PRISÃO: SENZALA DA ERA DIGITAL
Carlos Magno Couto
A entrada do inferno na “Divina Comédia” de Dante Alighieri,
o maior poeta italiano, é assinalada por uma porta sinistra que se acha encravada no
fundo de uma espécie de caverna ou gruta. Nessa porta, em letras escuras, encontrou o
poeta florentino, que consolidou a língua italiana, a famosa e imortal legenda que
termina com este verso tantas vezes citado:
“Lasciate ogni speranza, voi ch'entrate”, que em tradução livre
quer dizer: deixai toda a esperança, vós que entrais.
Na porta de entrada dos presídios de Mato Grosso do Sul, não
há tal inscrição, mas aqueles que adentram esse sistema carcerário verdadeiramente
infernal devem deixar toda a esperança, já que o Estado não observa minimamente a
Lei de Execução Penal em vigência desde o ano de 1984, sendo nula a possibilidade
de ressocialização.
Vivemos em Mato Grosso do Sul o maior encarceramento de
nossa história, com uma população carcerária atual acima de 13.000 presos, com um
déficit de mais de 6.000 vagas.
Se o Estado deve punir aquele que transgride a lei penal deve
também cumprir rigorosamente com as normas estabelecidas para o cumprimento das
penas que ele impõe.
A legalidade deve ter dois lados: um que determina a prisão
contra o cidadão que infringe a lei e outro que protege os direitos do condenado, tanto
é assim que a própria Lei de Execução Penal, em seu art. 185 prevê o incidente de
“excesso ou desvio” da execução para as situações em que “algum ato for praticado
além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou regulamentares”.
Alguns poderão argumentar que o Estado não tem condições
econômicas de executar as penas de acordo com a lei de execução penal, o que não
corresponde a verdade – há sim, possibilidade financeira, apenas é questão de
prioridade, de mudança de mentalidade ou como diria Evandro Lins e Silva, guarda
dos direitos dos homens, de bandeira de fanáticos da repressão, utilizada
frequentemente por políticos astutos ou inescrupulosos, com fins eleitoreiros,
explorando o inconsciente coletivo, especialmente os mais incautos, para provocar a
revicescência de sentimentos de vingança.
Penso que a prisão não desafia a inteligência humana na busca
de soluções alternativas mas sim a consciência política das autoridades constituídas
sobretudo pela falta de atitude em garantir direitos, limitando-se a ser figurativamente
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um Estado justiceiro refugiado num discurso falacioso, inconstitucional e ilegítimo,
reverberado, aqui no MS, em falsas premissas como na sugerida cantilena de uma
certa “sensação de impunidade”, numa completa negação de um sistema penitenciário
racional, moderno, útil e respeitador da condição humana, que sirva de referência ao
país, fazendo com que a política criminal seja tema de Estado e não de governo com
metas midiáticas, que no fundo coloca a sociedade olhando para o nada.
Do jeito que está a prisão é inútil para a vítima e para a
sociedade, sendo ilusória a proteção que proporciona.
A convicção de não ostentar a ciência como condição essencial
à sabedoria, concede autoridade para afirmarmos que o direito penal não resolve a
criminalidade, ou melhor, o direito penal, essa pobre coisa, é necessário, mas não é
suficiente.
Nos questionamentos feito pela Comissão Provisória do
Sistema Carcerário da OAB/MS a Agência Estadual de Administração do Sistema
Penitenciário, verificou-se com referência ao mapa de Janeiro/2014, conclusões
reveladoras de que o Estado possui 828 presos (6,66%) à disposição da Justiça
Federal, sendo 337 processados e 491 condenados. Que a quantidade de indígenas nas
unidades prisionais é de 165 (1,31%) e de estrangeiros 204 (1,645%), baseados num
total de 12.431 pessoas criminalizadas.
Cumprindo esclarecer nessa passagem que a Lei n. 5010, de 30
de maio de 1966, que organiza a Justiça Federal, prevê em seu artigo 85, que enquanto
a União não possuir estabelecimentos penais, a custódia de presos à disposição da
Justiça Federal e o cumprimento de pena por ela impostas far-se-á nos Estados, do
Distrito Federal e dos Territórios.
O Relatório da OAB/MS, ainda reproduziu com os dados
fornecidos pela Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário, que o
número de servidores penitenciários no sistema é atualmente de 1.273, sendo o déficit
de técnicos penitenciários de 1.441. E que, em Mato Grosso do Sul não existem
Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico. Tendo sido constatado até o mês de
dezembro de 2013, 59 casos de HIV, 159 doenças de pele, 08 hanseníase e 72
pacientes com tuberculose, além de inúmeros casos de sífilis levantados pela
comissão da Ordem.
Nos últimos cinco anos, o sistema registrou 49 mortes e 97
lesões corporais, não divulgando a referida Agência, ainda que questionada, quais os
instrumentos utilizados e a causa dos óbitos. O número de suicídios informados nos
últimos cinco anos foram nove. O número de sanções disciplinares aplicadas no
período de 2013 à janeiro de 2014, nas unidades prisionais, foram de 1950. Segundo a
AGEPEN, somente na Capital existe unidade penal específica para custodiar os presos
processados separadamente dos condenados.
Este é um breve panorama do atual sistema prisional de MS,
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cuja triste ironia vem descrita nos dados fornecidos pelo próprio Estado de MS ao
INFOPEN junho/2013, quando descreve que foram cancelados 07 contratos, por
desistência formal do Estado, e, que representariam o repasse total de R$
15.200.411,33 (quinze milhões duzentos mil quatrocentos e onze reais e trinta e três
centavos) para construção e ampliação de penitenciárias e cadeias públicas, que se não
se assemelham ao conceito medieval do inferno dantesco afiguram-se pelo menos
como as senzalas da era digital.
O autor Conselheiro e Presidente da Comissão Provisória do Sistema Carcerário da
OAB/MS.
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