registro não determinadas como de publicação obrigatória na Lei
Societária devem ser apenas enviadas à CVM e às Bolsas, não sendo necessária sua
publicação.
Tal aspecto revelou o papel previsto para a CVM e para as Bolsas como disseminadoras de
informações: “o que está por trás da obrigatoriedade de envio da peça de informação à CVM
não é a idéia de informar a CVM, mas, sim, de informar o público investidor” (Nota
Explicativa CVM no 15/79). Cabe, assim, ao órgão regulador a função de estabelecer
sistemas diretos e indiretos para fazer com que tais informações estejam disponíveis
publicamente.
111
Até 1985, o esforço de garantir o acesso do público às informações prestadas pelas
empresas foi viabilizado pela CVM através, basicamente, de um sistema de microfilmagem,
além de um serviço de envio de informações via Fax. A partir de 1984, a CVM envidou
esforços no sentido de construir as condições para ampliar o acesso do público a essas
informações, dando os primeiros passos no sentido de constituir um banco de dados com
informações das empresas e sua disseminação através da Rede Nacional de Comunicações –
terminais de vídeo, telex, microcomputadores cujos primeiros resultados começam a
aparecer em 1985.
Vários dentre os atos normativos expedidos pela CVM resultaram numa maior padronização
das informações prestadas pelas empresas, de forma a permitir posterior informatização,
arquivamento e disseminação dos dados ao mercado com vistas à implementação de projeto
de divulgação via terminal de computador.
No período decorrido entre os anos de 1978 e 1987, a CVM expediu uma série de
normativos que dispõem sobre as informações a serem divulgadas pelas companhias para
efeito do registro74. Esse conjunto de normas significou uma evolução nos procedimentos
relativos ao registro de companhia aberta, permitindo uma maior simplificação e
padronização do fornecimento de informações, mediante a determinação de formulários
específicos para as Informações Anuais, Informações Trimestrais e Informações sobre
Demonstrações Financeiras, a simplificação de procedimentos de atualização e a
determinação de multa nos casos de não atualização do registro.
Mediante esse esforço normativo, foi possível, também, especificar as informações
referentes ao registro de companhia, subdividindo-as em informações periódicas, as quais
deveriam ser, portanto, constantemente atualizadas, e as consideradas eventuais. Foram
consideradas como informações periódicas: as informações trimestrais, as informações
anuais (dentre elas constando o estatuto social), o relatório da administração e cópia das
demonstrações financeiras acompanhada do respectivo parecer do auditor independente.
Foram consideradas eventuais as informações sobre atos e fatos relevantes ocorridos nos
negócios da empresa, que deveriam ser enviadas à CVM concomitantemente à sua
74
São estas: a Instrução no 9, de 11.10.79, a Instrução no 22, de 15.04.82, a Instrução no 32 (que revoga a
Instrução no 9), de 16.03.84, a Instrução no 39, de 07.11.84, a Instrução CVM no 41/85 e, por fim, a Instrução no
60, 14.01.87, que consolida os três últimos normativos citados.
112
divulgação ao público, já prevista pela Lei das S. A. (parágrafo 4o do art. 157). A Instrução
CVM no 32 exemplificou mais detalhadamente quais seriam as informações eventuais a
serem prestadas, complementando os exemplos de ato ou fato relevante constantes na
Instrução CVM no 3175.
O fechamento do registro de companhia aberta foi previsto por meio de dois normativos.
Tendo em vista que o fechamento de capital de uma companhia significa que seus valores
mobiliários não serão mais admitidos à negociação no mercado secundário, é importante a
definição de regras prévias de forma a defender o interesse dos acionistas.
A Instrução CVM no 03, de 17.08.78, determinou os requisitos e procedimentos necessários
a serem cumpridos pelas empresas para que a CVM efetuasse o pedido, apresentado pelas
mesmas, de cancelamento do registro de companhia aberta. Dispôs esse normativo acerca
dos critérios de deliberação pela companhia e de validade do pedido de fechamento,
determinando, ainda, como condição necessária, que os acionistas minoritários titulares de
75% das ações em circulação no mercado deveriam aceitar oferta pública de aquisição a ser
feita pelo acionista controlador ou, deveriam concordar expressamente com o cancelamento
do registro. Essa Instrução visava a garantir que o acionista minoritário, que discordasse do
fechamento do capital da companhia, pudesse se desfazer das ações que, a partir de então,
não poderiam mais ser negociadas em mercado.
A Instrução CVM no 29, de 13.01.84, previu as situações para cancelamento de ofício do
registro de companhia aberta. Tal normativo visava permitir a CVM atuar de forma a
garantir que o cadastro de empresas abertas, empresas essas que podem demandar recursos
do público e ter seus valores negociados publicamente, fosse constituído daquelas que como
companhias abertas, de fato, atuassem. Previu, assim, essa Instrução que a CVM efetuaria o
cancelamento do registro na hipótese de não colocação efetiva, junto ao público, da
totalidade das ações cujo registro de emissão fosse causa eficiente da concessão do registro.
Dispôs também esse normativo que a CVM poderia cancelar o registro no caso das empresas
que não tivessem adaptado seus estatutos à Lei das S. A., e que não tivessem, até a data da
entrada em vigor da Instrução, prestado as informações periódicas exigidas pela regulação.
75
Este ponto será aprofundado na próxima seção.
113
Com efeito, com base nessa Instrução, a CVM promoveu o cancelamento do registro de
cerca de 176 empresas que, em 1984, encontravam-se em situação totalmente irregular76.
No que se refere ainda aos aspectos relacionados à divulgação de informações, destaca-se
um outro conjunto de Instruções também expedidas no período em análise. Relativamente a
procedimentos contábeis, destacam-se a Instrução CVM no 1, de 27.04.78 e a Instrução
CVM no 15, de 03.11.80, que dispõem a respeito dos ajustes decorrentes de avaliação de
investimento relevante de companhia aberta em sociedades coligadas e em sociedades
controladas, e acerca das demonstrações financeiras consolidadas de companhia aberta. Foi,
também, expedida a Instrução CVM no 38, de 13.09.84, que regulamenta a função do
auditor independente no âmbito do mercado de valores mobiliários.
Em sua atividade fiscalizadora sobre as companhias, a CVM exerceu seu poder para
determinar a republicação, com correções ou aditamentos, de demonstrações financeiras,
relatórios ou informações divulgadas, e, especificamente no ano de 1985, determinou a
republicação de demonstrações financeiras de cerca de 40 empresas77.
Esse conjunto de iniciativas teria repercutido de forma positiva no sentido de regularizar a
situação das companhias abertas. Na avaliação da CVM, observou-se uma melhoria no nível
informacional mínimo das companhias e uma sensível diminuição no índice de
inadimplência quanto aos prazos para encaminhamento das informações78.
6.2.3 - Insider trading
A regulação para o mercado de capitais, como já demonstrava sua evolução em outros
países79, deve não somente estabelecer determinações acerca de divulgação periódica das
informações por parte das companhias, mas também procurar impedir que os agentes de
dentro da empresa, os chamados insiders, na posse de informações em caráter privilegiado,
usufruíssem dessas informações em seu benefício, antes que essas sejam amplamente
76
Fonte Relatório Anual CVM - 1985.
Fonte Relatório Anual CVM – 1985.
78
Relatórios Anuais da CVM - 1984 e 1985.
79
Para a evolução da regulação voltada para insider trading no caso americano e outros ver Eizirick, 1987,
capítulo 4.
77
114
divulgadas. Tal prática consiste em negociação com base em informação privilegiada ou
insider trading. Não sendo possível impedir, por várias razões, que alguns agentes, os de
dentro da empresas ou os que a eles tenham acesso, venham a ter acesso a informações que
ainda não sejam de conhecimento do público, a legislação deverá proibir que usem essas
informações em benefício próprio.
Sob esse aspecto, os instrumentos legais e regulatórios disponíveis antes da Lei no 6.404/76,
no caso a Lei no 4.728 (art 3º) e a Resolução no 88, se revelavam ainda insuficientes,
primeiro por não definirem com precisão quem seriam os agentes passíveis de punição por
essa prática, e, segundo, por não deixar claro, no caso dos administradores das companhias,
que não se tratava somente de divulgar as informações relevantes, mas também de não
usufruir delas em benefício próprio, antes que fossem divulgadas (Eizirick, 1977).
A Lei das S.A., por outro lado, previu claramente o enquadramento dos administradores da
companhia pelo uso de informações privilegiadas, mas não proibiu expressamente o
controlador, que teria, inclusive, maiores possibilidades de acesso e utilização de tais
informações. Muito embora a prática de insider trading pelos controladores pudesse já ser
compreendida pela doutrina como modalidade de abuso de poder, e, portanto, já estaria
prevista na Lei Societária, entendia-se que, dado a importância do tema, seria importante
defini-la de forma expressa. Mesmo porque não estava citada nas modalidades
exemplificativas de abuso de poder constantes no art. 117 da Lei das S.A..
Os dispositivos que tratam do uso de informações privilegiadas - insider trading - estão
previstos na Lei das S.A., principalmente nas seções relativas ao dever de lealdade e do
dever de informar do administrador.
Refere-se o art. 155 ao dever do administrador de “seguir com lealdade à companhia e
manter reserva sobre seus negócios”, devendo guardar sigilo sobre informações não
divulgadas e não obter vantagem da utilização dessa informação nos negócios com
títulos emitidos pela companhia, e zelando para que subordinados ou terceiros de sua
confiança não o façam.
Já o dever de informar, previsto no art. 157, consiste em prevenção contra a prática de
insider trading quando se refere às informações que o administrador deverá prover aos
115
acionistas com relação aos seus negócios com valores mobiliários emitidos pela companhia,
opções de compra de ações, benefícios ou vantagens que esteja recebendo da companhia e à
divulgação de qualquer ato ou fato relevante ao público.
A Lei das S.A. prevê a possibilidade de não divulgação das informações caso fira interesses
legítimos da companhia, cabendo, no entanto, à CVM, nesses casos, a decisão final.
A Lei Societária considerou como insiders, e, portanto, passíveis de punição pela prática de
negociação com base em informação privilegiada, os administradores da companhia (ou
seja, os diretores, os membros de conselho de administração e do conselho fiscal) e os
empregados da companhia.
A CVM, por meio da Instrução no 8, de 08.10.79, havia estendido o conceito de insider aos
intermediários financeiros e aos demais participantes do mercado ao vedar a eles o uso de
prática não eqüitativa. Prática não eqüitativa foi caracterizada na citada Instrução como:
“aquela de que resulte, direta ou indiretamente, efetiva ou potencialmente, um tratamento para
qualquer das partes, em negociações com valores mobiliários, que a coloque em uma indevida
posição de desequilíbrio ou desigualdade em face dos demais participantes da operação”.
Havia, porém, uma expectativa de que a CVM expedisse instrumento normativo específico
acerca da prática do uso de informação privilegiada, que pudesse complementar a legislação
nos pontos referidos.
Nesse contexto, revelou-se importante a Instrução CVM no 31, expedida em 1984, que
permitiu: i) a regulamentação da figura do insider, e, em especial, a ampliação do seu
conceito, ii) a caracterização e exemplificação das modalidades de fato ou ato relevante,
assim como, iii) as determinações acerca da divulgação dos mesmos.
Como aspecto fundamental desse normativo destaca-se, então, a ampliação significativa
da figura do insider, na medida em que estendeu a vedação do uso de informação
privilegiada: 1º) aos controladores; 2º) a todos que, em virtude de cargo ou posição dentro
da companhia, ou ainda em razão de função profissional, venham a ter conhecimento de
informação relativa a ato ou fato relevante não divulgada, e 3º) a qualquer pessoa que,
116
embora não se enquadre nas condições previstas anteriormente, venham a obter informações
dessa natureza.
Com relação aos demais aspectos ressaltados, para efeito da Instrução CVM no 31/84 (Art.
1º) considerou-se informação relevante, e, portanto, de divulgação obrigatória qualquer
deliberação da assembléia geral ou dos órgãos de administração da companhia aberta, ou
qualquer outro ato ou fato ocorrido nos seus negócios que possa influir de modo ponderável
na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou na decisão dos
investidores em negociar com aqueles valores mobiliários; ou, ainda, de exercerem
quaisquer direitos associados a esses valores.
Dentre as modalidades de ato ou fato relevante exemplificadas na Instrução CVM no 31/84
(Parágrafo único) destacam-se: mudanças no controle da companhia, fechamento de capital
da companhia, incorporação, fusão, cisão, transformação ou dissolução da companhia,
mudanças significativas na composição do ativo da companhia; alteração nos direitos e
vantagens dos valores mobiliários emitidos pela companhia; requerimento de concordata, de
falência; celebração ou extinção de um contrato significativo para a companhia, qualquer
descoberta, mudança ou desenvolvimento na tecnologia ou nos recursos da companhia que
possa vir a alterar significativamente os seus resultados etc.
De acordo com o disposto no art. 2º dessa Instrução, o dever de comunicar e de divulgar é
dos administradores da companhia aberta, em especial, do diretor de relações com o
mercado. É este quem deve comunicar, imediatamente, à CVM e à Bolsa de Valores em que
seus valores mobiliários sejam mais negociados, bem como divulgar pela imprensa, ato ou
fato relevante ocorrido nos negócios da companhia.
Apesar dos atos ou fatos relevantes poderem, excepcionalmente, deixar de ser divulgados se
os administradores entenderem que sua revelação porá em risco interesse legítimo da
companhia (art. 4º), deverão ser divulgados imediatamente, se a informação escapar ao
controle ou a cotação das ações da companhia apresentar oscilações atípicas.
Em suma, tendo em vista as falhas da regulação anterior às reformas e as necessidades de
complementação à Lei 6.404, a Instrução CVM no 31/84 teria significado uma importante
117
contribuição à regulação sob as companhias abertas no período, particularmente, no aspecto
de divulgação de informações.
Um aspecto negativo a ser levantado foi o tempo levado pela CVM até que expedisse
normativo regulamentando essa matéria. Apesar de que sua necessidade já se fazia sentir
desde a Lei no 6.404, precisou-se de oito (8) anos para que a CVM regulamentasse a
matéria.
6.2.4 - O Registro de distribuição de ações mediante subscrição pública
6.2.4.a) A Instrução CVM no 13/80
A Lei no 6.385/76 teria consistido em importante avanço ao definir mais claramente o
conceito de oferta pública que na Lei no 4.728/65 (ver seção 5.2.2) era citado apenas como
uma das modalidades de colocação de títulos.
De acordo com a Lei no 6.385/76 e para efeito da Instrução no 13, considera-se pública a
subscrição de ações quando ofertadas mediante a utilização de alguma forma de propaganda
direcionada ao público, ou quando caracterizando-se pela procura de novos subscritores que
não os atuais acionistas, ou, ainda, quando realizada mediante a negociação em local aberto
ao público80. Tal definição permite, então, caracterizar as emissões públicas que deverão
efetuar registro na CVM e proceder ao cumprimento das exigências cabíveis81 82.
A necessidade de registro de distribuição mediante subscrição pública, normatizado por
meio da Instrução CVM no 13/80, visa a responder à situação específica na qual existe uma
pressão de venda sobre o investidor por parte da companhia. Entendeu, assim, o regulador
80
Para efeito da Instrução no 13, considera-se pública a subscrição de ações quando ofertadas mediante: I – a
utilização de listas ou boletins de subscrição, folhetos, prospectos ou anúncios destinados ao público; II – a
procura de novos subscritores não acionistas por meio de empregados, administradores ou através de pessoas
físicas ou jurídicas integrantes ou não do sistema de distribuição de valores mobiliários; III – a negociação feita
em loja, escritório ou estabelecimento aberto ao público, ou com a utilização dos serviços públicos de
comunicação, quando dirigida a não acionista da sociedade emissora.
81
A ocorrência constante de emissões irregulares, ou seja, sem registro, no período analisado será discutida no
Capítulo 7.
82
O conceito de oferta pública ensejou algumas discussões. Para alguns este conceito não deveria constituir-se
somente dos meios utilizados na colocação de títulos, mas também pela observância dos elementos que
qualificariam os ofertados. As críticas residiam no fato de que caso os ofertados constituem-se de investidores
qualificados, ou exclusivamente dos empregados ou administradores da companhia, poderiam estes prescindir
da proteção que seria conferida pelo registro da emissão.
118
que tal situação se diferencia daquela na qual o investidor, por sua própria iniciativa e na
ocasião em que julgar oportuno, se dirige ao mercado para comprar ou vender valores
mobiliários83.
Além disso, deve-se considerar, também, que a pressão de venda está dirigida a novos
investidores em potencial. Com efeito, no caso de subscrição privada, ou seja, em que a
colocação é feita somente entre os atuais acionistas, no exercício de sua preferência, não há
necessidade de registro da emissão, porque se subentende que os elementos necessários para
a sua tomada de decisão já estão disponíveis por meio dos procedimentos de atualização do
registro da companhia. Sendo por isso, no caso de subscrição privada, exigido por meio da
citada Instrução que a companhia não esteja inadimplente em relação às informações
periódicas prestadas pela companhia à CVM.
O pedido de registro deverá conter as informações acerca da operação incluindo contrato de
distribuição, contrato de garantia, condições de integralização, modelo de boletim de
subscrição, declaração de sobras, minuta do prospecto.
O prospecto é considerado como documento da maior importância porque condensa todas as
informações relevantes sobre a própria emissão e sobre a empresa, de forma a permitir uma
avaliação acerca do investimento por parte do investidor. Este documento deverá estar
disponível em número suficiente para ser distribuído a todos subscritores no local da
distribuição.
Além dessas informações, a companhia deverá apresentar estudo de viabilidade econômicofinanceira do empreendimento, obrigatório nos seguintes casos: i) de constituição da
companhia por subscrição; ii) emissão de ações em fase pré-operacional, iii) quando a
perspectiva de rentabilidade da companhia vier a ser admitida, na justificativa do preço da
emissão, como parâmetro prevalecente, dentre os 3 (três) estabelecidos pelo art. 170 da Lei
das S.A., e iv) emissão de ações que represente parcela substancial de recurso em relação ao
patrimônio líquido da companhia, visando à expansão, diversificação das atividades ou
investimentos em coligadas e controladas.
83
Ver Nota Explicativa CVM no 15/97.
119
A responsabilidade sobre as informações prestadas à CVM é dos administradores da
companhia, cabendo à instituição líder da distribuição verificar sua suficiência e qualidade.
A concessão do registro pela CVM não implica garantia da veracidade das informações
prestadas ou do sucesso do empreendimento.
Conforme prevê a Instrução no 13 em seu art. 13, o registro poderá ser denegado nas
hipóteses de inviabilidade ou temeridade do empreendimento ou inidoneidade dos
fundadores ou, ainda, no caso de não cumprimento das exigências previstas.
A CVM poderá suspender a distribuição que esteja ocorrendo em condições diversas das
exigidas ou quando esta for ilegal ou fraudulenta.
6.2.4.b) A Instrução no 13 e os limites do princípio de disclosure enquanto proteção ao
investidor
Já haviam sido comentados anteriormente os limites do princípio de divulgação de
informações como proteção ao investidor para o caso do mercado brasileiro. O prospecto,
como acima analisado, seria a peça chave para a divulgação das informações aos
investidores acerca da emissão e da empresa emissora. Contudo, apesar de que o amplo
acesso ao prospecto nos locais de distribuição seja uma das determinações mais importantes
da Instrução no 13, no que se refere ao aspecto de divulgação de informações ao público,
essa determinação não era cumprida em muitos casos.
Tal fato demonstra pouco interesse por parte do investidor nesse documento, visto que este
poderia ser por ele exigido e sugere que o investidor não sendo capaz de avaliar as
empresas, estivesse a seguir a opinião de um intermediário.
Outros fatores que caracterizaram as emissões primárias ocorridas nesse período podem
também explicar tal desinteresse. Ao longo do período 1980/86, observou-se que a quase
totalidade das emissões adotavam o sistema de procedimento diferenciado, que significava
que a instituição intermediária organizadora da subscrição teria um poder de colocar a
emissão discricionariamente, em oposição ao sistema de garantia de acesso, no qual se
120
garante o acesso a todos os investidores interessados na subscrição. Resulta, então, que
muitos investidores ficavam de fora, não podendo participar.
Além disso, verificou-se ocorrer uma pressão por parte das instituições intermediárias para
que o preço de lançamento das emissões fosse estabelecido abaixo do preço de mercado, a
fim de cobrir eventual variação do preço de mercado durante o período em que os acionistas
estejam exercendo o seu direito de preferência, até a efetiva distribuição das ações no
mercado.
Tendo em vista, então, a tendência dos preços de lançamento das emissões estarem fixados
abaixo do mercado, ocorre que em momentos de expansão das emissões, os quais estão em
geral acompanhados de uma elevação dos preços das ações em Bolsa, como foi o caso do
ocorrido no período de 1984/86, os lucros se tornam garantidos. O investidor não estava,
assim, preocupado em avaliar a empresa e seu projeto de investimento, mas em conseguir
acesso à emissão e obter esse lucro certo (Medeiros, 1987).
6.3 - Proteção ao Acionista Minoritário na Lei das SA (Lei 6.404 de 15.12.76)
6.3.1 - A CVM e a Lei das S.A.
A Lei no 6.404/76, embora seja a lei que ordena quaisquer sociedades anônimas, contém
dispositivos que regulam especificamente as sociedades que captam recursos do público, as
sociedades anônimas abertas ou companhias abertas. Uma vez assim constituídas, as
companhias serão objeto de regulação, acompanhamento e fiscalização por parte da CVM.
Dessa forma, no exercício de suas atribuições, quando apura as denúncias ou reclamações
dos investidores, no exercício de sua atividade de acompanhamento ou de punição das
irregularidades, cabe à CVM defender os preceitos da Lei das S.A. e utilizar seus
dispositivos, bem como, também cabe regulamentar as matérias que estiverem nela
expressamente previstas, assim como, também, na Lei no 6.385/76.
Visto que a Lei no 6.404/76 é um dos instrumentos principais da CVM no exercício de suas
atividades de normatização, monitoramento e punição das irregularidades cometidas pelos
121
agentes atuantes no mercado de capitais, torna-se fundamental analisar os avanços e
retrocessos que a promulgação dessa lei significou no que se refere, em especial, à defesa
dos acionistas minoritários.
6.3.2 – Objetivos e desafios da Lei das S.A.
Apesar das dificuldades interpostas a partir do colapso da Bolsa em 1971, nota-se
persistirem os esforços de desenvolver o mercado de capitais. Já em 1973, preocupações
dessa natureza estavam presentes nos pronunciamentos do, então, Presidente Geisel que,
antes mesmo de sua posse, enfatizava a necessidade de uma reforma da legislação de
sociedade por ações. Essa intenção foi reafirmada, em início de 1974, na primeira reunião
ministerial. Pouco depois eram nomeados pelo governo os juristas Alfredo Lamy e José Luis
Bulhões Pedreira para elaborarem o projeto de reforma (Andrezo e Lima, 2002).
O papel que iria se reservar a tal iniciativa já estava esboçado em trabalho desenvolvido por
Alfredo Lamy, anterior ao projeto de lei. Em tal estudo, destacava-se enfoque distinto
daquele que vigorava na prática passada das empresas, quando a escolha da forma societária
se fazia por motivos variados, mas não com o intuito de dirigir a empresa para o mercado de
ações. Dever-se-ia compreender, como ressaltou Lamy no citado estudo:
“(...) quando uma sociedade anônima resolve abrir seu capital ela não pratica apenas um mero ato
de economia interna de empresa, ela aciona mecanismos de crédito público, por cuja idoneidade e
regular funcionamento deve responder o Governo (...)” (Citado em Mattos Filho, 1980, p.48).
Na Exposição de Motivos da 14ª reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico,
realizada em 1974, ficava explicitado o entendimento dominante, à época, a respeito do
papel a ser cumprido pela reforma:
“(...) as Sociedades Anônimas Abertas são parte do sistema financeiro, como os bancos comerciais
ou de investimento, as Bolsas, as sociedades de crédito e financiamento e, em conseqüência,
requerem tratamento orgânico e sistemático” (Exposição de Motivos, CDE no 14, 25.06.74).
Na mesma reunião, restou clara a importância dada à reforma societária no âmbito da esfera
econômica, e não somente jurídica, quando decidiu-se, motivado por proposta defendida
122
pelo então Ministro da Fazenda Mario Henrique Simonsen, deslocar da competência do
Ministério da Justiça para o Ministério da Fazenda a reformulação da lei, que deixa de fazer
parte do capítulo do direito das obrigações do Código Civil e passa a ter vida autônoma.
O anteprojeto da lei, em sua Exposição de Motivos, frisava qual seria o desafio a ser
enfrentado pela nova lei:
“A mobilização de poupança popular e o seu encaminhamento voluntário para o setor empresarial
exigem, contudo, o estabelecimento de uma sistemática que assegure ao acionista minoritário o
respeito a regras definidas e eqüitativas, as quais sem imobilizar o empresário em suas iniciativas
oferecem atrativos suficientes de segurança e rentabilidade” (Exposição de Motivos no 196,
24.06.76, Ministério da Fazenda).
6.3.3 – Lei das S.A. e a proteção ao acionista
A Lei das S.A. promulgada em 1976 estabeleceu, em seu art. 109, como direitos essenciais
do acionista dos quais não poderiam ser privados nem por determinação do estatuto da
companhia nem por deliberação da assembléia de acionistas:
1) Participar dos lucros sociais;
2) Participar do acervo da companhia, em caso de liquidação;
3) Fiscalizar a gestão dos negócios sociais de forma direta ou indireta;
4) Ter preferência para subscrição de ações, partes beneficiárias conversíveis em
ações, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição, na proporção de
ações que possuírem;
5) Retirar-se da sociedade, nos casos previstos na lei.
Tais princípios referem-se a aspectos bem distintos, no que diz respeito à
discussão
apresentada nesse trabalho, dos quais destacamos: os atrativos na forma de rendimentos
proporcionados pelos títulos emitidos, as garantias de condições de monitoramento por parte
do acionista e do debenturista, que constitui o mecanismo de voz, ou a definição de deveres
e obrigações daqueles que deveriam representá-los e, a garantia de mecanismos de saída
extra mercado, em condições específicas.
123
À luz dos direitos acima expostos, a discussão dessa seção trata dos dispositivos da lei que
foram considerados mais importantes de acordo com os tópicos assinalados a seguir.
- Com relação ao direito de todos os acionistas participarem do lucro:
a) instituição do dividendo mínimo obrigatório
- Com relação aos direitos e vantagens atribuídos ao acionista minoritário:
b) aumento da participação das ações preferenciais no capital
c) vantagens econômicas das ações preferenciais
d) ampliação do direito de preferência
e) incremento nas situações que dão direito de retirada ao acionista
f) instituição da Oferta Pública no caso de alienação de controle
- Com relação ao monitoramento a ser exercido pelo acionista e pelo debenturista
g) criação da função do agente fiduciário dos debenturistas
h) voto múltiplo para acionistas ordinaristas
Tendo como referência os pontos acima destacados, a Lei das Sociedades Anônimas será
analisada, ressaltando-se as mudanças que proporcionou em relação aos dispositivos já
existentes no Decreto-Lei no 2.627 que, desde 1940, regia o funcionamento das sociedades
anônimas no Brasil84.
6.3.3.a) – A instituição do dividendo mínimo obrigatório
Considerado como um dos institutos mais importantes introduzidos pela Lei no 6.404/76,
que não constava do regime legal anterior, ressalta-se a determinação do dividendo mínimo
obrigatório.
84
A Lei das S.A. de 1976 teria representado, em comparação ao Decreto Lei no 2.627/40, uma reorientação da
tradição que havia se iniciado com o Código Comercial de 1850, oriundo da legislação portuguesa, o qual teria
sido, por sua vez, copiado da legislação francesa. Isto porque, em termos jurídicos, teriam sido visíveis as
referências e similaridades das mudanças propostas e efetivadas com o modelo americano.
124
A determinação do dividendo mínimo obrigatório, conforme estabelecido no art. 202 da Lei
das S.A., de 1976, visou a impedir a prática, que se verificava como usual das companhias,
de capitalizarem indefinidamente seus lucros não os distribuindo aos seus acionistas.
Constituindo a companhia lucros estes poderiam ter dois destinos, serem distribuídos aos
acionistas na forma de dividendos ou serem destinados às reservas de lucros85. As reservas
referem-se a parcelas do patrimônio líquido da empresa referentes a um fim específico.
Além das reservas de lucros, tem-se a conta de lucros e prejuízos acumulados, constituída
sem fim específico, dos saldos de lucros que não foram distribuídos e nem destinadas às
reservas86.
O direito aos lucros sociais decorre da própria Lei Societária, mas o exercício desse direito
depende evidentemente da existência de lucros acumulados até aquela data, apurados nos
termos a Lei das S.A.. No caso do dividendo obrigatório, o limite é o lucro líquido do
exercício. Nos demais casos, visando à distribuição de lucros, podem também ser
destinados, além do lucro líquido do exercício, os lucros acumulados e as reservas de
lucros87.
O instituto do dividendo mínimo obrigatório não impõe um percentual obrigatório de
dividendos a ser seguido, mas define regras mínimas dentro das quais poderão ser
estabelecidos e limites bem restritivos dentro dos quais poderão ser modificados. Dessa
forma, o artigo 202 dispõe que a companhia tem liberdade, quando de sua constituição, para
adotar qualquer percentual, contanto que definido no estatuto da companhia com precisão e
85
As reservas de lucros constituem-se de cinco contas que correspondem a: reserva legal, única reserva cuja
constituição é obrigatória por força da lei, que por sua vez estabelece limites a sua constituição (art. 193), tem
como objetivo oferecer uma margem de segurança aos credores; reserva para contingências, destina-se a
constituir margem de segurança contra riscos prováveis que a companhia pode vir a sofrer em exercício futuro
(ex: ação judicial); reserva estatutária, são previstas em estatuto e independem da decisão assemblear, uma
vez constituída assume caráter permanente até que haja uma nova decisão (ex: reserva para resgate de partes
beneficiárias), reserva de lucros a realizar, correspondem ao resultado líquido positivo da equivalência
patrimonial mais os lucros das operações a prazo a realizar após o término do exercício social seguinte
(constituída de resultados que serão realizados a partir do final exercício seguinte); reserva de retenção de
lucros, objetiva atender às necessidades previstas em orçamento de capital, que se refere basicamente a
projetos de investimento, e sofre revisão anual. Além das reservas de lucros, que se originam do lucro do
exercício, existem outras reservas, dentre elas a reserva de capital, constituída por contas como ágio obtido na
colocação de ações, prêmios recebidos na colocação de debêntures etc que possuem certa conotação com o
capital mas que não o integram.
86
Essa conta foi posteriormente desautorizada. A Lei 10.303/01 vedou a não destinação dos resultados a um
fim específico.
87
Existe uma exceção para o caso de ações preferenciais com prioridade na distribuição de dividendos
cumulativos, se prevista a vantagem em estatuto pode receber seu dividendo prioritário à conta de reserva de
capital (art. 201). Ver dividendos das preferenciais a seguir.
125
minúcia, de forma que o acionista tenha o exato conhecimento de seus direitos e que não
fique a mercê do exercício do poder de decisão dos controladores e órgãos de administração.
O dividendo mínimo obrigatório define-se, nas palavras de Tavares Borba, como “uma
espécie de compromisso mínimo, exprimindo a parcela do lucro que não poderá a sociedade
deixar de distribuir” (p.468).
No entanto, no caso de omissão do estatuto, a lei determina um percentual obrigatório que
corresponde a 50% do lucro líquido ajustado (LLA)88. E, ainda no caso de estatuto omisso,
quando a assembléia geral resolver introduzir norma sobre a matéria e definir um percentual
para o dividendo obrigatório, a Lei determina o limite mínimo de 25% do LLA.
Compreende-se que tais regras são válidas, também, para os casos de imprecisão do estatuto,
posto que estes, ao não cumprirem as condições exigidas se equiparariam aos casos de
omissão89.
A lei exige, também, que as decisões relativas à modificação do dividendo mínimo
obrigatório devam ser aprovadas em assembléia de acionistas por, no mínimo, metade do
capital votante (art. 136, Inciso III).
88
“O chamado lucro líquido ajustado não é senão o lucro líquido do exercício, diminuído das importâncias
destinadas à reserva legal, reserva para contingência e reserva de lucros a realizar e, ao mesmo tempo
acrescido das parcelas que, anteriormente destinadas a essas duas últimas reservas, tenham sido no exercício
considerado objeto de desconstituição, face à superação da contingência ou à realização do lucro” (Tavares
Borba, 2003, p. 469) . O lucro líquido ajustado (LLA) é calculado, portanto, antes que seja constituída a reserva
estatutária e a reserva de retenção de lucros, não sendo, assim, por elas prejudicado. Já a reserva legal, a
reserva para contingência e a reserva de lucros a realizar, como mencionado, reduzem a base de cálculo do
dividendo obrigatório. Essa definição sofreu modificações introduzidas pela Lei 10.303/2001.
89
Ainda que não expresso claramente na lei, alguns entendem que, sendo o objetivo desse dispositivo impedir
que o percentual estabelecido como dividendo obrigatório se reduza para percentual menor de 25% do LLA, tal
regra valeria, igualmente, nos casos de estatuto não omisso, quando a companhia resolver alterar o percentual
estabelecido, devendo então respeitar, também, o limite mínimo de 25% do LLA. Na opinião de Tavares Borba
(2003): “Maiores razões até estariam a atuar no caso do estatuto expresso, pois, aí, a vontade
estatutariamente manifestada é que estaria sendo objeto de modificação” (Tavares Borba, 2003, p.469).
126
6.3.3.b) Alteração do limite de participação das ações preferenciais, a figura do
controlador na Lei das S.A.
Se o dividendo obrigatório revelou-se como um dos aspectos positivos da reforma mais
comumente destacados, a alteração na proporção do capital votante e não votante das
companhias parece ter sido um dos pontos mais criticados.
Carvalhosa define, assim, ações preferenciais: “Ações preferenciais são aquelas às quais o
estatuto outorga determinados privilégios patrimoniais, em relação às ordinárias, podendo,
em contrapartida, deixar de conferir-lhes o direito de voto, ou restringi-lo” (Carvalhosa,
1997, p.349).
A Lei no 6.404 facultou a ampliação da proporção das ações preferenciais no capital,
alterando de 50% para 2/3 o limite de participação dessas ações no capital das empresas.
Dessa forma, o legislador deu seguimento ao princípio da vantagem econômica concedida às
ações preferenciais, conforme prevalecia até então, contrariando a opinião daqueles que
defenderam a extinção das ações sem direito a voto.
No argumento oficial presente na Exposição de Motivos da Lei, o aumento do limite para
emissões de ações preferenciais era recomendado devido:
“(...) a orientação geral do projeto de ampliar a liberdade do empresário privado nacional na
organização da estrutura de capitalização de sua empresa (...)” (Exposição de Motivos no 196,
24.06.76, Ministério da Fazenda).
Com o novo regime, esperava-se, na verdade, promover um estímulo ao mercado, uma vez
que, do lado da demanda de recursos, haveria um estímulo à captação via emissão de ações
preferenciais, porque assim os controladores não estariam correndo o risco de perder o
controle da empresa. Já do lado dos ofertantes de recursos, a medida poderia permitir que
fossem atraídos aqueles investidores que não estariam tão interessados em monitorar as
decisões de investimento da companhia, ou que se disporiam a desistir de sua participação
em troca de uma vantagem econômica compensatória, em relação às ações ordinárias.
127
Com relação ao novo percentual permitido, a crítica maior reside em suas conseqüências
sobre o grau de dispersão do capital votante das empresas. Sendo permitido emitir até dois
terços do capital da empresa na forma de ações preferenciais (sem direito a voto ou com
voto restrito), tornou-se possível adquirir e manter o controle das empresas com apenas 51%
das ações ordinárias, ou seja, 16,6% do capital total da empresa, se emitidas ações
preferenciais em um número máximo, ou ainda, com um percentual menor do capital total,
no caso de emissão de ações ordinárias ao portador 90.
Nessas condições, o acionista não-controlador, a quem denominamos de minoritário, seja
ordinarista ou preferencialista, estaria, supostamente, ainda mais exposto a possíveis
decisões unilaterais dos acionistas controladores que poderiam implicar o declínio da
situação econômico/financeira da empresa, ameaçando o valor do capital investido, como
mudança de objeto social91, transferência de débitos da empresa acionista controladora
(muitas vezes uma empresa fechada) para a sociedade controlada (muitas vezes uma
empresa de capital aberto), fusões que impliquem prejuízo patrimonial e operacional,
diversas fórmulas de “fechamento branco de capital” 92 etc.
Com a proporção anterior ficavam à margem das decisões os acionistas titulares de ações
representativas de 50% do capital social. No novo sistema, ao reduzir o colégio eleitoral, os
acionistas com poder de voto na assembléia geral tenderiam a ser, basicamente, os próprios
controladores.
A Lei das S.A. de 1976, nesse campo, previu alguns dispositivos importantes que
procuravam oferecer mecanismos compensatórios capazes de reduzir os riscos potenciais de
abusos acima exemplificados.
90
A posse de ações ao portador não dava direito de voto aos seus titulares, conforme o disposto no art. 112 da
Lei das S.A., somente os titulares de ações nominativas, endossáveis e escriturais podiam exercer esse direito.
A Lei no 8.021, de 1990, aboliu as ações ao portador.
91
O objeto da empresa, que deve estar definido de forma precisa e completa pelo estatuto da companhia (art.
2º, parágrafo 2º), refere-se ao conjunto de atividades econômicas desenvolvido por ela.
92
O fechamento branco de capital pode resultar da realização de ofertas públicas de compra de ações pelas
próprias empresas visando a tirar as ações de mercado, expediente que foi utilizado pelas companhias
privatizadas porque para essas o edital de privatização proíbe o cancelamento do registro enquanto
companhias abertas. Cosern, Cerj e Geração Tietê são exemplos de empresas que adotaram esse
procedimento (Sirimarco, H., 2.000).
128
Nesse particular, destaca-se a introdução na Lei Societária da caracterização da figura do
controlador, da definição de suas obrigações e da previsão de situações que poderiam vir a
caracterizar abuso de controle.
De acordo com o disposto na Lei das S.A. de 1976, art.116, controlador é aquele que detém
a maioria permanente de votos e usa seu poder para dirigir a companhia. Determina também
a lei que deverá usar esse poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e
deverá respeitar os direitos e interesses dos acionistas.
Mediante esses dispositivos o poder da companhia torna-se, assim, personalizado.
Diferentemente, no sistema anterior vigorava, em tese, a soberania efetiva da assembléia,
porque fundava-se a antiga lei no sistema majoritário, no qual os que possuíam 50% mais
um do capital votante eram aqueles que perante a lei definiriam os rumos da companhia.
Ademais, torna-se possível atribuir aos controladores responsabilidade acerca dos atos
praticados e decisões tomadas em prejuízo da companhia e de seus acionistas (Eizirik,
1997)93. Conforme o disposto no art. 117, o acionista controlador responde pelos danos
causados por atos praticados com abuso de poder. Dentre as modalidades exemplificativas
do exercício abusivo de poder presentes na Lei Societária destacam-se: orientar a companhia
para fim estranho ao objeto social; promover a liquidação da companhia próspera, ou a
transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou
para outrem, vantagem indevida, promover alteração estatutária, emissão de valores
mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da
companhia, aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por
favorecimento pessoal, etc.
93
Conforme analisa Eizirik (1997):
“Ao permitir a Lei das S.A. a perfeita identificação do poder de controle e ao atribuir ao acionista controlador
determinados deveres (art. 116, parágrafo único), operou a superação da ‘ficção democrática’ na companhia,
cuja aplicação, na prática, acarretava a diluição da responsabilidade nas decisões da assembléia geral ou dos
órgãos de administração.
O art. 117, caput, dispõe que ‘o acionista controlador responde pelos danos causados pelos atos praticados
com abuso de poder’. Ou seja, pode o acionista controlador ser civilmente responsabilizado e obrigado a
indenizar os prejuízos que causar, decorrentes de ato praticado com abuso de poder” (Eizirik, 1997, p. 98)
(grifos nossos).
129
6.3.3.c) Vantagens econômicas das ações preferenciais
O Decreto-Lei no 2627/40 já previa vantagens econômicas na forma de dividendos aos
titulares de ações preferenciais.
Para Lei no 6404/76, considerando a previsão da faculdade de ampliar a participação das
preferenciais no capital das empresas, era ainda mais evidente a importância da política de
dividendos a ser atribuída a essas ações, em contrapartida da perda do direito de voto.
Ademais, veja-se a importância de vantagens econômicas atribuídas às ações preferenciais
quando se trata de empresas cujas ações possuam baixa liquidez no mercado. Nesses casos,
os acionistas preferencialistas, que já não têm como exercer um monitoramento mais
efetivo, também não têm a possibilidade de se retirarem facilmente do investimento, ao se
sentirem insatisfeitos com os resultados ou com a administração da companhia. Tais
vantagens poderiam ter ampliado a atratividade dessas ações, ao oferecer retornos que não
na forma de ganhos de capital, e, ainda, tenderiam a atrair para o mercado o investidor com
perfil menos especulativo, cujo interesse estaria voltado aos rendimentos de longo prazo
proporcionados pelas empresas.
No entanto, segundo a crítica predominante, a Lei no 6.404/76 não garantiu vantagens
efetivas a essas ações na forma de dividendos, tendo sido, também, esse aspecto amplamente
criticado. As vantagens previstas aos titulares das ações preferenciais na lei foram as
seguintes:
“Art. 17- As preferenciais ou vantagens podem consistir: I – em prioridade na distribuição de dividendos
fixos ou mínimos; II – em prioridade do reembolso do capital, com prêmio ou sem prêmio; III - na
acumulação das vantagens acima enumeradas”.
O entendimento predominante foi que a formulação da Lei Societária nesse tópico teria sido
falha, primeiramente, pelo seu grau de imprecisão. Chegou a prevalecer na doutrina o
entendimento de que as vantagens apontadas no mencionado no art. 17 eram condições
necessárias a serem atribuídas ás ações preferenciais. No entanto, era possível, dada a
redação não impositiva do dito artigo, que diz que “podem consistir”, que fossem as
130
vantagens citadas compreendidas meramente como exemplificativas dos possíveis direitos a
serem atribuídos a essas ações94 .
Além disso, também devido ao grau de imprecisão, as duas vantagens elencadas (inciso I e
II) poderiam ser compreendidas como optativas e não cumulativas, assim haveria a
possibilidade de que a vantagem das ações preferências pudesse estar definida somente com
base no reembolso do capital (inciso II), situação esta que ocorre somente quando da
liquidação da companhia, evento eventual ou aleatório, o que não permite definir uma
vantagem precisa a essas ações. Esta seria uma vantagem efetiva somente no caso das
empresas com prazo determinado de duração, por exemplo, o caso das sociedades de
propósito específico (Carvalhosa, 1997).
Nos termos da lei, à distribuição dos dividendos mínimos e fixos seria atribuída prioridade
(inciso I) que consiste de privilégio no qual está assegurada primeiramente aos acionistas
preferencialistas a distribuição de dividendos, antes que estes sejam distribuídos aos demais
acionistas. Assim, conforme define Tavares Borba (2003):
“enquanto o acionista preferencial não for contemplado com todo o dividendo que lhe estava
estatutariamente destinado, nenhuma atribuição será feita aos titulares de ações ordinárias. Se o
dividendo prioritário das ações preferenciais consumir todo o lucro a ser distribuído, as ações
ordinárias nada perceberão” (Tavares Borba, 2003, p.231).
O dividendo fixo se diferencia do mínimo visto que o acionista não participará dos lucros
remanescentes após a distribuição do montante a ele correspondente. No caso do dividendo
mínimo, caso o lucro comporte a distribuição de um dividendo superior ao por ele
estabelecido, permite ao acionista titular de ações preferenciais participar em igualdade de
condições com o acionista ordinarista na distribuição do restante do lucro.
Sendo definidas como prioritárias, essas duas categorias de dividendos requerem, então, a
definição de regras precisas que permitam sua quantificação prévia, seja, por exemplo,
enquanto um percentual do capital social, do patrimônio líquido, ou do valor nominal da
ação definido em estatuto, ou, ainda, um valor nominal especificado.
94
Esse foi, por exemplo, o entendimento de Tavares Borba (2003, p.224)
131
No entanto, nos anos posteriores a promulgação da Lei 6.404/76, foi possível verificar nos
estatutos das companhias uma ausência de regras claras e precisas para a distribuição dos
dividendos prioritários aos acionistas preferencialistas, impedindo a garantia efetiva das
vantagens a eles prevista em lei95.
Ademais, foi possível observar que com o intuito de inviabilizar a distribuição de dividendos
prioritários aos acionistas, as companhias praticaram uma série de abusos, como considerar
como vantagem das ações preferenciais a mera prioridade temporal de recebimento de
dividendos com relação às ordinárias, ou considerar como dividendo fixo ou mínimo
determinado percentual do lucro do exercício - o que, como vimos, impede uma
determinação prévia do seu valor (Eizirik, 1997).
As brechas deixadas pela lei contribuíram, em grande medida, para que, na prática, os
dividendos não viessem a se caracterizar como um atrativo efetivo no mercado de capitais
brasileiro. Verificou-se, assim, que os resultados auferidos por esses títulos consistiam-se
basicamente dos ganhos de capital, resultantes das operações de compra e venda em
mercado, em especial, proporcionado pelos títulos que possuíam liquidez.
Somente em 1997, portanto, mais de vinte (20) anos depois, com a promulgação da Lei no
9.457, que a Lei no 6.404 recebeu nova redação nesse tópico, estabelecendo, em adição às
vantagens opcionais existentes, uma vantagem compulsória que se aplicava às ações
preferenciais que não contassem com dividendo mínimo ou fixo que consistiu: “no direito a
dividendos no mínimo 10% (dez por cento) maiores do que os atribuídos às ações
ordinárias”. Por meio desse dispositivo, a Lei das S.A. logrou por determinar algum tipo de
vantagem econômica das ações preferenciais frente às ordinárias.
Tendo sido as vantagens econômicas atribuídas às ações preferenciais uma compensação
pela supressão do seu direito de voto, entende a Lei no 6.404, e já o sustentava o Decreto-Lei
no 2.627/40, que, no caso de não pagamento dos dividendos a que fazem jus, as ações
preferenciais readquirem, temporariamente, o direito que lhes foi suprimido. Dessa forma,
dispõe o art. 111, parágrafo primeiro, da Lei das S. A.:
95
Como exemplifica Tavares Borba, isto ocorria, por exemplo, com o Banco do Brasil S.A., cujo estatuto fazia
menção a prioridade na distribuição de dividendos as ações preferenciais, mas não definia nenhum tipo de
regra por meio da que ele pudesse ser calculado (Tavares Borba, 2003, p.234 ).
132
“As ações preferenciais sem direito a voto adquirirão o exercício desse direito se a companhia,
pelo prazo previsto no estatuto, não superior a 3 (três) exercícios consecutivos deixar de pagar os
dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus, direito que conservarão até o pagamento, se tais
dividendos não forem cumulativos ou até que sejam pagos os cumulativos em atraso” (Grifo
nosso).
Veja-se, porém, que, apesar da importância desse dispositivo, é necessário que o estatuto
defina com precisão as vantagens das ações preferenciais, visto que somente no caso de
essas estarem estabelecidas de forma expressa e precisa, na forma de dividendos mínimos ou
fixos, poderão os acionistas gozar dessa prerrogativa.
Uma prática encontrada nas companhias, visando a contrariar os objetivos estabelecidos na
Lei das S. A., foi o pagamento de dividendos não cumulativos apenas no exercício em que
os titulares de tais ações estariam na iminência de adquirir o direito de voto.
Adicionalmente, a Lei no 6.404/76 prevê que somente os acionistas titulares das ações
preferenciais podem alterar os seus próprios direitos, e as alterações devem ser aprovadas
pelos titulares de mais da metade das ações preferenciais ou de uma respectiva classe, se
forem as modificações relativas somente a uma classe (arts. 121 e 130).
A Lei no 6.404/76 prevê, também, o direito de retirada aos acionistas minoritários que
tenham discordado de decisões tomadas pela companhia relativas a alterações nas
preferências ou vantagens das ações preferenciais (art. 137). O direito de retirada será objeto
de análise mais adiante.
6.3.3.d) Ampliação do direito de preferência
O direito de preferência constitui da prerrogativa atribuída aos acionistas da companhia no
caso de aumento de capital, de subscreverem prioritariamente as ações da companhia na
proporção de sua participação no capital da empresa, de acordo com o tipo ou classe de que
133
são titulares96. O direito de preferência visa a impedir a diluição da participação dos
acionistas minoritários mediante aumento do capital da companhia.
A Lei das S.A. de 1976 ampliou o direito de preferência, que de acordo com o Decreto –Lei
no 2.627/40 era exercido somente no caso de emissão de ações, também para as partes
beneficiárias97, as debêntures conversíveis em ações e os bônus de subscrição98.
A Lei das S. A. de 1976 ao estender esse direito aos valores emitidos pela companhia acima
citados visou a impedir que a emissão desses instrumentos também pudesse ser utilizada
como instrumento de diluição da participação dos acionistas.
O preço da emissão também pode ser motivo de diluição da participação dos acionistas
minoritários. O art. 170 da Lei no 6.404/76 objetivando impedir a diluição injustificada da
participação dos antigos acionistas previu como critérios possíveis de fixação do preço de
emissão: cotação das ações no mercado, valor de patrimônio líquido e as perspectivas de
rentabilidade da companhia.
6.3.3.e) Incremento nas situações que dão direito de retirada ao acionista
O direito de retirada, na definição de Eizirik, constitui em:
“direito que o acionista tem de, ao discordar de certas deliberações da Assembléia Geral, nos casos
previstos em lei, retirar-se da Sociedade mediante o reembolso do valor de suas ações” (Eizirik, 1997,
p.61).
Nesses casos, é obrigação da companhia pagar aos acionistas dissidentes o valor de suas
ações.
96
No caso de subscrição pública, após o ato da companhia no qual se decide aumentar o capital e o registro
da emissão no órgão regulador, os acionistas exercem seu direito de preferência. As sobras, ou seja, o
montante não absorvido pelos atuais acionistas, poderão ser rateadas entre os próprios acionistas, vendidas
em Bolsa, ou direcionadas à subscrição pública por meio das instituições integrantes do sistema de
distribuição.
97
Partes beneficiárias são títulos negociáveis, estranhos ao capital social, sem valor nominal e que conferem
aos seus titulares o direito de participação nos lucros anuais da companhia até o limite de 10%. Além disso,
são conversíveis em ações.
98
Bônus de subscrição representam o direito de subscrever certo número de ações a um determinado preço,
durante um determinado período, no caso de aumento de capital da companhia.
134
O Decreto-Lei no 2.627, de 1940, já previa o regime de recesso. Dentre os motivos que
ensejavam esse direito, a lei anterior já especificava: criação de ações preferenciais,
alterações nas preferências ou vantagens das ações preferenciais, criação de novas classes de
preferenciais mais favorecidas, mudança de objeto essencial da sociedade, incorporação da
sociedade em outra, ou sua fusão, e cessação do estado de liquidação, mediante a reposição
da sociedade em sua vida normal (arts 107 e 150).
A novidade apresentada pela Lei no 6.404/76, nesse aspecto, foi estender esse direito a
outras alterações que viessem a ser promovidas pela companhia. No regime dessa lei,
passaram, então, a possuir também a prerrogativa ao direito de recesso os acionistas
dissidentes das empresas que houvessem promovido as seguintes alterações em seus
estatutos: aumento de classe existente de ações preferenciais, sem guardar proporção com as
anteriores (art. 136); alteração do dividendo obrigatório (art. 202); cisão da companhia (art.
230); dissolução da companhia deliberada em assembléia geral (art. 206); participação da
companhia em grupo de sociedades (arts. 265 e 270); desapropriação de ações de controle
da companhia (art. 236); aquisição por sociedade aberta do controle de sociedade mercantil,
quando a transação importar em investimento relevante (art. 256); e incorporação de todas
as ações para sua constituição em subsidiária integral de outra companhia (art. 252).
Entende-se que não se pode condenar o acionista a permanecer em uma empresa que não
atende mais aos seus interesses e por cujas modificações ou descaracterizações sofridas não
se constitua mais, de fato, na empresa que anteriormente havia aderido99. Refere-se,
portanto, a um instrumento de proteção aos acionistas não-controladores, conforme
esclarece Carvalhosa (1997):
“Trata-se, com efeito, de corretivo do princípio majoritário, no sentido de que, à frente de algumas
modificações mais importantes do estatuto social, a lei protege o acionista individual que se
considere prejudicado por tais modificações. Dá-se lhe o direito de liquidar sua parte no capital
social, sem necessidade de, para tanto, encontrar comprador para ceder as respectivas ações”
(Carvalhosa, 1997, p.742).
99
O motivo que enseja a atribuição ao direito de recesso em benefício do acionista dissidente pelo legislador
pode ser bem exemplificado quando observados os casos de fusão e incorporação. No caso da fusão, que se
constitui em operação na qual se unem uma ou mais companhias para formar uma nova, que lhes sucederá
em todos os direitos e obrigações (art. 228), desaparecem as companhias que foram inicialmente envolvidas
na operação, cabendo aos seus acionistas direito de recesso. No caso da incorporação que se constitui em
operação mediante a qual uma ou mais sociedades são absorvidas por uma outra, que lhe sucede em todos os
direitos e obrigações (art. 227), tem-se que a companhia incorporada é extinta, cabendo, então, aos seus
acionistas o direito de recesso.
135
O entendimento implícito da atribuição da prerrogativa do recesso parece ser, portanto, de
que se tornaria necessário assegurar a possibilidade de saída do investimento quando os
acionistas não tivessem como se desfazer dessas ações no mercado. Dessa forma, tais
prerrogativas visavam a atender, em especial, os casos dos acionistas titulares de ações com
baixa liquidez100.
De acordo com a Lei das S.A., o direito de recesso implica, então, o reembolso que se
constitui em operação mediante a qual a companhia paga aos acionistas dissidentes o valor
das suas ações. Esse valor, de acordo com o disposto no art. 45, não pode ser inferior ao
valor de patrimônio líquido das ações.
Posteriormente, a Lei no 9.457, de 1997, alterou a Lei no 6.404/76 estabelecendo que o valor
do reembolso pode ser inferior ao valor de patrimônio líquido das ações se estipulado com
base no valor econômico da companhia (fluxo futuro de caixa), a ser apurado em avaliação.
6.3.3.f) A instituição da Oferta Pública no caso de alienação de controle
A Lei das S.A. de 1976 introduziu, conforme disposto nos arts. 254 e 255, a obrigatoriedade
de que o adquirente do controle acionário de companhia aberta promovesse oferta pública de
aquisição de ações dirigida aos acionistas minoritários, ao mesmo preço pago ao alienante
do controle. Além disso, previu que tal operação deveria ser submetida à autorização da
CVM.
Com base nas determinações da Lei das S.A. a CVM passa, então, a fazer o
acompanhamento das operações de alienação de controle das companhias e das ofertas
públicas correspondentes, visando a garantir que as companhias sigam o previsto na lei. Ao
longo do período 1981-1985 chegaram a ser analisados pela CVM em torno de 64 casos de
alienação de controle101.
100
Tal entendimento ficou claramente expresso na Lei Societária quando das modificações introduzidas pela
Lei no 9.457, de 1997. Essa Lei negou o direito de recesso, nos caso de fusão, incorporação e formação de
grupo, ao titular de ações que: a) integrem índices gerais representativos de carteiras de ações admitidas à
negociação em Bolsas de futuros; ou b) sejam emitidas por companhias nas quais mais da metade do total das
ações emitidas encontre-se em circulação no mercado, subentendendo que, nesses casos, a liquidez
proporcionada por essas ações possibilitaria a saída do acionista via mercado.
101
Ver Relatório Anual CVM – 1982 e 1985.
136
O fundamento desse instrumento foi eliminar os abusos constatados nos processos de
transferências de controle de bancos, ocorridas ao final dos anos 60, nos quais o acionista
controlador havia sido beneficiado por receber, pela venda do controle, um sobrepreço em
muitas vezes superior ao valor de mercado das ações (Eizirick, 1997).
O texto da lei teria suscitado controvérsia a respeito do alcance da expressão acionista
minoritário, se estavam sendo contemplados todos os acionistas não controladores, os
preferencialistas e ordinaristas, ou somente os minoritários titulares de ações ordinárias. Tal
controvérsia foi esclarecida pela Resolução no 401, do CMN, de 22.12.76, que dispôs que o
instituto em questão referia-se somente às ações com direito a voto.
Existia um debate acerca de qual seria a justificativa econômica para estender o sobre preço
relativo ao poder de controle aos acionistas minoritários. No entanto, é possível perceber
que quanto mais pulverizado o capital da companhia mais evidente é a justificativa para a
oferta pública, porque sob essas circunstâncias o controle pode ser adquirido pela compra
gradual das ações em mercado, sem, portanto, a garantia do pagamento do prêmio de
controle aos acionistas que tenham vendido suas ações. A oferta pública impediria que isso
ocorresse ao determinar um preço único e dar condições a todos os acionistas detentores das
ações em circulação de participarem.
Vale ressaltar que o direito de recesso, ou “tag-along”, foi suprimido pela Lei no 9.457/97,
com o objetivo de reduzir o custo das operações de aquisição de controle no contexto do
programa de privatização dos anos 90.
Esse instituto foi restaurado em 31/10/2001, pela Lei no 10.303, que restabeleceu o direito
ao acionista minoritário detentor de ações ordinárias de vender suas ações sempre que
ocorrer uma mudança de controle, e, determinou que este preço não devesse ser inferior a
80% do preço pago ao controlador.
137
6.3.3.g) Voto múltiplo
Tendo em vista as dificuldades de monitorar por parte dos acionistas minoritários, já
anteriormente analisadas, a lei pode prever mecanismos que facilitem e reduzam os custos
envolvidos.
No que se refere à participação, ou monitoramento, a ser exercido pelo acionista, a Lei das
S.A. previu a possibilidade do voto múltiplo na eleição dos conselheiros aos acionistas que
representem, no mínimo, um décimo do capital social com direito a voto. Sendo que,
existindo ou não previsão no estatuto, esses acionistas podem requerer a adoção do processo
de voto múltiplo, atribuindo-se a cada ação tantos votos quantos sejam os membros do
Conselho, sendo reconhecido ao acionista o direito de cumular os votos num só candidato
ou distribuí-los entre vários. Tal procedimento permite a concentração de votos dos
acionistas minoritários em favor de um ou mais candidatos que possam vir a representar
seus interesses. Nos caso em que o número de membros do Conselho de Administração seja
inferior a cinco, foi facultado aos acionistas que representem 20%, no mínimo, do capital
com direito a voto a eleição de um dos membros do Conselho.
Ao não prever, nos dispositivos acima citados, a possibilidade de participação também dos
acionistas preferencialistas, a Lei das S.A. de 1976 foi bastante restrita. Alterações nesse
dispositivo só foram ocorrer em 2001. A Lei no 10.303, aprovada em 31/10/2001, alterou a
Lei das Sociedades Anônimas, introduzindo, sob esse aspecto, mudanças na legislação mais
avançadas, quais sejam: o direito de participação de um representante no Conselho de
Administração das empresas eleitos por portadores de ações preferenciais que representam
pelo menos 10% do capital, e de acionistas minoritários (ordinários e preferencialistas) que
representem até 15% das ações.
6.3.3.h) A Criação do agente fiduciário e a flexibilização dos contratos
Com relação às debêntures ocorrem grandes mudanças. Primeiramente, a Lei Societária cria
a função do agente fiduciário dos debenturistas, que torna-se figura obrigatória no caso das
emissões realizadas pelas companhias abertas a serem distribuídas ou admitidas à
138
negociação no mercado. A lei reconhece, assim, a necessidade de proteger os debenturistas,
cuja capacidade de monitoramento é especialmente frágil, como já analisado na 1ª parte.
A CVM, em 23.11.83, emitiu a Instrução no 28, que dispôs acerca do exercício da função de
agente fiduciário dos debenturistas.
Dentre as funções desse agente, destaca-se o papel de informar os debenturistas acerca da
execução das obrigações assumidas pela companhia, dos bens garantidores das debêntures
etc. O papel do agente fiduciário pode, no entanto, ir bem além incluindo, por exemplo,
manter em custódia bens dados em garantia, efetuar os pagamentos de juros, amortização e
resgate, como também, no caso de inadimplência, executar os bens dados em garantia ou
requerer a falência da companhia.
A Lei das S.A. promulgada em 1976 permitiu, também, uma maior flexibilização nas
decisões relativas à emissão de debêntures e nas garantias associadas a esses títulos. Em
especial, a lei permitiu que as debêntures pudessem ter garantia móvel ou não ter garantia,
além das garantias reais já anteriormente previstas102.
No que se refere à assembléia de debenturistas, já era um instituto existente na lei anterior,
mas passa a poder ser convocada pelo agente fiduciário, pela companhia emissora, por
debenturistas que representem 10%, no mínimo, dos títulos em circulação, e pela CVM.
Anteriormente, os debenturistas tinham como proteção apenas a realização eventual de
assembléia de debenturistas, o que era ineficaz, pois, em geral, somente ocorria quando a
companhia emissora tinha interesse em modificar as condições das debêntures em circulação
ou estava inadimplente.
102
As debêntures com garantia real são aquelas asseguradas por hipoteca, penhor etc., podendo ser gravados
bens da própria companhia emissora ou de terceiros. As garantias móveis ou flutuantes asseguram um
privilégio geral sobre o ativo da companhia, possuem, assim, preferência sobre quaisquer outros títulos de
dívida, mas não impedem negociações envolvendo os bens que compõem esse ativo e, por isso, são
flutuantes. As debêntures subordinadas são as debêntures resgatáveis (em caso de liquidação) depois de
pagos os outros credores, somente possuem preferência sobre o ativo remanescente da companhia em
relação aos acionistas da companhia. As debêntures sem preferência ou quirografárias concorrem em
igualdade, no caso de liquidação com os créditos desprovidos de qualquer privilégio.
139
6.3.4 – Como fica o acionista minoritário depois da Lei no 6.404/76?
Analisando os aspectos discutidos nos itens de “a)” a “h)” pode-se concluir que em se
tratando de proteção ao investidor, a Lei das S.A., promulgada em 1976, trouxe como
aspectos positivos importantes a introdução do instituto do dividendo obrigatório, a
introdução da oferta pública no caso de alienação de controle, a ampliação dos fatores que
proporcionam direito de retirada por parte do acionista dissidente, a ampliação do exercício
do direito de preferência e, ainda, a introdução do agente fiduciário.
Expande-se, dessa forma, o elenco de instrumentos e dispositivos legais que podem ser
acionados pelos acionistas e pela CVM em sua atividade de acompanhamento, fiscalização e
punição das irregularidades cometidas. Alguns desses dispositivos exigiram do órgão
regulador a implementação de novas rotinas de monitoramento, como o acompanhamento
das ofertas públicas decorrentes de alienação de controle. Também a Lei Societária exigiu
da CVM esforços normativos adicionais que se evidenciaram, por exemplo, na
regulamentação das atividades do agente fiduciário.
Contudo, a Lei no 6.404/76 não se demonstrou de todo coerente. Os efeitos propiciados pela
lei foram fortemente determinados pelo fato de a carta legal ter facultado a ampliação da
participação das ações preferenciais no capital das empresas, reforçando o modelo com base
no princípio da vantagem econômica concedida aos preferencialistas, como contrapartida a
perda do direito de voto.
Com relação a esse modelo, vale dizer, primeiramente que, apesar das críticas, ao que tudo
indica, ele não chegou a ser realmente implementado, e, por conseguinte, também não foi
testado. Isto porque as vantagens econômicas prometidas aos titulares de ações preferenciais
não se efetivaram, contribuindo para isso a imprecisão da lei, como já analisado.
A garantia de uma vantagem efetiva aos preferencialistas na forma de dividendos, que
fossem previamente determinados e prioritariamente distribuídos, poderia ter exercido um
papel de estimular a desconcentração dos negócios, normalmente restrito a um grupo
reduzido de ações. As vantagens na forma de dividendos permitiria, ainda, atrair para o
mercado o investidor com perfil menos especulativo.
140
Dessa forma, limitou-se as possíveis vantagens a serem oferecidas pelo modelo, restando
algumas desvantagens. A Lei 6.404/76 facilitou, ao possibilitar o controle da companhia
com a posse de uma parcela menor do capital total, a concentração do capital votante e, com
isso, deixou os acionistas minoritários mais expostos ao abuso dos controladores. A lei teria,
dessa forma, ampliado os desafios a serem enfrentados pela CVM.
Não obstante tal exposição tivesse sido contrabalançada na lei, em alguma medida, com a
introdução da figura do controlador, a previsão de seus deveres e atribuições, bem como, a
exemplificação de abusos que por ele poderiam ser cometidos.
No que se refere aos dispositivos previstos na lei que viabilizariam uma maior participação
nas decisões por parte dos acionistas minoritários, ficaram limitados aos minoritários
ordinaristas, deixando, portanto, de fora os preferencialistas, que, em geral, representam a
maior parte dos acionistas minoritários das companhias.
É necessário, porém, dizer que a lei refletiu, na verdade, a contradição que encerra o
desenvolvimento desses mercados em países onde se constata forte concentração da
propriedade do capital.
6.4 - A Segunda Fase das Reformas – O Papel dos Investidores Institucionais
As reformas ocorridas no âmbito do mercado de valores mobiliários podem ser subdivididas
em duas fases. A primeira fase constituída de aspectos mais estruturais tem como principais
alicerces a Lei no 6.385, que determinou a criação da CVM, e, a Lei no 6.404, que
consolidou uma nova sistemática de funcionamento das sociedades anônimas, e, em
especial, das companhias abertas, como analisamos acima. Em tese, esse esforço teve como
objetivo, fundamentalmente, promover instrumentos que permitissem uma maior proteção
do acionista, no que se refere aos seus direitos patrimoniais, de monitoramento, de obter
informações, de retirada, de exercício de preferência etc.
Uma segunda fase da reforma consistira em medidas que visavam a garantir, diretamente, a
expansão do mercado de valores mobiliários, atraindo um maior volume de recursos
141
aplicados em valores mobiliários. Destacam-se, nesse sentido, principalmente, as medidas
tomadas relativas aos investidores institucionais.
Dessa forma, em 1977, a Lei no 6.435 regulamentou a atividade das Entidades Fechadas de
Abertas de Previdência Privada (EFPP e EAPP). Concomitantemente, a CVM coordenou
grupo de trabalho responsável pela determinação do regime de diversificação das aplicações
das reservas técnicas dessas Entidades, que resultou na elaboração da Resolução no 460/78,
do CMN. Esta Resolução estabeleceu que deveria ser canalizados para o mercado de valores
mobiliários parcela significativa dos recursos que estivessem assim disponíveis. Dado o
porte das instituições de previdência fechadas e o crescimento acelerado de suas reservas, já
em 1980, primeiro ano que se dispôs de dados consolidados para esse segmento, assumiram
a posição de segundo investidor institucional mais importante nesse mercado. Sua carteira
de ações e debêntures perdia somente para os fundos – 157. Em 1982, o valor de sua carteira
em ações e debêntures ultrapassa a carteira desses fundos, assumindo, então, o primeiro
lugar do ranking (ver Tabela I).
Além disso, o Decreto-Lei no 79.459, de 30.03.77, criou o Fundo de Participação Social, que
consiste numa sub-conta do Fundo de Participação – PIS-PASEP e teve como objetivo
proporcionar aos trabalhadores participação nos resultados das empresas. Suas aplicações
consistiam, preferencialmente, em ações e debêntures emitidas por companhias abertas
controladas por capital nacional, que deveriam representar no mínimo 60% do patrimônio
do fundo. Na prática investiram quase a totalidade de sua carteira em ações e debêntures.
Já os Fundos Mútuos de Investimento gozaram de vantagens fiscais. Os rendimentos
auferidos pelos fundos não sofriam tributação. Ao final de 1982 essa situação foi
parcialmente alterada, quando se determinou a incidência de imposto de renda na fonte
para os rendimentos dos fundos exceto, porém, para os obtidos no mercado monetário e os
provenientes das aplicações em ações e debêntures. O intuito foi, dessa forma, estimular os
administradores dos fundos a aplicarem nesses ativos.
Em 1984, foram criadas as categorias de Fundos de Ações e Fundos de Renda Fixa
permitindo uma maior flexibilidade na composição das carteiras, e por meio do Comunicado
CVM/Bacen no 16 possibilitou-se que os fundos mútuos de investimento e as entidades
142
fechadas de previdência privada operassem tanto na compra vendedora quanto compradora
no mercado de derivativos, desde que cobertos.
No que se refere aos investidores dos fundos-157, ao final da década de 70, como já
discutido anteriormente, apontaram-se vários problemas que, do ponto de vista do
investidor, haviam persistido desde a implementação do sistema, notadamente, a não
obrigatoriedade de distribuir rendimentos aos cotistas, bem como a deficiência das
informações que a eles eram prestadas pelos administradores dos fundos.
Um outro ponto levantado à época, foi que dentre as empresas que haviam recebido a
categoria de empresas abertas várias se constituíam, na verdade, em empresas “pseudoabertas” porque, tendo aberto seu capital com vistas unicamente a usufruir do sistema de
incentivos fiscais, não tinham, na verdade, o intuito de atuar enquanto tal. Tal problema
agravara-se com o fato de que era significativo o número das empresas que, anteriormente
registradas no Banco Central como SACAs, haviam sido transferidas para a jurisdição da
CVM, após a sua criação.
Procurando responder a essas dificuldades, a Resolução no 470/78, do CMN, dentre outros
dispositivos, determinou:
- que os fundos deveriam fixar política de distribuição de rendimentos em dinheiro a seus
cotistas oriundos dos rendimentos auferidos pelos fundos sob a forma de dividendos ou de
bonificações em dinheiro e de juros de debêntures conversíveis em ações e aplicações;
- que os fundos deveriam prestar informações semestrais aos cotistas acerca do número e
valor de cotas possuídas, rentabilidade, cotas livres para resgate e prazos para resgate, além
de relatórios anuais, constando informações acerca da carteira e rentabilidade do fundo, taxa
de administração etc;
- que os fundos deveriam seguir novos critérios de diversificação que reduzem os
percentuais máximos de concentração da carteira em valores de emissão de uma só
companhia (de 5% para 4%) e de participação no capital das companhias (de 20% para
10%);
143
- que a absorção de sobras de ofertas públicas de emissões de valores mobiliários por um
fundo individualmente ou pelo grupo de fundos participantes deveriam responder a
determinados limites103;
- a flexibilização das regras especificadas no item anterior para os dois primeiros
lançamentos de empresas com pouca liquidez e com mais de 90% das ações em poder do
acionista controlador.
O aumento das exigências de diversificação, além de visar a reduzir o risco da carteira dos
fundos, pretendia estimular os fundos a investirem em valores emitidos por companhias que
não tivessem ainda aplicações significativas. Com as novas regras de diversificação e a
flexibilização das regras para absorção de sobras, previstas no último item acima citado, o
regulador tinha a intenção de estimular as empresas com capital mais concentrado – as
pseudo-abertas, a promoverem emissões públicas, tendo os fundos como indutores do
processo de pulverização do capital dessas companhias.
Não houve, no entanto, tempo hábil para que esse conjunto de mudanças pudesse repercutir
significativamente no funcionamento do sistema, e que para novos ajustes necessários
pudessem ser feitos. Já a partir de 1980, a regulamentação dos fundos – 157 sofreu, no
âmbito de uma política de governo que optou pelo fim dos incentivos fiscais, novas
mudanças, primeiramente pela redução nas alíquotas de dedução do imposto de renda, e,
portanto, redução do valor disponível para aplicação nos fundos104. Tais efeitos sobre os
recursos disponíveis do sistema chegaram a ser abrandados pela legislação, por meio do
aumento do prazo de resgate dos recursos aplicados nos fundos. Mas, em 1981, as alíquotas
sofreram nova redução, e, posteriormente, determinou-se que abril de 1984 seria o prazo
limite para aporte de novos recursos ao sistema. Por fim, a Resolução no 1.023/85, do CMN,
103
Tal medida visava, também, a reduzir a concentração das operações de subscrição de ações e debêntures
em um número reduzido de instituições que utilizavam os fundos de investimento 157 por elas administrados,
como subscritores das sobras não absorvidas pelo mercado. Disso derivava ao menos três conseqüências.
Primeiro, tornava-se desnecessária a realização de esforços de venda e de colocação desses títulos que
fossem mais eficazes e agressivos por parte dessas instituições, impedindo uma maior expansão do mercado,
e contribuindo para a pequena participação do investidor pessoa física nas emissões primárias (Nota:citar
dados). Em segundo lugar, impedia a desconcentração do mercado de underwriting – dominado pelas
instituições associadas aos conglomerados financeiros, visto que usufruíam de vantagem sobre as instituições
independentes, porque cobravam taxa de garantia e colocação, mas o risco inerente ficava, na verdade, por
conta dos fundos que administravam. Por último, as empresas emissoras eram oneradas porque estavam
pagando por um serviço efetivamente não prestado pelas instituições contratadas (CVM, 1979).
104
De 1975 a 1979 vigorou para determinação da alíquota de dedução do imposto de renda na forma desses
incentivos fiscais o Decreto-Lei no 1.338, que determinava uma alíquota que variava de 10 a 24%, conforme o
nível de renda bruta do contribuinte. Em 1980, o Decreto-Lei no 1.841 definiu um intervalo menor de 8% a 18%
e, em 1981, o Decreto-Lei no 1.887 definiu uma alíquota mais baixa, variando de 0 a 12%.
144
determinou que os fundos-157 deveriam se transformar em fundos mútuos de investimento,
ou serem incorporados a essas instituições.
TABELA I - CARTEIRAS DE AÇÕES E DEBÊNTURES DOS INVESTIDORES INSTITUCIONAIS – 1980/84
(Em Cr$ bilhões)
TIPOS DE
INVESTIDOR
VALOR
1980
EM %
VALOR
1981
EM %
VALOR
1982
EM %
VALOR
1983
EM %
VALOR
1984*
EM %
EFPP
37,4
33
91,2
38
238,9
43
1.259,4
45
2.926,5
45
Fundos Fiscais
54,3
48
104,9
44
213,2
38
827,7
29
1.712,7
26
Fundos Mútuos
4,1
3
6,4
3
26,7
5
404,0
14
1.004,5
16
Cias. Seguradoras
12,2
11
22,5
9
44,8
8
130,8
5
324,5
5
FPS
4,4
4
9,6
5
23,6
4
155,6
6
411,3
6
EAPP
ND
-
ND
-
4,4
1
27,7
1
54,3
1
Soc. De Investimento
1,3
1
2,4
1
4,0
1
14,2
-
33,9
1
TOTAL
113,7
100
236,9
100
555,6
100
2.819,4
100
6.467,7
100
* Posição em 30.9.84
EFPP - Entidades Fechadas de Previdência Privada
EAPP – Entidades Abertas de Previdência Privada
FPS - Fundo de Participação Social
FONTE: Comissão de Valores Mobiliários- CVM – Relatório Anual - 1984
Apesar das modificações na composição da participação dos diferentes tipos de investidores
institucionais, em seu conjunto, não parecem ter atraído um maior volume de recursos para
aplicações em valores mobiliários. Ao que tudo indica se efetuou um efeito substituição, no
qual o crescimento, que decorreria dos recursos novos provenientes principalmente das
aplicações das Entidades Fechadas de Previdência Privada, foi compensado, num primeiro
momento, pela redução dos recursos novos provenientes dos incentivos fiscais. Num
segundo momento, com a extinção dos fundos 157, o aumento das aplicações das EFPP foi
compensado pelo próprio decréscimo da carteira desses fundos (a esta altura já incorporada
a carteira dos fundos mútuos) à medida que os investidores efetuavam seus resgates.
145
Capítulo 7 – O Comportamento do Mercado de Capitais - 1978-86
7.1 – O Comportamento da Inflação e o Nível de Atividade
Em 1977/80 a economia caracterizou-se por taxas de crescimento positivas, porém, bem
mais modestas do que as apresentadas no período do Milagre Econômico (1968/73). A
inflação, medida pelo IGP-DI, da FGV, apresentou uma trajetória de crescimento acelerado,
tendo dobrado de 1979 a 1980, após o choque do petróleo ao final de 1979.
Durante o triênio 1981/83, devido, em grande medida, à política econômica de caráter
recessivo, que visava ao controle da inflação e ao ajuste das contas externas, a economia
vivenciou um processo recessivo, tendo decrescido 5,6 % em média ao ano. A política
ortodoxa logrou obter o equilíbrio da contas externas, mas não conseguiu controlar o
processo inflacionário. A inflação manteve-se elevada, ainda que estável, em torno de 100%
ao ano em 1980, 1981 e 1982. Contudo, em 1983, retomou uma trajetória de aceleração,
atingindo 211 %.
O quadro recessivo se reverteu a partir de 1984 quando se delineou uma fase de recuperação
do nível de atividade. O produto industrial cresceu 6,1%, em 1984 e 8,3%, em 1985, e atinge
aproximadamente 11%, em 1986. A inflação, porém, continuou crescente, apresentando-se
em torno de 224% e 235%, nos anos de 1984 e 1985, respectivamente.
7.2 – O Mercado Primário
Conforme já mencionado, nos anos 70 era constante a ocorrência de emissões irregulares de
valores mobiliários. Assim, a CVM assumiu suas atividades num contexto em que empresas
que não possuíam o registro de companhias abertas, e/ou que não procediam ao registro de
suas emissões, negociavam publicamente os valores mobiliários por elas emitidos. Ao que
tudo indica, tal situação teria sido propiciada por uma atuação insuficiente do Banco Central
no combate a essas irregularidades, somada a atuação no mercado de capitais de empresas
146
que teriam se beneficiado dos recursos provenientes dos fundos voltados ao
desenvolvimento regional – FINAM e FINOR105, oriundos de incentivos fiscais.
Diante desse quadro, a CVM direcionou grande parte de seus esforços no sentido de
combater e punir tais atividades, fazendo cumprir o determinado na Instrução no 13/80, já
analisada no Capítulo 6. De acordo com a opinião de profissionais que atuavam no mercado
naquele período, a atuação da CVM teria sido bem sucedida, permitindo a ordenação desse
mercado106.
Nessa direção, também ressaltou Scinio (1998):
“A CVM funciona, pois, no mercado secundário ou terciário, como agente controlador, tentando
evitar a repetição do boom vivido pelas Bolsas de Valores no final de 1970 e princípio de 1971 e no
policiamento do mercado primário, impedindo que se repitam os fracassos tantas vezes verificados
no passado, quando os incorporadores, os idealizadores das sociedades anônimas, apresentavam
projetos faraônicos, de viabilidade apenas aparente, faziam o lançamento de ações, recebiam as
entradas e às vezes mais, e não se complementava sequer o processo de criação pela inviabilidade
total da implementação do mesmo” (Scinio, 1998, p.29).
Com efeito, as estatísticas de inquéritos instaurados pela CVM permitiram constatar,
nitidamente, uma redução desses problemas a partir do final dos anos 80. De 1979 a 1986
foram cerca 73 inquéritos administrativos instaurados pela CVM envolvendo a apuração de
irregularidades na colocação pública de ações e debêntures
107
. Nos dez anos seguintes de
1986 a 1997, o número de inquéritos instaurados envolvendo esse tipo de irregularidade caiu
para 23.
105
FINAM – Fundos de Investimento da Amazônia e FINOR – Fundos de Investimento do Nordeste.
Assim, afirmou Marco Albino, que atuou como profissional de mercado nos anos 70 e 80, em entrevista
concedida em 10.01.2006
107
De 1980 até junho de 1987, os inquéritos instaurados resultaram no indiciamento de 744 pessoas das quais
679 receberam punições na forma de advertência, multas e inabilitação. Ver Eizirick, 1992, p.22.
106
147
Tabela II - Número de Inquéritos Instaurados e Julgados pela CVM Envolvendo
Irregularidades Relacionadas com Emissões Públicas 1970-2005
Número de
Inquéritos
Instaurados
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Total
1
10
26
14
17
1
3
1
4
5
2
3
2
3
3
1
0
0
2
0
1
0
0
1
4
1
7
112
Número
de Inquéritos
Julgados
0
2
12
13
13
12
11
0
2
3
3
0
1
0
0
5
3
1
1
1
0
0
1
0
1
1
0
93
Fonte: Coordenação de Controle de Processos – CCP - CVM
Obs: a partir de 2002 estão sendo considerados também os Termos de Acusação
No que diz respeito ao volume de emissões de ações e debêntures registradas regularmente
no órgão regulador, no período compreendido entre 1979 e 1986, foi possível verificar pelo
menos três fases: de recuperação de 1979 a 1981, de decréscimo de 1982 a 1983 e de
expansão de 1984 a 1986.
148
Os anos de 1979 a 1981 caracterizaram um período mais favorável para o mercado primário,
comparativamente ao período pós Boom das Bolsas, ocorrido em 1971. O processo de
abertura de capital, que teve desempenho insignificante nos anos de 1978 e 1979, se
acelerou a partir de 1980. Foram concedidos 41 novos registros de companhias abertas em
1980, 67 em 1981, e 86 em 1982.
O número total de empresas que efetuaram emissões, incluindo as que realizaram sua
primeira emissão, também demonstrou uma trajetória de expansão, apresentando um
incremento de 74 empresas em 1979 para 338 empresas no ano de 1982 (ver Anexo - Tabela
2).
7.2.a) O segmento de debêntures
Ao comparar as variações do valor nominal das emissões de ações e debêntures registradas
na CVM em relação ao comportamento do nível de preços no período decorrido entre 1979
e 1981, medido pelo IGP-DI, constatou-se crescimento em termos reais, como podemos
observar no Gráfico II a seguir.
Gráfico I - Emissões Registradas de Ações e
Debêntures e Inflação
500,00
Variações %
400,00
Variação Nominal de
Emissões de Ações e
Debentures %
300,00
200,00
Inflação IGP-DI
(variação Anual %)
100,00
87
86
19
85
19
84
19
83
19
82
19
81
19
19
19
19
79
-100,00
80
0,00
Ano
Fonte: Dados de emissões: Relatório Anual da CVM, vários números; inflação: Fundação Getúlio Vargas.
Obs: para valores ver Anexo – Tabela 2
149
Contudo, cumpre destacar que o cenário positivo nessa primeira fase foi puxado,
basicamente, pelo segmento de debêntures, que cresceu de forma significativa no período
79/81, em especial em 1981, conforme podemos verificar nos Gráficos II e III a seguir.
Gráfico II - Emissões de Debêntures e Inflação
1.200,00
Variações %
1.000,00
Variação Nominal
de Emissões
Registradas de
debêntures
Inflação IGP-DI
(Variação Anual)
800,00
600,00
400,00
200,00
86
87
19
19
85
84
19
19
83
19
82
19
81
19
80
19
19
(200,00)
79
-
Ano
Fonte: Dados de emissões: Relatório Anual da CVM, vários números; inflação: Fundação Getúlio Vargas.
Obs: para valores ver Anexo – Tabela 2
Gráfico III - Emissões de Ações e Inflação
700,00
Variações %
600,00
Variação Nominal
de Emissões
Registradas de
Ações
Inflação IGP-DI
(Variação Anual)
500,00
400,00
300,00
200,00
100,00
(100,00)
1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987
Ano
Fonte: Dados de emissões: Relatório Anual da CVM, vários números; inflação: Fundação Getúlio Vargas.
Obs: para valores ver Anexo – Tabela 2
150
Em decorrência do acima exposto, considerando o valor total das emissões registradas em
1981 na CVM, há um salto da participação do valor registrado relativo às debêntures em
comparação à participação dos valores relativos às emissões de ações. As emissões de ações,
que eram ao longo da década de 70 majoritárias, reduziram no período em questão,
drasticamente, a sua participação. Tal quadro, contudo, como se pode verificar na Tabela III
a seguir se reverte totalmente a partir de 1984.
TABELA III – PARTICIPAÇÃO DE AÇÕES E DEBÊNTURES NO VALOR DAS EMISSÕES REGISTRADAS (%)
% DEBÊNTURES/TOTAL
%
EMISSÕES
AÇÕES/TOTAL EMISSÕES
1980
28
72
1981
86
14
1982
79
21
1983
74
26
1984
36
64
1985
16
84
1986
10
90
ANO
Fonte: Relatório Anual da CVM
Obs: para valores ver Anexo - Tabela 2
O crescimento absoluto e relativo do segmento de debêntures também pode ser verificado a
partir dos números de empresas que participaram das emissões. Dentre as 194 empresas que
abriram seu capital no período 1980/82, cerca de 70 %, ou seja, 138 empresas, o fizeram
mediante emissão de debêntures.
Considerando as 721 empresas que efetuaram registro de emissão na CVM ao longo do
período de 1980 a 1982, 444, ou seja, cerca de 62%, efetuaram emissões de debêntures.
Em resultado do predomínio das emissões de debêntures, verificou-se que, de 1981 a 1985,
a grande maioria dos novos registros de companhia aberta visou à negociação em mercado
de balcão, mas o mercado de balcão também foi a opção em alguns casos de empresas que
abriram seu capital por meio de emissão de ações.
O crescimento do mercado de balcão foi motivo de preocupação por parte do órgão
regulador, tendo em vista que as negociações nesse mercado não ofereciam visibilidade e
padrões de transparência adequados. Soma-se a isso o fato de que os registros de companhia
151
aptas a negociar no mercado de balcão eram os que, em geral, apresentavam maiores
problemas no que se refere à atualização das informações.
Visando enfrentar essa situação, a CVM expediu a Instrução no 42, de 28.01.85,
determinando às sociedades integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários o
arquivamento de informações acerca de cada operação realizada no âmbito do mercado de
balcão. Dessa forma, deveriam ficar à disposição da CVM, sendo também obrigatório o
envio semanal de informações consolidadas sobre essas operações. A partir daí também
foram crescentes os esforços do órgão regulador no sentido de oferecer condições para a
formação de um mercado de balcão organizado para esses valores.
Como já analisado, a Lei no 6.404/76 trouxe ao segmento de debêntures um número
significativo de mudanças, seja nas modalidades possíveis de garantias a serem associadas a
esses títulos, seja no aspecto concernente ao monitoramento, determinando a
obrigatoriedade da figura do agente fiduciário. No entanto, não parece ser possível atribuir
principalmente a essas modificações o crescimento obtido por esse segmento no período. A
performance positiva do segmento de debêntures pode ser atribuída, em grande medida, a
despeito do quadro recessivo que se delineava na economia, a um conjunto de medidas
econômicas e financeiras implementadas nesse período. Tais medidas afetaram a
rentabilidade e a liquidez dos investimentos em renda fixa e, em especial, dificultaram ou
desestimularam o acesso das empresas a outras fontes de recursos, estimulando o segmento
de debêntures.
Em agosto de 1979 assumiu o Ministro Delfim Neto e o Governo adotou uma política de
controle sobre o processo inflacionário, que vigorou até o final de 1980, com base no
reforço do aparato institucional de controle direto sobre os preços, criando a SEAP
(Secretaria Especial de Abastecimento e Preços). Com esse mesmo objetivo, o Governo
decidiu reduzir o impacto da correção monetária por meio do expurgo do petróleo e
derivados do IPCA (índice de preços ao atacado), então a base de cálculo para a correção
monetária. Tal medida visava desinflar a circulação financeira indexada, reduzir as pressões
sobre o giro da dívida pública - via redução dos rendimentos dos títulos públicos (ORTN e
LTN) - e reduzir o efeito transmissor e propagador da correção monetária sobre o
comportamento dos preços via taxas de juros nominais.
152
Dentre as medidas implementadas, que influíram sobremaneira no rendimento relativo dos
ativos, destacaram-se: o expurgo do IPCA- índice de preços ao atacado, que reduziu a
atratividade dos títulos pós-fixados; a elevação do prazo do CDB e o tabelamento das taxas
de juros de captação das instituições financeiras, que diminuiu a competitividade dos títulos
de renda fixa com correção pré-fixada – CDB e Letras de Câmbio, e a redução dos juros
sobre as aplicações na caderneta de poupança.
No âmbito do pacote de medidas fiscais adotado para área de transações externas o Governo
promoveu uma maxidesvalorização do câmbio (que corrigiu o cruzeiro em 30% em relação
ao dólar). O segundo choque do petróleo, a “inflação corretiva” derivada da promoção de
reajustes nos preços e tarifas do setor público, somada ao efeito negativo sobre os preços
decorrentes da maxidesvalorização e a redução do prazo de reajuste salarial de anual para
semestral teriam promovido um efeito adverso sobre o nível de preços.
Em 1980, com o objetivo de quebrar as expectativas inflacionárias, o Governo somou ao
tabelamento dos juros, a prefixação da correção monetária (45%) e cambial (40%), que se
mostrou rapidamente como sendo irrealista e estreitou ainda mais a rentabilidade relativa
das aplicações em títulos de renda fixa.
Mas, dentre as medidas, destacou-se, em especial, a limitação da expansão do crédito
bancário em 45%. Diante do crédito interno limitado e do externo pouco atrativo, em termos
de custos e risco, o mercado de debêntures revelou-se para as empresas como uma
alternativa interessante. O tabelamento da correção cambial não teria sido suficiente para
estimular os empresários a tomar recursos no exterior. Entendia-se que tal medida deveria
durar somente por certo período, e novas maxidesvalorizações poderiam ocorrer, o que
elevaria em muito o valor das dívidas contraídas em moeda estrangeira, as quais são, em
geral, de longo prazo.
Para os investidores de uma maneira geral, apesar de que as debêntures seriam corrigidas
pela correção monetária pré-fixada, inexistiam alternativas que oferecessem maior
rentabilidade. No que se refere aos bancos, limitados em suas outras formas de aplicação,
encontraram nas debêntures uma forma de aplicação atrativa, e se revelaram como os
investidores mais importantes nesse segmento no período. Já os Fundos de Pensão foram,
também, grandes demandantes de debêntures, na medida em que se ajustavam às
153
determinações da Resolução no 460, do CMN. Esse conjunto de fatores explicava o
crescimento respeitável do mercado de debêntures em 1979 e em 1980.
Ao final de 1980 a inflação salta de 50% para 100% e o Governo decide por tomar medidas
econômicas de cunho mais ortodoxo. Dessa forma, ocorre a liberação do tabelamento dos
juros, extingue-se a prefixação da correção monetária e da correção cambial. Ainda assim,
teve-se no relaxamento do controle exercido sobre os preços da economia uma expansão da
margem de lucro das empresas, tornando mais atrativos os títulos por elas emitidos. Além
disso, a permanência da limitação do controle sobre o volume de crédito interno, o realismo
cambial e as altas taxas de juros praticadas no mercado externo, tornavam ainda mais
interessante o lançamento de debêntures como forma de captar recursos. Em 1981 o volume
total registrado de emissões de debêntures cresceu 898% em termos nominais, em
contrapartida a uma inflação, medida pelo IGP-DI, de aproximadamente 95% no período.
A partir de 1982, o mercado de debêntures sofreu os impactos negativos de uma série de
medidas, que dificultaram sobremaneira o seu desenvolvimento e abrandaram as taxas de de
crescimento do volume de emissões. Primeiro, em 1982, por meio das Resoluções de nos 755
e 756, do CMN, limitaram-se as aplicações dos bancos comerciais em debêntures. Depois,
em 1983 por meio da Resolução no 794, do CMN, acabou-se com a compulsoriedade das
aplicações em debêntures simples por parte da EFPP, estabelecendo um limite máximo para
essas aplicações. Essa Resolução eliminou também o limite máximo para aplicação em
ações e debêntures conversíveis em ações, com intuito claro de desestimular os
investimentos em debêntures simples.
Diante disso, em 1983, as debêntures conversíveis passaram a dominar o segmento de
debêntures, consistindo em 75% do valor das emissões registradas no período, entretanto,
não chegam a apresentar crescimento em termos reais no período analisado.
Ainda no mesmo ano, dentre um conjunto de medidas que visavam aperfeiçoar os
mecanismos de arrecadação tributária, o Decreto-Lei no 2.071, de 20.12.83, equiparou os
deságios constantes nas operações com títulos aos juros auferidos nas transações financeiras.
Passou-se, assim a tributar o deságio e qualquer rendimento pago, tais como os prêmios de
repactuação e/ou continuidade, pelas mesmas alíquotas previstas para os juros. Essas últimas
medidas tiveram um forte impacto sobre o mercado de debêntures, tendo sido, porém, em
154
parte abrandadas pela sistemática imposta pelo Decreto-Lei no 2.133, de 26.06.84. Por fim,
em 1984, foi eliminado o controle quantitativo sobre o crédito.
Pode-se concluir, então, que medidas econômicas e financeiras implementadas no período
1979/1980, diante das condições externas vigentes, promoveram um efeito positivo indireto
sobre as emissões de debêntures, explicando, em grande medida, o crescimento verificado,
enquanto que, posteriormente, medidas que repercutiram direta ou indiretamente sobre esse
segmento acarretaram o arrefecimento do processo de crescimento anteriormente observado.
As mudanças na legislação societária, já comentadas, podem ter se constituído, como um
aspecto favorável, na fase de crescimento, mas, ao que tudo indica, não foram fator
determinante.
7.2.b) O segmento de ações
O mercado primário de ações acompanhou, em linhas gerais, as fases de recessão e de
crescimento da economia. Em 1978 e 1979 as emissões de ações apresentaram um
crescimento real inexpressivo, e sofreram, ainda, uma forte queda em 1981, refletindo,
provavelmente, o quadro recessivo da economia e a redução da entrada de novos recursos no
sistema 157, a partir da redução dos incentivos fiscais. O ano de 1982 demonstrou, apesar do
quadro recessivo, recuperação das emissões de ações, mas esse crescimento, em termos
reais, foi inexpressivo (ver Gráfico III).
Ademais, este comportamento foi, em grande parte, explicado pelo crescimento significativo
das emissões realizadas pelas instituições do setor financeiro no período 1982/83,
relativamente aos demais tipos de empresa. Em 1981, as instituições bancárias eram
responsáveis por cerca de 26% do total das emissões. Essa participação subiu para,
aproximadamente, 45% em 1982, sendo ainda elevada em 1983, quando respondeu por
cerca de 40%. Em 1994 essa participação cai para cerca de 21%, se aproximando da
observada em 1981 (ver Tabela IV).
155
TABELA IV – VALOR DAS EMISSÕES DE AÇÕES POR TIPO DE EMPRESA EMISSORA
(VALORES EM Cr$ MILHÕES)
ANO
Empresas Estrangeiras
EMPRESAS NÃO FINANCEIRAS
Empresas Estatais
Empresas Privadas
Intermediários
Financeiros
TOTAL
1978
Ações
2
Debêntures
-
Ações
306
Debêntures
450
Ações
4.561
Debêntures
-
Ações
3.186
Debêntures*
-
Ações
8.055
Debêntures
450
1979
-
320
971
-
8.103
1.663
6.068
-
15.142
1.983
1980
73
2.065
1.321
502
23.400
12.953
9.487
709
34.281
16.229
1981
-
12.292
6.875
13.845
13.277
105.133
6.956
30.759
27.108
162.029
1982
-
21.108
4.932
11.686
42.187
271.450
37.385
11.873
84.504
316.117
1983
-
16.310
-
15.860
87.057
339.024
57.552
32.825
144.609
404.019
1984
-
42.004
46.559
28.230
720.100
356.528
208.934
125.655
975.593
552.417
* Empresas de leasing
FONTE: Relatório Anual – CVM, 1984.
Em contraste com os anos de 1982 e 1983, o biênio 1984/85 foi, visivelmente, de
recuperação e crescimento do mercado de capitais, sendo que, nessa fase, o crescimento se
deveu ao comportamento do segmento de ações (ver Gráfico III). Dessa forma,
acompanhando a recuperação do nível de atividade econômica, 1984 foi o primeiro ano,
dentro do período analisado, no qual o valor registrado das emissões de ações apresentou
crescimento real. Por conseguinte, revertendo a tendência da primeira fase do período,
observa-se que as emissões de ações assumiram uma participação maior relativamente às
debêntures no valor total de emissões registradas, atingindo 64% em 1984, e chegando a 90
% em 1986.
No que tange ao mercado secundário de ações, o controle exercido sobre a liquidez da
economia em 1984 teria sido um dos fatores que determinaram uma maior atratividade dos
ativos de renda variável comparativamente aos ativos de renda fixa. Medidas como a
elevação do prazo mínimo de aplicação em depósito a prazo de 90 para 180 dias, a dilatação
do prazo para resgate das cotas dos Fundos de Renda Fixa de 10 para 30 dias e a elevação
do IOF sobre operações financeiras com prazos inferiores a 30 dias reduziram a liquidez
dessas aplicações, num contexto de incerteza, decorrente do momento de transição política.
Assim, apesar da recuperação dos rendimentos das aplicações em renda fixa, devido à
elevação dos juros e à instituição da correção monetária plena no segundo semestre do ano,
observou-se uma performance positiva no mercado secundário de ações, com elevação do
volume de negócios e das cotações.
156
O mercado primário de ações recebeu os estímulos do mercado secundário, visto que o
aumento das cotações permitiu que as emissões pudessem ser realizadas a preços
condizentes com o valor patrimonial das empresas. Por outro lado, a recuperação do nível de
atividade, ao acarretar a expansão dos gastos com investimentos, aumentou a demanda por
novos recursos por parte das empresas.
Em 1985, porém, apesar do quadro positivo do mercado de Bolsa e do maior crescimento do
produto da economia dos últimos anos, as emissões de ações apresentaram um crescimento
real pouco expressivo, não tendo correspondido, assim, ao crescimento observado no ano
anterior.
O ano de 1986 foi um período atípico e semelhante, em vários aspectos, ao boom de 1971. O
novo cenário econômico produzido a partir da implementação do Plano Cruzado trazia
queda abrupta da inflação, o fim da correção monetária, perspectivas de estabilidade e de
crescimento que delineavam um cenário positivo para a economia e estimulavam as
aplicações em ações. A expansão das cotações foi, por sua vez, fator de estímulo ao mercado
primário de ações. Tal cenário reverteu-se já no segundo semestre, com reflexos mais
rápidos sobre o mercado secundário, como seria de se esperar, gerando certo descompasso
com o mercado primário que ainda refletia as boas notícias da primeira metade do ano. Para
o ano de 1986, verificou-se: crescimento de 70% no número de empresas que abriram seu
capital (são 42 empresas comparadas com 25 no ano anterior), 150 empresas emitiram
ações, o maior número apresentado no período analisado, e o valor total das emissões
cresceu cerca de 360% em termos nominais, com uma inflação no período de 60%.
Como tendência mais importante verificada nas emissões de ações no período decorrido
entre os anos de 1981 e 1986, vale ressaltar a queda na participação das emissões registradas
de ações ordinárias, relativamente às emissões de ações preferenciais. As ações ordinárias,
que representavam 57% do valor das emissões de ações registradas em 1982, caíram, em
1986, para 19% (ver Tabela V).
Esses números confirmam o interesse que se esperava despertar ao facultar a ampliação da
participação das preferenciais no capital das empresas, a partir das modificações
introduzidas na Lei Societária. Tal instrumento confirmou-se, assim, ao longo desse período,
157
como o instrumento principal por meio do qual as companhias puderam obter novos
recursos no mercado primário de ações, sem promover alteração no controle da companhia.
TABELA V - PARTICIPAÇÃO DE AÇÕES ORDINÁRIAS E PREFERENCIAIS NAS EMISSÕES
REGISTRADAS
– 1981 /1986 (%)
ANO
% ON
%PN
1981
57
43
1982
48
52
1983
37
63
1984
26
74
1985
29
71
1986
19
81
Fonte: Relatório Anual da CVM
Obs: para valores ver Anexo – Tabela 4
7.3 - Mercado Secundário de Ações
Com relação aos negócios em Bolsa, comparando as variações do valor negociado de ações
em termos nominais com o comportamento do nível de preços no período, medido pelo IGPDI, observa-se crescimento real somente a partir do ano de 1983 (ver Gráfico IV e Anexo –
Tabela 7).
800,00
700,00
600,00
500,00
400,00
300,00
200,00
100,00
0,00
-100,00
Variação Nominal do
Volume de
Negociações de Ações
Inflação - IGP-DI
(Variação Anual)
19
79
19
80
19
81
19
82
19
83
19
84
19
85
19
86
19
87
Variações Anuais (%)
Gráfico IV - Volume de Negociação de Ações nas
Bolsas Brasileiras
ANO
Fonte: Dados de Volume de negócios: Relatório Anual da Comissão Nacional das Bolsas de Valores - CNBV, ano de 1989;
Dados IGP-DI: FGV.
Obs: para valores ver Anexo – Tabela 7
158
Analisando-se a relação entre o volume de negócios com ações e o PIB da economia
observa-se queda no biênio 1981/82 e recuperação também somente a partir de 1983 (ver
Anexo - Tabela 7).
Como reflexo do esvaziamento do mercado secundário de ações, ao longo dos anos 70,
observou-se uma trajetória de queda do número de empresas de capital aberto listadas nas
Bolsas brasileiras, que de 604, em 1974, cai para 553 em 1977. Essa trajetória de queda
reverte-se em 1978/80, provavelmente devido às exigências da CVM de registro em Bolsa
para obtenção de registro de companhia aberta, porém, uma tendência clara de crescimento,
só vai se dar em 1986 (ver Anexo - Tabela 9).
No que se refere ao nível de concentração dos negócios, observou-se um processo de
desconcentração ao longo de toda a década de 70. Em contraste, no período 1980/85
verificou-se uma clara reversão dessa trajetória, com uma elevação da participação nos
negócios das cinco, dez, cinqüenta e cem ações mais negociadas. As 10 ações mais
negociadas que representavam cerca de 39% em 1980 pulam para 61% em 1985, as 50%
mais negociadas crescem de 66% em 1980 para 81% em 1985 (ver Anexo - Tabela 8). O
nível de concentração chega a apresentar queda em 1986, mas continua a crescer a partir de
1987.
Um fator explicativo possível do processo de concentração dos negócios em Bolsa teria sido
o retorno, nos anos 80, do investidor individual, que havia se afastado totalmente dos
investimentos em Bolsa depois de 1971, e cujo perfil de investimentos, em geral, tende a
concentrar-se nas ações mais negociadas. Os dados disponíveis para 1983 e 1984
demonstravam elevada participação do investidor individual relativamente aos investidores
institucionais (ver Tabela VI). Não existem dados para a década de 70, mas, segundo
depoimento de profissionais de mercado que atuaram nessa época, os investidores
individuais eram responsáveis pela imensa maioria dos negócios realizados nesse período.
159
TABELA VI - PARTICIPAÇÃO DOS INVESTIDORES INSTITUCIONAIS (AGREGADOS) NOS
NEGÓCIOS DA BVRJ E DA BOVESPA – 1983/84
PERÍODO
BVRJ (%)
BOVESPA
Janeiro/1983
4,13
13,00
Fevereiro
5,42
21,00
Março
4,40
22,00
Abril
5,27
20,00
Maio
5,07
20,00
Junho
4,63
16,00
Julho
4,14
20,00
Agosto
4,81
21,00
Setembro
8,06
17,00
Outubro
7,68
12,00
Novembro
7,42
13,00
Dezembro
7,25
13,00
Janeiro/1984
7,16
16,00
Fevereiro
6,26
17,00
Março
7,85
19,00
Abril
6,17
19,00
Maio
6,41
18,00
Junho
5,60
21,00
Julho
6,00
16,00
Agosto
8,79
14,00
Setembro
6,96
14,00
Outubro
7,00
11,00
Novembro
6,07
10,00
Dezembro
5,90
8,00
FONTE: Bolsas de Valores do Rio de Janeiro e de São Paulo
O comportamento das estatísticas de concentração do mercado também poderia ser
atribuído, em alguma medida, à atuação dos fundos 157, enquanto principal investidor
institucional ao longo dos anos 70 e, a partir do início da década de 80, à redução das
aplicações desses fundos. Tendo em vista as exigências, a partir de 1974, de que 80% das
aplicações desses fundos deveriam ser em ações e debêntures de empresas privadas
nacionais, estavam praticamente de fora de suas aplicações os títulos emitidos pelas grandes
empresas estatais108, que dominavam o mercado. Ademais, os fundos 157 deveriam respeitar
os critérios de diversificação estabelecidos pela legislação. Dessa forma, os fundos-157
108
Destacavam-se entre as empresas cujas ações eram mais negociadas a Petrobrás, a CVRD e o Banco do
Brasil.
160
poderiam ter contribuído, para promover a distribuição dos negócios entre um número maior
de empresas. A redução da importância dessas instituições pode ter resultado numa maior
concentração, visto que a procura por maiores rendimentos deveria estimular os demais
investidores institucionais a concentrarem suas operações nos títulos emitidos pelas
empresas com maiores perspectivas de retorno e menores riscos. Contudo, a participação
dos Fundos-157 no volume de negócios não era significativa, porque não tendiam a realocar
os ativos que já constavam em sua carteira. Sua participação nos negócios de Bolsa era, na
verdade, mais ativa no momento em que aplicavam os novos recursos que entravam no
sistema -157.
A partir do segundo semestre de 1984 cresce a atuação dos investimentos coletivos
voluntários na forma de Clubes de Investimento e os dados disponíveis relativos ao número
de Clubes constituídos, o número de participantes e o Patrimônio líquido (PL) desses
condomínios demonstraram enorme crescimento em 1986 (ver Tabela VII)109. Vale registrar
que o PL em junho de 1986 dos clubes de investimento chegou a representar 6,5% do total
de ações e debêntures na carteira das EFPP nesse mesmo período 110.
O crescimento da atuação desses Clubes foi motivo de atenção por parte do órgão regulador,
tendo motivado a edição da Instrução CVM no 40, de 07.11.84. Tal Instrução dispôs sobre a
constituição e o funcionamento dos Clubes de Investimento, identificados como os
condomínios constituídos de pessoas físicas para aplicação de recursos comuns em títulos e
valores mobiliários111.
TABELA VII - EVOLUÇÃO DOS CLUBES DE INVESTIMENTO - 1986
(valores em Cr$ milhões)
MÊS
Nº DE CLUBES
Nº DE
PARTICIPANTES
PATRIMÔNIO LÍQUIDO
(CR$ MILHÕES)
Janeiro
2.218
67.390
1.411.600,00
Junho
2.860
93.578
4.652.800,00
Setembro
2.900
87.462
3.182.100,00
Fonte: CVM - RA CVM - 1986
109
Ver CVM - Relatório Anual, 1984, p19.
Ver RA CVM – 1986.
111
Tais Clubes devem seguir as normas estabelecidas na mencionada Instrução quando vinculados à
sociedade corretora, banco de investimento ou sociedade distribuidora As normas editadas na mencionada
Instrução dispuseram acerca do estatuto, do registro na Bolsa, do requisito para captação de recursos junto ao
público, da remessa de informações aos condôminos, da administração da carteira etc.
110
161
7.4 - As Emissões de Ações e os Demais Ativos da Economia
Considerando os demais ativos financeiros da economia, pode-se verificar a partir dos dados
disponibilizados pelo Banco Central do Brasil relativos à composição da poupança
financeira, na economia brasileira, calculada com base na variação dos saldos no período
decorrido entre 1969 e 1978, visível crescimento da participação dos títulos de renda fixa
emitidos pelas instituições financeiras e pelo Tesouro Nacional em detrimento dos títulos de
renda variável (ver Anexo - Tabelas 10A e 10B e 11). Destacam-se, em particular, os
depósitos de poupança e os títulos públicos federais, cuja participação na poupança
financeira cresce, respectivamente, de 3% e 9% em 1971 para, aproximadamente, 14% e
15% em 1976, mantendo-se, em aproximadamente, 13% e 14% em 1978.
Como resultado verifica-se, no que se refere aos ativos de renda fixa, uma nova composição
entre haveres monetários (papel moeda em poder do público e depósitos à vista) e não
monetários (depósitos a prazo, depósitos de poupança, títulos públicos etc.) nitidamente em
direção a esse último agregado (ver Anexo - Tabelas 12A, 12B e 12C).
Já a participação total dos títulos de renda variável na poupança financeira, relativamente
aos ativos de renda fixa, na qual estão computadas as ofertas públicas de ações, as ofertas
privadas, a capitalização das reservas no âmbito do balanço das empresas e a carteira dos
fundos, sobe de 45%, em 1969, para 55%, em 1971, e cai, significativamente, para 24% em
1978. Dessa forma, esses ativos não acompanham o crescimento observado para os ativos de
renda fixa no período 1971/76 e perdem sua posição (ver Anexo Tabelas 10A e 10B.
Dada a descontinuidade da série, não é possível observar como se comportou a composição
dos diferentes ativos na poupança financeira ao longo da década de 80. Com o objetivo de
analisar, ainda que indiretamente, como se comportaram as ações relativamente aos demais
ativos financeiros, e na falta de outros indicadores possíveis comparáveis para esse período,
optou-se por observar, então, a relação entre o valor das emissões públicas de ações e a
variação do saldo dos haveres não monetários. Não foram considerados, portanto, os
haveres monetários, cujo comportamento está associado basicamente às necessidades de
pagamento dos gastos correntes.
162
Comparando os resultados obtidos para esse indicador na década de 70 aos anos disponíveis
da década de 80112, é possível verificar que mesmo no período em que o volume de emissões
foi mais significativo (1985/86), a proporção entre as emissões públicas de ações e haveres
não monetários (variação) não superou a participação verificada nos anos anteriores.
Pelo contrário, no ano do boom (1971) a relação emissão de ações/variação dos haveres não
monetários chegou a atingir 14,7% e considerando, ainda, os anos que o precederam, ou
seja, para o triênio 1969/1971, esse indicador foi em média de cerca de 9% (ver Anexo Tabela 13). Comparativamente, no ano de 1986, no qual o movimento das emissões é
muitas vezes entendido como similar ao período do boom de 1971, esta relação foi de,
aproximadamente, 1,6%, e na média, de 0,72%, no período de 1984/1986. Assim, os valores
observados para a relação mencionada nos anos 1982/1986 estão certamente mais próximos
do período pós boom, que foi marcado por uma paralisia do mercado de ações, quando, em
média, considerando o período 1972/76, esse indicador foi de 1,3%.
Em suma, os dados analisados sugerem que, apesar do crescimento do mercado primário no
período de 1984/86, as ações mantiveram uma participação diminuta na poupança
financeira, relativamente aos ativos financeiros de renda fixa.
7.5 - As Emissões de Ações, a FBCF e o PIB da Economia.
O comportamento do valor das emissões frente ao comportamento do valor dos produtos e
serviços da economia pode ser explicado, em grande medida, pelos fatores conjunturais
acima analisados.
No caso das debêntures, verificou-se que incentivos circunstanciais e indiretos ocorridos nos
anos de 1979/81, como anteriormente analisado, promoveram esse segmento, o que explica
uma participação crescente das emissões em relação ao PIB e a FBCF num contexto da
taxas negativas de crescimento da economia e, por conseguinte, de queda dos investimentos.
Com exceção desse período, a participação das emissões totais registradas sobre o PIB e a
112
Foi possível adequar as informações de registro de emissões disponíveis na CVM à metododogia do Banco
Central, mas somente para os anos de 1982 a 1986. Ver nota metodológica nas Tabelas 10A e 10B.
163
FBKF pode ser explicada majoritariamente pelo comportamento das emissões de ações (ver
Anexo – Tabela 3).
Já o valor das emissões de ações em relação à FBCF demonstra forte relação com o
comportamento do nível de atividade. A participação das emissões de ações em relação à
FBCF foi em média 1,07% para o período de crescimento baixo (1978/80), 0,65% para o
período de queda do nível de atividade (1981/83) e 1,76% no período de taxas de
crescimento mais significativas (1984/86) (ver Anexo – Tabela 3).
A relação emissões de ações/PIB apresenta performance bem similar à relação emissões de
ações/FBCF para os diferentes períodos em destaque (ver Anexo – Tabela 3). O
comportamento desses indicadores reflete as decisões de investimento por parte das
empresas, tendo em vista que as emissões, representando a obtenção de novos recursos no
mercado, tendem a se acelerar, relativamente aos bens de investimento e aos produtos e
serviços produzidos na economia, quando as empresas dilatam os planos de expansão de sua
capacidade produtiva. Contudo, os dados não parecem evidenciar a ocorrência de algum tipo
de mudança estrutural significativa em termos das relações observadas. De qualquer forma,
a série não é suficientemente longa para derivarmos conclusões a esse respeito. O que se
pode evidenciar é que as emissões de ações e debêntures ocorridas mantêm ao longo dos
anos observados uma magnitude pouco significativa em relação à economia com um todo.
164
Conclusão
Avaliando a contribuição da CVM para o mercado de capitais no Brasil, no período que
segue à sua criação, mais especificamente de 1976/86, com base nos elementos examinados
ao longo da 2ª parte, é possível depreender algumas conclusões importantes que serão a
seguir elencadas.
Com relação ao esforço normativo realizado pela CVM, em especial quanto à divulgação de
informações, teria sido promovido, de fato, um aperfeiçoamento da regulação. Apesar das
dificuldades originadas da transferência do cadastro das SACAs, herança do Banco Central,
que era constituído de empresas que não atuavam, realmente, como companhias abertas, os
esforços normativos e de monitoramento da CVM foram promovidos no sentido de melhorar
a qualidade, reduzir a inadimplência no cumprimento das exigências de prestação de
informações, ampliar o acesso do público às informações das empresas, além de ter
regulamentado a divulgação de fato relevante e a coibição da prática de negociação com
base em informação privilegiada. Muito embora esse esforço seja permanente, não se tendo
atingido uma situação ideal, as evidências são de que resultados importantes,
comparativamente à situação que vigorava anteriormente, foram obtidos nessa direção.
Dessa forma, ao que tudo indica, houve um maior grau de disseminação das informações das
companhias – e, supondo também um maior grau de fidedignidade dessas informações - a
redução das assimetrias de informações e o aumento da eficiência do mercado dependeriam
da utilização de maneira adequada dessas informações por parte dos investidores. Contudo,
tal exigência não parece ter sido cumprida, o que se pode demonstrar pela pouca
importância dada pelos investidores aos prospectos no caso das emissões primárias,
conforme destacado na seção 6.2.4.. Isto pode ser explicado, em grande parte, pela pouca
tradição do mercado de capitais no Brasil, somadas às dificuldades gerais de monitorar dos
acionistas, já amplamente discutidas no Capítulo 3.
165
Não obstante, os efeitos decorrentes de um maior acesso às informações se fariam sentir
mais claramente sobre os investidores institucionais, instituições financeiras etc. que, dado o
grau deficiente de abertura de informações para o mercado que vigorava até então, já
consistia em um avanço. Vale ressaltar, também, o estímulo que poderia proporcionar no
sentido de uma maior especialização dos profissionais de mercado, como já mencionado.
Assim, poder-se-ia dizer, que no aspecto relativo à redução das assimetrias de informações,
há evidências de que os resultados da atuação da CVM, pelos motivos expostos, foram
positivos, tendo ficado, contudo, aquém do esperado.
No que se refere aos esforços de normatizar e punir a prática de emissões irregulares,
juntamente com o conceito de companhias abertas e o novo registro exigido, constatou-se
que a atuação da CVM permitiu proporcionar um quadro mais claro acerca de quais
empresas poderiam captar recursos do público e em que condições. Dessa forma, suas
iniciativas teriam contribuído para um maior ordenamento do mercado, reduzindo o
mercado paralelo e fortalecendo o mercado oficial. Assim, as evidências são de que a CVM
tenha contribuído para a conformação de um mercado mais seguro, no sentido de com
menor incidência de operações irregulares.
A Lei das S.A., de 1976, trouxe, por um lado, uma série de avanços com relação à proteção
ao acionista minoritário, que gerava novas tarefas a serem exercidas pelo órgão regulador.
Estas, como analisado, foram, de fato, assumidas pela CVM, como o acompanhamento das
ofertas públicas decorrentes de alienação de controle. Não obstante, os pontos falhos da lei,
já anteriormente analisados, representaram um fator negativo para os resultados que a CVM
almejava alcançar.
A Lei Societária exigiu também esforços normativos adicionais, que foram realizados pela
CVM, a exemplo da regulamentação do agente fiduciário e do auditor independente.
Em se tratando das atividades de supervisão, a CVM demonstrou-se atenta aos movimentos
do mercado ocorridos no período, como foi observado no Capítulo 7. Nesse sentido, o órgão
regulador respondeu com novos atos normativos quando assim se fez necessário, conforme
foram os casos das Instruções que regularam a prestação de informações nos negócios
ocorridos no âmbito do mercado de balcão e a relativa aos clubes de investimento.
166
Assim, a partir dos pontos acima ressaltados, do ponto de vista do arcabouço institucional
regulatório, desenhado pelas reformas dos anos 70, e diante dos desafios que se colocavam
no período, as evidências são de que a CVM teria atuado na direção correta e cumprido, em
grande medida, um papel importante.
Para uma avaliação acerca dos efeitos da criação do novo órgão regulador mais
especificamente sobre o desenvolvimento do mercado, cumpre examinar como ficaram os
aspectos relativos à estabilidade, liquidez e magnitude desses mercados no período em
análise.
Em relação ao aspecto liquidez, não há evidências de sua ampliação, nem no mercado
primário, nem tampouco no mercado secundário. Os dados de emissões registradas ao longo
do período 1976/86 demonstram a permanência de uma elevada descontinuidade das
emissões, de um número reduzido de empresas emissoras e de um número bastante tímido
de ofertas iniciais de ações. Mesmo comparativamente ao total de empresas registradas
como companhias abertas, permaneceu bem restrito o número de empresas que utilizaram
esse mercado como fonte de recursos. Para o segmento de ações, no ano de 1986, em que se
verificou a maior quantidade de empresas participantes - foram 150 dentre as 1.015
companhias abertas registradas – as empresas emissoras não atingiram sequer 15% do total.
No que tange ao segmento de debêntures, por exemplo, o ano de 1982, em que ocorreu a
maior participação de empresas emissoras, 256 empresas dentre as 1.135 empresas
registradas como companhia abertas realizaram emissões, o que representou 22% do total
(ver Anexo – Tabelas 1 e 2).
No mercado secundário, o elevado grau e mesmo aumento da concentração dos negócios em
torno de um número reduzido de ações, durante o período 1980/85, demonstrou que a
liquidez estava restrita a um grupo ainda mais restrito de ações. Ademais a evolução
insignificante do número de companhias listadas nas Bolsas, na maior parte do período
analisado, não permitia evidenciar qualquer trajetória de expansão desse mercado.
Os dados de emissões analisados também não evidenciam uma maior estabilidade por parte
desse mercado. Ao contrário, o valor de emissões de ações em termos reais demonstrou, no
período, um elevado grau de instabilidade, mostrando-se bastante suscetível a variações
conjunturais (ver Gráfico III). Já as emissões de debêntures, exceto pelo crescimento atípico
167
ocorrido em 1980/82, mantiveram um crescimento nominal abaixo da inflação no resto do
período (ver Gráfico II).
É possível também observar, a partir dos dados analisados, que o mercado de capitais
manteve magnitude pouco significativa. As emissões de ações e debêntures mantiveram,
mesmo nas fases de crescimento do mercado, reduzida participação em relação aos demais
ativos financeiros, e também, com relação à economia como um todo. Inclusive os dados
disponíveis para os anos 80 parecem indicar uma perda de importância das emissões de
ações relativamente aos ativos de renda fixa, se comparados com os resultados obtidos nos
anos 70 (ver Anexo - Tabela 13).
Não é possível afirmar se ao longo do período analisado as instituições de mercado se
tornaram mais sólidas. Fatores que não foram objeto de análise nesse estudo seriam,
certamente, importantes para avaliar esse aspecto, em especial, a regulação voltada às
instituições auto-reguladoras e às instituições intermediárias.
Do acima exposto, pode-se concluir que a CVM teria contribuído para o ordenamento do
mercado e, em menor extensão, para sua maior eficiência. Por outro lado, os dados
disponíveis não demonstram que a atuação do novo órgão regulador tenha contribuído para
os aspectos relacionados ao desenvolvimento do mercado como liquidez, estabilidade e
magnitude.
Em suma, ainda que as reformas dos anos 70 tenham definido um novo quadro tanto
institucional/regulatório quanto no mercado a partir dos aspectos já ressaltados e, nesse
sentido, um ambiente de maior proteção para o investidor, estas não se revelaram suficientes
para a consolidação das condições de desenvolvimento sustentável desse segmento.
Relembrando a discussão teórica apresentada na 1ª parte da tese, no caso brasileiro, a
exemplo das experiências americana e inglesa analisadas, não foi possível evidenciar uma
relação direta entre regulação e leis e o desenvolvimento do mercado de capitais. Isto
porque, naqueles países se conseguiu atingir certo nível de desenvolvimento sem um
ambiente legal e regulatório adequado, e aqui pelo aprimoramento legal e regulatório sem
desenvolvimento do mercado. Dessa forma, os resultados obtidos não corroboram em favor
das proposições que sustentam que maior proteção ao investidor implica necessariamente
168
em mercados de capitais mais desenvolvidos - a relação entre esses dois fatores parece
menos direta e evidente do que pregam seus defensores.
169
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178
ANEXO I – ENTREVISTAS
179
Entrevistas:
- Sr. Jorge Hilário Gouveia, foi membro do primeiro Colegiado da CVM, de 1977 a
dezembro de 1979, e Presidente da CVM no período de dezembro de 1979 a julho de 1981.
- Sr. Roberto Tadeu Antunes Fernandes, foi inspetor da CVM desde sua criação, foi
Superintendente de Fiscalização (1988/2002), e Superintendente de Acompanhamento de
Mercados e Intermediários (2003/2004), e é, atualmente, Superintendente Geral da CVM.
- Sr. Suli da Gama Fontaine, analista da CVM desde sua criação, foi Superintendente de
Relações
com
Empresas,
Superintendente
de
Desenvolvimento
de
Mercado
e
Superintendente Geral da CVM.
- Sr. Carlos Reis atuou na corretora Marcelo Leite Barbosa (1966/72), foi diretor da
Corretora Marca (1972/80) e da Prime Corretora a partir de 1980, foi presidente da Bolsa de
Valores do Rio de Janeiro de 1992 a 1994 e de 1998 a 2001, hoje é presidente da Comissão
Nacional de Bolsas.
- Sr. Nei Carvalho – atuou como profissional de mercado nos anos 70 e 80 e foi membro do
primeiro colegiado da CVM.
- Sr. Marco Albino atuou como profissional do mercado nos anos 70 e 80, hoje é diretor da
da Positiva DTVM.
180
ANEXO II – TABELAS
181
TABELA 1 – NÚMERO DE REGISTROS DE COMPANHIAS ABERTAS – 1978 /1987
ANO
NOVOS REGISTROS
TOTAL
Total Novos
Ações
Debêntures
Bolsa
Mercado
Balcão
REGISTROS
CANCELADOS
1978
1058
7
7
0
-
-
6
1979
1061
11
10
1
-
-
8
1980
1037
41
26
18
-
-
65
1981
1070
67
18
49
8
59
34
1982
1135
86
16
71
4
82
21
1983
1153
42
8
34
2
39
24
1984
980
34
18
13
14
20
206
1985
994
39
25
9
19
20
25
1986
1015
51
42
1
45
6
30
1987
999
13
7
2
-
-
34
(-)
Dado não informado
Fonte: Relatórios Anuais da Comissão de Valores Mobiliários - CVM, vários números.
Obs 1: Os novos registros, em geral, envolvem emissão com vistas a abertura de capital, a exceção refere-se a empresas
que já detenham um nível elevado de dispersão da propriedade de seu capital, sendo, nesse caso, dispensadas
desse procedimento. Por isso, o Total de novos pode ser maior que o somatório dos efetuados por meio de emissões
de ações e debêntures.
Obs 2:Total Novos 1985 está considerando que três empresas foram incorporadas e, após a incorporação,houve
simultaneamente o cancelamento dos antigos registros e a concessão da condição da capital aberto para a empresa
resultante da incorporação.
Obs 3:Total Novos 1986 está considerando que quatro empresas abriram seu capital mediante distribuição secundária de
ações.
182
TABELA 2 – VALOR DAS EMISSÕES REGISTRADAS DE AÇÕES E DEBÊNTURES, VARIAÇÃO ANUAL, NÚMERO
DE EMPRESAS EMISSORAS E INFLAÇÃO - 1978 /1987
(VALORES EM Cr$ MILHÕES)
ANO
DEBÊNTURES EMISSÕES
AÇÕES EMISSÕES
Valor
Variação
Anual %
Nº de
Empresas
Valor
Variação
Anual %
1978
450,00
-
2
8.121,20
-
1979
1.983,50
340,78
7
15.142,90
1980
13.662,43
588,80
44
1981
162.029,30
1.085,95
1982
316.117,50
1983
EMISSÕES TOTAIS
Nº de
Empresas
Inflação IGP-DI
Valor
Variação %
(variação Anual
%)
73
8.571,20
-
-
86,46
72
17.126,40
99,81
77,225
34.281,50
126,39
123
47.943,93
179,94
110,24
144
27.108,30
(20,92)
72
189.137,60
294,50
95,20
95,10
256
84.504,60
211,73
82
400.622,10
111,82
186,72
404.019,50
27,81
118
144.609,00
71,13
67
548.628,50
36,94
210,99
1984
552.417,13
36,73
71
975.593,27
574,64
114
1.528.010,40
178,51
223,81
1985
713.838,70
29,22
37
3.641.596,00
273,27
110
4.355.434,70
185,04
235,10
1986
1.808.020,54
153,28
9
16.295.037,66
347,47
150
18.103.058,20
315,64
65,03
1987
1.069.799,00
(40,83)
-
15.300.555,00
(6,10)
-
16.370.354,00
-9,57
415,87
Fonte: Dados de emissões: Relatório Anual da CVM, vários números; inflação: Fundação Getúlio Vargas.
TABELA 3 - PARTICIPAÇÃO DO TOTAL DAS EMISSÕES E DAS EMISSÕES DE AÇÕES NO PIB E FBKF 1978 /1989
1978
Emissões
Totais/FBKF %
1,06
Emissões
Totais/PIB %
0,24
Emissões de
Ações/FBKF %
0,97
Emissões de
Ações/PIB %
0,22
1979
1,23
0,29
1,10
0,25
1980
1,63
0,38
1,14
0,27
1981
3,24
0,79
0,46
0,11
1982
3,58
0,82
0,77
0,17
1983
2,52
0,50
0,72
0,13
1984
2,32
0,44
1,59
0,28
1985
1,85
0,33
1,37
0,28
1986
2,58
0,52
2,32
0,47
1987
0,64
0,15
0,59
0,14
1988
5,05
1,23
0,71
0,17
1989
2,03
0,54
0,69
0,18
ANO
Fonte: Dados de emissões: Relatórios Anuais - CVM, vários números; PIB, FBKF e FBK: Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – IBGE- Contas Nacionais.
183
TABELA 4 - VALOR E QUANTIDADE DE TÍTULOS DAS EMISSÕES DE AÇÕES ORDINÁRIAS E PREFERENCIAIS
REGISTRADAS NA CVM – 1982 /1986
(Valores em Cr$ MILHÕES)
ANO
ORDINÁRIAS
Qde. Títulos
(milhões)
1982
PREFERENCIAS
TOTAL
Qde. Títulos
(milhões)
Valor
Qde. Títulos
(milhões)
Valor
17.091
40.364,00
24.219
44.141,00
41.310
84.505,00
1983
23.502
53.690,00
40.018
90.919,00
63.520
144.609,00
1984
125.741
257.571,00
367.564
718.022,00
493.305
975.593,00
1985
458.379
1.051.381,00
895.835
2.590.216,00
1.354.214
3.641.597,00
1986
883.775
3.040.793,00
3.780.876
13.313.224,00
4.664.651
16.354.017,00
Valor
Fonte: Relatório Anual da CVM, anos de 1986 e 1988
TABELA 5 - PARTICIPAÇÃO DE AÇÕES ORDINÁRIAS E PREFERÊNCIAIS NO TOTAL DAS EMISSÕES DE AÇÕES
REGISTRADAS - 1982 / 1986
ANO
% ON
%PN
1982
48%
52%
1983
37%
63%
1984
26%
74%
1985
29%
71%
1986
19%
81%
Fonte: Elaborada com base nas informações disponíveis no Relatório Anual da CVM, anos de
1986 e 1988
184
TABELA 6 – EMISSÕES DE AÇÕES REGISTRADAS NA CVM POR TIPO DE EMPRESA – 1982 / 1986
(Valores em Cr$ MILHÕES)
ANO
EMPRESAS
ESTRANGEIRAS
EMPRESAS
ESTATAIS
EM %
1982
-
-
5.062,00
5,99
79.443,00
94,01
84.505,00
1983
-
-
-
-
144.609,00
100,00
144.609,00
1984
-
-
39.697,00
4,07
935.896,00
95,93
975.593,00
1985
1.500,00
0,04
84.000,00
2,31
3.556.097,00
97,65
3.641.597,00
1986
210.000,00
1,28
1.086.811,00
6,65
15.057.206,00
92,07
16.354.017,00
EM %
EMP. PRIVADAS
NACIONAIS
EM %
TOTAIS
Fonte: Relatório Anual da CVM, ano de 1986.
( - ) Dado não informado
TABELA 7 – VOLUME, VARIAÇÃO NOMINAL E PARTICIPAÇÃO NO PIB DAS NEGOCIAÇÕES DE AÇÕES NAS
BOLSAS BRASILEIRAS E INFLAÇÃO - 1979 /1987
(Valores em Cr$ MILHÕES)
VALORES
VARIAÇÃO NOMINAL %
INFLAÇÃO IGP-DI
(Variação Anual %)
VOLUME
NEGOCIADO/PIB %
1979
68.822
50,04
77,25
1,15
1980
147.918
114,93
110,24
1,18
1981
151.422
2,37
95,20
0,63
1982
393.506
159,87
186,72
0,81
1983
1.571.700
299,41
210,99
1,44
1984
10.248.377
552,06
223,81
2,95
1985
79.314.588
673,92
235,10
6,07
1986
259.601.787
227,31
65,03
7,41
1987
252.002.831
-2,93
415,87
2,27
ANO
Fonte: Dados de Volume de negócios: Relatório Anual da Comissão Nacional das Bolsas de Valores - CNBV, ano de 1989;
Dados IGP-DI: FGV; Dados PIB: IBGE - Contas Nacionais.
185
TABELA 8 - PARTICIPAÇÃO DAS AÇÕES MAIS NEGOCIADAS NAS BOLSAS
BRASILEIRAS (%) – 1974 /1989
ANO
5 MAIS
10 MAIS
50 MAIS
100 MAIS
1974
65,1
65,3
87,6
93,6
1975
77,7
80,7
93,2
96,7
1976
70,7
74,5
90,7
95,5
1977
63,7
68,1
88,8
94,9
1978
51,4
55,7
81,6
90,8
1979
26,0
34,5
65,1
80,6
1980
30,9
38,6
66,2
81,1
1981
42,4
51,5
73,6
85,0
1982
49,8
55,9
76,7
85,9
1983
42,3
49,5
73,4
85,3
1984
50,5
57,7
78,5
88,2
1985
54,4
61,2
80,8
89,1
1986
46,8
54,8
73,7
83,6
1987
54
59,1
79,5
88,4
1988
67,4
71,1
84,8
90,9
1989
58,4
64,1
82,6
90,1
Fonte: Relatório Anual da Comissão Nacional das Bolsas de Valores - CNBV, anos de 1980 e 1989
186
TABELA 9 - NÚMERO DE EMPRESAS DE CAPITAL ABERTO REGISTRADAS NAS
BOLSAS BRASILEIRAS
ANO
NÚMERO DE EMPRESAS
1974
604
1975
582
1976
573
1977
553
1978
591
1979
603
1980
614
1981
609
1982
607
1983
593
1984
601
1985
609
1986
654
1987
646
1988
634
Fonte: Relatório Anual do Conselho Nacional das Bolsas de Valores - CNBV vários
números.
Obs: O Total é o resultado das admissões, deduzidos os cancelamentos e os registros
não renovados no Registro Nacional de Títulos e Valores Mobiliários que computava as
bolsas dos estados de SP/RJ/MES/RS/BA/PR/RE/ERJ/SC/BR/ST/RN/AL/CE.
187
TABELA 10A - VALORES E PARTICIPAÇÃO DOS TÍTULOS DE RENDA FIXA E RENDA VARIÁVEL NA
POUPANÇA FINANCEIRA *– 1969 / 1973
(Variação dos saldos em Cr$ milhões)
TOTAL / PERÍODO
1969
1969%
1970
1971
1971%
1972
1973
Haveres Monetários
6.953
0,22
7.200
10.802,00
0,18
17.609
30.006
Haveres não Monetários
5.739
0,18
10.683
20.037,00
0,33
31.017
43.428
Depósitos de Poupança
563
0,02
1.188
1.680,00
0,03
3.952
6.409
Depósito a Prazo Fixo
665
0,02
2.340
5.049,00
0,08
7.571
8.794
Letras de Câmbio
1.614
0,05
2.113
6.833,00
0,11
6.897
14.559
Letras Imobiliárias
551
0,02
812
1.121,00
0,02
1.887
1.502
2.346
0,08
4.230
5.354,00
0,09
10.710
12.164
-
-
-
-
-
-
-
1.228
0,04
1.513
3.012,00
0,05
4.663
10.968
192
0,01
226
85,00
0,00
287
276
14.112
0,45
19.622
33.936,00
0,55
53.576
84.678
16.501
0,53
15.354
24.762,00
0,40
28.607
42.690
612
0,02
6.813
17.053,00
0,28
15.525
21.288
Títulos da Dívida Pública Federal **
Títulos da Dívida Pública Estadual e Municipal
Fundos de Poupança Compulsória (FGTS, PIS e
PASEP)
Reservas Técnicas de Empresas Seguradoras
Sub-total Títulos de Renda Fixa
Emissões de ações e debêntures*** **** *****
Em dinheiro
Por oferta pública registrada no órgão regulador
(Bacen)
Outras
468
0,02
531
2.946,00
0,05
649
913
5.652
0,18
6.282
14.107,00
0,23
14.876
20.500
Por incorporação de Reservas e outras
10.381
0,33
8.541
7.709,00
0,13
13.082
21.402
Fundos Mútuos de Investimentos
473
0,02
552
2.379,00
0,04
(1.446)
(525)
Fundos Fiscais de Investimento (DL. 157)
106
0,00
(25)
355,00
0,01
111
692
Sub-total Títulos de Renda Variável
17.080
0,55
15.881
27.496,00
0,45
27.272
42.857
Total - Poupança Financeira Bruta
31.192
-
35.503
61.432,00
-
80.848
127.535
Fonte: Dados até 1979 – Relatório Anual do Banco Central do Brasil vários números.
* A partir de 1978 o Bacen não publicou mais os dados relativos a série de poupança financeira.
** Os dados para títulos públicos federais a partir de 1985 não considera os títulos em poder das Autoridades Monetárias
*** Pelo menos a partir de 1976 os dados de emissões públicas não incluem as ofertas iniciais, nos anos anteriores não é possível
saber ao certo.
**** Os dados para emissão pública registrada em 1984 não estão computando os valores para janeiro, por não estarem disponíveis.
***** A partir de 1975 os dados do Bacen para emissões de títulos de renda variável passou a não incluir as debêntures.
Obs: As eventuais diferenças existentes entre os valores aqui registrados para emissões públicas até o ano de 19777 e os valores
encontrados em outras tabelas se devem, em geral aos cancelamentos que ocorriam posteriormente ao registro da emissão, em
muitos casos em anos posteriores ao ano do registro, visto que o Bacen permitia a homologação parcial da emissão.
188
TABELA 10B - VALORES E PARTICIPAÇÃO DOS TÍTULOS DE RENDA FIXA E RENDA VARIÁVEL NA POUPANÇA
FINANCEIRA *– 1974 / 1978
(VARIAÇÃO DOS SALDOS EM Cr$ MILHÕES )
TOTAL / PERÍODO
1974
1975
1976
1976%
1977
1978
1978%
Haveres Monetários
31.350
54.152
69.000
0,182
93.925
141.051
0,174
Haveres não Monetários
43.664
119.400
150.031
0,395
242.432
382.432
0,470
Depósitos de Poupança
14.803
26.309
52.305
0,138
69.741
104.959
0,129
Depósito a Prazo Fixo
7.660
21.097
18.564.
0,049
59.922
94.395
0,116
Letras de Câmbio
7.788
13.201
12.583
0,033
17.241
48.901
0,060
Letras Imobiliárias
1.770
650
842
0,002
1.030
1.280
0,002
Títulos da Dívida Pública Federal **
9.458
49.726
56.341
0,148
86.603
117.357
0,144
Títulos da Dívida Pública Estadual e
Municipal
Fundos de Poupança Compulsória (FGTS, PIS e
PASEP)
Reservas Técnicas de Empresas Seguradoras
2.185
8.417
9.396
0,025
7.895
15.540
0,019
21.593
30.720
57.658
0,152
94.831
89.688
0,110
545
(1.7445)
1.724
0,005
2.796
4.337
0,005
Sub-total Títulos de Renda Fixa
97.152
202.527
278.413
0,733
433.984
617.508
0,760
Emissões de ações e debêntures*** **** *****
52.976
81.574
98.164
0,259
134.522
189.426
0,233
Em dinheiro
24.038
36.229
37.705
0,099
49.296
74.788
0,092
Por oferta pública registrada no órgão
regulador (Bacen)
Outras
538
504
803
0,002
1.343
3.721
0,005
23.500
35.725
36.903
0,097
47.953
71.067
0,087
Por incorporação de Reservas e outras
28.938
45.343
60.459
0,159
85.226
114.638
0,141
(392)
(161)
(252)
(0,001)
281
188
0,000
778
1.911
3.346
0,009
6.711
5.821
0,007
Sub-total Títulos de Renda Variável
53.362
83.324
101.258
0,267
141.514
195.435
0,240
Total - Poupança Financeira Bruta
150.514
285.851
379.671
-
575.498
812.943
1,000
Fundos Mútuos de Investimentos
Fundos Fiscais de Investimento (DL. 157)
Fonte: Dados até 1979 - Relatório Anual do Banco Central do Brasil vários números.
* A partir de 1978 o Bacen não publicou mais os dados relativos a série de poupança financeira.
** Os dados para títulos públicos federais a partir de 1985 não considera os títulos em poder das Autoridades Monetárias
*** Pelo menos a partir de 1976 os dados de emissões públicas não incluem as ofertas iniciais, nos anos anteriores não é possível
saber ao certo.
**** Os dados para emissão pública registrada em 1984 não estão computando os valores para janeiro, por não estarem disponíveis.
***** A partir de 1975 os dados do Bacen para emissões de títulos de renda variável passou a não incluir as debêntures.
Obs: As eventuais diferenças existentes entre os valores aqui registrados para emissões públicas até o ano de 19777 e os valores
encontrados em outras tabelas se devem, em geral aos cancelamentos que ocorriam posteriormente ao registro da emissão, em
muitos casos em anos posteriores ao ano do registro, visto que o Bacen permitia a homologação parcial da emissão.
189
TABELA 11 - PARTICIPAÇÃO DOS TÍTULOS DE RENDA VARIÁVEL E TÍTULOS DE RENDA FIXA
NA POUPANÇA FINANCEIRA – 1969-78
(% com base nas variações anuais dos saldos)
ANO
RENDA FIXA
RENDA VARIÁVEL
1969
45,24
54,76
1970
55,27
44,73
1971
55,24
44,76
1972
66,27
33,73
1973
66,4
33,6
1974
64,55
35,45
1975
70,85
29,1
1976
73,33
26,67
1977
75,41
24,59
1978
75,96
24,04
Fonte: Relatório Anual do Banco Central do Brasil, vários números.
190
TABELA 12A - PRINCIPAIS HAVERES FINANCEIROS – 1969/74
(Valores em Cr$ MILHÕES)
TOTAL / PERÍODO
1969
1969%
1970
1971
1972
1973
1974
62.358
93.197
141.823
215.203
291.695
Total
44.475
Haveres Monetários
28.234
0,63
35.434
46.236
63.845
93.835
125.185
16.241
0,37
26.924
46.961
77.978
121.368
166.510
893
0,02
2.081
3.761
7.713
14.122
28.925
2.100
0,05
4.440
9.489
17.060
25.811
33.471
-
-
-
-
-
-
-
6.172
0,14
8.295
15.118
22.015
36.574
42.608
1.195
0,03
2.007
3.128
5.015
6.517
8.287
5.881
0,13
10.111
15.465
26.175
38.344
47.802
Haveres não Monetários
Depósitos de Poupança
Depósito a Prazo Fixo
Letras de Imp. e Exp. Do BB
Letras Câmbio
Letras Imobiliárias
Títulos da Dívida Pública Federal
Títulos da Dívida Pública Estadual e Municipal
5.417
Fonte: Dados de 1969 - Relatório Anual do Banco Central do Brasil de 1973; dados de 1970/72 - Rel. Bacen de 1974; dados de 1973 - Rel.
Bacen de 1975; dados de 1974 - Rel. Bacen de 1976; dados de 1975 - Rel Bacen de 1977; dados de1976 e 1977 no Rel do Bacen de 1978
Rel. Bacen de 1980; dados de 1979 - Rel Bacen de 1981;dados de 1980 1981 – Rel. Bacen de 1982; dados de 1983 Rel. Bacen de 1985; dados
de 1984, 1985 e 1986 – Rel. Bacen de 1986.
Obs: a partir de 1984 os dados para títulos públicos federais consideram somente os títulos fora das A. M.
191
TABELA 12B - PRINCIPAIS HAVERES FINANCEIROS – 1975/80
(Valores em Cr$ MILHÕES)
TOTAL / PERÍODO
1975
1975%
1976
1977
1978
1979
1980
465.275
-
684.306
1.020.663
1.544.619
2.574.688
4.342.002
179.345
0,39
248.345
342.270
483.090
836.090
1.428.234
285.930
0,61
435.961
678.393
1.061.529
1.738.598
2.913.768
55.234
0,12
107.539
177.280
288.689
523.464
984.777
54.568
0,12
73.132
133.054
226.457
409.660
639.227
-
-
-
-
-
-
55.809
0,12
68.392
85.633
130.968
186.684
274.775
8.937
0,02
9.779
10.809
10.900
12.949
16.062
97.548
0,21
153.889
240.492
357.850
521.528
848.385
Total
Haveres Monetários
Haveres não Monetários
Depósitos de Poupança
Depósito a Prazo Fixo
Letras de Imp. e Exp. Do BB
Letras Câmbio
Letras Imobiliárias
Títulos da Dívida Pública Federal
Títulos da Dívida Pública Estadual e Municipal
13.834
0,03
23.230
31.125
46.665
84.313
150.542
Fonte: Dados de 1969 - Relatório Anual do Banco Central do Brasil de 1973; dados de 1970/72 - Rel. Bacen de 1974; dados de 1973 - Rel.
Bacen de 1975; dados de 1974 - Rel. Bacen de 1976; dados de 1975 - Rel Bacen de 1977; dados de1976 e 1977 no Rel do Bacen de 1978
Rel. Bacen de 1980; dados de 1979 - Rel Bacen de 1981; dados de 1980 1981 – Rel. Bacen de 1982; dados de 1983 Rel. Bacen de 1985;
dados de 1984, 1985 e 1986 – Rel. Bacen de 1986.
Obs: a partir de 1984 os dados para títulos públicos federais consideram somente os títulos fora das A. M.
192
TABELA 12C - PRINCIPAIS HAVERES FINANCEIROS – 1980/1986
(Valores em Cr$ MILHÕES)
TOTAL / PERÍODO
1980%
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1986%
-
10.569.964
24.179.294
69.354.000
201.003.000
803.700.000
1.599.226.000
-
0,33
2.503.686
4.266.707
8.666.000
27.698.000
111.976.000
452.145.000
0,28
0,67
8.066.278
19.912.587
60.688.000
173.305.000
691.724.000
1.147.081.000
0,72
0,23
2.484.889
5.642.841
18.154.000
62.510.000
217.637.000
329.841.000
0,21
0,15
1.560.197
3.544.095
9.647.000
39.256.000
149.164.000
352.770.000
0,22
-
-
-
-
-
-
-
-
0,06
493.607
1.785.280
4.697.000
9.816.000
32.833.000
43.473.000
0,03
Total
Haveres Monetários
Haveres não Monetários
Depósitos de Poupança
Depósito a Prazo Fixo
Letras de Imp. e Exp. Do
BB
Letras Câmbio
Letras Imobiliárias
0,00
26.563
43.181
79.000
135.000
127.000
372.000
0,00
Títulos da Dívida Pública
Federal
0,20
3.087.930
7.863.351
25.436.000
53.081.000
258.489.000
359.219.000
0,22
Títulos da Dívida Pública
Estadual e Municipal
0,03
413.092
1.033.839
2.675.000
8.507.000
33.474.000
61.406.000
0,04
Fonte: Dados de 1969 - Relatório Anual do Banco Central do Brasil- Bacen de 1973; dados de 1970/72 - Rel. Bacen de 1974; dados de 1973 Rel. Bacen de 1975; dados de 1974 - Rel. Bacen de 1976; dados de 1975 - Rel Bacen de 1977; dados de1976 e 1977 no Rel do Bacen de
1978 Rel. Bacen de 1980; dados de 1979 - Rel Bacen de 1981; dados de 1980 1981 – Rel. Bacen de 1982; dados de 1983 Rel. Bacen de 1985;
dados de 1984, 1985 e 1986 – Rel. Bacen de 1986.
Obs: a partir de 1984 os dados para títulos públicos federais consideram somente os títulos fora das A. M.
193
TABELA 13 – VALORES DE EMISSÃO DE AÇÕES (CRITÉRIO DAS SOBRAS) E VARIAÇÃO ANUAL DE HAVERES
NÃO MONETÁRIOS E RELAÇÃO EMISÃO DE AÇÕES SOBRE HAVERES NÃO MONETÁRIOS (VARIAÇÃO)
(Valores em Cr$ milhões)
ANO
EMISSÕES DE AÇÕES
(CRITÉRIO DAS SOBRAS) 1
HAVERES NÃO MONETÁRIOS
2 3 4
(VARIAÇÃO ANUAL DOS SALDOS)
EMISSÃO DE AÇÕES/VARIAÇÃO ANUAL
DE HAVERES NÃO MONETÁRIOS
1969
468,00
5.739,00
8,15 %
1970
531,00
10.683,00
4,97 %
1971
2,946,00
20.037,00
14,70 %
1972
648,90
31.017,00
2,09 %
1973
913,00
43.428,00
2,10 %
1974
538,00
43.664,00
1,23 %
1975
504,00
119.400,00
0,42 %
1976
803,00
150.031,00
0,54 %
1977
1.343,00
242.432,00
0,55 %
1978
3.721,00
382.432,00
0,97 %
1979
-
677.069,00
-
1980
-
1.175.170,00
-
1981
-
5.152.510,00
-
1982
32.892,49
11.846.309,00
0,28 %
1983
38.226,87
40.775.413,00
0,09 %
1984
408.580,21
112.617.000,00
0,36 %
1985
1.303.720,71
518.419.000,00
0,25 %
1986
7.038.589,67
455.357.000,00
1,55 %
%
( - ) Dados não disponíveis.
Fonte: Dados de emissões até 1979: Relatório do Banco Central do Brasil, vários números; dados de emissões de 1982 a
1986: Centro de Consulta-CVM; dados de variação de haveres não monetários: Relatório Banco Central do Brasil, vários
números.
Nota metodológica: Os dados para emissões públicas de ações nos anos 80 foram estimados a partir do cálculo do valor das
sobras para cada emissão registrada na CVM (preço de lançamento multiplicado pela quantidade de títulos correspondentes
as sobras) de acordo com registros nos mapas de registro de emissão de ações - Centro de Consulta- CVM, de forma a
compatibilizar os dados com a metodologia que era utilizada pelo Banco Central.
Obs. 1: Até 1975 os dados do Bacen para emissões de títulos de renda variável incluía debêntures.
Obs. 2: Pelo menos a partir de 1976 os dados de emissões públicas não incluem as ofertas iniciais, nos anos anteriores não
é possível saber ao certo.
Obs. 3: os dados de emissões para 1979 e 1980 disponíveis na CVM não permitem calcular o valor das emissões de acordo
com o critério de sobras, que era adotado pelo Bacen.
Obs. 4: Os dados para emissão pública registrada em 1984 não estão computando os valores para janeiro, por não estarem
disponíveis.
Obs. 5: As eventuais diferenças existentes entre os valores aqui registrados para emissões públicas até o ano de 1977 e os
valores encontrados em outras tabelas se devem, em geral aos cancelamentos que ocorriam posteriormente ao
registro da emissão, em muitos casos em anos posteriores ao ano do registro, visto que o Bacen permitia a
homologação parcial da emissão. Optamos por registrar os valores publicados mais recentes.
194
TABELA 14 - A PARTICIPAÇÃO DOS FUNDOS - 157 NO MERCADO PRIMÁRIO
(Valores em Cr$ milhões)
REGISTROS DE AÇÕES
PARA OFERTA
PÚBLICA
DE REGISTROS
DO ANO
TOTAL
COLOCADO
VALOR APLICADO PELO
SISTEMA DL 157 NO
MERCADO PRIMÁRIO *
% DO TOTAL
DE REGISTROS DE
ANOS ANTERIORES
75
493
182
504
686
69
10.1
76
1.373
461
802
1.263
321
25.4
77
1.905
676
3.343
2.019
657
32.5
78
9.363
2.536
3.721
6.257
975
15.6
ANO
COLOCAÇÃO EFETIVA NO MERCADO
COLOCADO
FONTE: Boletim do Banco Central do Brasil, vários números.
Nota metodológica: Deve-se considerar que os valores aplicados pelos fundos estão superdimensionados devido ao fato de
que enquanto os dados para as emissões totais não consideram os recursos captados em decorrência do exercício de
direitos por parte dos acionistas das companhias, os valores subscritos pelos fundos estão computando as ações que estes
subscreveram no exercício do seu direito de preferência.
TABELA 15 - A ATUAÇÃO DOS FUNDOS 157 NO MERCADO SECUNDÁRIO
(Valores em Cr$ milhões)
ATUAÇÃO DO SISTEMA DL 157*
Vendas
Fluxo
Compras
Liquido
+ Vendas
141
371
653
75
MOVIMENTO
TOTAL DA BVRJ
E DA BOVESPA
26.677
76
28.061
1.669
747
922
2.416
4.3
(549)
77
37.696
2.736
1.471
1.265
4.207
5.6
(384)
78
52.960
3.173
2.649
524
5.822
5.5
(273)
1º Sem/78
28.213
1.555
1.379
176
2.934
5.2
(173)
2º Sem/78
24.747
1.618
1.270
422
2.888
5.8
(100)
JAN/78
4.734
288
190
98
478
5.0
(29)
JAN/79
3.977
266
252
14
518
6.5
ND
ANO
Compras
512
% do Movimento
Total
1.2
FLUXO LÍQUIDO DOS
FUNDOS MÚTUOS
EM BVs
(689)
* Amostra dos 20 maiores Fundos Fiscais
FONTE: Boletim do Banco Central do Brasil, vários números
195
TABELA 16 - COMPARAÇÃO ENTRE RENTABILIDADE E CAPTAÇÃO DE UMA AMOSTRA
SELECIONADA DE FUNDOS FISCAIS
(Valores em Cr$ milhões)
RENTABILIDADE
(%)
73/78
78
BRADESCO
234.9
26.7
4.277
2.000
ITAÚ
248.3
26.0
2.963
1.200
UNIBANCO
241.1
28.2
1.926
800
REAL
184.8
26.5
1.659
700
NACIONAL
206.9
23.8
943
400
11.768
5.100
FUNDOS FISCAIS
PATRIMÔNIO LÍQUIDO
SUB-TOTAL
*
CAPTAÇÃO PREVISTA EM
79
BRASCAN
487.7
33.6
119
200
FINASA
279.1
16.8
625
200
BOZANO
342.6
49.0
178
100
BOSTON
306.2
48.6
51
40
AMÉRICA SUL
285.0
33.0
233
80
1.206
620
SUB-TOTAL
* Em 31/12/78. O patrimônio líquido é o resultado de captações efetuadas em anos anteriores e a rentabilidade auferida.
FONTE: Bacen, ANBID, BOVESPA e Administradores de Fundos 157.
196
TABELA 17 - TAXAS DE VARIAÇÃO ANUAL DO PIB E DO PRODUTO INDUSTRIAL E PARTICIPAÇÃO
DA FBKF NO PIB
Ano
Produto Interno Bruto
Produto
Industrial
Formação Bruta de
Capital Fixo
(% PIB)
1970
10,4
11,9
18,8
1971
11,3
11,9
19,6
1972
12,1
14,0
20,2
1973
14,0
16,6
21,4
1974
9,0
7,8
22,8
1975
5,2
3,8
24,4
1976
9,8
12,1
22,5
1977
4,6
2,3
21,4
1978
4,8
6,1
22,2
1979
7,2
6,9
23,0
1980
9,1
9,1
22,5
1981
-3,1
-10,4
21,0
1982
1,1
-0,4
20,4
1983
-2,8
-6,1
16,1
1984
5,7
6,1
15,5
1985
8,4
8,3
16,7
1986
8,0
11,3
18,5
1987
2,9
1,0
19,7
Fonte: IBGE – Contas Nacionais
197
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TESE_01_05_06 FINAL - Instituto de Economia da UFRJ