OPINIÃO OPINIÃO Escrita a duas mãos - um é engenheiro civil, o outro arquiteto - esta rubrica promete apresentar duas faces da mesma moeda, duas profissões que andam lado a lado, duas perspetivas diferentes que são, ao mesmo tempo, e invariavelmente, próximas e indissociáveis. Cecil Balmond The artist D João Saavedra Arquiteto www.saavedrarquitectura.com epois da euforia, chegou o desencanto. A expansão económica aliada a uma embriaguez construtiva culminou na atual crise económica, obrigando a Arquitetura e a Engenharia a reinventarem-se enquanto Disciplinas. Chegou o momento de repensá-las através de uma visão crítica, reorientando-as para novos paradigmas, mais atentos a revoluções energéticas e tecnológicas, recriando atmosferas compatíveis entre o físico e o digital. Este processo trará uma maior aproximação ou distanciamento entre as duas disciplinas, e será indubitavelmente definido a partir das novas tendências atuais e daquelas que irão aparecer. Hoje debruçamo-nos sobre uma delas. Actualmente, poucos artistas têm tanto impacto na redefinição do pensamento arquitetónico como o tem Cecil Balmond. A sua capacidade de interligar movimentos artísticos como a arquitetura e outras formas de expressão artística, como o design, com ciências milenares como a engenharia e matemática, aliado a um forte discurso teórico, conquistou de forma estrepitosa o mundo das artes e ciência, o qual só parece ter paralelo com nomes tão importantes como o de Leonardo da Vinci. O conteúdo inovador do seu trabalho em campos tão distintos como o design, arquitetura, engenharia, matemática e em diversas artes visuais e escritas, tornaramno uma referência incontornável 1 Balmond, 2 Linden, 46 | CASAS & NEGÓCIOS no meio artístico internacional. Cecil Balmond nasceu no Sri Lanka no ano de 1943 onde viveu grande parte da sua juventude. Após um breve passagem pela Nigéria muda-se para Inglaterra onde ingressa na universidade de “University of Southampton” Southampton para frequentar o curso de Engenharia Civil. Poucos anos mais tarde torna-se Mestre em Engenharia Civil pela Universidade Imperial College em Londres. Ingressa na prestigiada empresa OVE ARUP PARTENERS no ano de 1968 tornando-se Vice-Presidente em 2003. Começa muito cedo, enquanto jovem engenheiro da ARUP, a transformar a nossa forma de compreender e decifrar o conceito arquitetónico. A intrínseca colaboração com arquitetos de renome internacional, nomeadamente na fase de concepção de projeto, cedo comprova a sua extraordinária capacidade de intervir na gestação do propósito criativo, ajudando a modelar a forma estrutural que muitas vezes definiam só por si o próprio projeto. O seu trabalho tornavase quase uma reflexão sobre a própria ciência e a arte da arquitetura em rotura com a metodologia motriz tradicional da engenharia. O empenho de Cecil Balmond em integrar e interligar os conceitos de espaço, forma e estrutura, são elevados a fenómeno de culto, desafiando em todos os momentos o arquiteto a repensar a própria intenção do projeto. “Structure as conceptual rigour is architecture” (1). Um dos aspetos Cecil, Informal: The informal in Architecture and Engineering, Prestel, 2002 Michelle, A Return to Techne: On Cecil Balmond, www.magazine.art-signal.com mais interessantes da sua obra é a extrapolação da investigação teórica para o que constrói. A complexidade não é um conceito vazio, mas antes uma rigorosa investigação de temas que se podem interligar e desconstruir. A sua visão sobre o universo, nomeadamente no reconhecimento da constante mutação de padrões, levou-o à interrogação de conceitos matemáticos e da sua influência em estruturas e formas produzidas pela natureza, interrogando-se sobre conceitos como fractais, algoritmos, ritmo e estruturas celulares. Já como Vice-Presidente da OVE ARUP PARTENERS, cria no ano 2000 a Unidade de Geometria Avançada (AGU), com o principal intuito de investigar conceitos matemáticos e sua influência sobre as formas naturais e estruturas. Abrangendo uma ampla variedade de pesquisas científicas, tão diversas como a música, algoritmos e estruturas celulares, Balmond investiga a raiz da ordem estrutural e de padrões. Este trabalho teórico em matemática e ciência é o ponto crucial de seu processo de design, oferecendo uma abundância de conceitos abstratos para ajudar a definir a expressão tectónica (2). As ramificações artísticas destes padrões matemáticos revelam a sua verdadeira genialidade, como exemplificado pelo projeto do Pavilhão Ito-Balmond Serpentine, em Londres. Aqui, Balmond utiliza o seu conhecimento sobre algoritmos de fractais para atuar como o primeiro agente de organização e conceção, permitindo que o pavilhão possa existir como uma entidade holística, onde a estrutura e forma são uma e a mesma coisa. Seja através da exploração de formas, a partir de fractais, ou outra qualquer noção de complexidade científica e de padrões, o desenvolvimento destas ideias afetam a evolução de todas as suas estruturas. Imaginar formas na necessidade de as estruturar, em vez de as trabalhar para desenvolver um esqueleto estático, para uma forma preexistente, mudou a maneira como Balmond e a sua equipa observam o pragmatismo do projeto arquitetónico. Consistentemente trabalhando como um pioneiro no campo da arquitetura, recusa-se a aceitar noções padrão de estabilidade estrutural. Para além de redefinir as formas vigentes de metodologia concetual, Balmond oferece aos arquitetos a possibilidade de vislumbrar formas livres de quaisquer constrangimentos estruturais típicos (2). O conceito de fractal, imortalizado pelo matemático Benoít Mandelbrot pode ser descrito como toda a estrutura geométrica não euclidiana de formas similares e repetitivas, independente da escala. O espaço de fractais, é para Cecil, a busca incessante de uma nova estética, baseada em novas fórmulas e ritmos escondidos. Com o olho na natureza envolvente, Balmond encontra o ritmo e a ordem escondida que reside na natureza, não apenas num sentido estético e superficial, mas transformando-o em geometria. Baseado em simples regras, a natureza presenteia-nos com elementos de imensa complexidade. Para a Arquitetura, a estrutura é o esqueleto que suportará o edifício, mas para Balmond esta definição é demasiado simplista. Nunca entendeu a estrutura como um elemento simplesmente estático, mono funcional, mas como um sistema fluido e flexível. Ou seja, utilizando a natureza como exemplo, acredita que a estrutura pode ter um significado transversal em todo o projeto, criando novos paradigmas formais e reinventado 3 Balmond, espaços considerados demasiado rígidos. No fundo, pôs em questão a possibilidade de criar uma arquitetura mais rica que cresce naturalmente fora dos seus próprios códigos, respondendo com flexibilidade a fatores e condições muito complexos (3). Esta atitude de questionar o ADN de certos elementos de referência está bem patente na obra que construiu em parceria com o Engenheiro António Adão da Fonseca, em Coimbra. Tradicionalmente uma ponte é uma estrutura que permite interligar dois pontos inacessíveis separados por um elemento natural ou artificial. Mas será possível que esta ligação possa ser realizada através de duas linhas que não se cruzam? Ao questionar a ideia preconcebida de “ponte”, Balmond desenhou uma que inclui em si mesmo um conceito de espaço. Ou seja, questionando as premissas conseguiu criar um ponto de encontro, uma tensão espacial entre as duas margens, extrapolando a função de unir dois pontos em algo mais (4). Ao longo do seu percurso profissional, Cecil Balmond, começa gradualmente a procurar novas formas de expressão artística, as quais a engenharia tradicional nunca lhe poderia oferecer. Esta busca incessante de constantes desafios artísticos acaba por lhe proporcionar diversas colaborações, cada vez mais inopinadas, com diversos artistas plásticos como Anish Kapoor e alguns arquitetos que vagueiam por espaços mais experimentalistas. Destas colaborações resultam alguns dos seus trabalhos mais inovadores. No ano de 2010 inaugura a exposição denominada de “Element”, na Tokio City Art Gallery. Organizada através de fotografias, desenhos e instalações, esta montra é usada para se repensar como a arquitetura pode ser exibida em público criando uma exposição que capta a atenção sensorial das pessoas através dos seus corpos, ao revés da simples mostra de informação nos moldes mais convencionais. Entre todo o material exposto sa- lientamos “Danzer” e “H_EDGE”. O primeiro é um gigante puzzle tridimensional. Num olhar atento entendemos a sua estruturação através de quatro tipos de tetraedros, que com simples torções e combinados entre eles adicionando variações de tamanho formam uma malha não linear. Com um princípio simples esta forma adquire uma presença imprevisível de complexa percepção. Este uso da forma fractal pode ser visto também na fachada do edifício CCTV em Pequim projetado com Rem Koolhaas, onde a utilização de simples geometria cria uma trama irregular e rica. Com “H_EDGE” a intenção é distinta. Aqui tenta explorar a noção de transparência, de dentro e fora. Esta instalação consiste no uso de um único objeto de alumínio em forma de H que repetido cria uma sensação espacial de infinito. A nível estrutural destaca-se a combinação da dita peça com correntes criando um modelo de interligação em que os dois elementos se sustentam entre si. Esta exploração de leveza e fragilidade é perceptível no pavilhão St Louis Forest em que colaborou com o famoso arquiteto nipónico Shigeru Ban. Tal como em “H_EDGE”, a obra desenvolve-se através da leveza estrutural e da interligação dos seus elementos. Serão todas estas obras, o fruto da busca sobre a excelência na Engenharia, ou será, por outro lado, a procura da perfeição espacial e formal, génese de toda a Arquitetura? No fundo, é tudo isto e muito mais… Para Balmond, reinventar estas duas Disciplinas é simples: basta quebrar o limite que as separa. Nuno Saavedra Engenheiro Civil www.saavedrarquitectura.com Cecil, Element, Prestel, 2008 4 Balmondstudio.com CASAS & NEGÓCIOS | 47