EMBRIAGUEZ E ALCOOLISMO NO TRABALHO
Cássio Casagrande•
Uma curiosa decisão do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo proferida neste
mês chamou a atenção para um problema social e médico comum nas relações do trabalho: a
embriaguez e o alcoolismo.
O TRT paulista decidiu que a ingestão de cerveja no intervalo para refeição não
constitui falta grave do empregado, ensejadora de justa causa. A empresa Verzani e Sancrino
Segurança Patrimonial despediu um de seus vigilantes porque o mesmo fora flagrado bebendo cerveja,
no horário de intervalo destinado ao descanso. Segundo a prova dos autos, o autor não aparentava
embriaguez, porém a testemunha que o vira naquele momento declarou em juízo que o mesmo exalava
o odor típico do fermentado. O Tribunal entendeu que a embriaguez só poderia estar configurada pelo
“aparente e inequívoco estado do indivíduo que, nesta condição, não detém o governo de suas
faculdades e mostra-se totalmente incapaz de exercer com prudência até mesmo as mais singelas
atividades”.
A CLT autoriza o empregador a despedir o empregado por justa causa quando ocorrer
“embriaguez habitual ou em serviço (art. 482, letra f)”. Isto significa dizer que o despedimento é
autorizado quando o empregado se apresentar habitualmente sob o efeito de álcool ou quando
consumi-lo durante o expediente. Como foi visto, a jurisprudência entendeu no caso acima que a
ingestão moderada de bebida alcoólica durante o intervalo não caracteriza a justa causa. Mas há outros
importantes aspectos a serem considerados neste tema. Em alguns casos, o estado de embriaguez
justificador da justa causa pode ocorrer até mesmo fora do ambiente de trabalho. Em outros, a
embriaguez pode denotar a doença do alcoolismo, o que poderia até mesmo impedir o despedimento
do empregado. Portanto, é importante distinguir inicialmente embriaguez de alcoolismo. Nem todo
embriagado é alcoólatra e nem todo alcoólatra se apresenta publicamente em estado de embriaguez.
Comecemos com o estado de embriaguez eventual. O comparecimento ao trabalho
neste estado pode ou não caracterizar a justa causa, dependendo das circunstâncias do caso. Um peão
da uma fazenda de pecuária beber um pouco além da conta numa friorenta e longa jornada de trabalho
pode ser algo socialmente tolerável se isto não o incapacita de todo para o trabalho.
Já um
comandante de aeronave apresentar-se para um vôo embriagado é algo tão grave que dispensa
comentários. Claro que no primeiro caso se a embriaguez for habitual, a situação pode mudar.
Se a embriaguez ocorre “fora do serviço”, ainda que habitualmente, em princípio o
empregador nada tem a ver com isto, já que se trata da vida privada do empregado. Mas também aqui
pode haver circunstâncias que justifiquem uma demissão por justa causa. É que em certas atividades e
profissões o empregado deve guardar certo decoro mesmo fora de seu horário de trabalho. Imagine-se
um professor secundarista que “encha a cara” numa festa de fim de semana de seus alunos e acabe
perdendo completamente a linha. Este comportamento pouco discreto pode abalar a imagem do seu
empregador, que poderá considerar aquela conduta como falta grave.
Mas é no terreno da embriaguez “habitual”, que é preciso ter cuidado. Como é sabido,
a Organização Mundial de Saúde considera o alcoolismo uma doença provocada por dependência
química. E, como tal, ela afeta milhões de trabalhadores, com importantes repercussões nas relações
laborais.
Assim, ao constatar que um de seus empregados vem apresentando com freqüência
problemas relacionados ao consumo excessivo de álcool, o empregador deve agir com cautela e de
forma diligente, de modo a averiguar o problema do ponto de visa da saúde ocupacional. Não raro o
alcoolismo tem origem em condições opressivas de trabalho, sendo comum também entre
trabalhadores submetidos a grande pressão psicológica, como aqueles que ficam isolados durante
muito tempo em plataformas de petróleo ou os controladores de vôo, que não podem errar. Algumas
profissões peculiares também facilitam a ocorrência da doença, como a de barman ou provadores de
bebidas alcoólicas.
Ainda que o alcoolismo não tenha origem em problemas relacionados ao ambiente de
trabalho, mesmo assim deve ser encarado como doença pelo empregador. E isso tem importante
repercussão jurídica, já que ninguém pode ser despedido por estar doente. Certa vez, quando exercia
a advocacia, defendi um trabalhador que havia sido despedido por embriaguez habitual, mas cujo caso
ocultava um sério problema de alcoolismo. Este meu cliente havia trabalhado durante mais de vinte
anos para uma companhia estadual de energia elétrica, tendo recebido ao longo de sua vida funcional
diversos prêmios pela sua produtividade. Quando foi ao meu escritório percebi que estava num
adiantado e perigoso estágio de alcoolismo. Contou-me que seus problemas com o álcool haviam
começado há relativamente pouco tempo, em razão de problemas familiares. O curioso é que a
empresa, percebendo a situação de seu antigo funcionário, chegou a afastá-lo de suas atividades e a
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Procurador do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro. Coordenador do CEDES – Centro de Estudos
Direito e Sociedade. O presente texto também pode ser acessado no site do CEDES (www.cedes.iuperj.br),
juntamente com outros artigos sobre “Cidadania no Trabalho”.
pagar um tratamento contra o alcoolismo. O tratamento fora infrutífero e o meu cliente voltara a beber
violentamente. A empresa, acreditando que já havia feito a sua parte e que o quadro era irreversível,
simplesmente despediu o empregado por justa causa, alegando a “embriaguez habitual”. Não é preciso
dizer que a Justiça do Trabalho considerou esta dispensa nula, pois se a própria empresa admitira que
o seu empregado estava doente, não poderia despedi-lo por esta razão.
Em casos como esses, portanto, o problema deve ser visto do ponto de vista médico e
não disciplinar - e se o empregado não conseguir superá-lo, a questão deve ser encaminhada à
previdência social.
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