ILUSTRE SECRETÁRIO DA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS
FRANCISCA EVANGELISTA ALVES DE SOUZA, brasileira, casada, doméstica,
portadora da cédula de identidade RG nº 29.187-522-X SSP/SP, inscrita no
CPF/MF sob nº 297.898.068-09, residente e domiciliada na Rua José Pereira Cruz,
nº 239, Parque Bristol, 04193-050 São Paulo/SP, Brasil (doc. 1 e 2); HELENITA
BARBOSA DE ANDRADE, brasileira, casada, doméstica, portadora da cédula de
identidade RG nº 21.284.607 SSP/SP, inscrita no CPF sob nº 090.325.758-05,
residente e domiciliada na Rua Jorge de Moraes, nº 57, Parque Bristol, 04193-090
São Paulo/SP, Brasil (doc. 3 e 4); MARIA JOSÉ DE LIMA ANDRADE, brasileira,
casada, doméstica, portadora da cédula de identidade RG nº 36.060.498-5
SSP/SP, inscrita no CPF sob nº 588.019.955-04, residente e domiciliada na Rua
Jorge de Moraes, nº 76, Parque Bristol, 04193-090 São Paulo/SP, Brasil (doc. 5 e
6) e CONECTAS DIREITOS HUMANOS, associação civil sem fins lucrativos
qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP,
inscrita no CNPJ/MF sob o nº 04.706.954/0001-75, com sede na Rua Barão de
Itapetininga, 93 – 5º andar, 01042-908 São Paulo/SP, Brasil, por seu Diretor
Jurídico Dr. Oscar Vilhena Vieira (docs. 7 e 8) e seus advogados e bastante
procuradores (docs. 9 e 10), vem respeitosamente apresentar DENÚNCIA em face
da REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL por violação dos artigos 1.1, 4, 5 e 25
da Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo país em 25 de
setembro de 1992.
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Esta denúncia se refere às violações de direitos humanos ocorridas na “Chacina
do Parque Bristol”, que culminaram nos homicídios consumados de EDIVALDO
BARBOSA DE ANDRADE, FÁBIO DE LIMA ANDRADE e ISRAEL ALVES DE
SOUZA e nos homicídios tentados de EDUARDO BARBOSA DE ANDRADE e
FERNANDO ELZA no dia 14 de maio de 2006, bem como no arquivamento das
investigações correspondentes sem que qualquer autor tenha sido identificado.
I. FATOS
No final da noite do dia 14 de maio de 2006, em frente a sua casa na Rua Jorge de
Moraes, no Parque Bristol, zona sul da cidade de São Paulo, os irmãos EDIVALDO
BARBOSA DE ANDRADE (24 anos) e EDUARDO BARBOSA DE ANDRADE (23
anos) conversavam com os amigos FÁBIO DE LIMA ANDRADE (24 anos),
FERNANDO ELZA (21 anos) e ISRAEL ALVES DE SOUZA (25 anos).
Por volta das 22h30 um carro modelo Vectra verde escuro, com vidros escurecidos,
parou repentinamente na frente do grupo. Três homens totalmente encapuzados
desceram atirando contra os jovens, que não tiveram qualquer oportunidade de se
protegerem. Rapidamente o carro fugiu do local.
Os cinco amigos foram socorridos por vizinhos e levados ao hospital. EDIVALDO,
FÁBIO e ISRAEL morreram. Apenas EDUARDO e FERNANDO sobreviveram.
Para investigar os fatos foi instaurado o Inquérito Policial nº 1.124/06
(052.06.002082-4 - anexo) no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa
da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.
Nos depoimentos dos sobreviventes fica clara a surpresa e a intenção homicida do
ataque. FERNANDO não viu o carro ou quantas pessoas atiravam e ainda assim foi
atingido pelas costas (depoimento de 16/05/2006 – fls. 12/14 do anexo). Já
EDUARDO disse que viu o carro e os três atiradores, e embora tenha se jogado ao
chão, foi atingido no braço esquerdo, costela esquerda, nas costas e nas nádegas
(depoimento de 3 de agosto de 2006 – fls. 48/50 do anexo).
2
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Segundo os exames de corpo de delito de lesão corporal, FERNANDO (Laudo
26680/2006 - fls. 62 do anexo) foi atingido no pé direito e na região glútea
esquerda; e EDUARDO (Laudo 45263/2006 – fls. 64/65 do anexo) foi atingido por
três tiros, no hemi-tórax esquerdo, região infraescapular esquerda e terço superior
da região anterior do antebraço esquerdo.
Por seu turno, nos exames necroscópicos das vítimas fatais, constatou-se que a
causa da morte de FÁBIO (Laudo 2533/2006 – fls. 71/74 do anexo) foi “morte
violenta por choque hemorrágico”, após oito tiros, sendo um deles com armamento
de caça1; a mesma causa foi indicada para ISRAEL (Laudo 2534/2006 – fls. 75/78
do anexo), que foi atingido por doze disparos (sendo quatro pelas costas e um de
grande impacto pela frente); já EDIVALDO (Laudo 2531/2006 – fls. 79/82 do anexo)
teve como causa da morte “politraumatismo”, atingido por quatro disparos (dois
pelas costas).
Uma viatura da polícia militar chegou em dez minutos. Os policiais que atenderam à
ocorrência não preservaram o local, sob o argumento de que o lugar seria de
“grande periculosidade” (Boletim de Ocorrência nº 463/2006 – fls. 4/5 do anexo).
Ainda assim, os peritos recuperaram “diversos estojos vazios e com as espoletas
detonadas”, totalizando mais de quinze (Laudo 0499/06 – fls. 52/55 do anexo).
No dia seguinte à chacina dois investigadores de polícia foram ao local e relataram
que “as pessoas aparentavam estar assustadas, devido a [sic] voracidade do
ocorrido, e temendo represálias nada informaram”. Eles obtiveram a informação de
que “um veículo GM, modelo Vectra aparentemente na cor verde escura, parou em
frente a [sic] residência de nº 50, lugar este onde as vítimas estavam, momento
onde [sic] desceram entre dois ou tres [sic] homens encapuzados e armados, com
armas de fogo, e começaram a desferir vários tiros em direção das vítimas” (fls.
36/37 do anexo).
Quando foram convocadas para prestar depoimento, as mães das vítimas
entregaram à autoridade policial três projéteis e um cartucho que haviam ficado no
1
Foram recuperados sete projéteis (um 9mm e seis calibre 12) e uma bucha pneumática (calibre 18mm), sendo
que os calibres 12 e 18mm “teriam feito parte de munição de para arma de fogo de ante carga, do tipo pica pau
ou munição para arma de caça do calibre 12” segundo laudo 02-140-44.223/06 – fls. 84/86 do anexo.
3
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local (fls. 198 do anexo). Constatou-se em perícia que dois eram de calibre 380, um
9mm e um de calibre 12 (laudo 391/08 – fls. 218/221 do anexo).
Conquanto apenas naquele dia tenham sido registradas ocorrências com 29
feridos e 115 mortos por arma de fogo, sendo 12 vítimas de grupos de extermínio
encapuzados e 12 vítimas de grupos de extermínio não encapuzados, não houve
qualquer menção desse contexto nas investigações, tão pouco qualquer tentativa
de relacionar ou comparar esses homicídios com os demais que ocorreram no
período (v. item seguinte). Não houve comparação a respeito dos fatos, dos
veículos, das armas utilizadas, da localização anatômica dos ferimentos ou
confronto balístico dos projéteis recuperados nos locais e cadáveres. O local do
crime não foi preservado pela polícia.
Testemunha ocular da chacina, o pai de EDIVALDO e EDUARDO, senhor Israel
Soares de Andrade, informou que as vítimas conversavam em frente a sua
residência, como de costume, quando foi acordado por mais de vinte tiros. Ele
tentou sair da casa, mas um dos atiradores o impediu, ameaçando-o de ser morto
também. Os atiradores estavam encapuzados até o pescoço, sendo impossível
identificar qualquer traço físico, nem mesmo a cor da pele. Quando saiu de casa
seu filho já estava morto e ele ainda pode ver um veículo Vectra verde escuro com
vidros escuros deixando rapidamente o local. A forma como atiravam fez com que
ele pensasse que os agressores eram policiais (depoimento de 02/06/2006 – fls.
30/32 do anexo).
Apenas em novembro de 2007 (mais de um ano e meio após o evento) foram
ouvidas as mães das vítimas fatais, ora peticionarias. A senhora Maria José de
Lima Andrade, mãe de FÁBIO, reiterou que havia comentários sobre a
participação de policiais atuando em represália aos ataques do PCC (fls. 192/194
do anexo).
A senhora Francisca Evangelista Alves de Souza, mãe de ISRAEL, reiterou a
existência de comentários de que os autores do crime seriam policiais agindo em
represália aos ataques do PCC (fls. 195/196 do anexo).
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A irmã de FÁBIO, Tarciana de Lima Andrade, depôs que no dia da chacina estava
na casa de uma amiga, próxima ao local dos fatos. Num primeiro momento ouviu
vários tiros em aparentemente em um bairro próximo. Quando se dirigia a casa de
seu namorado viu passar uma viatura policial de grande porte, com dois policiais
usando boina, seguida de perto por um carro ocupado por homens sem farda.
Alguns minutos após, ouviu os tiros que vinham da sua rua e recebeu a notícia de
que seu irmão tinha sido baleado (fls. 211/212 do anexo).
A partir da informação de que um carro semelhante ao usado na chacina teria sido
visto num Batalhão da Polícia Militar, a condução das investigações se limitou a
trocar alguns ofícios com o comando da corporação a respeito de policiais que
fossem proprietários de carros semelhantes.
Embora quatro policiais militares tenham sido indicados como proprietários de
veículos Vectras verdes (fls. 94 do anexo), sendo que um deles estava em serviço
na “Força Tática” naquele dia e outros três em folga (fls. 103/112 do anexo),
nenhum desses carros chegou a ser visto pela autoridade policial. Nada além da
obtenção dessas informações foi feito para localizar o veículo.
Além dos familiares das vítimas não foram ouvidas outras testemunhas. Nenhum
vizinho do local dos fatos prestou depoimento.
Seis meses e meio após a chacina, no dia 4 de dezembro de 2006, um dos
sobreviventes, FERNANDO ELZA, foi assassinado (Boletim de Ocorrência nº
1037/2006 – fls. 114/116 do anexo). O fato deu ensejo à instauração do Inquérito
Policial nº 2831/2006 no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa
(“Equipe C Sul”).
Numa residência a poucos metros de onde havia sofrido a tentativa de homicídio
em maio de 2006, FERNANDO havia participado de um churrasco. No final da noite
ele saiu para guardar a sua moto quando foi atingido por vários tiros disparados do
interior de um veículo modelo Corsa azul escuro que passou rapidamente pela rua.
Dois amigos tentaram socorrê-lo, porém perderam o controle do carro e acabaram
colidindo em um poste. (Depoimentos de Eder Ferreira Grilo – fls. 97/99 e Jefferson
Guimarães dos Santos – fls. 126/127 do anexo).
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As investigações indicam que o assassinato foi uma emboscada, pois o veículo
ficou estacionado em uma esquina próxima até que FERNANDO saísse à rua
(conforme Relatório de Investigação de fls. 124/125 do anexo).
Já no exame perinecroscópico (laudo RE 1137/06-DHPP – fls. 132/154 do anexo)
foram constatados oito ferimentos causados por projéteis de arma de fogo. No
exame necroscópico (laudo 7202/2006 – fls. 155/157 do anexo), constatou-se que a
causa da morte foi “hemorragia interna traumática por agente perfuro contundente”.
No exame externo foram constatados cinco ferimentos de entrada de projéteis de
arma de fogo (terço proximal do antebraço direito, dois na região dorsal torácica
direita, região dorsal torácica esquerda e região lombar esquerda) e quatro
ferimentos de saída (terço distal do antebraço direito, dois no 6º espaço intercostal
direito na linha hemiclavicular, 8º espaço intercostal direito na linha axilar média).
Foi resgatado um projétil de calibre .382 no retroperitônio.
O relatório final do Inquérito Policial instaurado para investigar o homicídio de
FERNANDO ELZA foi concluído em 13 de julho de 2007 sem que qualquer autor
do fato tenha sido identificado (conforme Relatório Final – fls. 174/180 do anexo).
Também nesse caso não se buscou efetivamente relacionar o homicídio com a
tentativa sofrida na chacina. Não foi feito qualquer esforço para comparar com os
demais crimes ocorridos no período de maio de 2006 (v. próximo item), seus
veículos, agentes, forma de ação, tipo de armamento ou confronto balístico. As
investigações foram conduzidas como se fosse um caso isolado e destacado de
qualquer contexto.
Embora tenham sido solicitadas cópias de partes do inquérito, o assassinato da
vítima sobrevivente apenas foi citado pela autoridade responsável pela investigação
da chacina, sem maiores aprofundamentos, como se fosse uma mera coincidência.
Dois anos, cinco meses e 22 dias após a chacina a autoridade policial decidiu
encerrar as investigações. Em seu “Relatório Final” restringiu-se a resumir os
2
Segundo o laudo pericial 02/140/27.581/07 (fls. 233/235 do anexo).
6
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depoimentos e elencar os laudos juntados para concluir que “não foi possível, até a
presente data, identificar os autores” do crime (fls. 237/242 do anexo).
No dia 18 de novembro de 2008, o 4º Promotor de Justiça do I Tribunal do Júri da
Capital requereu o arquivamento do inquérito policial pois “apesar de todas as
diligências encetadas não foi apurada a autoria delitiva, inexistindo quaisquer outras
diligências a serem efetivadas pela DD. Autoridade Policial” (fls. 244/245 do anexo).
O pedido de arquivamento foi acolhido judicialmente no dia seguinte (fls. 246 do
anexo).
Verifica-se, portanto, que a investigação não levou em consideração o contexto em
que ocorreu a chacina, agindo como se as execuções e tentativas de homicídios
fossem um fato isolado. Apenas foram solicitados os laudos obrigatórios e nada foi
feito com os seus resultados que pudesse aprofundar as investigações. Também os
depoimentos foram tomados como mera coleta de informações, engordando os
volumes dos autos de uma investigação pro forma.
II. CONTEXTO
1. OS “CRIMES DE MAIO DE 2006”
Maio de 2006 foi um mês sem precedentes na história do Brasil. No dia 12 a facção
criminosa “Primeiro Comando da Capital”, conhecida como “PCC”, que domina
diversos presídios e ações criminosas, iniciou uma série de ataques coordenados a
prédios e agentes públicos, especialmente da área de segurança pública, bem
como rebeliões em presídios, cadeias públicas e carceragens de todo o Estado.3
3
MAIOR ATAQUE DO PCC FAZ 32 MORTOS EM SP - Facção mata policiais, atira bombas e metralha
delegacias; houve rebeliões em 22 presídios do Estado. Folha de São Paulo de 14/05/2006. Disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1405200601.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc.
11.
FACÇÃO PROMOVE 63 ATENTADOS EM 24 HORAS - Ataques ocorreram em 23 cidades e houve até
morte de civil; Marcola, líder do PCC, é transferido para presídio de segurança máxima. Folha de São
Paulo de 14/05/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1405200604.htm (último acesso
em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 12.
REBELIÕES EM 24 PRISÕES FAZEM 174 REFÉNS. Folha de São Paulo de 14/05/2006. Disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1405200603.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc.
13.
7
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Em pouco tempo os ataques passaram a se dirigir também aos serviços e veículos
de transporte público e em seguida a prédios públicos, especialmente agências
bancárias.4
Trabalhadores e estudantes foram dispensados mais cedo e nos dias seguintes
muitas empresas, escolas e universidades simplesmente não abriram. O boato de
que havia um “toque de recolher” nunca foi confirmado, mas as ruas estavam
vazias à noite. A cidade parou.5
Todo o efetivo policial foi colocado em prontidão, as férias e as folgas dos policiais
foram suspensas. Após os primeiros dias de ataques as notícias mudaram. Agora
os suspeitos que eram mortos, às dezenas, em supostos confrontos com a polícia e
em episódios característicos de execuções sumárias:6
4 PCC ATACA ÔNIBUS E FÓRUNS, PROMOVE MEGARREBELIÃO E AMPLIA MEDO NO ESTADO - 74
mortes, 150 ataques, 80 rebeliões. Folha de São Paulo de 15/05/2006. Disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1505200601.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc.
14.
5 MEDO DE ATAQUES PÁRA SÃO PAULO - Atentados na madrugada e onda de boatos fazem lojas,
escolas e repartições públicas fecharem as portas. Uma onda de pânico fez parar ontem a maior e mais
rica cidade do país e espalhou choque e medo pelo Estado de São Paulo. Folha de São Paulo de
16/05/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1605200601.htm (último acesso em
19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 15.
40% DAS ESCOLAS SUSPENDEM SUAS AULAS - Para sindicato de professores, é a primeira vez que
tantas escolas têm sua rotina alterada; particulares aumentam segurança. Folha de São Paulo
16/05/2009. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1605200612.htm (último acesso em
19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 16.
UNIVERSIDADES TAMBÉM DISPENSAM. Folha de São Paulo de 16/05/2006. Disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1605200613.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc.
17.
6 QUINZE SUSPEITOS MORREM NO QUARTO DIA - No total, foram 20 mortos ontem, incluindo dois
policiais militares e um civil; comunidades do Orkut pedem reação das forças de segurança. Folha de
São Paulo de 16/05/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1605200624.htm (último
acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 18.
FAMILIARES ACUSAM POLICIAIS POR MORTES. Folha de São Paulo de 16/05/2006. Disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1605200625.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc.
19.
EM 12 HORAS, POLÍCIA MATA 33 SUSPEITOS E PRENDE 24 - Governo afirma que todos tinham ligação
com o PCC, mas não divulga nomes. Folha de São Paulo de 16/05/2006. Disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1705200601.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc.
20.
TESTEMUNHAS DE CHACINA ACUSAM POLICIAIS. Folha de São Paulo de 18/05/2006. Disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1805200620.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc.
21.
QUANTIDADE DE CORPOS EM POSTOS DO IML DOBRA. Folha de São Paulo de 19/05/2006. Disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1905200616.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc.
22.
GOVERNO RETIRA LAUDOS DE MORTOS DO IML - Ordem do secretário da Segurança é que dados
sobre mortes em confronto com policiais, que são públicos, não permaneçam nas repartições. Folha de
8
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POLÍCIA JÁ MATOU MAIS QUE EM 2 MESES
Em seis dias de crise com o PCC, 93 suspeitos foram
mortos em confronto; no primeiro trimestre do ano, a
média mensal é de 39
A polícia matou mais 22 suspeitos em todo o Estado de São
Paulo e prendeu outros sete, subindo para 93 os casos
classificados pelas autoridades como "enfrentamentos
contra homens do PCC". Ou seja, em média, 15,5 por dia,
desde sexta, quando a facção criminosa iniciou os ataques.
No primeiro trimestre do ano, as polícias Civil (12) e Militar
(105) mataram 117 pessoas no Estado, o que dá uma
média de 1,3 pessoas mortas por dia em "confrontos". A
média de assassinatos cometidos por policiais em janeiro,
fevereiro e março é de 39 pessoas, em todos os municípios
paulistas.
A comparação das mortes de janeiro, fevereiro e março com
as mortes causadas pelas duas polícias desde sexta-feira,
aponta que, em seis dias, matou-se 79% do total dos três
primeiros meses. (...)
Toucas ninjas e motos
Em meio ao caos enfrentado pelo governo de São Paulo na
área da segurança pública, uma velha tática de ação para o
cometimento de assassinatos voltou à cena: desde sextaSão Paulo de 20/05/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2005200601.htm (último
acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 23.
LISTA DO IML APONTA "SOBRA" DE MORTOS NA GRANDE SP - Órgão recolheu 272 cadáveres no
período em que governo contabiliza 138 mortes. Há duas hipóteses para a diferença de números: ou a
violência sem relação com o PCC aumentou no período ou a polícia tem matado mais. Folha de São Paulo
de 21/05/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2105200610.htm (último acesso em
19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 24.
POLÍCIA MATOU 107 SUSPEITOS EM SETE DIAS - Desde a última sexta-feira, início dos ataques do PCC,
outras 124 pessoas supostamente envolvidas nos atentados foram presas. Folha de São Paulo de
19/05/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1905200615.htm (último acesso em
19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 25.
GRUPO MASCARADO VOLTA A ATACAR EM SP - Vestidos com toucas "ninjas" e blusões pretos,
homens já mataram pelo menos 20 pessoas desde segunda-feira passada. Testemunhas viram os
assassinos saírem de carros da Força Tática da PM; o governo orientou famílias a fazer denúncia à
Ouvidoria.
Folha
de
São
Paulo
de
21/05/2006.
Disponível
em
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2105200615.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc.
26.
OUVIDORIA APONTA 40 MORTES SUSPEITAS - As corregedorias das polícias Militar e Civil terão 45 dias
para apurar as denúncias e encaminhar relatório para a Promotoria. Pelo menos 12 assassinatos feitos
por grupos que atuam disfarçados com toucas ninjas também deverão ser investigados pelos órgãos.
Folha de São Paulo de 23/05/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2305200611.htm
(último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc. 27.
LAUDOS APONTAM INDÍCIOS DE ABUSO POLICIAL. Folha de São Paulo de 26/05/2006. Disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2605200604.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc.
28.
POLÍCIA MATOU 22 CIVIS COM TIROS DE CIMA - Rascunhos de laudos necroscópicos apontam que, de
28 mortos em confrontos com policiais, 22 foram atingidos dessa maneira. Trajetória do disparo pode
indicar abuso; pesquisa abrange casos de resistência entre as 132 mortes listadas pelo IML Central de
São
Paulo.
Folha
de
São
Paulo
de
29/05/2006.
Disponível
em
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2905200601.htm (último acesso em 19/04/2009). Íntegra anexa: doc.
29.
9
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feira, quando começou a onda de violência orquestrada por
homens da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da
Capital), várias pessoas foram mortas em todo o Estado por
assassinos que usavam toucas "ninjas" e, em quase todas
as ações, estavam em motocicletas. Grupos de extermínio
costumam agem com essas características.
Entre a noite de domingo e a madrugada de ontem, pelo
menos 19 pessoas foram assassinadas, somente na capital
e na Grande São Paulo, por assassinos que usavam toucas
"ninja". Sem conseguir acumular e repassar informações
mais precisas sobre cada uma das mortes, a Secretaria da
Segurança Pública afirma que boa parte desses casos não
tem ligação com os recentes confrontos entre as forças de
segurança e supostos integrantes da facção.
Até o início dos confrontos entre PCC e Estado, São Paulo
havia registrado apenas três chacinas. O governo não sabe
informar o número total de vítimas nesses crimes. Desde
sexta-feira, esse tipo de crime, caracterizado pela morte de
três ou mais pessoas em um único ataque, saltou para seis,
ou seja, houve um aumento de 100% nos casos de
chacinas. (...) (Folha de São Paulo – 18/05/20067)
Atendendo pedido do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública do Estado
de São Paulo, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CRMSP) fiscalizou o trabalho dos médicos legistas em relação à produção dos laudos de
exames necroscópicos de ferimento por arma de fogo.
O CRM-SP analisou 493 laudos de 23 unidades do Instituto Médico Legal em todo
o estado de São Paulo, correspondentes aos cadáveres com causa mortis
apontada como “politraumatismo causado por agente perfurocontundente” no
período das 0h do dia 12 de maio de 2006 até as 13h30 do dia 20 de maio de 2006.
De acordo com Relatório8 (doc. 31), constatou-se que 96,3% das vítimas eram do
sexo masculino e em significativa maioria jovens, especialmente entre 21 e 31
anos:
7
Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1805200615.htm (último acesso em 19/04/2009).
Íntegra anexa: doc. 30.
8
In CONDEPE. Crimes de Maio. São Paulo, 2006, p.31-81.
10
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O Conselho também desenvolveu um primoroso trabalho de sistematização da
localização anatômica dos ferimentos, constando um número elevado de tiros
dirigidos às regiões posteriores do corpo:
Total de indivíduos, ferimentos e média de ferimentos por indivíduo9
Total
indivíduos
Total
ferimentos
Média
ferimentos/
indivíduos
anterior
141
215
1,52
lateral
16
23
1,43
posterior
80
103
1.28
anterior
140
216
1,54
lateral
169
244
1,44
posterior
119
189
1,58
nuca
56
80
1,48
anterior
73
95
1,30
lateral
23
34
1,47
medial
17
17
1
posterior
55
87
1,58
anterior
90
121
1,34
lateral
57
77
1,35
Região corporal atingida
Abdome
Cabeça
Membros inferiores
Membros superiores
9
Análise Quantitativa dos Laudos dos Institutos Médicos-Legais do Estado de São Paulo, in CONDEPE.
Crimes de Maio. São Paulo, 2006, p.31-81.
11
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Tórax
medial
17
25
1,47
posterior
110
168
1,52
anterior
246
399
1,62
lateral
43
54
1,25
posterior
142
266
1,87
No universo analisado pelo Conselho Regional de Medicina, de um total de 2.359
lesões por tiros, 893 foram disparados contra as regiões posteriores,
equivalendo a 37,9% dos ferimentos. Essa taxa de tiros pelas costas indica uma
alta intenção de matar, bem como um contexto em que as vítimas ou não puderam
reagir ou já estavam dominadas, condizentes com execuções sumárias e a ação de
grupos de extermínio.
Além disso, com o auxílio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em
São Paulo, órgão que integrou a Comissão Independente10 para fiscalização do
tratamento dado às mortes por arma de fogo no período, foi possível obter cópia de
Boletins de Ocorrência e Laudos de Exames Necroscópicos relativos a 564 mortes
causadas por arma de fogo de 12 a 21 de maio de 2006.
Esse material foi então enviado para o Laboratório de Análise da Violência (LAV) da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) que se debruçou sobre esses
dados para consolidar uma aprofundada pesquisa11 a respeito das mortes. Não
foram analisados casos em que não foi possível obter Laudos Necroscópicos ou
Boletins de Ocorrência.
Em primeiro lugar verificou-se um significativo aumento do número de mortes do
período em comparação com os anos anteriores, evidenciando que Maio de 2006
fugia do padrão usual. Com dados obtidos no Sistema de Mortalidade do Ministério
10
A Comissão Independente foi composta pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do
Estado de São Paulo, Ministério Público do Estado de São Paulo, Ministério Público Federal, Conselho Regional
de Medicina do Estado de São Paulo, Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana
(CONDEPE), Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CNDDPH), Ouvidoria de Polícia
do Estado de São Paulo, Conectas Direitos Humanos, Núcleo de Estudos de Violência da Universidade de São
Paulo, Centro Santo Dias de Direitos Humanos, Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, Tortura Nunca
Mais, Associação Cristã Contra a Tortura (ACAT), Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, Movimento
Nacional de Direitos Humanos, Centro de Direitos Humanos de Sapopemba e Pastoral Carcerária, dentre
outros.
11
A pesquisa “Análise dos impactos dos ataques do PCC em São Paulo em maio de 2006”, coordenada
pelo Dr. Ignácio Cano (LAV-UERJ) é publicada pela Conectas no dia 12 de Maio de 2009 e acompanha a
presente (doc. 32)
12
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da Saúde (Datasus), o número de mortos por arma de fogo nos meses de maio dos
anos anteriores foi:
Número de mortos por arma de fogo nos
meses de maio no Estado de São Paulo12
Ano
Mortos por arma de fogo
2003
923
2004
723
2005
546
Se no ano anterior houve 546 mortes em todo o mês de maio, é possível estimar
que para um período de dez dias o esperado seria 176 mortes. Se, além disso,
levarmos em consideração a visível tendência de diminuição do número de óbitos
por arma de fogo no Estado, a estimava para o mês de maio de 2006 seria de
aproximadamente 420 mortes e, portanto, para um período de dez dias, 135 óbitos
por arma de fogo.
No período pesquisado foram registradas 564 mortes por arma de fogo, ou
seja, aproximadamente o quádruplo de óbitos projetados para o período:
Em 401 eventos analisados, 564 pessoas foram mortas e 110 pessoas foram
feridas, destancando-se uma significativa preponderância de vítimas civis:
12
Fonte: CANO, I. “Análise dos impactos dos ataques do PCC em São Paulo em maio de 2006”. 2009.
13
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Número de vítimas por tipo e dano13
Mortos
Feridos
Total
Agentes do Estado
59
13
72
Civis
505
97
602
Total
564
110
674
Verifica-se assim que, embora haja um número elevado de vítimas agentes de
Estado, o número de vítimas civis é aproximadamente 8,5 vezes maior,
correspondendo a 90% das vítimas:
Esses eventos, contudo, não estão distribuídos de forma uniforme no período.
Verificou-se um padrão crescente de mortes até o dia 14 de maio de 2006 seguido
por uma queda, com notável distinção entre vítimas civis e agentes estatais de
acordo com a data, como se ilustra na tabela e gráfico a seguir.
Número de vítimas por data, tipo e dano14
Data
13
14
Agentes Públicos
Civis
Mortos
Feridos
Mortos
Feridos
12 de maio de 2006
10
3
12
3
13 de maio de 2006
23
8
39
18
14 de maio de 2006
8
1
107
28
15 de maio de 2006
5
0
84
21
16 de maio de 2006
6
1
75
4
Fonte: CANO, I. “Análise dos impactos dos ataques do PCC em São Paulo em maio de 2006”. 2009.
Fonte: CANO, I. “Análise dos impactos dos ataques do PCC em São Paulo em maio de 2006”. 2009.
14
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17 de maio de 2006
3
0
65
6
18 de maio de 2006
0
0
22
7
19 de maio de 2006
0
0
13
0
20 de maio de 2006
0
0
6
7
21 de maio de 2006
0
0
2
0
Sem data
4
0
80
3
Total
59
13
505
97
Diante desses dados, asseveram os pesquisadores:
“Este quadro é compatível com o cenário de uma série de
ataques contra agentes nos dias iniciais, com muitas vítimas
entre eles, e uma série de operações de represália
realizadas por policiais nos dias seguintes, com um alto
número de vítimas civis. A conclusão mais clara é que a
letalidade dos civis não acontece basicamente durante os
ataques contra policiais ou agentes penitenciários, mas num
momento
posterior,
provavelmente
em
intervenções
realizadas policiais.” (in Análise dos impactos dos ataques
do PCC em São Paulo em maio de 2006, p. 11).
15
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Ou seja, os agentes públicos são alvos principalmente nos dois primeiros dias,
enquanto que os civis são alvos principalmente nos dias que se seguem, indicando
a possibilidade de que as mortes civis tenham ocorrido, ao menos em significativa
parte, em represália às mortes e aos ataques contra agentes e órgãos públicos nos
primeiros dias.
As circunstâncias dos fatos também são diferentes de acordo com o tipo de vítima,
evidenciando de que forma morreram os agentes do Estado e os civis, de acordo
com as informações constantes nos documentos analisados:
Número de vítimas de acordo com o tipo de vítima e a tipologia dos fatos15
Tipologia
Agentes públicos
Civis
Mortos
Feridos
Mortos
Feridos
Confronto com a polícia
16
7
118
4
Execução sumária: individual
3
0
50
7
Execução sumária: grupo não-encapuzado
16
2
35
27
Execução sumária: grupo encapuzado
1
0
53
31
Execução sumária: policiais
1
0
4
0
Ataques contra delegacias ou batalhões
9
1
10
3
Conflito interindividual
0
0
6
0
Acidente ou bala perdida
1
0
2
0
Outros
1
0
21
19
Desconhecido
11
3
206
6
Total
59
13
505
97
Os agentes públicos falecem principalmente em consequência de ataques de
grupos não encapuzados, em confrontos e em ataques contra delegacias e
batalhões. Já os civis morrem principalmente em confrontos com a polícia e
em execuções sumárias, especialmente por grupos encapuzados. Diante
disso, os pesquisadores asseveram que:
“O contraste entre a vitimização provocada por grupos não
encapuzados e por grupos encapuzados, com um número
muito superior de vítimas civis no caso destes últimos, é
compatível com a suspeita de que membros das instituições
15
Fonte: CANO, I. “Análise dos impactos dos ataques do PCC em São Paulo em maio de 2006”. 2009.
16
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policiais poderiam estar, por trás dos capuzes, participando
de grupos de extermínio.”
(in Análise dos impactos dos ataques do PCC em São Paulo
em maio de 2006, p. 13).
Analisando a tipologia dos fatos de acordo com a data dos acontecimentos, os
pesquisadores indicam a alta possibilidade de execuções sumárias dirigidas contra
civis, enfatizando que:
“Os ataques indiscriminados contra policiais acontecem,
sobretudo, nos dias 12 e 13. As execuções sumárias
cometidas por indivíduos e por grupos não encapuzados
correspondem mais do que nada aos dias 13 ao 15. Por sua
vez, o ponto mais alto dos casos de mortes em confronto
policial e pela atividade dos grupos encapuzados pode ser
situado entre os dias 14 a 17. Em outras palavras, o cenário
é condizente com mortes de civis que são resultado não
exatamente da reação dos agentes públicos no momento
em que estes estavam sendo atacados, mas, sobretudo, de
operações
policiais,
presumivelmente
de
represália,
acontecidas nos dias posteriores. Da mesma forma, a
atuação dos grupos encapuzados, dentro dos quais há
suspeita da participação de policiais, também se produz
como uma represália aparente aos ataques iniciais.
O número de casos sem informação suficiente para
determinar sua tipologia também aumenta nas mesmas
datas em que se incrementam os confrontos policiais e as
execuções, incluindo as cometidas por encapuzados, o que
reforça a suspeita de que uma proporção significativa pode
corresponder,
na
verdade,
aos
casos
descritos
anteriormente.” (in Análise dos impactos dos ataques do
PCC em São Paulo em maio de 2006, p. 14).
17
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Esses dados, no entendimento dos pesquisadores, apontam a existência de
indícios de que um grande número de civis tenha sido vítima de atos de represália
contra os ataques perpetrados pelo PCC.
Há também a possibilidade que agentes do Estado tenham participado dessas
represálias, especialmente nos grupos de extermínio encapuzados.
Esses indícios de execução sumária são, ainda, reforçados pelos resultados da
análise dos laudos necroscópicos. Foi possível obter cópia de 447 laudos
necroscópicos de pessoas mortas por arma de fogo no Estado de São Paulo no
período de 12 a 21 de maio de 2006.
Constatou-se que mais da metade das vítimas tinha sido alvejada por mais de três
tiros, sendo que a média de projéteis por cadáver foi de 4,8. Essa média é superior
ao que foi encontrado nas pesquisas sobre execuções sumárias pela polícia do Rio
de Janeiro nos anos 1990 (4,3).16
Em 362 laudos havia indicações precisas sobre a localização dos ferimentos por
projéteis de arma de fogo. Com base neles, verificou-se um número elevado de
disparos contra a cabeça das vítimas, totalizando 386, ou seja, média de um
disparo contra a cabeça de cada vítima.
Chama atenção o fato de haver 157 disparos contra a parte posterior da cabeça,
uma área muito letal e que dificilmente é atingida num verdadeiro confronto. O fato
de 27% das vítimas apresentarem pelo menos um disparo contra a região
posterior da cabeça é um forte indício da ocorrência de execuções sumárias.
Houve também 197 disparos contra a região dorsal, indicando que ou as vítimas
estavam fugindo, ou foram surpreendidas de costas, ou já estavam dominadas
quando foram alvejadas. Disparos contra as costas podem indicar que as vítimas
não tiveram a oportunidade de se defender ou proteger.
16
CANO, Ignacio. Letalidade da Ação Policial no Rio de Janeiro. ISER, 1997.
18
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Dos laudos analisados, havia 988 orifícios de entrada na região frontal e 600 na
região posterior, assim, para cada cinco tiros pela frente há dois tiros pelas costas,
evidenciando uma forte intenção homicida em um número elevadíssimo de casos.
Verificou-se que 57% dos cadáveres apresentavam pelo menos um disparo na
região posterior e que aproximadamente 10% (48 vítimas) foram atingidas à
queima-roupa, situação em que há claro propósito de matar.
A média de disparos varia de acordo com a tipologia do fato, observando-se que as
vítimas de grupos foram atingidas por mais projéteis, sugerindo que algumas
vítimas foram simultaneamente atingidas por mais de um atirador.
Média de orifícios de entrada de projéteis
de arma de fogo por vítima, de acordo com a tipologia do fato17
Tipologia
Média de orifícios
Número de vítimas
de entrada de PAF
Confronto com a polícia
3,62
94
Execução sumária: individual
4,55
47
Execução sumária: grupo não-encapuzado
7,11
37
Execução sumária: grupo encapuzado
5,59
44
Execução sumária: policiais
7,67
3
Ataques contra delegacias ou batalhões
2,69
13
Conflito interindividual
2,75
4
Acidente ou bala perdida
2,33
3
Outros
5,56
18
Desconhecido
4,88
184
Total
4,77
447
Embora a determinação da tipologia tenha sido feita de acordo com as descrições
oficiais nos Boletins de Ocorrência, a localização anatômica dos disparos em cada
um desses casos reforça a sua classificação e demonstra, mais uma vez, a
intenção de matar dos grupos de execução sumária:
17
Fonte: CANO, I. “Análise dos impactos dos ataques do PCC em São Paulo em maio de 2006”. 2009.
19
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Proporção de vítimas com ao menos um disparo na região
posterior ou na cabeça, de acordo com tipologia dos fatos18
Tipologia
Ao menos um
Ao menos um
disparo na região
disparo na cabeça
posterior
Confronto com a polícia
27%
26%
Execução sumária: individual
73%
70%
Execução sumária: grupo não-encapuzado
75%
75%
Execução sumária: grupo encapuzado
78%
72%
Execução sumária: policiais
100%
100%
-
75%
Conflito interindividual
100%
-
Acidente ou bala perdida
67%
33%
Outros
71%
86%
Desconhecido
63%
68%
Total
57%
60%
Ataques contra delegacias ou batalhões
Em média, cada vítima foi atingida por um grande número de tiros, com larga
incidência de ferimentos na cabeça, especialmente na região posterior da cabeça, e
na região dorsal.
Todos esses dados comprovam um contexto extremamente violento que vitimizou
um número grande de agentes do Estado e um número ainda muito maior de civis.
Em apenas dez dias foram mortas quatro vezes mais pessoas do que o
estatisticamente projetado para o período.
Em geral, as vítimas foram alvos de ataques altamente letais, com significativo
número de disparos contra a cabeça e as costas. Além disso, a discrepância das
datas em que morrem os agentes do Estado e os civis é outro fato que contribui
para fortalecer os indícios da atuação de grupos de extermínio no estado de São
Paulo, em maio de 2006.
A Ouvidoria da Polícia de São Paulo analisou 54 casos com 89 vítimas, separados
em razão da suposta participação de grupos de extermínio com policiais. Destes 54
casos, que envolvem chacinas como a do Parque Bristol, 33 foram arquivados sem
18
Fonte: CANO, I. “Análise dos impactos dos ataques do PCC em São Paulo em maio de 2006”. 2009.
20
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nenhuma providência, ou seja, 63%19. A atenção a poucos casos dado pela
Ouvidoria, diante do total de mortos do período, indica também a ineficácia e
ineficiência dos órgãos de controle externo das forças de segurança em São Paulo.
2. VIOLÊNCIA E IMPUNIDADE NO BRASIL
As estatísticas dos Crimes de Maio de 2006 são alarmantes. Porém elas não
representam um momento “fora da realidade” e sim um momento de exacerbação
de um contexto de violência e impunidade persistentes e sistemáticas no Brasil.
Com efeito, o país tem uma elevada taxa de homicídios. De acordo com o Mapa da
Violência nos Municípios Brasileiros de 2008,20 as estatísticas apontam para uma
preponderância de homicídios causados por armas de fogo:
Ano
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Homicídios no Brasil
Causados por
Total
arma de fogo
31.515 (68,4%)
46.082
33.373 (69,7%)
47.889
34.124 (68,7%)
49.640
36.081 (70,8%)
50.980
34.187 (70,7%)
48.374
33.419 (70,2%)
47.578
33.284 (71,3%)
46.660
Embora os números oficiais mostrem um declínio21 no número de homicídios
registrados no estado de São Paulo, as taxas ainda são elevadas e respondem por
uma grande parte dos homicídios no país:
Dados da Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo (2009).
63% DAS MORTES DE CIVIS DURANTE AÇÃO DO PACC SÃO ARQUIVADAS – Entre 12 e 21 de maio de
2006, 170 pessoas foram mortas em ataques, das quais 89 são vítimas de atentado com característica de
execução. Disponível em http://www.noticias.bol.uol.com.br/brasil/2009/05/12/ult4733u35529.jhtm. Jornal Folha
de São Paulo, 12/05/2009.
19
20
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros 2008. Rede de Informação
Tecnológica Latino-Americana, Instituto Sangari, Ministério da Saúde e Ministério da Justiça, 2008.
21
Deve-se notar a prática comum das autoridades policiais de registrar os casos de mortes causadas pelas
polícias como “resistência seguida de morte” ou “autos de resistência” e não como homicídios, influenciando as
estatísticas relativas a homicídios, porém sem influenciar o número de pessoas mortas por arma de fogo. Esta
realidade foi destacada pelo Relator Especial sobre Execuções Sumárias, Arbitrárias e Ilegais da ONU, Dr.
Philip Alston, em virtude da sua visita ao Brasil em novembro de 2007 (Relatório A/HRC/11/2/Add.2 – doc. 33),
in verbis: “Policiais em serviço são responsáveis por uma proporção significativa de todas as mortes no
Brasil. [Na realidade, as taxas de homicídios de muitos estados do Brasil, incluindo o Rio de Janeiro e
21
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Número de homicídios22
Ano
Brasil
São Paulo
2000
45.360
15.581 (34%)
2001
47.943
15.731 (33%)
2002
49.695
14.488 (29%)
2003
51.043
13.901 (27%)
2004
48.374
11.203 (23%)
2005
47.578
8.732 (18%)
2006
49.106
8.172 (17%)
Taxa de homicídios, por mil habitantes23
Ano
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Brasil
26,71
27,81
28,46
28,86
27,01
25,83
26,29
São Paulo
42,07
41,80
37,95
35,91
28,55
21,59
19,90
Os jovens são as maiores vítimas de homicídio e violência no Brasil. As estatísticas
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) da Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência de República apontam um crescimento dessas mortes:
Número de homicídios de jovens de 15 a 29 anos24
Ano
Brasil
Estado de São Paulo
1998
22.481
8.025
1999
23.054
9.043
2000
25.048
9.270
2001
26.250
9.163
2002
27.603
8.586
Depreende-se das estatísticas que os homicídios de jovens correspondem a
aproximadamente metade de todos os homicídios no Brasil e a maior parte dos
homicídos do estado de São Paulo.
Nos sucessivos estudos sobre violência realizados pela UNESCO, verificou-se que
o perfil predominante das vítimas de homicídio no Brasil é de jovens pobres, nãobracos e com pouca escolaridade.
São Paulo, são significativamente mais elevadas do que o demonstrado pelas estatísticas, porque as
mortes praticadas por policiais em serviço são excluídas das estatísticas de homicídios]. Enquanto a
taxa de homicídios oficial de São Paulo diminuiu nos últimos anos, o número de mortos pela polícia
aumentou, de fato, nos últimos 3 anos, sendo que em 2007, os policiais em serviço mataram uma pessoa
por dia. No Rio de Janeiro, os policiais em serviço são responsáveis por quase 18% do número total de
mortes, matando três pessoas a cada dia” (parágrafo 9, incorporando nota de rodapé 11).
22
Fonte: Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP) com dados do
SIM/DATASUS.
23
Fonte: Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP) com dados do
SIM/DATASUS.
24
Fonte: IPEA com dados do Datasus.
22
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Nas estatísitcas há uma clara prevalência de vítimas de homicídio do sexo
masculino:
Proporção e taxa de mortalidade de acordo com o sexo e a faixa etária, 200225
Brasil
Vítimas
Estado de São Paulo
vítimas por 100.000
% vítimas
masc
taxa masc
Jovens
93,8%
População
total
92,2%
vítimas por 100.00
taxa fem
% vítimas
masc
taxa masc
taxa fem
102,5
6,7
93,7%
152,2
10,2
53,2
4,4
92,7%
71,9
5,4
No ano de 2002 os homicídios foram responsáveis por 39,9% das mortes de
jovens no Brasil.
Porém, para o estado de São Paulo, os homicídios corresponderam a 49% das
mortes de jovens. Verificou-se que o momento de maior risco de morte por
homicídio é aos 20 anos de idade: nessa faixa etária a taxa de 69,1 homicídois para
cada mil jovens.26
A população não-branca é a maior vítima de homicídios no país, com uma taxa de
34 para cada mil, em contrates com uma taxa de 20,6 para cada mil na população
branca. Assim, “a proporção de vítimas de homicídios entre a população parda ou
preta é 65,3% superior à branca”.27
No cruzamento das duas estatísticas, chega-se a um dado alarmante: “A taxa de
homicídios dos jovens negros (68,4 em 100.000) é 74% supeior à taxa dos
jovens brancos (39,3 em 100.000)”.28
A esse quadro soma-se um contexto de violência e uso excessivo da força pelas
polícias. No relatório da sua recente visita ao Brasil em novembro de 2007, o
Relator Especial de Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias do Conselho
25
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência IV: os jovens do Brasil. UNESCO, Instituto Ayrton Senna e
Secretaria Especial de Direitos Humanos. Brasília, 2004, p. 59 e seguintes. Disponível em
http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001351/135104porb.pdf (último acesso em 09/05/2009).
26
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência IV: os jovens do Brasil. ob. cit. p. 52 e seguintes.
27
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência IV: os jovens do Brasil. ob. cit. p. 56.
28
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência IV: os jovens do Brasil. ob. cit. p. 58, grifou-se.
23
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de Direitos Humanos da ONU, Dr. Philip Alston, destacou a realidade da diária
violência policial e do uso excessivo e abusivo de força letal:
Um motivo chave da ineficácia da polícia em proteger
os cidadãos dessas facções é que muitas vezes os
próprios
policiais
usam
violência
excessiva
e
contraproducente em serviço e participam daquilo que
se assemelha ao crime organizado quando não estão
em serviço. (...) Muitas vezes, os integrantes das
forças policiais contribuem com o problema das
execuções
extrajudiciais
ao
invés
de
ajudar
a
solucioná-lo. Em parte, existe o problema relevante
dos policiais em serviço que usam força excessiva e
praticam execuções extrajudiciais em esforços ilegais
e contraproducentes para combater o crime. (...) As
execuções extrajudiciais são cometidas por policiais
que assassinam em vez de prender um suspeito de
cometer um crime, e também durante o policiamento
confrontacional de grande escala seguindo o estilo de
“guerra”, onde o uso de força excessiva resulta nas
mortes de suspeitos de crimes e de pessoas na
proximidade.29
Apenas nas estatísticas divulgadas pela Secretaria de Segurança Pública do estado
de São Paulo já é possível verificar que a Polícia Militar mata por ano uma média
de uma pessoa por dia:
Número de vítimas de violência policial em São Paulo30
Policiais militares
Policiais militares
em serviço
fora de serviço
Ano
Matara
Feriram
Mataram
Feriram
2005
278
352
19
54
2006
495
370
15
13
2007
377
341
14
31
2008
371
283
21
39
29
A/HRC/11/2/Add.2 (29 de agosto de 2008), parágrafos 4, 5 e 9. (doc. 33 )
Consolidação de dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (Lei 9.155/95),
disponíveis em http://www.ssp.sp.gov.br/estatisticas/trimestrais.aspx (último acesso em 09/05/2009).
30
24
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Com efeito, a violência e o uso excessivo da força pela polícia foi objeto de
recomendação específica no relatório sobre o Brasil do mecanismo de Revisão
Periódica Universal do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Diz o relatório:
The
recommendations
formulated
during
the
interactive dialogue have been examined by Brazil and
enjoy the support of Brazil: (…)
2. Continue its commitment to resolving the issue of
abuse of power and excessive use of force.31
De acordo com dados do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade
de São Paulo (USP), no ano de 2006 foram registradas oficialmente 708 mortes
causadas pela polícia, assim distribuídas:
Casos de mortes causadas por policiais32
2006
Resistência seguida de morte
570
Homicídios dolosos e culposos
138
TOTAL
708
Analisando os dados da violência policial do ano 2000, compilados pelo
pesquisador Ignácio Cano, verificamos que a média do número de pessoas mortas
por policiais em serviços é alta, especialmente na Região Sudeste, com São Paulo,
Minas Gerais e Rio de Janeiro:33
Região
Média do número de pessoas mortas por policias militares em
serviço, por 100 mil habitantes, no ano 2000
Norte
0,11
Nordeste
0,30
Sul
0,30
Centro-Oeste
0,62
31
A/HRC/8/27, parágrafos 83(2).
MESQUITA NETO, Paulo de. “Falta de Transparência na segurança pública”. Disponível em
http://www.unodc.org/pdf/brazil/Paulo_Mesquita.doc (último acesso em 04/10/08).
33
CANO, Ignácio. “O uso da força pelos agentes do Estado”. Justiça Global e NEN – Núcleo de Estudos
Negros, p. 13 e seguintes.
32
25
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Sudeste
1,16
Ano 2000
Pessoas mortas por
policias militares em
serviço
Taxa de pessoas
mortas por policias
militares em serviço
para cada 100 mil
habitantes
Taxa de pessoas
mortas por policiais
militares em serviço
para cada mil policiais
Brasil
1.127
0,82
3,60
São Paulo
524
1,44
6,36
A Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo recebeu, no ano de 2008, 315
denúncias de homicídios, tentativas de homicídios e lesões corporais perpetradas
por policiais (civis e militares), destas, 228 ocorreram na região metropolitana de
São Paulo:
Denúncias de homicídios, tentativas de homicídios e lesões
2005 2006 2007 2008
corporais perpetradas por policias (civis e militares)34
Estado de São Paulo
302
543
475
315
Região metropolitana de São Paulo
223
273
339
228
Nos dez anos de existência da Ouvidoria da Polícia do estado de São Paulo, foram
registradas 27.587 denúncias contra policiais, porém apenas 32,8% deles foram
investigados, levando à punição de 61% dos investigados (ou 20% dos
denunciados), assim distribuídos:
Policiais (civis e militares) denunciados e punidos a partir de
denúncias feitas à Ouvidoria da Polícia do estado de São Paulo, 1998-200835
Policiais
Denunciados
Investigados
Punidos
Civis
10.128
1.972
880
Militares
17.450
7.066
4.638
TOTAL
27.578
9.038
5.518
A impunidade, porém, não se aplica somente aos agentes do Estado. A pesquisa
Identificação e Medida da Taxa de Impunidade Penal do Núcleo de Estudos da
Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), ainda em andamento,
34
Compilados a partir dos dados da Ouvidoria da Polícia do estado de São Paulo, disponíveis em
http://www.ouvidoria-policia.sp.gov.br/pages/Relatorios.htm (último acesso em 09/05/2009).
35
Fonte: Ouvidoria da Polícia do estado de São Paulo, Resumo de policiais punidos a partir de denuncias
na Ouvidoria 2008 disponível em http://www.ouvidoria-policia.sp.gov.br/pages/policiaispunidos2008.htm (último
acesso em 09/05/2009).
26
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aponta a uma alta taxa de impunidade penal.36 Segundo os dados parciais, do final
dos anos 1990 e início dos 2000, de um total de 338,6 mil crimes registrados em 16
delegacias da cidade de São Paulo num período de cinco anos, apenas 21,8 mil (ou
6,5%) foram convertidos em inquéritos policiais.
Desses, estima-se que 40% (8,7 mil) serão arquivados e, portanto, apenas 13,1 mil
(ou 3,8% do total de crimes) serão objeto de um processo criminal. Os
pesquisadores estimam que após o trâmite das ações, apenas 5% (algo em torno
de 16,9 mil) do total de crimes será punido criminalmente.
Diante desse quadro, verifica-se que o Brasil é palco de graves e persistentes
violações de direitos humanos. As taxas de homicídios e mortes por armas de fogo
superam os números produzidos nos grandes conflitos armados recentes. Além
disso, as polícias agem rotineiramente com abuso e excesso de violência e força
letal, matando em São Paulo pelo menos uma pessoa por dia.
Esse contexto é reforçado e garantido pelas altas taxas de impunidade. Não
apenas os agentes das forças públicas se beneficiam de carta branca para matar
sem serem punidos, mas pouquíssimos crimes são efetivamente investigados e
uma fração ainda menor chega a ser punida.
Diante disse quadro, é a falta de vontade política e a ineficácia do Estado que
garantem e aprofundam uma realidade de impunidade e insegurança cotidiana que
apenas foi exacerbada pelo episódio de violência dos Crimes de Maio de 2006.
III. DIREITO – REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE
O caso ora apresentado a esta Ilustre Comissão Interamericana ocorreu no Estado
Brasileiro em maio de 2006, violando direitos previstos na Convenção Americana e
obrigações do Estado dela decorrentes. Satisfaz, portanto, todos os requisitos de
admissibilidade para o Sistema Interamericano.
1. Competência ratione personae
36
Revista
Pesquisa
FAPESP,
Edição
88
–
Junho
de
2003,
disponível
http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=2183&bd=1&pg=1&lg (último acesso em 09/05/2009).
em
27
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O artigo 44 da Convenção Americana de Direitos Humanos dispõe:
ARTIGO 44
Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade
não governamental legalmente reconhecida em um ou
mais
Estados-Membros
da
Organização,
pode
apresentar à Comissão petições que contenham
denúncias ou queixas de violação desta Convenção
por um Estado-Parte.
Neste caso são quatro peticionarias: as senhoras Francisca Evangelista Alves de
Souza (mãe de ISRAEL ALVES DE SOUZA), Helenita Barbosa de Andrade (mãe
de EDIVALDO BARBOSA DE ANDRADE e de EDUARDO BARBOSA DE
ANDRADE) e Maria José de Lima Andrade (mãe de FÁBIO DE LIMA ANDRADE)
e a organização Conectas Direitos Humanos, entidade não governamental
legalmente constituída e que tem como objetivo a proteção dos direitos humanos.
Todas preenchem, portanto, os requisitos para apresentar petições perante essa
Ilustre Comissão Interamericana.
2. Competência ratione materiae
Foram violados os artigos 1.1 (obrigação de respeitar os direitos), 4 (direito à vida),
5 (direito à integridade pessoal) e 25 (proteção judicial). O Estado Brasileiro deixou
de proteger e garantir a segurança, integridade e vida das vítimas EDIVALDO
BARBOSA DE ANDRADE, FÁBIO DE LIMA ANDRADE, ISRAEL ALVES DE
SOUZA, EDUARDO BARBOSA DE ANDRADE E FERNANDO ELZA. Após, falhou
em conduzir uma investigação imparcial e adotar medidas para concretizar a
legislação, mantendo e reforçando um contexto de impunidade e violência.
Ressalte-se que este é um caso representativo de um contexto de graves e
sistemáticas violações de direitos humanos: em um período de apenas dez dias
foram registradas 564 mortes por armas de fogo, muitas delas com características
de execuções sumárias, como já se demonstrou acima.
28
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3. Competência ratione temporis
A República Federativa do Brasil ratificou a Convenção Americana de Direitos
Humanos no dia 25 de setembro de 1992 e reconheceu a competência da Corte
Interamericana de Direitos Humanos a partir do dia 9 de dezembro de 1998,
evidente, portanto, que os fatos que ensejam a apresentação desta denúncia estão
na jurisdição da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
4. Competência ratione loci
Os fatos narrados nesta denúncia ocorreram na cidade de São Paulo, estado de
São Paulo, na República Federativa do Brasil, Estado signatário do Pacto de San
José da Costa Rica e que já reconheceu a competência da Corte Interamericana,
como destacado no item acima.
5. Esgotamento dos recursos internos e tempestividade da denúncia
O inquérito policial 052.06.002082-4 (1.124/06 – Delegacia de Homicídios Múltiplos
do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), que tramitou perante o I
Tribunal do Júri da Capital do Estado de São Paulo foi concluído pela autoridade
policial no dia 5 de novembro de 2008. Seu arquivamento foi requerido pelo 4º
Promotor de Justiça do I Tribunal do Júri no dia 18 de novembro de 2008 e acolhido
pela autoridade judiciária no dia 26 de novembro de 2008, quando se encerram
as possibilidades de recurso, sendo, portanto, tempestiva a apresentação da
presente denúncia.
6. Ausência de litispendência e coisa julgada internacional
Nos termos do artigo 46.c da Convenção Americana de Direitos Humanos, não há
outra demanda que verse sobre o mesmo objeto na esfera internacional.
Do mesmo modo, não há coisa julgada internacional a respeito dos homicídios
consumados de EDIVALDO BARBOSA DE ANDRADE, FÁBIO DE LIMA
29
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ANDRADE e ISRAEL ALVES DE SOUZA, bem como os homicídios tentados de
EDUARDO BARBOSA DE ANDRADE e FERNANDO ELZA.
IV. DIREITO – MÉRITO: VIOLAÇÕES À CONVENÇÃO AMERICANA DE
DIREITOS HUMANOS
No estado de São Paulo, de 12 a 21 de maio de 2006, 564 pessoas foram mortas e
110 feridas por armas de fogo. Dessas, há mais de 50 vítimas civis fatais em
circunstâncias de execuções sumárias e atuação de grupos de extermínio.
Os jovens EDIVALDO, FÁBIO, ISRAEL, EDUARDO e FERNANDO são cinco
dessas vítimas. O crime de que foram alvos ocorreu no final da noite do dia 14 de
maio de 2006, data em que foram registradas as mortes de 107 civis e de oito
agentes do Estado.
As investigações foram conduzidas como se o crime estivesse isolado de qualquer
contexto. Foram produzidas apenas as provas obrigatórias e nada foi feito a partir
do seu resultado. Não houve busca por novas testemunhas ou a comparação e
investigação conjunta com crimes análogos que ocorreram naqueles dias.
Em virtude da ineficácia do sistema policial e judiciário, a verdade não foi
descoberta e os autores do crime não foram processados e, consequentemente,
punidos. Com isso, o Estado Brasileiro violou os direitos à vida, à integridade
pessoal e à proteção judicial, previstos nos artigos 4, 5 e 25 da Convenção
Americana de Direitos Humanos, todos em relação à obrigação de respeitar direitos
prevista no artigo 1.1 do mesmo tratado.
1. ARTIGO 4 – DIREITO À VIDA
Dispõe a Convenção Americana de Direitos Humanos:
ARTIGO 4 - Direito à Vida
1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua
vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em
30
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geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode
ser privado da vida arbitrariamente. (...)
No “caso de los Niños de la Calle” (Villagrán Morales y Otros), esta Comissão
Interamericana já firmou o entendimento de que o direito à vida é um direito
cogente no âmbito internacional:
En los alegatos finales, la Comisión destacó las
características de ius cogens del derecho a la vida y el
hecho de que constituye la base esencial del ejercicio
de los demás derechos.37
A Corte Interamericana teve inúmeras oportunidades de destacar que o direito à
vida não requer apenas uma obrigação negativa do Estado, mas também uma
obrigação positiva no sentido de protegê-la:
La Corte ha establecido que el derecho a la vida juega
un papel fundamental en la Convención Americana por
ser el corolario esencial para la realización de los
demás derechos. Al no ser respetado el derecho a la
vida, todos los derechos carecen de sentido. Los
Estados tienen la obligación de garantizar la creación
de las condiciones que se requieran para que no se
produzcan violaciones de ese derecho inalienable y,
en particular, el deber de impedir que sus agentes
atenten contra él.
El cumplimiento del artículo 4,
relacionado con el artículo 1.1 de la Convención
Americana, no sólo presupone que ninguna persona
sea privada de su vida arbitrariamente (obligación
negativa), sino que además requiere que los Estados
tomen todas las medidas apropiadas para proteger y
preservar el derecho a la vida (obligación positiva),
bajo su deber de garantizar el pleno y libre ejercicio de
los
37
derechos
de
todas
las
personas
bajo
su
Caso “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros) Vs. Guatemala – Sentença de 19/11/1999, parágrafo 139.
31
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jurisdicción. Esta protección activa del derecho a la
vida por parte del Estado no sólo involucra a sus
legisladores, sino a toda institución estatal y a quienes
deben resguardar la seguridad, sean éstas sus fuerzas
de policía o sus fuerzas armadas.
En razón de lo
anterior, los Estados deben tomar las medidas
necesarias, no sólo para prevenir y castigar la
privación de la vida como consecuencia de actos
criminales, sino también prevenir las ejecuciones
arbitrarias por parte de sus propias fuerzas de
seguridad.38
A vasta jurisprudência da Corte Interamericana já fixou a importância e o alcance
desse direito:
El derecho a la vida es un derecho humano
fundamental, cuyo goce pleno es un prerrequisito para
el disfrute de todos los demás derechos humanos. De
no ser respetado, todos los derechos carecen de
sentido. En razón de dicho carácter, no son admisibles
enfoques restrictivos del mismo. De conformidad con
el artículo 27.2 de la Convención este derecho forma
parte del núcleo inderogable, pues se encuentra
consagrado como uno de los derechos que no puede
ser suspendido en casos de guerra, peligro público u
otras amenazas a la independencia o seguridad de los
Estados Partes.
En virtud de este papel fundamental que se le asigna
en la Convención, los Estados tienen la obligación de
garantizar la creación de las condiciones necesarias
para que no se produzcan violaciones de ese derecho
inalienable, así como el deber de impedir que sus
agentes, o particulares, atenten contra el mismo. El
38
Caso 19 Comerciantes Vs. Colombia – Sentença de 5 de julho de 2004, parágrafo 153.
32
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objeto y propósito de la Convención, como instrumento
para la protección del ser humano, requiere que el
derecho a la vida sea interpretado y aplicado de
manera que sus salvaguardas sean prácticas y
efectivas (effet utile).
La Corte ha señalado en su jurisprudencia constante
que el cumplimiento de las obligaciones impuestas por
el artículo 4 de la Convención Americana, relacionado
con el artículo 1.1 de la misma, no sólo presupone que
ninguna
persona
sea
privada
de
su
vida
arbitrariamente (obligación negativa), sino que además
requiere, a la luz de su obligación de garantizar el
pleno y libre ejercicio de los derechos humanos, que
los Estados adopten todas las medidas apropiadas
para proteger y preservar el derecho a la vida
(obligación positiva) de quienes se encuentren bajo su
jurisdicción.
En razón de lo anterior, los Estados deben adoptar las
medidas necesarias para crear un marco normativo
adecuado que disuada cualquier amenaza al derecho
a la vida; establecer un sistema de justicia efectivo
capaz de investigar, castigar y dar reparación por la
privación de la vida por parte de agentes estatales o
particulares (...).39
Também no sistema global de proteção da Organização das Nações Unidas o
direito à vida é entendido como de central importância, conforme já notado pela
Corte Interamericana:
[l]a protección contra la privación arbitraria de la vida,
que es explícitamente exigida por el tercer párrafo del
artículo 6.1 [del Pacto Internacional de Derechos
39
Caso Baldeón García Vs. Perú – Sentença de 06/04/2006, parágrafo 85.
33
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Civiles y Políticos] es de suprema importancia.
El
Comité considera que los Estados Partes deben tomar
medidas no sólo para prevenir y castigar la privación
de la vida [causada por] actos criminales sino también
para prevenir los homicidios arbitrarios [cometidos por]
sus propias fuerzas de seguridad. La privación de la
vida por autoridades del Estado es una cuestión de
suma gravedad. En consecuencia, [el Estado] debe
controlar y limitar estrictamente las circunstancias en
las cuales [una persona] puede ser privada de su vida
por tales autoridades.40
Ademais, a Corte Interamericana entende que as falhas e deficiências de uma
investigação que impedem a descoberta da verdade e dos autores de um crime que
viola a vida é um descumprimento do próprio direito à vida:
(…) any deficiency or fault in the investigation affecting
the ability to determine the cause of death or to identify
the actual perpetrators or masterminds of the crime will
constitute failure to comply with the obligation to
protect the right to life.41
O caso ora exposto trata de um evento de execução sumária com cinco jovens
vítimas. Três delas morreram imediatamente e, dos dois sobreviventes, um foi
assassinado em um ataque semelhante seis meses depois e o outro fugiu do
estado de São Paulo, temendo por sua vida.
A chacina aconteceu num contexto de graves e sistemáticas violações de direitos
humanos. Como se não bastassem os elevados índices de mortalidade de jovens
por arma de fogo no Brasil e as altas estatísticas de violência e uso excessivo de
força policial, era também um evidente momento de violência exacerbada, como se
demonstrou acima.
40
Caso “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros)Vs. Guatemala - Sentença de 19 /11/1999, parágrafo 145.
Case Montero-Aranguren et al. (Detention Center of Catia) v. Venezuela – Sentença de 05/07/2006, parágrafo
83.
41
34
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Em apenas dez dias foram mortas por armas de fogo ao menos 564 pessoas. Suas
mortes não foram investigadas corretamente, seus algozes não foram identificados
e, portanto, não foram processados e punidos. Ao contrário, a impunidade foi
reiterada e aprofundada no país.
É, portanto, inquestionável que o Estado Brasileiro falhou em garantir e proteger o
direito à vida previsto no artigo 4 da Convenção Americana de Direitos Humanos e
em diversos outros tratados internacionais.
2. ARTIGO 5 – DIREITO À INTEGRIDADE PESSOAL
No dia 14 de maio de 2006, das cinco vítimas, EDUARDO e FERNANDO foram
alvejados e sobreviveram. Tiveram a sua integridade pessoal fortemente atingida.
Para além da evidente violação da sua integridade física, não se pode deixar de
considerar os danos causados à integridade psíquica e moral de dois sobreviventes
que além de vítimas tentadas de uma chacina, viram seus amigos serem mortos
por diversos tiros de arma de fogo num contexto de impunidade que gera medo e
insegurança na continuidade de suas vidas.
Ressalta-se que FERNANDO foi morto seis meses depois da chacina de uma
maneira semelhante ao primeiro ataque. Não sem justificação EDUARDO, único
sobrevivente, fugiu e foi se esconder fora do estado, fora de alcance.
Prevê o Pacto de San José da Costa Rica:
ARTIGO 5 - Direito à Integridade Pessoal
1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua
integridade física, psíquica e moral. (...)
Nesse sentido, no caso do Massacre de La Rochela, A Corte Interamericana
entendeu que o sofrimento causado às vítimas sobreviventes era uma grave
violação ao artigo 5 da Convenção Americana, destacando:
35
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With regard to the suffering endured by the three
survivors during and after the massacre, the Court
notes that, during the executions, these individuals
endured
additional
circumstances
of
intense
psychological suffering, as well as physical injuries,
given that they had just survived a violent attack with
bursts of gunfire and, later, the final fatal shots.
Moreover, they were present during the suffering and
death of their friends and colleagues, and felt the
possibility that they might die in those moments as
well. They even had to feign their own death in order to
survive. Likewise, after the massacre, surviving victim
Arturo Salgado had to endure five hours of great fear
and anxiety when he found himself alone, knowing that
the paramilitaries could return at any moment and
execute him. (…).42
Trata-se de caso análogo ao relatado na presente denúncia. Os dois sobreviventes
viram seus amigos e irmão morrerem enquanto também eram alvejados. Um dos
sobreviventes foi assassinado meses depois, aprofundando ainda mais o
sofrimento de EDUARDO.
Além disso, a Corte Interamericana consolidou entendimento de que as famílias das
vítimas também são vítimas de violação à sua integridade pessoal, especialmente
quando o Estado não conduz uma investigação imparcial e eficaz, mantendo uma
realidade de impunidade e aprofundando o sofrimento psicológico e emocional dos
familiares.
Nesse sentido, entre diversos julgamentos afirmando este entendimento, destacase uma condenação ao Brasil no Caso Ximenes-Lopes:
The Court has repeatedly pointed out that the next of
kin of the victims of violations of human rights may be,
in turn, victims themselves. The Court considers that
42
Caso La Rochela vs. Colômbia - Sentença de 11/05/2007, parágrafo 135.
36
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the right to the psychological and moral integrity of the
victims´next of kin has been violated as a result of the
additional suffering they have endured due to the
specific circumstances of the violations committed
against their beloved persons and to the subsequent
actions or failure to act by the State officials regarding
such facts.43
Desta feita, é certo que as famílias de EDIVALDO e EDUARDO, FÁBIO e ISRAEL,
aqui representadas pelas senhoras Helenita Barbosa de Andrade, Maria José de
Lima Andrade e Francisca Evangelista Alvez de Souza, respectivamente, desde
o dia 12 de maio de 2006, estão sofrendo pela morte de seus filhos, sofrimento
reiterado e agravado pela inércia do Estado em elucidar a verdade e buscar,
processar e punir os responsáveis pela execução sumária dos jovens.
Não resta dúvida de que, sendo também vítimas, essas famílias têm direito à
compensação pelas violações de direitos previstos na Convenção Americana que
sofreram pessoalmente.
3. ARTIGO 25 – PROTEÇÃO JUDICIAL
A falta de isenção e imparcialidade dos órgãos policiais e judiciários responsáveis
pela condução da investigação criminal e aplicação da justiça penal resultou na
condução de uma investigação falha e deficiente que não aparentou ter o objetivo
verdadeiro de determinar a verdade e punir os autores do crime, uma investigação
pro forma.
Com efeito, a Chacina do Parque Bristol não foi um evento isolado. Em um período
de apenas dez dias, 564 pessoas foram mortas por tiros no Estado de São Paulo e,
após três anos, não houve uma resposta estatal para esclarecer a verdade a
respeito daqueles acontecimentos e tão pouco para corrigir as violações e prevenir
que elas se repitam.
43
Caso Ximenes-Lopes v Brasil - Sentença de 04/07/2006, parágrafo 156.
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Todos os dias as famílias das 564 vítimas fatais (505 delas civis) sofrem uma
reiterada violação pelo descumprimento da obrigação estatal de investigar tais
crimes, determinar a verdade dos fatos e processar criminalmente os autores
materiais e intelectuais desses crimes.
A Convenção Americana de Direitos Humanos aduz:
ARTIGO 25 - Proteção Judicial
1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e
rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os
juizes ou tribunais competentes, que a proteja contra
atos
que
violem
seus
direitos
fundamentais
reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela
presente Convenção, mesmo quando tal violação seja
cometida por pessoas que estejam atuando no
exercício de suas funções oficiais. (...)
A Corte Interamericana de Direitos Humanos vem consolidando o seu entendimento
de que as vítimas e seus familiares têm o direito de saber a verdade e ver
processados os violadores em um tempo razoável:
This Court has indicated that the right to judicial access
must secure the right of the alleged victims or their
next of kin to have every measure taken such that the
truth of the events may be known within a reasonable
time and that those eventually found responsible be
punished.44
Ademais, a Corte é enfática ao reiterar que as investigações não podem ser
conduzidas como meros expedientes pro forma predestinados ao fracasso,
especialmente nos casos de graves violações de direitos humanos que atinjam o
direito à vida:
44
Case of the Rochela Massacre v. Colombia – Sentença de 11/05/2007, parágrafo 146.
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In particular, since full enjoyment of the right to life is a
prior condition for the exercise of all the other rights,
the obligation to investigate any violations of this right
is a conditions for ensuring this right effectively. Thus,
in
cases
of
disappearances
extrajudicial
and
other
executions,
grave
human
forced
rights
violations, the State has the obligation to initiate, ex
officio and immediately, a genuine, impartial and
effective investigation, which is not undertaken as a
mere formality predestined to be ineffective.
This
investigation must be carried out by all available legal
means with the aim of determining the truth and the
investigation,
pursuit,
capture,
prosecution
and
punishment of the masterminds and perpetrators of the
facts, particularly when State agents are or may be
involved.45
O Tribunal vai além, clarificando que as investigações devem ser conduzidas por
órgãos verdadeiramente independentes com todos os meios legais disponíveis:
Moreover, in such cases, it is particularly important that
the
competent
authorities
adopt
all
reasonable
measures to guarantee the necessary probative
material in order to carry out the investigation and that
they be independent, both de jure and de facto, from
the officials involved in the facts of the case . The
foregoing requires not only hierarchical or institutional
independence, but also real independence. The said
investigation must be carried out with all available legal
means and must be directed towards the determination
of the truth and the investigation, pursuit, capture,
prosecution and possible punishment of all the
45
Case of the Pueblo Bello Massacre v. Colombia- Sentença de 31/01/2006, parágrfo 143.
39
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masterminds and perpetrators of the facts, particularly
when State agents are or may be involved.46
Do contrário, estaríamos diante de uma situação em que o Estado age ou tolera
atos violadores de direitos humanos, tornando-se ele próprio o violador:
Upon implementing or tolerating acts directed toward
the perpetration of extrajudicial executions, or by failing
to investigate or punish those responsible, the State
violates the obligation to respect and ensure the full
and free exercise of the rights of the alleged victims or
their next of kin as recognized in the Convention. In
addition, these violations prevent society from knowing
the truth of the events, encourage the chronic
repetition of human rights violations and perpetuate the
total defenselessness of the victims and their next of
kin. The investigation into the events must be
conducted using all available legal means, in order to
determine the truth of what occurred and in order to
pursue, capture, prosecute, and convict all the material
and immaterial authors, particularly when State agents
are or could be involved.47
A Corte, portanto, entende que a impunidade, por si mesma, é uma violação de
direitos humanos:
(...) entendiéndose como impunidad la falta en su
conjunto
de
investigación,
persecución,
captura,
enjuiciamiento y condena de los responsables de las
violaciones
de
los
derechos
protegidos
por
la
Convención Americana, toda vez que el Estado tiene
la obligación de combatir tal situación por todos los
medios legales disponibles ya que la impunidad
46
47
Case of Zambrano Vélez et al. v. Ecuador – Sentença de 04/07/2007, parágrafos 122 e 123.
Case of the Rochela Massacre v. Colombia- Sentença de 11/05/2005, parágrafo 148.
40
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propicia la repetición crónica de las violaciones de
derechos humanos y la total indefensión de las
víctimas y de sus familiares.48
O caso em tela é um lamentável exemplo de violação ao direito de proteção judicial.
O Estado Brasileiro falhou em conduzir uma investigação adequadamente isenta e
voltada à elucidação da verdade e responsabilização judicial dos culpados. O
inquérito policial foi conduzido como um instrumento pro forma, no qual apenas as
diligências obrigatórias foram realizadas.
Com efeito, num contexto de violência extremamente exacerbado no qual se
registrou diversas mortes em circunstâncias semelhantes à Chacina do Parque
Bristol, inclusive no mesmo dia e em dias próximos, não houve uma investigação
conjunta
desses
fatos.
Não
houve
ao
menos
comparação
quanto
aos
acontecimentos, tipos de armas e munições, confrontos balísticos, tipos de carro,
oitiva de testemunhas, perícias do local etc.
Pela forma de condução das investigações conclui-se que não havia a verdadeira
intenção de elucidar o crime e punir os culpados. Manteve-se uma realidade de
impunidade que permite a repetição de tais crimes, peça fundamental do ciclo de
sistemáticas e reiteradas graves violações de direitos humanos, aprofundando a
fragilidade e marginalização das vítimas.
Tal situação é insustentável pois configura uma afronta a todo o sistema de
proteção de direitos humanos criado pela Convenção Americana, como a Corte
Interamericana já apontou em diversos julgados, merecendo destaque o exposto no
Caso Ximenes-Lopes, no qual o Brasil foi condenado:
Under Article 25(1) of the Convention, the States have
the duty to ensure that all persons under its jurisdiction
have effective judicial recourse against violations of
their fundamental rights. Not only must recourse be
provided, but it also must be effective, i.e., it must be
capable of producing results or providing answers to
48
Caso “Panel Blanca” (Paniagua Morales y otros) Vs. Guatemala – Sentença de 08/03/1998, parágrafo 143.
41
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violations of rights established by the Convention. This
safeguard is one of the cornerstones of the American
Convention and the Rule of Law in a democratic
society, as set forth in the Convention.49
Nesse aspecto, a Corte vai além, reiterando que um poder judiciário autônomo e
efetivo é um dos pilares fundamentais de um Estado Democrático de Direito,
expondo mais um motivo pelo qual o Brasil deve ser condenado a corrigir esta
violação e tomar medidas reais e efetivas para que fatos semelhantes sejam
verdadeiramente investigados e punidos até que não voltem mais a se repetir.
4. ARTIGO 1.1 – OBRIGAÇÃO DE RESPEITAR OS DIREITOS
Com a violação dos artigos 4, 5 e 25 da Convenção Americana de Direitos
Humanos, o Brasil também violou a obrigação de respeitar e garantir os direitos
nela previstos, nos termos do artigo 1.1, in verbis:
ARTIGO 1 - Obrigação de Respeitar os Direitos
1.
Os
Estados-Partes
nesta
Convenção
comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades
nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno
exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua
jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de
raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou
de qualquer outra natureza, origem nacional ou social,
posição econômica, nascimento ou qualquer outra
condição social. (...)
Explicitando o seu conteúdo, a Corte Interamericana entendeu que:
(...) Los Estados tienen la obligación de garantizar la
creación de las condiciones que se requieran para que
no
49
se
produzcan
violaciones
de
ese
derecho
Caso Ximenes-Lopes v Brasil - Sentença de 04/07/2006, parágrafo 192.
42
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inalienable y, en particular, el deber de impedir que
sus agentes atenten contra él.50
A correlação dos artigos 1.1 e 4 da Convenção Americana foi explicitada pela Corte
Interamericana no caso Instituto de Reeducación del Menor:
El derecho a la vida y el derecho a la integridad
personal no sólo implican que el Estado debe
respetarlos (obligación negativa), sino que, además,
requiere que el Estado adopte todas las medidas
apropiadas para garantizarlos (obligación positiva), en
cumplimiento de su deber general establecido en el
artículo 1.1 de la Convención Americana.51
No caso Villagran Morales, a Corte Interamericana explicitou o alcance da
combinação dos artigos 1.1 e 25 da Convenção Americana:
(...) quando se ha violado un derecho protegido, “el
Estado está obligado a responder sua sponte con
determinadas
medidas
encaminados
a
de
investigación,
sancionar
y
castigar
actos
a
los
perpetradores, y mecanismos que garanticen el
acceso a la indemnización” y, “[a]l mismo tiempo, la
víctima
tiene
un
derecho
directo
a
procurarse
52
protección y reparación judicial”.
O mesmo se deu recentemente, no caso Salvador Chiriboga:
(...) este Tribunal recuerda que en virtud de la
protección otorgada por los artículos 8 y 25 de la
Convención, los Estados están obligados a suministrar
recursos judiciales efectivos a las víctimas de
violaciones de los derechos humanos, que deben ser
sustanciados de conformidad con las garantías
judiciales, todo ello dentro de la obligación general, a
50
Caso Juan Humberto Sánchez Vs. Honduras – Senteça de 07/06/2003, parágrafo 110.
Caso "Instituto de Reeducación del Menor" Vs. Paraguay – Sentença de 02/09/2004, parágrafo 158.
52
Caso “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros) v. Colômbia – Sentença de 19/11/1999, parágrafo 199.
51
43
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cargo de los mismos Estados, de garantizar el libre y
pleno ejercicio de los derechos reconocidos por la
Convención a toda persona que se encuentre bajo su
jurisdicción (artículo 1.1).53
A combinação dos artigos 1.1 e 25 exige que as pessoas tenham acesso a um
poder judiciário imparcial e isento. A falta dessas características é, segundo a Corte
Interamericana, uma grave violação de direitos humanos:
El derecho a la tutela judicial efectiva exige entonces a
los jueces que dirijan el proceso de modo de evitar que
dilaciones y entorpecimientos indebidos, conduzcan a
la impunidad, frustrando así la debida protección
judicial de los derechos humanos.54
Esta Corte ha señalado reiteradamente que la
obligación de investigar debe cumplirse “con seriedad
y no como una simple formalidad condenada de
antemano a ser infructuosa”.
La investigación que el Estado lleve a cabo en
cumplimiento de esta obligación “[d]ebe tener un
sentido y ser asumida por el [mismo] como un deber
jurídico propio y no como una simple gestión de
intereses particulares, que dependa de la iniciativa
procesal de la víctima o de sus familiares o de la
aportación privada de elementos probatorios, sin que
la autoridad pública busque efectivamente la verdad”.55
Por fim, a Corte Interamericana também expôs o alcance do artigo 1.1 na Opinião
Consultiva nº 17:
Esta Corte ha establecido reiteradamente, a través del
análisis de la norma general consagrada en el artículo
1.1 de la Convención Americana, que el Estado está
53
Caso Salvador Chiriboga vs. Ecuador – Sentença de 06/05/2008, parágrafo 58.
Caso Bulacio Vs. Argentina – Sentença de 18/09/2003. Serie C, nº100. Parágrafo 115.
55
Caso Hermanas Serrano Cruz Vs. El Salvador – Sentença de 01/03/2005, parágrafo 61.
54
44
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obligado
a
respetar
los
derechos
y
libertades
reconocidos en ella y a organizar el poder público para
garantizar a las personas bajo su jurisdicción el libre
y pleno ejercicio de los derechos humanos.
Según las normas del derecho de la responsabilidad
internacional del Estado aplicables en el Derecho
Internacional de los Derechos Humanos, la acción u
omisión de cualquier autoridad pública, de cualquiera
de los poderes del Estado, constituye un hecho
imputable
al
Estado
que
compromete
su
responsabilidad en los términos previstos en la
Convención Americana. Dicha obligación general
impone a los Estados Partes el deber de garantizar el
ejercicio y el disfrute de los derechos de los individuos
en relación con el poder del Estado, y también en
relación con actuaciones de terceros particulares.56
Toda a normativa internacional, o entendimento desta I. Comissão Interamericana e
a jurisprudência da Corte Interamericana convergem no sentido de que a vida e
integridade das pessoas devem ser protegidas e garantidas pelo Estado, que tem a
obrigação de investigar e responsabilizar, de maneira imparcial e efetiva, as
violações que ocorrerem.
O desrespeito a esses direitos, quando não são devidamente investigados e
corrigidos pelo Estado torna-o o próprio violador, na medida em que tolera as
violações que nele acontecem, garantindo um contexto de impunidade para que
elas se repitam.
Desta feita, o Estado se afasta da obrigação que assumiu de respeitar e garantir
direitos, como previsto no artigo 1.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos
e torna-se ambiente fértil e propício para a reiteração de sistemáticas violações de
direitos humanos, exatamente o que se retrata na presente denúncia.
56
Corte Interamericana de Direitos Humanos. Opinião Consultiva nº 17, de 28/08/2002 – Serie A, nº 17.
Parágrafo 87.
45
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V. PEDIDO
Por todo o exposto as peticionarias solicitam que esta I. Comissão Interamericana
de Direitos Humanos admita o processamento da presente denúncia, para que
possa ela servir de caso exemplar para a alteração de práticas sistemáticas de
violações de direitos humanos perpetradas pelo Estado Brasileiro por meio do
desrespeito à Convenção Americana de Direitos Humanos.
Diante das violações aos direitos previstos no Pacto de San José da Costa Rica, as
peticionarias solicitam que esta I. Comissão recomende ao Estado brasileiro:
a) O reconhecimento pelo Estado Brasileiro de sua responsabilidade por
violação dos artigos 1.1, 4, 5 e 25 da Convenção Americana de Direitos
Humanos no caso da Chacina do Parque Bristol;
b) A reparação dos danos morais e materiais causados às famílias das vítimas,
como forma de indenização pelo desrespeito do Estado Brasileiro ao direito
à vida, à integridade pessoal e à proteção judicial, bem como ao dever de
respeitar os direitos, previstos nos artigos 4, 5, 25 e 1.1, respectivamente,
do Pacto de San José da Costa Rica;
c) A adoção e implementação de legislação e políticas públicas consistentes
em um Código de Conduta Policial que seja respeitador e garantidor dos
direitos humanos e que regule o uso de força letal;
d) O fim dos registros policiais na modalidade “resistência seguida de morte”,
“encontro de cadáver” ou quaisquer outras que não “homicídio”;
e) A reabertura das investigações das mortes decorrentes da atuação de
grupos encapuzados, grupos de extermínio, policiais e demais casos
suspeitos de participação de agentes públicos, entre os dias 12 e 21 de
maio de 2006 no estado de São Paulo, com o cruzamento das informações
de todos os projéteis, veículos, pessoas, laudos, testemunhos e demais
informações relevantes;
f) A criação de um banco de dados nacional e público em que sejam
46
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obrigatoriamente inseridos todos os casos de delitos praticados por
membros das forças de segurança, incluindo os casos decorrentes de
confronto, bem como o andamento e conclusão de cada investigação;
g) A adoção de efetivas políticas públicas de transparência e controle da
atividade de investigação policial, com os correspondentes investimentos e
programas de treinamento, capacitação e valorização dos agentes do
Estado e instituições que atuam nessa área.
De São Paulo/Brasil para Washington/EUA, aos 12 de maio de 2009.
Eloísa Machado de Almeida
[email protected]
Advogada Conectas – OAB/SP 201.790
Samuel Friedman
[email protected]
Advogado Conectas – OAB/SP 285.816
Marcela Cristina Fogaça Vieira
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Advogada Conectas – OAB/SP 252.930
Vivian Sampaio Gonçalves
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Estagiária
Endereço para comunicação:
Conectas Direitos Humanos
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o caso foi remetido à CIDH