Justiça do Trabalho absolve União de responsabilidade subsidiária 00016-2009-011-10-00-8 RO (Acordão Turma) Origem: 11ª Vara do Trabalho de BRASÍLIA/DF Juíz(a) da Sentença: Patrícia Birchal Becattini Relator: Desembargador André R. P. V. Damasceno Revisora: Desembargadora Elaine Machado Vasconcelos Julgado em: 19/02/2010 Publicado em: 05-MAR-10 Recorrente: União (Ministério das Cidades) Advogado: Edvard de Freitas Machado Recorrente: Regina Célia da Silva Oliveira Advogado: Juliana Rocha de Almeida Borges Recorrido: Os Mesmos Recorrido: Imperial Serviços Terceirizados Ltda. Processo: Acordão do(a) Exmo(a) 1ª Desembargador André R. P. V. Damasceno EMENTA RESCISÃO INDIRETA. FALTA GRAVE DO EMPREGADOR. CONFIGURAÇÃO. A rescisão indireta do contrato de trabalho é a modalidade de cessação do contrato de trabalho por decisão do empregado em razão da justa causa praticada pelo empregador (art. 483 da CLT). Para sua configuração, mister que a falta cometida pelo empregador seja de tal monta que abale ou torne impossível a continuidade do contrato. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. Indene de dúvidas que "O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993)" (Súmula 331, inciso IV, do Col. TST). Não se pode olvidar, todavia, que o fundamento para a responsabilização do ente público terceirizante repousa na culpa in vigilando relativamente à correta execução do contrato. Evidenciado nos autos que o órgão público efetivamente fiscalizou a execução do contrato firmado com a empresa prestadora , tanto assim que promoveu a rescisão do contrato de prestação de serviços tãologo constatada a mora salarial, tem-se por inviável responsabilizá-lo nos moldes apontados na Súmula 331/TST. RELATÓRIO A Exma. Juíza da Eg. 11ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, Dra. Patrícia Birchal Becattini, por meio da sentença de fls. 315/326, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais para condenar as reclamadas - Imperial Construções Administração e Serviços Ltda. e União (Ministério das Cidades) -, sendo a segunda subsidiariamente, a pagarem à reclamante as parcelas deferidas na fundamentação. Os embargos de declaração opostos pela reclamante foram rejeitados pela decisão de fl. 362. Recorrem ordinariamente a segunda reclamada (fls.338/361) e a reclamante (fls. 369/376), buscando a reforma da sentença. Contra razões apresentadas pela reclamante a fls. 380/386 e pela segunda reclamada 390/397. O d. Ministério Público do Trabalho, por meio do parecer de fls. 41/423, opinou pelo parcial conhecimento e desprovimento do recurso do recurso da União e pelo conhecimento e parcial provido do recurso da reclamante. É o relatório. VOTO ADMISSIBILIDADE Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso da reclamante e parcialmente do recurso da União, não o fazendo quanto ao pedido de limitação da condenação nos termos da Súmula 363/TST, por inovação à lide. MÉRITO RECURSO DO RECLAMANTE MODALIDADE RESCISÓRIA Pretende a autora, na inicial, seja declarada a rescisão indireta do seu contrato de trabalho com a primeira reclamada, com fulcro no art. 483, alíneas "d" e "e", ao argumento de que houve descumprimento de diversos deveres contratuais, a saber: ausência do pagamento do salário de outubro/2008 e não fornecimento de vale transporte e vale-refeição referentes ao mês de novembro/2008. Acrescenta que, em razão de tal inadimplência, a União (segunda reclamada) rescindiu o contrato de prestação de serviços com a primeira reclamada, contratando em seu lugar a empresa Orion Serviços e Eventos Ltda., segunda classificada no certame licitatório. Informa, ainda, que durante o período permaneceu prestando serviços nas dependências do Ministério das Cidades. Postula a condenação das reclamadas, sendo a segunda de forma subsidiária, ao pagamento das verbas discriminadas na exordial. A Exma. Juíza a quo, com base na cláusula trigésima da Convenção Coletiva de Trabalho de 2008 - cláusula de continuidade -, firmada entre o Sindicato dos Empregados em Empresas de Asseio, Conservação, Trabalho Temporário. Prestação de Serviços e Serviços Terceirizáveis - SINDISERVIÇOS e o Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação do Distrito Federal - SEAC/DF, entendeu tratar-se de rescisão do contrato de trabalho por acordo, dividindo-se os ônus da presente rescisão por ambas as partes, motivo pelo qual aplicou a redução da multa de 40% do FGTS e deferiu ao reclamante somente o pagamento de 20%. Recorre a reclamante, aduzindo que "não há que se falar em rescisão do contrato de trabalho por acordo, vez que nem mesmo as determinações constantes da Cláusula 30ª da CCT foram cumpridas pela primeira reclamada". (fl. 374). Pugna pela reforma da r. decisão de origem para que seja reconhecida a rescisão indireta do contrato de trabalho, na forma do artigo 483 da CLT, com o pagamento das verbas rescisórias decorrentes desta modalidade rescisória. Como é cediço, a norma contida no art. 483, d, da CLT, autoriza o empregado a rescindir o contrato de trabalho e pleitear a devida indenização quando o empregador não cumpre suas obrigações legais e contratuais. Por sua vez, o Decreto-lei 368/68, em seu art. 2º, § 1º, considera mora contumaz o atraso ou sonegação de salário devidos aos empregados, por período igual ou superior a três meses, sem motivo grave e relevante, excluídas as causas pertinentes ao risco do empreendimento. Acerca do tema, leciona o jurista Maurício Godinho Delgado: A mora salarial reiterada, ainda que não atingindo prazo igual ou superior a três meses, é fator de rescisão indireta, em face da severidade da falta do empregador: afinal, é pacífico no Direito do Trabalho ter o salário natureza alimentar, e o retardo em seu pagamento, sendo demorado e repetido, constitui, sem dúvida, infração de forte intensidade." (in Curso de Direito do Trabalho, Ed. LTr, 5ª Edição, p. 1219) De outro lado, em homenagem ao princípio da continuidade da relação de emprego, para o reconhecimento da rescisão indireta do vínculo empregatício, da mesma forma que na dispensa por justa causa, deve a falta cometida ser de tal monta que abale ou torne impossível a continuidade do contrato de trabalho. Neste sentido a jurisprudência desta Eg. Turma: "RESCISÃO INDIRETA. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. CARACTERIZAÇÃO. Em face do princípio da continuidade, preferir-se-á manter a relação de emprego, apesar do inadimplemento ou da violação contratual em que incorra o empregador. Só quando esta situação se torna intolerável e/ou provoca danos irreparáveis deve ser admitida a rescisão indireta" (TRT-RO 1956/90, 1ª T, Rel. Desembargador Aposentado Fernando Américo Veiga Damasceno, DJU 29.01.01). Nesse contexto, conclui-se que, em face dos dispositivos legais citados e dos princípios que norteiam o direito do trabalho, configura-se a mora salarial, para fins de falta do art. 483, 'd', da CLT, a ocorrência reiterada de atrasos no pagamento de salários. Dessa forma, não se admitirá que o fim do contrato tenha por causa um único atraso no pagamento do salário, falta não considerada grave o suficiente para tal mister. No que toca às condutas patronais invocadas pela autora na inicial (atraso do pagamento do salário de outubro/2008, bem como o não fornecimento de vale transporte e do vale-refeição referente ao mês de novembro/2008), tem-se que estas não ostentam a gravidade necessária para ensejar o reconhecimento da justa causa patronal. Isto porque, conforme se depreende dos autos, a União rescindiu o contrato com a primeira reclamada em 10/11/2008 (fl. 38) e a empresa sucessora foi contratada em 11/11/2008. A reclamante informa na inicial que foi admitida nos quadros da empresa sucessora. Dessa forma, considerando-se que o pagamento do salário de outubro de 2008 poderia ser efetuado até o 5º dia útil de novembro (art. 459, § 1º, da CLT) e sendo a autora absorvida nos quadros da empresa sucessora em 11.11.2008, tem-se que a mora salarial, bem como o fornecimento dos vales em questão, não tiveram a dimensão realçada na inicial. Some-se a isso o fato de a demandante ter começado outra relação de emprego antes mesmo de ter postulado a ruptura judicial do vínculo, o que faz concluir pela inexistência de rescisão indireta. Destaca-se, ainda, a inexistência de qualquer indício nos autos de comunicação feita pela demandante à empresa sobre o rompimento do pacto laboral. Dessa forma, do conjunto probatório constitutivo dos autos, não emergem elementos que autorizem o reconhecimento de rescisão indireta. Pelo contrário, o contexto delineado dos autos evidencia que a rescisão do contrato de trabalho firmado entre a primeira reclamada e a reclamante, se de um lado decorreu da ruptura do contrato administrativo firmado entre as reclamadas, de outro lado deu-se também em face do interesse da autora em continuar prestando serviços ao Ministério das Cidades, por meio da empresa sucessora. Outrossim, a cláusula 30ª da CCT, transcrita pela segunda reclamada no corpo de sua defesa (fls. 80/81), cujo teor não foi impugnado pela reclamante, está assim redigida: "CLÁUSULA TRIGÉSIMA - INCENTIVO À CONTINUIDADE Considerando as peculiaridades da terceirização de serviços no segmento asseio, conservação e serviços terceirizados, fundamentado na decisão proferida pela Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TST (Processo nº ROA-7.877-2002-000-04-00-0) e, ainda, visando à manutenção e continuidade do emprego fica pactuado que as empresas que sucederem outras na prestação do mesmo serviço, em razão de nova licitação pública, novo contrato administrativo ou particular e/ou contrato emergencial, ficarão obrigadas a contratar todos os empregados da empresa anterior sem descontinuidade quanto ao pagamento dos salários e a prestação dos serviços, sendo que as empresas que perderem o contrato comunicarão o fato ao Sindicato Laboral até 20 (vinte) dias antes do final do mesmo, e ficarão também obrigadas a dispensar os empregados sem justa causa, mediante as seguintes condições: I) O Termo de Rescisão Contratual, no campo referente à forma de rescisão, constará "sem justa causa" e deverá constar obrigatoriamente no ato da homologação a expressa referência à cláusula 30ª - CCT. II) A empresa que está assumindo o contrato de prestação de serviço admitirá o empregado da empresa anterior e a ele concederá garantia de emprego de 180 (cento e oitenta) dias, sendo vedada a celebração de contrato de trabalho a título de experiência nesse período. III) No período da estabilidade (180 dias) a empresa que está assumindo a contratação só poderá demitir o empregado por cometimento de falta grave ou por pedido formal do empregado. IV) A Empresa que está assumindo o contrato de prestação de serviço fica obrigada a manter os níveis salariais das funções contratadas, pagando os mesmos salários e demais benefícios praticados pela empresa que está perdendo o contrato da prestação de serviço, tais como: vale-transporte, ticket-refeição, valealimentação, etc. V) A empresa que está perdendo o contrato de prestação de serviço fica desobrigada do pagamento do aviso prévio e suas respectivas projeções, da indenização adicional prevista no artigo 9ª das Leis 7.238/84 e 6.708/79, obrigando-se, entretanto, a pagar as demais verbas rescisórias, sendo que a multa fundiária (artigo 9º do Decreto 99.684/90), será calculada no percentual de 20% do FGTS devido ao empregado.". VI) As verbas rescisórias a que se refere o item anterior deverão ser quitadas até o décimo dia após a rescisão do contrato de trabalho do empregado, ficando ajustado que o salário base para cálculo das verbas rescisórias é o correspondente ao do último dia de trabalho. VII) Havendo real impossibilidade da continuação do trabalhador nos serviços, devidamente justificada perante os dois sindicatos convenentes, este trabalhador terá direito à indenização normal do percentual de 40% (quarenta por cento) sobre os depósitos do FGTS, e demais verbas rescisória." (grifei). Do teor da cláusula convencional acima transcrita depreende-se que a norma coletiva, que visa exatamente à manutenção e continuidade do emprego, estabelece que as empresas que sucederem outras na prestação do mesmo serviço ficam obrigadas a admitirem os empregados oriundos da empresa sucedida, reduzindo a multa do FGTS para 20%, e desobrigando esta última do pagamento do aviso prévio e suas respectivas projeções, da indenização adicional prevista no artigo 9ª das Leis 7.238/84 e 6.708/79. Vale mencionar que a autonomia privada coletiva é prestigiada pelo texto constitucional (art. 7º, inciso XXVI) e, assim, o conteúdo das convenções e acordos coletivos formalizados segundo as exigências legais deve ser observado. Assim, se a convenção coletiva estabelece normas que podem ser mais benéficas ou menos favoráveis ao empregado, desde que não contrariem norma de ordem pública, tais normas revestem-se de caráter legal, eis que aprovadas por assembléia geral das categorias, tornando-se, assim, soberanas, por espelharem a vontade das partes. E a cláusula normativa em comento visa justamente beneficiar o empregado ao resguardar o emprego dos funcionários da sucedida. Na hipótese dos autos restou incontroverso que a reclamante continuou a prestação de serviço para o Ministério das Cidades, sem solução de continuidade, por intermédio da empresa sucessora. Sendo assim, a questão posta nos autos, em que pese a ausência da formalização da ruptura do relação empregatícia mantida entre a reclamante e a primeira reclamada, se amolda à hipótese disciplinada pela cláusula convencional em comento, o que atrai a sua incidência. Nego provimento. RECURSO DA UNIÃO DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO ENTE PÚBLICO O Juízo primário, aplicando à hipótese o inciso IV da Súmula nº 331 do Col. TST, reconheceu a responsabilidade subsidiária da segunda reclamada (União), pela condenação imposta à primeira demandada. Inconformada, recorre a União, alegando que a Lei nº 8.666/93, isenta a Administração Pública de responsabilidade pelo cumprimento das obrigações trabalhistas quando houver o inadimplemento do empregador, sendo esta responsabilidade exclusiva da primeira reclamada. Afirma que não se cogita de culpa in vigilando ou elegendo, ante a regularidade do processo licitatório, bem como o adequado exercício do poder fiscalizador por parte da União. Acusa afronta aos arts. 2º; 5º, II; 22, XXVII; e 37, caput, XXI e § 6º; 97, todos da Constituição Federal e arts. 66 e 71 da Lei 8.666/93. A matéria encontra-se superada pela jurisprudência consolidada pela Súmula 331, do Colendo TST, que alterou a redação do seu inciso IV, para dispor que: "O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993)". E os Tribunais têm entendido pela aplicação da referida Súmula em casos análogos, inclusive naqueles em que figura como parte ente público: "RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTIDADE PÚBLICA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. O sistema de terceirização de mão-de-obra, em sua pureza, é importante para a competitividade das empresas e para o próprio desenvolvimento do País. Exatamente para a subsistência deste sistema de terceirização é que é fundamental estabelecer a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, quando a prestadora de serviços é inidônea economicamente. Naturalmente, estabelecendo-se a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, este se acautelará evitando a contratação de empresas que não têm condições de bem cumprir suas obrigações. Isto evitará a proliferação de empresas fantasmas ou que já se constituem mesmo visando lucro fácil e imediato às custas de direitos dos trabalhadores. Os arts. 27, 31, I, parágrafos 1º, 2º, 4º e 5º e 56, 58 e 67, da Lei 8.666/93 asseguram à Administração Pública uma série de cautelas para evitar a contratação de empresas inidôneas e para se garantir quanto a descumprimento de obrigações por parte da empresa prestadora de serviços, inclusive a in vigilando da Administração Pública. E considerando o disposto no § 6º do art. 37 e no art. 193 da Constituição Federal, bem poder-se-ia ter como inconstitucional o § 2º do art. 71 da Lei nº 8.666/93 se se considerasse que afastaria a responsabilidade subsidiária das entidades públicas, mesmo que houvesse culpa in eligendo e in vigilando na contratação de empresa inidônea para a prestação de serviços. Neste sentido se consagrou a jurisprudência desta Corte, tendo o item IV do Enunciado 331 explicitado que "..." (TST-RR 419406/98, 2ª T, Rel. Min. Vantuil Abdala). "ENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENUNCIADO Nº 331, IV DO TST "VERSUS" ARTIGO 71, § 1º, DA LEI Nº 8666/93. A responsabilidade de que trata o § 1º, do artigo 71, da Lei nº 8666/93, é a direta, a solidária, hipótese em que a dívida pode ser cobrada indistintamente do devedor principal e do co-obrigado. O item IV do Enunciado nº 331 dp TST, a toda evidência, refere-se à responsabilidade indireta, ou subsidiária, que permite a responsabilidade do tomador de serviços apenas quando esgotadas as possibilidades de receber a dívida trabalhista, reconhecida judicialmente, do principal responsável. Revista não conhecida" (TST-RR 706012/2000, 5ªT, Rel. Min. Rider Nogueira de Brito, DJ 09.11.01, pg. 894). Cabe ressaltar que reconhecer a responsabilidade subsidiária da 2ª reclamada, em conformidade com o entendimento firmado pelo Col. TST com relação ao tema, não implica negar vigência ao art. 71 da Lei nº 8.666/93, mas, sim, em interpretá- lo à luz dos princípios que norteiam o ordenamento jurídico. Esta Justiça Especializada buscou, dentro de sua competência, definir o sentido da norma em análise, confrontando- a como todo o sistema normativo pátrio, de molde a extrair-lhe o sentido que mais se coaduna com todo o conjunto de normas e princípios fundamentais que orientam o Estado brasileiro e o funcionamento da Administração Pública, em especial os princípios da valorização social do trabalho e da responsabilidade objetiva do Estado. Não é demais lembrar que os valores sociais do trabalho se erigem como um dos princípios basilares do ordenamento pátrio, sendo inclusive prestigiados pela própria Constituição da República em seu art. 1º, IV, devendo o aplicador do direito, ao interpretar a norma no caso concreto, harmonizá-la com este princípio. Em tal contexto, o que se verifica é que a Lei nº 8.666/93, a toda evidência, visou impedir que, na ocorrência de inadimplemento do empregador, a Administração Pública fosse considerada diretamente responsável pelos encargos trabalhistas inadimplidos, não se extraindo de seu artigo 71 qualquer vedação à responsabilidade subsidiária do ente público naqueles casos. A incompatibilidade entre a literalidade da norma em discussão e a jurisprudência sumulada do Col. TST, portanto, é tão-somente aparente, como bem explicitou o Exmo. Juiz Douglas Alencar Rodrigues, por ocasião do julgamento do Processo RO 01260-2001-010-1000-4, cujo acórdão foi publicado em 29.11.2002: "Ainda no que concerne ao art. 71, §1º, da Lei nº 8.666/93, consideramos que a postura adotada pela mais alta corte jurisdicional trabalhista prestigiou a interpretação conforme à Constituição, apesar de aparentemente contrária à própria literalidade do preceito infraconstitucional. Não há ofensa ao art. 5º, II, da CF, mas apenas o reconhecimento judicial das conseqüências lesivas do negócio jurídico constituído com a participação direta da empresa tomadora, cuja conduta culposa, seja pela ausência de vigilância das atividades empresariais da prestadora, seja pela má eleição do outro contratante, são suficientes para justificar a apenação subsidiária proclamada, com já decidido, de modo reiterado, pelos tribunais do trabalho. Como exposto, a responsabilização subsidiárias de entidades jurídicas de direito público, tal como tratada no En. 331, IV, da Súmula do C. TST, não foi construída com absoluto desprezo ao preceito da Lei nº 8.666/93, igualmente não havendo, na interpretação e aplicação das regras positivas, afronta ao postulado da separação dos Poderes." Este é o entendimento que vem prevalecendo neste Tribunal, consoante se pode verificar dos arestos abaixo transcritos: "ENUNCIADO 331, INCISO IV, DO TST. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO ENTE PÚBLICO. Pela edição do Enunciado 331, o TST sedimentou entendimento de que, em caso de não cumprimento das obrigações trabalhistas por parte da empresa prestadora de mão-de-obra, subsistirá a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, seja ente público ou privado. O escopo de tal verbete é garantir o crédito trabalhista do hipossuficiente, em situações em que inadimplente o real empregador. Em sendo o tomador da mão-de-obra do reclamante, ente público beneficiário dos serviços prestados, este não se eximirá da responsabilidade do pagamento dos réditos do reclamante decorrentes do vínculo de emprego com o prestador de serviços, pois tal responsabilidade decorre da culpa in vigilando e in eligendo." (TRT- Processo RO nº 00066-2002-101-10-00- 1, 1ª T, Rel. Juíza Maria Regina Guimarães Dias, DJ 10.01.2003) "ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENUNCIADO 331, IV, DO TST. A proteção ao trabalhador se sobrepõe à letra fria da lei, não se olvidando que o bem comum pode ser visto como o próprio bem particular do cidadão, que compõe a sociedade. A nova redação dada ao Enunciado 331, IV, do TST visa exatamente a impossibilitar que a Administração Pública se exima de responsabilizar-se, de forma subsidiária, pelos créditos trabalhistas, haja vista o princípio protetor que norteia o Direito do Trabalho, bem como a culpa in vigilando do ente público quanto à prestadora de serviços inadimplente" (00117.2002.017.10.00.0 RO, Ac. 2ªT, Rel. Juíza Flávia Simões Falcão, DJ 28.02.03) Esta Egrégia Turma também segue o mesmo entendimento, consoante os precedentes: 00606-2002-013-10-00-7 RO, Rel. Juiz Ricardo Alencar Machado, DJU 28.02.03; 00604-2002-002-10-00-4 RO, Rel. Juiz Pedro Luis Vicentin Foltran, DJU 28.02.03; 00389-2002-010-10-00-6 RO, Rel. Juíza Maria Regina Guimarães Dias, DJU 28.02.03). Não se pode olvidar, todavia, que o fundamento para a responsabilização do ente público terceirizante repousa na culpa in vigilando relativamente à correta execução do contrato. Cumpre, assim, verificar se o recorrente deixou ou não de diligenciar com relação ao cumprimento das obrigações contratuais da empresa terceirizada, de molde a atrair, para si, as conseqüências a que alude a Súmula 331/TST. No caso dos autos, postula a autora, na inicial, o pagamento do salário de outubro/2008, do saldo salarial de novembro/2008 (10 dias), vale-transporte e vale-alimentação do mês de novembro/2008, que são pagos de forma adiantada, ou seja, juntamente com o salário do mês anterior, e verbas rescisórias. Não obstante, verifica-se da documentação coligida aos autos pela 2ª reclamada que a União efetivamente fiscalizou a execução do contrato firmado com a empresa prestadora. Tanto assim que já no dia 07 do mês de novembro/2008 acusou o atraso no pagamento dos salários de outubro, intimando a 1ª reclamada a regularizar a situação, sob pena de incorrer não apenas nas penalidades previstas na legislação trabalhista, mas também nas penalidades estipuladas no contrato de prestação de serviços (fls. 110/112). Em 10.11.2008, encaminhou ofício noticiando a rescisão unilateral do contrato administrativo com base na quebra da cláusula contratual que versa sobre o pagamento dos salários dos empregados terceirizados, o que, de resto, materializou-se no dia 11.11.2008, conforme termo de distrato constante de fls. 115/116. O contrato com a empresa sucessora passou a viger no dia 12.11.2008. A reclamante, como relata a própria inicial, foi contratada pela nova prestadora de serviços. Tenho, assim, por não evidenciada a omissão fiscalizatória ensejadora da responsabilização subsidiária do ente público terceirizante, nos moldes da Súmula 331/TST. Por tal razão, dou provimento ao recurso e, via de consequência, julgo improcedentes os pedidos com relação ao segundo reclamado. Prejudicada a análise dos demais temas versados no recurso da União. CONCLUSÃO Isto posto, conheço de ambos os recursos, sendo de forma parcial o apelo da União. No mérito, nego provimento ao recurso da reclamante e dou provimento ao recurso da 2ª reclamada, julgando improcedentes os pedidos com relação à mesma. Prejudicada a análise dos demais temas versados no recurso da União. Tudo nos termos da fundamentação. É o meu voto. CONCLUSÃO Por tais fundamentos, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Região, em sessão realizada na data e nos termos contidos na respectiva certidão de julgamento, aprovar o relatório, conhecer de ambos os recursos, sendo de forma parcial o apelo da União; no mérito, negar provimento ao recurso da reclamante e dar provimento ao recurso da 2ª reclamada, para julgar improcedentes os pedidos com relação à mesma. Prejudicada a análise dos demais temas versados no recurso da União. Tudo nos termos do voto do Relator.