Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Lato Sensu em Leitura e Produção de Textos Trabalho de Conclusão de Curso A METODOLOGIA DE ENSINO DE SEGUNDA LÍNGUA APLICADA À LÍNGUA MATERNA NA BUSCA PELA COMPETÊNCIA COMUNICATIVA Autora: Eliza Ximenes da Silva Orientador: Esp. Rogério da Silva Sales Pereira Brasília - DF 2012 ELIZA XIMENES DA SILVA A METODOLOGIA DE ENSINO DE SEGUNDA LÍNGUA APLICADA À LÍNGUA MATERNA NA BUSCA PELA COMPETÊNCIA COMUNICATIVA Monografia apresentada ao Programa de PósGraduação Lato Sensu em Leitura e Produção de Textos da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do certificado de Especialista em Leitura e Produção de Textos. Orientador: Prof. Esp. Rogério da Silva Sales Pereira Brasília 2012 Monografia de autoria de Eliza Ximenes da Silva, intitulada “A METODOLOGIA DE ENSINO DE SEGUNDA LÍNGUA APLICADA À LÍNGUA MATERNA NA BUSCA PELA COMPETÊNCIA COMUNICATIVA”, apresentada como requisito parcial para obtenção do certificado de Especialista em Leitura e Produção de Textos da Universidade Católica de Brasília, em 26 de junho de 2012, defendida e/ou aprovada pela banca examinadora abaixo assinada: Prof. Esp. Rogério da Silva Sales Pereira Orientador Pós-Graduação Lato Sensu em Leitura e Produção de Textos – UCB Profa. Esp. Maria de Fátima de Souza Rocha Pós-Graduação Lato Sensu em Leitura e Produção de Textos – UCB Profa. Dra. Andréa Márcia Mercadante Alves Coutinho Pós-Graduação Lato Sensu em Leitura e Produção de Textos – UCB Brasília 2012 É com carinho que dedico este TCC à minha mãe Marli e à família maravilhosa que tenho: meu pai, meus irmãos e meu sobrinho Ítalo. AGRADECIMENTO Quero agradecer sempre a Deus, por todas as oportunidades e conquistas que tem me proporcionado, por cada dia me conceder uma nova bênção como prova do Seu amor. Agradeço à minha família, “muito unida e também muito ouriçada”; meus pais que sempre ajudam a me dedicar aos estudos, meus irmãos que estão seguindo o mesmo caminho e ao meu sobrinho fofo que está conhecendo agora o mundo das letras. Sou grata ao meu namorado Filipe, por estar sempre ao meu lado, ouvindo minhas incertezas e me afirmando seu apoio. Agradeço por ser o amor da minha vida. A todos os meus amigos e colegas de pós-graduação, que acreditam na realização dos meus sonhos. Ao meu excelente orientador, prof. Rogério, por me dar bases para desenvolver o meu trabalho, construindo meu conhecimento e não me repreendendo, mesmo sabendo que eu merecia. E a todos os professores que deixaram suas marcas em minha história. “Uma palavra – o ato verbal – nada mais é do que um farol: apresenta-se, desperta um significado e este significado nunca regressa à palavra mas vai para a coisa, e a palavra, como um nome memorizado, é abandonada.” Jean-Paul Sartre RESUMO Referência: SILVA, Eliza Ximenes da. A METODOLOGIA DE ENSINO DE SEGUNDA LÍNGUA APLICADA À LÍNGUA MATERNA NA BUSCA PELA COMPETÊNCIA COMUNICATIVA. 2012. 90 fls. Monografia (Leitura e Produção de Textos) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2012. O presente trabalho constitui o desenvolvimento de uma pesquisa que busca identificar, na prática de ensino dos professores em sala de aula, as características do ensino comunicativo de língua, proposta pelo PHD em Linguística Aplicada Jack C. Richards, que compila os estudos sobre uma metodologia que promove o conceito de competência comunicativa, voltado para o ensino de segunda língua. O objetivo da pesquisa é verificar a possibilidade de aplicação da metodologia de ensino de segunda língua à língua materna, na busca pela competência comunicativa. Para isso, buscou-se nas diversas teorias da linguística, desde o princípio da comunicação, dos movimentos linguísticos ao surgimento das gramáticas, até as formas atuais de ensino, princípios que pudessem servir de base comparativa entre o ensino atual e o ensino proposto. Para aferimento da possível aplicação desta abordagem no ensino, foi realizada uma pesquisa com os professores de português de Ensino Médio das escolas públicas do Guará, no Distrito Federal, focando suas práticas de ensino comunicativo da língua, por meio de observações de aula, aplicação de questionário e conversas sobre a prática de ensino. Com base nos resultados obtidos, foi possível identificar traços do ensino comunicativo na prática atual dos professores e recomendar a aplicação da metodologia em um estudo futuro. Palavras-chave: Linguística. Ensino Comunicativo da Língua. Competência Comunicativa. ABSTRACT Referência: SILVA, Eliza Ximenes da. Second language teaching methodology applied to the first language in the search for communicative competence. 2012. 90 fls. Monografia (Leitura e Produção de Textos) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2012. This monographic work represents the development of a research to try to identify the characteristics of communicative language teaching within teachers' practice in the classroom, as proposed by Professor Jack C. Richards who compiles the studies on a methodology, which promotes the concept of communicative competence in second language teaching. The objective of the research is to verify the feasibility of applying second language teaching methodology to first language in the quest for communicative competence. In order to reach this goal, principles, which could serve as comparative ground between present and proposed teaching, were reviewed from the theories in linguistics, including the principle of communication, linguistics movements, the origins of grammar, and the present ways of teaching. A research was done with the Portuguese High School teachers in public schools in Guará, in the Federal District, focusing on their practices of communicative language teaching, using classroom observations, questionnaires, and talks about their teaching practices. Based on the results, it was possible to identify traits of communicative teaching in their present practice and recommend the application of the methodology in future studies. Keywords: Linguistics. Communicative Language Teaching. Communicative Competence. LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Lista de pressupostos que norteiam a metodologia de ensino comunicativo da língua X Professores que preenchem as características dos pressupostos ......................79 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12 CAPÍTULO I – REFERENCIAL TEÓRICO ..................................................................... 14 1.1 LÍNGUA E LINGUAGEM ................................................................................................ 15 1.1.1 Linguagem, o princípio da comunicação: a gênese da escrita ................................... 15 1.1.1.1 Conceitos de língua e linguagem: dicionário, gramática, teoria da comunicação ....... 16 1.1.2 Evolução da língua, segundo a Linguística, e o surgimento das gramáticas ............ 18 1.1.2.1 O historicismo, o estruturalismo (distribucionalismo), o funcionalismo .................... 22 1.1.2.2 Linguística Gerativa e Transformacional de Chomsky ................................................ 27 1.2 DA LINGUÍSTICA PARA A SOCIOLINGUÍSTICA ...................................................... 31 1.2.1 Sociolinguística – conceito, contexto histórico e metodologia ................................... 31 1.2.1.1 Sociolinguística na educação escolar ........................................................................... 33 1.2.1.2 Os princípios da Sociolinguística educacional de Bortoni-Ricardo ............................. 36 1.2.2 A Sociolinguística rumo à competência comunicativa ............................................... 38 1.3 COMPETÊNCIA COMUNICATIVA E COMPETÊNCIA GRAMATICAL ................... 40 1.3.1 A gramática como elemento de escolarização ............................................................. 40 1.3.2 O caminho para a competência comunicativa ............................................................ 43 1.3.3 O ensino comunicativo de língua que aborda o conceito da competência comunicativa ........................................................................................................................... 47 1.3.4 A metodologia de ensino de segunda língua aplicada à língua materna na busca pela competência comunicativa ............................................................................................. 49 CAPÍTULO II – EM BUSCA DAS CARACTERÍSTICAS DA ABORDAGEM DE ENSINO COMUNICATIVO ................................................................................................. 57 2.1 COLETA DE DADOS ....................................................................................................... 62 2.2 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS .................................................................................. 68 CONCLUSÃO......................................................................................................................... 83 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 85 ANEXOS ................................................................................................................................. 88 12 INTRODUÇÃO Este trabalho resulta da curiosidade de analisar a conduta dos professores de ensino de língua materna, em sala de aula, sob o ponto de vista do ensino comunicativo de língua, baseado nos princípios listados pelo PHD em Linguística Aplicada Jack C. Richards (2006), que compila estudos sobre a abordagem de ensino comunicativo voltado para a segunda língua. Sobretudo, a curiosidade de verificar a possibilidade de aplicar esta metodologia em um estudo futuro, mediante o comparativo entre o ensino atual e o ensino proposto para a segunda língua, conforme suas características. Para que esta curiosidade se tornasse uma pesquisa acadêmica voltada para o ensino de língua materna, buscou-se nas diversas teorias da linguística, princípios que pudessem servir de base comparativa entre o ensino atual e o ensino proposto para a segunda língua. Para desenvolver a pesquisa deste trabalho monográfico, serão resgatados os conceitos iniciais de língua, linguagem, linguística, sociolinguística e teoria interacionista em uma ordem cronológica, visando mostrar as linhas de pensamento sobre o estudo da língua e as abordagens de ensino, revelando as mudanças geradas pelas diferentes visões de estudo da língua, destacando a contribuição dos movimentos linguísticos no ensino tradicional, percorrendo o caminho até chegar à proposta de ensino comunicativo da língua, que provoca uma reflexão sobre a abordagem do ensino voltada para o desenvolvimento da competência comunicativa. O presente trabalho monográfico está dividido em dois capítulos, em que o primeiro trata do referencial teórico, que apresenta a história do estudo da língua desde o princípio da comunicação até as formas atuais de ensino, sob o ponto de vista da Linguística, com a apresentação dos movimentos linguísticos e o surgimento das gramáticas. Dos movimentos teóricos, o historicismo apenas expõe a língua como ela é, o estruturalismo chega a convencer que todas as línguas são iguais, o funcionalismo alia a estrutura gramatical ao contexto comunicativo, o gerativismo habitua-se a pensar em uma gramática internalizada, que responde pela competência e desempenho linguístico, a sociolinguística manifesta que os falantes dominam gramáticas variáveis e são capazes de moldar-se a diferentes contextos, trazendo o conceito de competência comunicativa para a sala de aula. É com base nos estudos sociolinguísticos que se verifica a preocupação a respeito da importação de metodologias aplicadas em outros países, que desconsideram as peculiaridades da língua brasileira, suas especificidades e regionalismos. Porém, a abordagem de ensino 13 comunicativo acometida por Richards (2006), embora seja direcionada ao ensino de segunda língua, não deve ser entendida como a intenção de importação de uma metodologia estrangeira, ou a intenção de esmagar a cultura brasileira, deve, sim, ser entendida como a busca de mais uma contribuição para o ensino, no sentido de aprimorar a competência comunicativa do aluno, aliando ao seu conhecimento gramatical. O interesse pela abordagem sugerida por Richards (2006) se explica quando analisado seu artigo Communicative Language Teaching Today, em que o autor sistematiza uma abordagem repleta de exemplos práticos para o desenvolvimento da competência comunicativa. Toda a teoria exposta, no primeiro capítulo deste trabalho, visa o reconhecimento das bases históricas do ensino da língua que desencadeiam em novas formas, novas abordagens de ensino. A abordagem de ensino comunicativo para a segunda língua apresentada por Richards (2006) mostra uma visão diferenciada sobre o ensino da língua e neste trabalho expressa a busca por uma contribuição na metodologia de ensino dos professores de português, principalmente de ensino médio. Uma metodologia que tenha como princípios desenvolver não só a competência gramatical do aluno, como também a competência comunicativa. O segundo capítulo desenvolve a pesquisa realizada em sala de aula, baseada nos pressupostos do ensino comunicativo apresentados no capitulo 1. A pesquisa gerou análise qualitativa dos dados, que foram extraídos de observações da conduta dos professores em sala de aula, pesquisa por meio do questionário aberto e posterior conversa com estes professores, esclarecendo algumas atitudes. A pesquisa, desenvolvida neste trabalho monográfico, buscou analisar a materialização da prática escolar, identificando na conduta dos professores de Ensino Médio das escolas do Guará, no Distrito Federal, os traços dos 10 princípios do ensino comunicativo, comparando as atitudes e iniciativas desenvolvidas pelos professores com a metodologia tradicional. Com o resultado dos dados, foi possível estabelecer a relação do ensino atual com as características do ensino comunicativo e recomendar esta abordagem de ensino em um projeto de intervenção futuro. 14 CAPÍTULO I – REFERENCIAL TEÓRICO No Brasil, desde que se implementou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1996, o ensino tradicional vem passando por transformações que vão desde a qualificação dos professores e do currículo escolar, ao desenvolvimento de metodologias de ensino que acompanhem tais transformações. Desta maneira, a cada dia, inúmeras literaturas surgem para o desenvolvimento de métodos ou técnicas que possam ser aplicadas em sala de aula para medir as competências e habilidades dos aprendizes, que sofrem a ação destas transformações. Neste capítulo, será realizada uma viagem pelo universo da língua até chegar à abordagem de uma metodologia, conhecida como ensino comunicativo da língua, que visa desenvolver no aluno habilidades de linguagem, conteúdo, gramática e funções. Este capítulo referencial está dividido em três partes e dentro das partes, subpartes. Na primeira parte, será abordado o princípio da comunicação e como, historicamente, o homem sentiu necessidade de registrar seus pensamentos, por meio de signos, que evoluíram para palavras e a descoberta da escrita; nas subpartes, os conceitos de língua e linguagem de acordo com os teóricos e estudiosos, dicionários e gramáticas; além da evolução da língua escrita, sob o ponto de vista da Linguística, com a apresentação dos movimentos linguísticos e o surgimento das gramáticas. Na segunda parte, serão introduzidos os conceitos da Sociolinguística e o contexto histórico de seu surgimento. Nas subpartes, será demonstrado como esta abordagem levará à materialização da prática da língua escolar, em que se busca analisar o ensino da língua no contexto situacional, cultural e histórico das pessoas, de acordo com as variedades da língua. Será demonstrado também como este movimento linguístico alertou para o desenvolvimento dos conceitos da competência comunicativa. Na terceira parte, a gramática será apresentada como elemento de escolarização, mas o estudo de uma metodologia que aborda a competência comunicativa será apontada como o caminho para o desenvolvimento da educação linguística. Isto será comprovado nas subpartes, quando o contexto do desenvolvimento da competência gramatical for alcançado pelo desenvolvimento da competência comunicativa, de tal forma que o ensino comunicativo da língua possa ser motivo de reflexão dos estudiosos das metodologias do ensino atual. Este será o final da viagem pela língua e suas metodologias de ensino. 15 1.1 LÍNGUA E LINGUAGEM 1.1.1 Linguagem, o princípio da comunicação: a gênese da escrita Ao se debater sobre a prática escolar no processo de ensino-aprendizagem, é importante resgatar as origens históricas, os conceitos gerais e básicos, as escolas teóricas que exercem influência, as motivações que desenvolvem o estudo da língua e principalmente, o que se tem feito para alcançar resultados positivos neste processo. O primeiro ponto a ser discutido neste capítulo será a linguagem e dentro dela a sua origem. Diversos autores mostram que a linguagem humana surgiu por necessidade de comunicação e interação. Preti (1977, p.1) afirma que “desde que nascemos, um mundo de signos linguísticos nos cerca e suas inúmeras possibilidades comunicativas tornam-se reais a partir da imitação e associação, até a formulação de nossas mensagens”, mas que isso se deve fundamentalmente pela língua, que é uma forma de linguagem. Já Coelho Neto (2008) busca nos primeiros sistemas de escrita, o que, inicialmente, foi considerado como linguagem. Situa-nos, cerca de 30 mil anos a.C, a partir dos achados registrados na PréHistória encontrados em rochedos e paredes das cavernas, como é o caso das pinturas e dos objetos, que tinham significado, e por isso foram consideradas como linguagem (não verbal). Acredita que “o homem, para se comunicar e influenciar o semelhante, representar seu pensamento e o mundo que o cerca, utiliza-se de várias formas de linguagem [...] composta por signos, que combinam entre si, baseados em regras de organização” (2008, p. 17). São estas regras de organização que serão discutidas adiante, quando o surgimento da gramática for abordado. Higounet (2003, p.9) também expõe como o homem primitivo, “diante de sua necessidade de um meio de expressão permanente, recorreu a engenhosos arranjos de objetos simbólicos ou a sinais materiais, nós, entalhes, desenhos” para se comunicar. Neste contexto, fica em evidência que a linguagem é um fenômeno de comunicação e expressão. É discutida por Franchetto (2004) a origem da linguagem verbal, ou “em outros termos, da evolução do comportamento comunicativo humano”. Em sua análise, a autora argumenta sobre a dificuldade de explicação dessa origem da linguagem, justificando pela “inexistência de provas e testemunhos factuais, diferentemente da evolução da espécie humana, para a qual existem evidências concretas. Isso tornou o tema sujeito às mais inusitadas divagações e propostas fantasiosas” (2004, p.12). A autora considera também 16 que “o caminho percorrido para libertar o estudo da origem da linguagem de explicações religiosas ou filosóficas e o estabelecimento de padrões considerados rigorosamente científicos é longo e tortuoso” (2004, p. 14). Isso porque nos meios de expressão encontrados na pré-história, em nenhum deles, o homem se destinava a representar a linguagem verbal. Andrade (2004, p.16) põe fim à nossa discussão, quando conclui que: Embora a origem da linguagem, para muitos, se confunda com a origem das línguas, Vendryés (1943) lembra que essa não é uma questão linguística, pois remonta às origens do homem na Terra. São muitas as teorias que tentam desvendar as origens da linguagem humana, explicando-a como a evolução de gritos naturais, espontâneos ou interjeições. O que parece assente a respeito do assunto é que a linguagem apareceu e desenvolveu-se para servir à comunicação. [...] O homem, além da linguagem verbal, articulada, dispõe também de outros sistemas, não verbais. Conclui-se que a comunicação só se concretiza por meio da linguagem, mas há inúmeras formas de linguagem e nem todas são necessariamente verbais. Desta forma, por mais que ainda haja discussão sobre as origens da linguagem verbal, há consenso entre os estudiosos de que a linguagem possui característica de interação e comunicação. 1.1.1.1 Conceitos de língua e linguagem: dicionário, gramática, teoria da comunicação A língua, como forma de linguagem humana, é definida por diversas áreas da linguística e pesquisada por gramáticos, linguistas e estudiosos, mas nenhuma das definições nega o sentido comunicativo, ou descarta a importância social. Entre os autores que fazem a diferenciação entre o conceito de linguagem e língua, estão Cunha, Costa e Marmelotta (2008, p.16), que apontam diversos sentidos para o termo linguagem, mas a forma mais comum é quando se refere ao processo de comunicação. Argumentam que os linguistas entendem a linguagem como uma habilidade, definindo o termo como “a capacidade que os seres humanos possuem de se comunicar por meio de línguas” (2008, p.16). Assim, desencadeiam no conceito de língua, que “é normalmente definido como um sistema de signos vocais utilizado como meio de comunicação entre os membros de um grupo social ou de uma comunidade linguística” (2008, p.16). Os autores revelam que quando os linguistas estudam a linguagem, “eles não estão interessados apenas na estrutura particular dessas línguas, mas nos processos que estão na base da sua utilização como 17 instrumentos de comunicação” (2008, p.16). Porém, esta definição não aprofunda o nosso estudo. Vejamos o posicionamento dos gramáticos. Na concepção de gramáticos, algumas definições se assemelham, principalmente acerca do caráter comunicativo da linguagem. Percebe-se tal característica em Nicola (1997, p.18) que afirma que “linguagem é uma palavra sempre relacionada a fenômenos comunicativos. Onde há comunicação, há linguagem: como o homem é um ser social, sua necessidade de estabelecer comunicação é praticamente ininterrupta.” O gramático Bechara (2004, p.28) conceitua em outras palavras: “entende-se por linguagem qualquer sistema de signos simbólicos empregados na intercomunicação social para expressar e comunicar ideias e sentimentos, isto é, conteúdos da consciência.” Já Celso Cunha (1985, p. 1) afirma que linguagem, língua e discurso “aplicam-se a aspectos diferentes, mas não opostos, do fenômeno extremamente complexo que é a comunicação humana”. Além disso, define a “língua como um sistema gramatical pertencente a um grupo de indivíduos. Expressão da consciência de uma coletividade, sendo o meio por que ela concebe o mundo. [...] Utilização social da faculdade da linguagem” (1985, p. 1). Mediante tais definições, ficou fácil compreender que a comunicação é o propósito da linguagem. O dicionário de língua portuguesa Houaiss (2001, p. 1182) traz uma definição de língua semelhante à de Cunha: “língua s.f 5 LING sistema de representação constituído por palavras e por regras que as combinam em frases que os indivíduos de uma comunidade linguística usam como principal meio de comunicação e expressão, falado ou escrito”. Neste mesmo raciocínio, Lyons (1987, p. 17, 21) apresenta a visão de cinco linguistas: Sapir – “a linguagem é um método puramente humano e não instintivo de se comunicarem ideias, emoções, desejos por meio de símbolos voluntariamente produzidos” (1929:8 apud LYONS, 1987, p. 17); Bloch e Trager – “uma língua é um sistema de símbolos vocais arbitrários por meio dos quais um grupo social co-opera” (1942:5 apud LYONS, 1987, p.17); Hall – “língua(gem) é a instituição pela qual os humanos se comunicam e interagem uns com os outros por meio de símbolos arbitrários orais-auditivos habitualmente utilizados” (1968:158 apud LYONS, 1987, p. 18); Robins – “as línguas são sistemas de símbolos... quase totalmente baseados em convenções puras ou arbitrárias” (1979a:9-14 apud LYONS, 1987, p.19) e Chomsky – “Doravante considerarei uma lingua(gem) como um conjunto (finito ou infinito) de sentenças, cada uma finita em comprimento e construída a partir de um conjunto finito de elementos” (1957: 13 apud LYONS, 1987, p. 20) e (Lyons) analisa as cinco definições em que “a maioria deles adotou a visão de que as línguas são sistemas de símbolos projetados, por assim dizer, para a 18 comunicação” (1987, p.21). Esta discussão acerca da língua como expressão de comunicação contribuirá muito para a compreensão do que será abordado na última parte deste capítulo, quando a discussão sobre a metodologia que lança a competência comunicativa na educação escolar for disseminada. Além dos estudiosos da língua, gramáticos e linguistas, os profissionais da comunicação também abordam a relação com a linguagem. Entre eles, Rüdiger (1998, p.70) estabelece o vínculo comunicação x linguagem quando afirma que: A comunicação representa a condição de possibilidade de interação social, visa em essência a satisfazer a necessidade de cooperação que se desenvolve na sociedade. A linguagem surge em resposta a essa necessidade: constitui o produto da comunicação. [...] A linguagem é uma criação coletiva em que se condensam simbolicamente suas relações de produção, em que se materializam as formas de consciência socializadas pela comunicação. Em relação às definições anteriores, verifica-se apenas a inversão do foco de análise que passa a ser a comunicação e não mais a linguagem, já que o estudo é voltado para a teoria da comunicação. Berlo (1999, p. 30) concretiza o estudo da relação entre comunicação e linguagem, sob o ponto de vista da comunicação: Toda a comunicação humana tem alguma fonte, uma pessoa ou um grupo de pessoas com um objetivo, uma razão para emprenhar-se em comunicação. Estabelecido uma origem, com idéias, necessidades, intenções, informações e um objeto a comunicar, torna-se necessário o segundo ingrediente. O objetivo da fonte tem de ser expresso em forma de mensagem. Na comunicação humana, a mensagem existe em forma física – a tradução de ideias, objetivos e intenções num código, num conjunto sistemático de símbolos. Se o conceito de língua for atrelado ao conceito de mensagem apresentado, é de se esperar que, na comunicação humana, a mensagem se dê através da língua. De fato, resgatando o que foi dito por Preti, no início do item 1.1.1, desde que nascemos, formulamos mensagens através da língua que nos cerca. As considerações dos aspectos que compõem a língua, a evolução gerada pelas constantes mudanças e tudo o que faz parte da língua é a matéria de reflexão da linguística, que será abordada no próximo item deste capítulo. 1.1.2 Evolução da língua, segundo a Linguística, e o surgimento das gramáticas 19 De fato, não é possível imaginar a vida humana sem comunicação. Se a consequência do ato de se comunicar foi o desenvolvimento da linguagem, a consequência da linguagem é a língua. A primeira ciência destinada à evolução histórica das línguas foi a filologia. De acordo com Cunha, Costa e Marmelotta (2008, p. 23), a filologia estava voltada para o “estudo de civilizações passadas através da observação dos textos escritos por elas deixadas, com o intuito de interpretá-los, comentá-los, fixá-los e de esclarecer ao leitor o processo de transmissão textual”. Assim, observavam as construções e transformações da língua, por meio de documentos sucessivos ao longo do tempo, com o estudo comparativo. Para Orlandi (2009, p.8) “a sedução que a linguagem exerce sobre o homem existe desde sempre.” Borba (1991, p. 305) acredita que o fascínio sobre a linguagem foi movido pela curiosidade do homem quando afirma que “as primeiras discussões dos filósofos gregos sobre a linguagem centravam-se no problema da relação entre o pensamento e a palavra” e assim procuravam buscar se a linguagem era natural, imutável ao homem ou convencional, adquirida por costumes. Petter (2011, p.12) complementa, buscando civilizações humanas, do século IV a.C., como a dos hindus, que iniciaram seus estudos, por razões religiosas, aprendendo sua própria língua, na intenção de manter os textos sagrados na sua origem, sem modificações. Os autores são condizentes quando mostram que o homem sempre buscou o entendimento sobre seu processo de comunicação. Orlandi (2009, p. 9) ainda ressalta que: Há um número enorme de fatos que mostram essa atenção que os homens de diferentes épocas sempre dedicaram à linguagem. Mas é só com a criação da linguística que essas manifestações da curiosidade do homem tomam a forma de uma ciência, com seu objeto e métodos próprios. [...] A linguística definiu-se, com bastante sucesso entre as ciências humanas, como o estudo científico que visa descrever ou explicar a linguagem verbal humana. Weedwood (2002, p. 94) apresenta questionamentos paralelos, que ocorreram antes da instauração da linguística como ciência, entre eles: “se as línguas, o objeto do estudo linguístico, se comportavam como os objetos do estudo científico, então a linguística era uma ciência? Ou, para colocar a questão nos termos da época, era uma ciência histórica ou física?” e diz que Max Müller (1816 apud WEEDWOOD, 2002, p. 94) baseado na natureza da própria língua(gem), concluiu que se a “ciência da linguagem tinha passado pelos mesmos estágios de desenvolvimento – empírico, classificatório e teórico – das ciências físicas como a botânica e a astronomia, então ela devia se incluir entre as ciências físicas”. Essa conclusão não foi aceita e em 1875, W. D. Whitney – linguista americano – retrucou 20 dizendo que “a ciência física, de um lado, e a psicologia, do outro, estão competindo para tomar posse da ciência linguística, que na verdade não pertence a nenhuma delas” (WHITNEY, 1875 apud WEEDWOOD, 2002, p. 95). Até que, conforme Borba (1991, p. 306), no final do século XIX, o suíço Ferdinand de Saussure, linguista, procura delimitar de forma mais clara o objeto da Linguística, despertando a atenção para um estudo mais direcionado, específico sobre a investigação da linguagem. No livro Curso de Linguística Geral (1916), publicado postumamente a partir das anotações de seus alunos Charles Bally e Albert Sechehaye, Saussure (1916, p. 13) afirma que “a matéria da Linguística é constituída inicialmente por todas as manifestações da linguagem humana, (...) considerando-se em cada período não só a linguagem correta, mas todas as formas de expressão” e que o linguista deverá conhecer textos escritos, para que possa distinguir idiomas passados, já que nem sempre é possível a observação. Além disso, Borba (1991, p. 306) afirma que Saussure foi o primeiro a ampliar os objetos da língua, caracterizando as funções – como meio de comunicação e formação de ideias; condições de existência – considerando aspectos histórico-cultural; organização interna – sistema de signos. Orlandi (2009, p. 21) acredita que “com Saussure, a linguística ganha um objeto específico: a língua. Ele a conceitua como um sistema de signos, ou seja, um conjunto de unidades que estão organizadas formando um todo.” O próprio Saussure (1916, p. 22), em sua obra, caracteriza assim a língua: Ela é a parte social da linguagem, exterior ao indivíduo, que, por si só, não pode nem criá-la, nem modificá-la; ela não existe senão em virtude duma espécie de contrato estabelecido entre os membros da comunidade. Por outro lado, o indivíduo tem necessidade de uma aprendizagem para conhecer-lhe o funcionamento; somente pouco a pouco a criança a assimila. Com este conceito em mente, a Linguística passa a ser definida. Percebe-se então, que esta ciência não está relacionada à prescrição de normas que tornem o uso da linguagem correta ou não. Desta forma, é importante mencionar o papel do linguista. De acordo com Petter (2011, p. 18): O linguista procura descobrir como a linguagem funciona por meio do estudo de línguas específicas, considerando a língua um objeto de estudo que deve ser examinado empiricamente, dento de seus próprios termos. [...] No século XIX os linguistas preocuparam-se com o estudo das transformações por que passavam as línguas, na tentativa de explicar as mudanças linguísticas. 21 Na história da composição da linguística, começam a surgir reflexões acerca do funcionamento das línguas e as primeiras propostas de sistematização delas. As descrições que sistematizam o funcionamento da língua é o que pode ser chamado de gramática. Em Borba (1991), as primeiras gramáticas surgem na Idade Média. O autor conta que “nesse período aparece a gramática especulativa, que partia do princípio de que a língua é um espelho que reflete a realidade [...] e tentava determinar como a palavra se relaciona com a inteligência e com a coisa que ela representa” (1991, p.305). Isto relembra a curiosidade do homem sobre a linguagem, quando busca a compreensão entre a palavra e o pensamento. No século XVII, os franceses se aproveitaram desta gramática para corroborar que a estrutura da língua é edificada na razão e que, para ser analisada, não necessita de estudos em uma língua particular, pois os princípios podem ser aplicados em qualquer língua. Essa é uma característica do racionalismo, em que os pensadores concentram-se para explicar que as línguas são variedades de princípios lógicos e que por ser universal, a língua não pode conter equívocos, nem ambiguidades, e por isso, a gramática asseguraria a unidade e universalidade da comunicação. Contrapondo ao pensamento dos estudiosos, no século XIX, Wilhelm Von Humboldt – erudito e diplomata alemão – defende que a língua não é um simples produto de expressão, mas também a forma pela qual um povo compreende o universo, evidenciando o dinamismo da língua, que não é estática. Assim, os falantes dessa língua também se transformam, naturalmente, o que influencia na organização da sociedade. Além disso, Humboldt lança a teoria sobre comportamento interno e externo da língua, em que a forma interna é referente à estrutura gramatical e o significado – conteúdo – e a externa referente aos sons, à configuração fônica. Ainda em Borba (1991, p.308): A gramática especulativa da Idade Média afasta-se da tradição filológica na medida em que, procurando os princípios constantes e universais da linguagem, preconiza o método dedutivo. Assim também pensavam os gramáticos racionalistas do século XVII, na França. Já Humboldt opunha-se a idéia de uma gramática geral de natureza dedutiva. Propunha a análise de todas as línguas do mundo (!) a fim de se compararem as diferentes maneiras pelas quais a mesma noção gramatical é expressa nas várias línguas. Isso quer dizer que ele pretendia usar o método indutivo na descrição das línguas. Orlandi (2009, p. 13) afirma que “a contribuição talvez mais interessante dessas gramáticas gerais para a linguística foi justamente a de estabelecer princípios que não se prendiam à descrição de uma língua particular”. Para a autora, o século XIX será de grande importância para a linguística, quando expõe que o alemão Franz Bopp marca o surgimento 22 da Linguística Histórica e compõe a segunda geração de gramáticas, ao publicar uma obra em 1816 sobre o sistema de conjugação do sânscrito, comparado ao grego, ao latim, ao persa e ao germânico. É o momento das gramáticas comparadas, com o estudo das línguas vivas, desenvolvendo-se uma metodologia histórica, que observa e analisa os fatos, para comparar os falares, testar mudanças regulares ou caóticas, manifestando-se a tendência contemporânea evolucionista. Esses fatos marcaram a constituição da linguística em dois cenários: o século XVII, pelas gramáticas gerais e o século XIX, pelas gramáticas comparadas. Orlandi (2009, p. 14) também analisa as gramáticas comparadas afirmando que “a grande contribuição das gramáticas comparadas foi evidenciar que as mudanças são regulares, têm uma direção. Não são caóticas, como se pensava.” Ao analisar a história do surgimento das gramáticas, é notável perceber a dicotomia de pensamento já nas primeiras gramáticas. A gramática racional entende que a descrição de uma língua deve ser universal, e a gramática comparativa entende que as línguas se transformam com o tempo e que a descrição também sofre mudança. Este histórico amplia a visão para o entendimento de que, desde o seu surgimento, as gramáticas percorrem um caminho de mudanças, que acompanham, ou que buscam acompanhar, as transformações da língua, seja ela específica ou não. 1.1.2.1 O historicismo, o estruturalismo (distribucionalismo), o funcionalismo O período antecedente aos pensamentos linguísticos do século XX foi considerado por Lyons como “historicismo” (1987, p. 201) em que “a linguística, na medida em que é, ou aspira ser, científica, é de caráter necessariamente histórico.” Assim, o historicista explica a linguística de forma que “as línguas são como são porque, no decorrer do tempo, elas estiveram sujeitas a uma variedade de forças causativas internas e externas”. Lyons (1987, 202) analisa o contexto do século XIX, em que os linguistas reagem contra os ideais dos filósofos do iluminismo francês e de seus precursores, que deduziam que as propriedades universais da linguagem remontam as propriedades universais da mente humana. Para Lyons (1987), este historicismo não significa evolucionismo, já que a maior parte dos linguistas do século XX recusou tal perspectiva. Petter (2011, p. 20) acredita que “A linguística histórica, estudando em profundidade as transformações da linguagem, mostrou que as mudanças linguísticas frequentemente 23 têm sua origem na fala popular”, mas que a linguística “como qualquer ciência, descreve seu objeto como ele é, não especula nem faz afirmações sobre como deveria ser” (2011, p. 21). Além disso, Petter (2011) alega que a depreensão da estrutura das frases, dos morfemas, dos fonemas e das regras de combinação dos fatos não intencionava a descrição normativa ou histórica, apenas a exposição. Desta exposição, Orlandi (2009) acredita que foi possível construir uma gramática histórica, que se utiliza de símbolos para descrever sua língua, classificando-a como metalinguagem, que usa a linguagem para falar da própria linguagem. Em contraposição ao historicismo surge o movimento conhecido como estruturalismo. Esta escola teórica possui diferença de contexto, em que, conforme Barbara Weedwood (2002, p. 126) convém separar o estruturalismo europeu do americano. Na Europa, Lyons (1987) e Weedwood (2002) afirmam que o movimento estruturalista inicia-se em 1916, com a publicação do Curso de linguística geral, de Ferdinand de Saussure, três anos após sua morte. Para Orlandi (2009, p. 23) o que Saussure define como sistema de signos linguísticos, seus sucessores denominarão estrutura e desenvolverão o estruturalismo. Baseados nas reflexões saussurianas trabalharam na análise das relações dos elementos da língua com o valor dos signos acreditando que a língua é composta em uma rede de relações em que os elementos são definidos de acordo com sua posição na totalidade da língua. A metodologia que guiou esta teoria marcou a Linguística como “ciência-piloto” nas ciências humanas. Costa (2008, p. 114) afirma que “Saussure enfatizou a idéia de que a língua é um sistema, ou seja, um conjunto de unidades que obedecem a certos princípios de funcionamento, constituindo um todo coerente” e define o prisma da língua sob a visão do estruturalismo, como segue: “o estruturalismo compreende que a língua, uma vez formada de elementos coesos, inter-relacionados, que funcionam a partir de um conjunto de regras, constitui uma organização, um sistema, uma estrutura” (2008, p.114). Weedwood (2002, p. 128) relata que o estruturalismo serviu-se da dicotomia: langue e parole, em que langue é mais bem traduzida como “sistema linguístico” e parole como “comportamento linguístico”. Esta é a diferença do estruturalismo europeu, para a autora, que considera o estruturalismo como um termo que distingue a estrutura abstrata dos enunciados reais (comportamento), sendo este o objeto de estudo do linguista. Costa (2008, p. 113), assim como Weedwood, expõe a tarefa do linguista, quando afirma que ao apresentar “concepções e métodos que implicam o reconhecimento de que a língua é uma estrutura, ou sistema, a tarefa do linguista é analisar a organização e o funcionamento de 24 seus elementos constituintes”. Lyons (1987, p. 203) explica melhor a análise do estruturalismo, comparando ao historicismo – o movimento anterior, assim: “em vez de investigar o desenvolvimento histórico de determinadas formas ou sentidos, ele demonstra de que maneira todas as formas e sentidos estão inter-relacionados num determinado sistema linguístico, em determinado ponto no tempo.” Lyons (1987, p. 206) também associa o estruturalismo do ponto de vista saussuriano à tese da relatividade linguística: “a tese segundo a qual não existem propriedades universais de línguas humanas; a tese segundo a qual toda língua é, por assim dizer, uma lei em si mesma.” Esta posição se opõe ao universalismo, caracterizando o relativismo, que foi associado ao estruturalismo, no contexto das discussões filosóficas quanto à linguagem e à mente, e ao papel desempenhado pela lingua(gem) na aquisição e representação do conhecimento. Lyons (1987, p. 207) avalia o estruturalismo como um movimento interdisciplinar e cita o filósofo Ernest Cassirer (1945 apud LYONS, 1987, p. 207), que caracterizou o termo em um sentido mais amplo: “o estruturalismo não é um fenômeno isolado; ele é, pelo contrário, a expressão de uma tendência geral de pensamento que, nessas últimas décadas, tornou-se cada vez mais proeminente em quase todos os campos da pesquisa científica.” Lyons (1987, p. 207) acredita que uma das críticas enraizadas do estruturalismo foi o exagero na organização, a elegância e a generalidade dos padrões relacionais nos dados que investiga. Assim, Costa (2008, p. 115) resume a tendência estruturalista expondo que “a língua é forma (estrutura), e não substância (a matéria a partir da qual ela se manifesta)” explanando o seu entendimento sobre o princípio deste movimento, dando um pouco mais de clareza ao que é estudado pelo estruturalismo: Essa concepção de linguagem tem como consequência um outro princípio do estruturalismo: o de que a língua deve ser estudada em si mesma e por si mesma. É que chamamos estudo imanente da língua, o que significa dizer que toda preocupação extralinguística precisa ser abandonada, uma vez que a estrutura da língua deve ser descrita apenas a partir de suas relações internas. Nessa perspectiva, ficam excluídas as relações entre língua e sociedade, língua e cultura, língua e distribuição geográfica, língua e literatura ou qualquer outra relação que não seja absolutamente relacionada com a organização interna dos elementos que constituem o sistema linguístico. (2008, p. 115) O estruturalismo norte-americano, de acordo com Costa (2008, p. 123) foi desenvolvido pelas formulações de Leonard Bloomfield e sistematizado pelos seus alunos como distribucionalismo ou linguística distribucional. Orlandi (2009, p. 31) afirma que “ele coloca em prática uma primeira etapa de seu projeto linguístico: a descrição. Pela 25 descrição, ele exclui o historicismo e também qualquer referência de significado”. Costa (2008, p. 123) afirma que a teoria distribucionalista é uma vertente do estruturalismo. Para Orlandi (2009), Bloomfield buscou o estudo da língua por meio de uma técnica experimental que reunisse os enunciados ativamente falados (corpus), desprezando, por conta da objetividade científica, as referências de significado (conceitos) e o historicismo (interior mental). O critério de avaliação sobre o modo de organização linguística e sua regularidade era a coleta dos dados e a distribuição dos contextos, detectando contrastes de onde aparece ou não. A distribuição deveria ser aplicada nos níveis de linguagem, como fonológico e sintático, e até semântico, para comparação de enunciados, estabelecendo-se a equivalência das classes. Esse método seria automático e mecânico, chegando a uma descrição gramatical do conjunto. A autora afirma que “o desejo de mecanizar a descrição mostra o interesse da ciência linguística em propiciar a relação do homem com a máquina, da linguagem com os autômatos” (2009, p. 33). Avalia ainda que este “interesse, por mais que se tenha espremido a linguagem em grades analíticas, não conseguiu satisfazer os estudiosos da linguagem mais sensível às questões de significação” (2009, p. 33). Costa (2008, p. 124) confirma que “essa postura mecanicista da linguística de Bloomfield apóiase na psicologia behaviorista fortemente difundida nos Estados Unidos a partir de 1920”. O autor define que na corrente do behaviorismo “o comportamento humano é totalmente explicável e, portanto, previsível a partir das situações em que se manifesta independentemente de qualquer fator interno” (2008, p. 124). Costa (2008, p. 125) pondera que na análise distribucional, a tarefa do linguista, ao descrever uma língua, é classificar os segmentos que aparecem nos enunciados do corpus e identificar as leis de combinação dos elementos. Para o autor, o que marcou o estruturalismo nos Estados Unidos foi a aplicação das ideias de Bloomfield, sobre a psicologia comportamental, na análise de línguas ameríndias ainda não descritas, na intenção de ajudar os administradores e etnólogos da época. A partir do movimento do estruturalismo, a próxima escola teórica que surgiu foi chamada de funcionalismo, movimento definido de acordo com Cunha (2008, p.157), como “uma corrente linguística que, em oposição ao estruturalismo e ao gerativismo [o qual será visto mais a frente], se preocupa em estudar a relação entre a estrutura gramatical das línguas e os diferentes contextos comunicativos em que elas são usadas.” Lyons (1987, p. 207) complementa o pensamento de Cunha quando defende que “o funcionalismo é mais corretamente visto como um movimento particular dentro do estruturalismo”. Isso porque o movimento acrescenta a análise de contextos comunicativos à estrutura gramatical. 26 Orlandi (2009, p. 24) concorda com Lyons, pois acredita que “o estruturalismo foi muito bem sucedido desde sua origem. Além de servir a várias ciências, teve muitas formas no interior da própria linguística. Uma delas é chamada funcionalismo”. Na perspectiva de Cunha (2008, p.157), “os funcionalistas concebem a linguagem como instrumento de interação social, alinhando-se, assim, à tendência que analisa a relação entre linguagem e sociedade.” Por isso, o autor defende que o funcionalismo se opõe ao estruturalismo. Esta ideia de oposição ao movimento anterior se comprova se comparado à afirmativa de Costa (2008, p. 115) de que o estruturalismo exclui a relação entre língua e sociedade. De acordo com Cunha (2008, p.157) o “interesse de investigação linguística vai além da estrutura gramatical, buscando na situação comunicativa – que envolve os interlocutores, seus propósitos e o contexto discursivo – a motivação para os fatos da língua”. Analisando este discurso, é possível entender que o funcionalismo não é exatamente oposto ao estruturalismo, visto que um movimento complementa o outro. Para Orlandi (2009, p.24) “o objetivo do funcionalismo é considerar as funções desempenhadas pelos elementos linguísticos, sob quaisquer de seus aspectos: fônicos, gramaticais e semânticos.” Para Cunha (2008, p. 157), “a abordagem funcionalista procura explicar as regularidades observadas no uso interativo da língua, analisando as situações discursivas em que se verifica esse uso.” Lyons (1987, p. 210) acredita que “o funcionalismo em linguística tendeu a enfatizar o caráter instrumental da linguagem”. As definições do estudo funcionalista se assemelham e os fatores extralinguísticos passam a fazer parte deste estudo. Na teoria funcionalista, Cunha (2008, p. 158) mostra que “a língua não constitui um conhecimento autônomo, independente do comportamento social, ao contrário, reflete uma adaptação, pelo falante, às diferentes situações comunicativas” e exemplifica de maneira simples como os textos e enunciados são relacionados com as funções que desempenham na comunicação: (a) Você é desonesto. (b) Desonesto é você. Certamente, uma análise que observasse apenas seu caráter sintático não daria conta de indicar por que o falante usaria a sentença exemplificada em (a), em lugar da exemplificada em (b). (2008, p. 157) A autora demonstra a essência da análise funcionalista, em que (a) é uma sentença afirmativa e (b) está ligada a uma ocasião de réplica, explicada pela inversão do predicado e, desta maneira, enfatiza mais uma característica do funcionalismo: “a visão de que a 27 linguagem não constitui um conhecimento específico [...] mas um conjunto complexo de atividades comunicativas, sociais e cognitivas integradas ao resto da psicologia humana” (2008, p. 158) e assim, resume o modelo funcionalista de análise linguística: “a) a língua desempenha funções que são externas ao sistema linguístico em si. b) as funções externas influenciam na organização interna do sistema linguístico.” Para Weedwood (2002, p. 143) a grande contribuição do funcionalismo é a noção de “perspectiva funcional da frase” ou “dinamismo comunicativo”, e a gramática, fundada no estudo de caso, que “se baseia num pequeno conjunto de funções sintáticas (agentivo, locativo, benefactivo, instrumental, etc.), expressas de modo variado nas diferentes línguas, mas que determinam a estrutura gramatical das frases”. Por fim, há de se comentar sobre o reconhecimento das mudanças que o estudo da língua sofre e a influência das escolas linguísticas que apresentam métodos e concepções para a exposição, organização e funcionamento das línguas. 1.1.2.2 Linguística Gerativa e Transformacional de Chomsky As teorias das escolas linguísticas normalmente fazem os estudiosos da língua refletirem sobre as mudanças da língua e como abranger fatores ainda não discutidos por tais teorias. Isto significa que as teorias lançadas por linguistas abrem discussões para análise da língua, propiciando que novos movimentos surjam para ampliar os princípios de estudo da língua. Como consequência do estruturalismo, surge o gerativismo, que Lyons (1987, p. 211) apresenta como movimento que teve início nos Estados Unidos, no final da década de 1950: “o gerativismo é apresentado como tendo se desenvolvido da, ou como reação à, escola anteriormente dominante do descritivismo americano pós-bloomfieldiano: uma versão particular do estruturalismo”. Já Kenedy (2008, p. 127) coloca que “a linguística gerativa foi inicialmente formulada como uma espécie de resposta e rejeição ao modelo behaviorista de descrição dos fatos da linguagem”, tanto que aponta as reações do linguista Chomsky ao movimento anterior: “para um behaviorista, a linguagem humana é exatamente como descreveu Bloomfield: um fenômeno externo ao indivíduo, um sistema de hábitos gerado como resposta a estímulos e fixados pela repetição”. Chomsky, segundo Kenedy (2008, p. 128), foi contrário à visão de Bloomfield e “chamou a atenção para o 28 fato de um indivíduo humano sempre agir criativamente no uso da linguagem” assim caracterizando o comportamento linguístico humano, afirmando a criatividade. Referindo-se à criatividade linguística, Borba (1991, p. 314) afirma que a “Linguística Gerativa [...] parte do princípio de que a capacidade de linguagem é inata no homem” e Kenedy (2008, p. 129) que, para Chomsky, a capacidade é interna ao organismo humano, “a qual deve estar fincada na biologia do cérebro/mente da espécie e é destinada a constituir a competência linguística de um falante [...] conhecida como faculdade da linguagem”. Por essa razão, Kenedy (2008, p. 129) acredita que “com o gerativismo, as línguas deixam de ser interpretadas como um comportamento socialmente condicionado e passam a ser analisadas como uma faculdade mental natural”. Ao comparar funcionalistas e gerativistas, Cunha (2008, p 158) explica que, no processo de aquisição da linguagem, “os funcionalistas tendem a explicá-lo em termos de desenvolvimento das necessidades e habilidades comunicativas da criança na sociedade” e que a criança tem capacidade cognitiva, enquanto “os gerativistas, por outro lado, explicam a aquisição da linguagem em termos de uma capacidade humana específica para a aprendizagem da língua”. Por esta exposição, pode-se entender a relação da linguística com outras ciências, como a neurolinguística. Há de se interpretar que habilidades de comunicação diferem de capacidade humana para aprendizagem, o que abrange uma questão de estrutura biológica humana. A partir do pensamento dos gerativistas, surge “a primeira elaboração do modelo gerativista que ficou conhecida como gramática transformacional, desenvolvida e reformulada diversas vezes durante as décadas de 1960 e 1970” (KENEDY, 2008, p.131). De acordo com Borba (1991, p. 315) “a teoria gerativa começou pelo enfoque sintático com a publicação de Syntatic Structures (Estruturas Sintáticas) em 1957, por Chomsky” e a partir de então sofreu inúmeras modificações. Orlandi (2009, p. 37) considera que Chomsky, “inspirado no racionalismo e na tradição lógica dos estudos da linguagem, propõe uma teoria a que chama de gramática e centra seu estudo na sintaxe”, e assim, conforme a autora, surge a gramática gerativa de Chomsky. “Gerativa porque permite, a partir de um número limitado de regras gerar um número infinito de sequências que são frases, associando-lhes uma descrição” (ORLANDI, 2009, p. 38). A autora afirma também que: Baseando seu estudo da linguagem nesse sistema de regras, ele pretende que a linguística saia de seu estado de mera observação e classificação de dados. A teoria 29 da linguagem deixa, segundo sua proposta, de ser apenas descritiva para ser explicativa e científica. (2009, p. 38) Na visão de Orlandi (2009, p.39), a missão do linguista é apontar a capacidade de expressão (competência) do falante, mostrando como a gramática pode ser usada duplamente, uma como sistema de regras que o falante possui e outras como o artifício construído pelo linguista para caracterizar esse sistema, assim “em outras palavras, a gramática é ao mesmo tempo um modelo psicológico da atividade do falante e uma máquina que produz frases” (2009, p.39). Indo de encontro à afirmação de Orlandi, Kenedy (2008, p. 131) diz que: Os gerativistas perceberam que as infinitas sentenças de uma língua eram formadas a partir da aplicação de um finito sistema de regras (a gramática) que transformava uma estrutura em outra (sentença ativa em sentença passiva, declarativa em interrogativa, afirmativa em negativa, etc.) – e é precisamente esse sistema de regras que, então, se assumia como o conhecimento linguístico existente na mente do falante de uma língua, o qual deveria ser descrito e explicado pelo linguista gerativista. O próprio Kenedy (2008, p. 133) completa, afirmando que “outro centro de atenção dos gerativistas sempre foi compreender como é possível que os falantes de uma língua tenham intuições sobre as estruturas sintáticas que produzem e ouvem”. Neste ponto, é importante associar ao que o linguista Chomsky apresenta como criatividade linguística. Mas Kenedy (2008) acrescenta mais dois conceitos, que serão importantes neste capítulo de referencial teórico: Esse conhecimento linguístico inconsciente que o falante possui sobre a sua língua e que lhe permite essas intuições é o que denominamos competência linguística – o conhecimento interno e tácito das regras que governam a formação de frases da língua. A competência linguística não é a mesma coisa que comportamento linguístico do indivíduo, aquelas frases que de fato uma pessoa pronuncia quando usa a língua. Esse uso concreto da língua denomina-se desempenho linguístico e envolve diversos tipos de habilidade que não são linguísticos, como atenção, memória, emoção, nível de estresse, conhecimento de mundo, etc. (2008, p. 134) Assim, as pesquisas aplicadas dos gerativistas além de observar dados do uso da língua, retiram deles informações para o modelo de explicação da competência linguística, de acordo com Kenedy (2008, p. 134). Orlandi expõe que Chomsky “define competência como a capacidade que todo falante (ouvinte) tem de produzir (compreender) todas as frases da língua” (2009, p.38). 30 Sobre a importância do gerativismo, Borba (1991, p. 315) acrescenta a ideia de que “a teoria gerativa, por sua vez, estimulou as discussões mais amplas a respeito da natureza intrínseca da linguagem e dos traços fundamentais que deverão/deveriam compor uma gramática universal”. Mais que isso, que o Estruturalismo se completa com o Gerativismo, equilibrando os interesses dos próprios linguistas, em relação ao objeto de estudo de sua ciência. Conclui que “o linguista descreve e/ou explica fatos, não prescreve normas. Em qualquer tipo de abordagem toma-se a língua como um sistema de relações e qualquer aspecto dela é visto enquanto parte desse sistema.” Tanto que Kenedy (2008, p. 134) ressalta o que é o interessante para o gerativista: É o funcionamento da mente, que permite a geração de estruturas lingüísticas observadas nos dados de qualquer corpus de fala, mas não lhe interessam esses dados observados em si mesmos ou em função de qualquer fator extralingüístico, como o contexto comunicativo ou as variáveis sociais que influenciam a linguagem. Por esta razão é que a gramática deveria ser qualificada como universal, retomando o conceito do estruturalismo, acrescentando o funcionamento da mente. Kenedy (2008, p. 135), em concordância com Borba (1991), afirma que “com a evolução da linguística gerativa no início dos anos 1980, a idéia da competência linguística como um sistema de regras específicas cedeu lugar a hipótese de uma gramática universal”. Para Weedwood (2002, p. 136), as ideias de Chomsky são tão importantes na linguística que debates não são realizados sem que sejam citadas as teorias propostas pelo linguista, que “é um dos pensadores mais importantes da história contemporânea. [...] Está entre os dez autores mais citados em todas as ciências humanas”. Por fim, o gerativismo foi o movimento linguístico que acrescentou o princípio de que a capacidade de linguagem é inata no homem e que esta faculdade mental constitui sua competência linguística. Nesta teoria, a gramática propõe um modelo universal, justamente por entender que, dentro da capacidade humana de comunicação deve se estabelecer um número limitado de regras, que permitam gerar um número infinito de sequencias de frases, associando-lhes uma descrição, que permita o entendimento universal. Kenedy (2008, p. 138) sintetiza o movimento linguístico ao colocar em evidência que “o projeto da linguística gerativa é observar comparativamente as línguas humanas, com o objetivo de descrever os parâmetros da gramática universal que subjazem à competência linguística dos falantes, para explicar como é a faculdade da linguagem”. Assim como Orlandi (2009), pode-se concluir que, no processo de evolução da linguística, diversos temas são 31 abordados, mas nenhum deles é verdadeiramente aprofundado. Vale dizer também que tais temas não são esquecidos e que volta e meia retornam para discussão. Saussure, no conceito fala, e Chomsky, no conceito desempenho, deixam de lado a situação real de uso para aprimorar o que é virtual e abstrato, desenvolvendo conceito de língua e competência, respectivamente. Há outras tendências que buscam a heterogeneidade e a diversidade, ao sistematizar os usos concretos da linguagem por falantes reais. De modo geral, as noções de contexto, história e sociedade são também objetos de estudo dessas tendências. No próximo item deste capítulo, será apresentada uma dessas tendências: a Sociolinguística. 1.2 DA LINGUÍSTICA PARA A SOCIOLINGUÍSTICA 1.2.1 Sociolinguística – conceito, contexto histórico e metodologia Agora que os conceitos fundamentais de língua e as principais teorias de linguística foram apresentados, será abordado neste item um dos desdobramentos da Linguística: a Sociolinguística. Pela noção de sequência entre os movimentos linguísticos, pode-se perceber que as teorias podem surgir tanto como forma de complemento ao estudo do movimento anterior quanto em oposição a ele, com o surgimento de novas propostas de estudo. Pfeiffer (2006, p. 51) aponta esta noção da continuidade do estudo linguístico, quando afirma que enquanto o estruturalismo proclama vitória de sua tese não percebe que outros teóricos buscam recolocar em discussão o funcionamento social como parte do funcionamento linguístico, como foi o caso do gerativismo, que investiu em um sistema linguístico que explicitava a criatividade linguística. Na concepção de Cezario e Votre (2008, p.146), “o estruturalismo e o gerativismo não incluíram nas suas análises a variação porque esta estava de fora do âmbito do objeto da linguística, o qual deveria ser abstraído do “caos” da realidade do uso linguístico”. Descontentes com os modelos teóricos que distanciavam o objeto da linguística da realização da língua e de suas manifestações, muitos linguistas buscaram outros caminhos, dando início ao surgimento da sociolinguística. A sociolinguística, ainda conforme Cezario e Votre (2008, p. 141) “é uma área que estuda a língua em seu uso real, levando em consideração as relações entre a estrutura 32 linguística e os aspectos sociais e culturais da produção linguística”. Os autores defendem que a análise linguística deve considerar tais aspectos, como instituição social que a língua é, não podendo ser “estudada como uma estrutura autônoma, independente do contexto situacional, da cultura e da história das pessoas que a utilizam como meio de comunicação” (2008, p. 141). Confirmando a nova tendência, Tarallo (2007, p. 7) descreve que o americano William Labov deu início a esse modelo teórico-metodológico, expressando reação à ausência do componente social no modelo gerativo. Para Tarallo, Labov foi quem mais veemente insistiu na relação entre língua e sociedade e na possibilidade virtual e real de sistematizar a variação própria da língua falada. Subentende-se que, por mais que a sociolinguística tenha sido uma reação ao gerativismo, não se caracterizou como simples movimento linguístico e sim como área/ramo da Linguística. Mattoso (1978, p. 60) também define a sociolinguística como o movimento que “estuda o modo como a linguagem se articula na sociedade e a maneira como a língua pode modificar-se em relação a suas diferentes funções sociais” e acrescenta que o termo sócio abrange um espectro de fenômenos relacionados à nacionalidade, raça, sexo, grupos regionais, etários, sociais e políticos, além das interações dos indivíduos nos grupos. Cezario e Votre (2008, p. 141) complementam que “a sociolinguística parte do princípio de que a variação e a mudança são inerentes às línguas e que, por isso, devem ser sempre levadas em conta na análise linguística”. Assim, distinguem o objetivo dos sociolinguistas que “é entender quais são os principais fatores que motivam a variação linguística” (2008, p141) cabendo o estudo dos “diversos domínios da variação, como se configura na comunidade de fala, os contextos linguísticos e extralinguísticos que a favorecem ou inibem”. Historicamente falando, Cezario e Votre (2008, p. 141) contam como se iniciou a sociolinguística, que surge pela primeira vez nos Estados Unidos, na década de 1950, com os trabalhos de Labov, Gumperz e Dell Hymes. Os autores comentam também a visão de Hymes sobre a área: Dell Hymes (1977), como antropólogo, concebe a sociolinguística como um campo que inclui contribuição de várias disciplinas, como a sociologia, a linguística, a antropologia, a educação, a poética, o folclore e a psicologia. Enfatiza que, apesar de englobar tantas áreas, a sociolinguística é uma disciplina autônoma, pois seu objetivo final é diferente dos objetivos de cada uma das disciplinas citadas. Interessa-lhe identificar, descrever e interpretar as variáveis que interferem na variação e mudança linguística (2008, p. 146). 33 Além da visão de Hymes, Cezario e Votre (2008, p. 146) afirmam também que “Labov (que tal qual Saussure) vê a linguística como ciência do social; dessa forma, a sociolinguística equivale à linguística com ênfase na atenção às variáveis de natureza extralinguística”. Também avaliam que “a sociolinguística veio preencher um vazio deixado pelo gerativismo, que considera objetivo legítimo de estudo apenas o aspecto interior das línguas e competência linguística” (2008, p. 146). Dessa forma, conforme os autores, a contribuição será a inclusão de fatores sociais, culturais e psíquicos no estudo da linguagem. Argumentam que “Labov demonstrou que a mudança linguística é impossível de ser compreendida fora da vida social da comunidade em que ela se produz, pois pressões sociais são exercidas constantemente sobre a língua” (2008, p. 147). Mattoso (1978) faz um resumo sobre os aspectos da sociolinguística, que deve preocupar-se com dois seguintes pontos: o uso e funcionamento da língua; e a organização social do comportamento, significando não só o uso da língua, mas as atitudes linguísticas. Estes aspectos “referem-se, portanto, ao comportamento verbal em termos de relação entre categorias tais como ambiente, participantes, tópico, funções da interação, a forma e o valor que os participantes conferem a cada uma dessas categorias” (1978, p. 63). Afirma também sobre aspectos metodológicos da sociolinguística: Quando se quer fazer um levantamento sociolinguístico, devem se distinguir claramente dois conceitos, conforme J. J. Gumperz, 1962: 1) a comunidade (da fala); 2) a situação (onde a fala se concretiza) A comunidade da fala refere-se à relação entre língua, expressão verbal e estrutura social (limites externos). A situação da fala refere-se a uma situação específica na comunidade (limites internos) (1978, p. 64). Cezario e Votre (2008, p. 147) acrescentam sobre o conceito de comunidade, quando mostram que um agrupamento de indivíduos que possuem traços comuns, a exemplo de religião, lazeres, trabalho, faixa etária, escolaridade, profissão e sexo, constituem uma comunidade e, dependendo do número de traços compartilhados e da intensidade do convívio, é possível constituir subcomunidades linguísticas, como exemplo, professores, estudantes, jornalistas, etc. 1.2.1.1 Sociolinguística na educação escolar 34 A Sociolinguística contribui não só para a descrição e explicação de fenômenos linguísticos como também oferece contribuições para a área de ensino de línguas. Mattoso (1978, p. 67) acredita no valor da Sociolinguística como um dos ramos mais importantes da Linguística Aplicada, já que examina aspectos de relevância para o ensino. Cezario e Votre (2008, p.152) ressaltam que pelo fato da sociolinguística ser baseada na produção real dos indivíduos, as informações detalham os tipos de variantes, que provocaram as mudanças já implementadas na fala, mas que ainda não foram inseridas na gramática normativa. É desta maneira que a área da educação se enriquece de informações baseadas em dados reais. Bortoni-Ricardo (2005, p. 113) apresenta a contribuição da sociolinguística para o desenvolvimento da educação, afirmando que “a sociolinguística adquiriu, nos anos 1970, uma posição de vanguardista entre as ciências sociais que elegeram a questão educacional como objeto preferencial de sua reflexão” e que, na América Latina, desde os anos 1930, “a preocupação com a heterogeneidade linguística na sala de aula começou a tomar corpo” (2005, p. 113). Para Bortoni-Ricardo (2005), a conjuntura histórica que fez com que a sociolinguística se voltasse para uma reflexão sobre a relação entre os usos da língua na comunidade e o ensino de língua na escola foi o contexto dos guetos americanos, em que exemplifica como a sociolinguística se propunha a refletir sobre os usos da língua na comunidade e no ensino escolar. As crianças tinham desempenho escolar inferior ao da média nacional, conforme as estatísticas locais. Assim, no final da década de 1960, um grupo de sociolinguistas, como Kenneth Goodman, William Labov, Ralph Fasold, Joan Baratz, Roger Shuy, Walter Wolfram e William Stewart identificou o contraste de dialetos como causa do baixo desempenho da criança na escola e propôs solução dos problemas educacionais baseados na elaboração de uma educação “bidialetal”, em que os textos escolares seriam redigidos no dialeto negro e gradualmente substituídos pelo inglêspadrão. Ocorre que, nas duas décadas seguintes, relata a autora, não se verificaram resultados positivos nesta aplicação. Bortoni-Ricardo (2005) expõe que estudiosos contemporâneos creem que a sociolinguística, na prática, pouco ajudou, mas que isso não aconteceu com os asiáticos. Segundo Bortoni-Ricardo (2005, p. 117), ao longo do século XX, o problema do baixo rendimento escolar de crianças pobres, oriundas de minorias étnicas nos Estados Unidos e em países da Europa Ocidental, manteve-se como compromisso social dos estudos da sociolinguística. Duas tradições sociolinguísticas se voltaram para esta tarefa: a etnografia da comunicação, de natureza interpretativa, qualitativa e a dialetologia social, de 35 natureza quantitativa, também denominada estudo da variação e da mudança linguística. A autora diz que “a vertente etnográfica de estudos sociolinguísticos educacionais propõe uma teoria da aprendizagem baseada na interação verbal em sala de aula” e cita CookGumperz (1987, apud BORTONI-RICARDO, 2005, p.119): O estudo dos fenômenos linguísticos no ambiente escolar deve buscar responder a questões educacionais. Estamos interessados em formas lingüísticas somente na medida em que, por meio delas, podemos obter uma compreensão dos eventos de sala de aula e, assim, da compreensão que os alunos atingem. Nosso interesse reside no contexto social da cognição, em que a fala une cognitivo e social. O currículo real (oposto ao pretendido) consiste nos significados realizados ou assumidos por um professor específico e uma classe. A fim de aprender, os alunos devem usar o que já sabem de modo a conferir significado ao que a professora lhes apresenta. A fala torna passíveis de reflexão os processos por meio dos quais os alunos relacionam o novo conhecimento ao velho. Mas esta possibilidade depende das relações sociais, do sistema comunicativo que a professora estabelece. Já sobre a vertente da dialetologia social, de caráter quantitativo, Bortoni-Ricardo (2005, p. 120) afirma que “a proposta da vertente quantitativa era baseada principalmente nos estudos contrastivos de dialetos, em que se enfatizavam as semelhanças na estrutura profunda e se descreviam contrastivamente as diferenças superficiais”. Segundo BortoniRicardo (2005), a vertente da dialetologia social sofreu muitas críticas pelas ciências sociais, pois não era considerada dentro de uma teoria social ampla e que para esta ciência “bastaria identificar as diferenças entre a variedade da escola e a dos alunos e desenvolver métodos bidialetais para que fossem sanadas as dificuldades com que se defrontam as crianças oriundas de classes populares” (2005, p. 121). Com isso, Bortoni-Ricardo avalia que os estudos etnográficos (interpretativistas) são mais significativos, uma vez que abordam elementos culturais em macroteorias, nos quais, de acordo com Hugh Mehan (1992, apud BORTONI-RICARDO, 2005, p.123), “valorizase a ação humana e dá-se a devida atenção às relações reflexivas entre práticas institucionais e o êxito ou fracasso escolar”. Para Bortoni-Ricardo (2005, p. 123) é possível afirmar que a sociolinguística educacional entrou nos anos 1990 madura o suficiente para repensar o caminho percorrido e fazer prognósticos para ações futuras. Contudo, a autora não deixa de citar as críticas que a sociolinguística duramente vinha recebendo. Assim, descreve a autora que “para os primeiros críticos, as propostas educacionais sociolingüísticas, tanto na sua vertente etnográfica quanto na sua vertente variacionista, são ultra-relativistas e se apóiam na crença de um igualitarismo sentimental, que chega a ser ingênuo” (2005, p. 128). Além disso, os próprios sociolinguistas estavam “convencidos de que as diferenças linguísticas não são a causa primária do fracasso educacional, mas sim 36 dos preconceitos vigentes na sociedade” (2005, p. 129). Tanto que a autora comenta o argumento de Labov e Harris (1986, apud BORTONI-RICARDO, 2005, p.130) que afirmam que o sistema básico da língua não é adquirido nas escolas, em contato com professores, muito menos em contato com os meios de comunicação de massa. Por meio destas experiências, destaca-se o papel da sociolinguística no processo educativo, em que há de se comentar que este ramo da linguística tem uma função muito específica a desempenhar, no esforço coletivo das ciências humanas pelo aperfeiçoamento do processo educacional. É por meio dos estudos sociolinguísticos que é possível contextualizar as situações reais de uso da língua e levantar dados que ajudem a aprimorar o desenvolvimento de metodologias eficazes. 1.2.1.2 Os princípios da Sociolinguística educacional de Bortoni-Ricardo Para que a Sociolinguística possa contribuir para aperfeiçoar o processo educacional, Bortoni-Ricardo (2005) acredita que se devem adotar estratégias diferentes das atualmente válidas e que, para isso, o sociolinguista educacional não pode esgotar a sua tarefa na simples descrição da variação e divulgação dos resultados adquiridos. Por exemplo, não basta que o sociolinguista escreva uma gramática variacionista e entregue ao professor, visto que este ato seria a mera substituição da gramática normativa por uma variacionista, na qual os fenômenos da língua não seriam tratados como categóricos, mas sim acompanhados por probabilidades de ocorrência de acordo com os fatores que a desencadeiam, ou inibem. A autora acredita que é uma falácia confiar que, com uma gramática variacionista, automaticamente o ensino e a aprendizagem de língua materna melhorariam, mas que, de fato, o que é necessário para o desenvolvimento de uma pedagogia sensível às diferenças sociolinguísticas e culturais dos alunos é uma mudança de postura da escola, o que engloba professores e alunos, e da sociedade em geral. Contudo, essa mudança depende da descrição das regras variáveis, que a gramática variacionista pode propor. Assim, Bortoni-Ricardo (2005) propõe a reflexão de seis princípios, que ajudariam na implementação da sociolinguística educacional. No princípio um, a autora acredita que é na linguagem formal que se percebe a influência da escola, e não no estilo coloquial. Isto porque a escola não interfere no sistema básico do falante (que é vernáculo), mas sim na aquisição de estilos sobrepostos. A escola tem como função facilitar a incorporação do 37 repertório linguístico dos alunos nos recursos comunicativos, permitindo aos alunos empregar os estilos monitorados com segurança, já que exigem mais atenção e planejamento para ser executada. No princípio dois, a sociolinguista expõe que as regras que não estão associadas à avaliação negativa na sociedade e não são objeto de correção na escola não influenciam nos estilos monitorados. Para a autora, isto está relacionado ao caráter sociossimbólico das regras variáveis. Desenvolvendo o princípio três, a autora se refere à inserção da variação sociolinguística na esfera social. Ou seja, dentro de sala de aula, os professores devem desenvolver estratégias interacionais entre as diferentes variedades populares, que possibilitem ao aluno alternar seu dialeto vernáculo e a língua de prestígio, especialmente em um evento de letramento, em que o aluno se ajuste à cultura escolar e seja favorecida a aquisição dos estilos monitorados da língua. No princípio quatro, devem-se reservar os estilos monitorados da língua para a realização de eventos de letramento em sala de aula. Assim, distinguem-se os momentos de letramento e oralidade, em que se podem utilizar estilos mais casuais. Porém, nos eventos de oralidade há de se fazer a distinção entre a língua usada para falar em situações particulares e a língua usada para ler, escrever e falar no estilo monitorado. No princípio cinco, postula-se que a descrição da variação na sociolinguística educacional tem que ser associada à análise etnográfica e interpretativa do uso da variação em sala de aula. Desta maneira, a sociolinguística educacional deve analisar minuciosamente o processo interacional, avaliando o significado que a variação assume, tanto para professores como para alunos, de forma muito bem interpretada. O princípio seis refere-se à conscientização crítica de professores e alunos quanto à variação e à desigualdade social. Para isso, o linguista não pode se limitar a transmitir informações frutos de sua pesquisa acadêmica. É adequado que ele estabeleça um diálogo efetivo com o professor que, por meio da pesquisa, o enriqueça e o torne apto para gerar sua autorreflexão e análise crítica de suas ações. É por tais pesquisas que o professor deixa de ser um simples receptor de informações e passa a buscar recursos comunicativos da língua que aprimorem a comunicação oral e escrita do aluno. Bortoni-Ricardo (2005, p. 133) defende seus princípios, acreditando que será por meio desta prática que surgirão respostas ao impasse da sociolinguística educacional atual. Embasada na visão de que, conforme esta abordagem, o estudo tornar-se-á completo com o envolvimento e participação da comunidade escolar que, recebendo um sociolinguista, com 38 perspectiva neutra, poderá contribuir para identificação das variedades que podem ser trabalhadas para lapidar um modelo adequado de ensino comunicativo. 1.2.2 A Sociolinguística rumo à competência comunicativa No Brasil, por meio dos estudos atuais de sociolinguística, já é possível traçar características da realidade educacional brasileira. Um desses estudos é desenvolvido por Bortoni-Ricardo (2004), na obra Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula, que aborda a estrutura de organização da sociedade brasileira, com a exposição de dados do crescimento populacional, com o comparativo, em percentual, da população alfabetizada da não alfabetizada. A autora expõe dados que revelam, estatisticamente, a preocupação do governo com a educação brasileira e apresenta a solução encontrada pelos governantes, expressa por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada em 1996. Bortoni-Ricardo (2004), além de abordar as características sociolinguísticas brasileiras, classifica em “domínios sociais” o ambiente em que os indivíduos interagem exercendo seu papel social e que a criança inicia sua sociabilização em casa com a família, entre amigos e posteriormente na escola. Estes “papéis sociais são um conjunto de obrigações e de direitos definidos por normas socioculturais” (2004, p. 23) e então são geradas as diferenças sociolinguísticas, em que em determinados domínios predominam a linguagem oral, em casa por exemplo, e em outros, a linguagem escrita, que motiva o letramento, que é o caso da escola. Argumenta a autora que, na sala de aula, há variados usos da língua, que caracterizam a variação linguística, inerentes às comunidades linguísticas. Cita como exemplo as diferentes formas de interação que pode haver entre professores, alunos, servidores, diretores para mostrar a variação linguística no ambiente escolar. Para a autora, a principal forma de variação linguística brasileira é a variação regional, que pode ser verificada nas palavras, na pronúncia de sons, na melodia e no ritmo do falar. Bortoni-Ricardo (2005) afirma que o Brasil não possui um longo histórico de estudos linguísticos e por isso deve desenvolver seus próprios estudos para não depender da importação de metodologias, já que a situação sociolinguística brasileira é muito peculiar e certamente não se aplicará aos modelos teóricos de outros países. Analisa que o brasileiro tem um vocabulário extenso e diferenciado, com o qual a variedade popular se 39 conserva devido à grande parte da população ter acesso restringido à língua padrão, que é associada aos grupos sociais de maior status. Conclui que operacionalizar uma política de educação democrática e igualitária necessita de um estudo prudente dos fenômenos sociolinguísticos, considerando-se as particularidades, adequando-se os métodos. No ensino da norma culta, a linguística aconselha a preservação dos saberes sociolinguísticos, valorizando a cultura que o aluno tenha aprendido antes de entrar na escola para que este aluno mantenha sua identidade cultural “rural ou urbana, popular ou elitista” (BORTONI-RICARDO, 2005, p.26). Assim, o aluno será capacitado a empregar as variedades, conforme a circunstância da fala, aprimorando sua competência linguística e comunicativa. Orlandi (2001, p.102) reforça como Labov conceitua a comunidade linguística como “um grupo de pessoas que compartilham um conjunto de normas comuns com respeito à linguagem e não como um grupo de pessoas que falam do mesmo modo” o que significa dizer que “conhecer uma língua não é apenas conhecer as formas engendradas pela gramática, mas também o valor social atribuído a elas” e assim, juntamse as premissas sociais, atitudes, convicções que fazem parte da comunicação para constituir a linguagem. Orlandi (2001) declara que é em direção à competência comunicativa que vão os estudos sociolinguísticos. A sociolinguística americana viu a necessidade de se falar a respeito da competência comunicativa, uma vez que o conceito de performance era muito amplo (ORLANDI, 2001, p. 103). Para a autora, Hymes foi quem representou este setor da sociolinguística americana e descreve: A competência comunicativa compreenderia todas as regras da comunicação, inclusive as da competência gramatical, e acrescentaria as de performance, isto é, permitiria decisões também acerca da aceitabilidade sob quatro formas: se um ato linguístico é possível, se é realizável, se é apropriado e se é realizado de fato. É uma competência que compreenderia as regras sociais que descrevem como se utiliza a competência gramatical adequadamente em situações de interação (ORLANDI, 2001, p. 103). Suassuna (1995, p. 88) confirma a afirmação de Orlandi, justificando que foram os sociolinguistas americanos, entre eles Dell Hymes, que despertaram para a necessidade de unir a competência linguística (concebida por Chomsky) e o desempenho linguístico (aceitabilidade do uso) no que se pode chamar de competência comunicativa, que verificará simultaneamente as regras sociais, gramaticais e de comunicação, adequando o uso da língua em diversas situações. 40 Orlandi (2001, p. 103) também analisa Habermas, que considera que é a competência comunicativa que capacita os falantes a entenderem-se em diálogos. Assim, na competência comunicativa, serão descritos os atos linguísticos dialógicos e não o estabelecimento correto de enunciados em dependência de certas variáveis, como na Gramática Normativa. A autora conclui que a heterogeneidade e o caráter histórico das línguas deve ser levado em conta ao se repensar a relação entre o falar e o sistema da língua, pois o percurso até aqui considerava apenas como as línguas se deformavam na sua realização e agora se deve considerar como chegam a se institucionar como fala, como estas falas são aceitas na sociedade, como sua sistematização alcançará peso próprio e como podem se modificar em novas atuações. 1.3 COMPETÊNCIA COMUNICATIVA E COMPETÊNCIA GRAMATICAL 1.3.1 A gramática como elemento de escolarização Apresentados os conceitos e estudos sobre a língua, sob o ponto de vista da Linguística e da Sociolinguística, será discutida adiante a abordagem do ensino da língua e, principalmente, da gramática como elemento de escolarização. No início do capítulo, foi dito que o ensino tradicional vem passando por transformações e que, a cada dia, diversas literaturas surgem para o desenvolvimento de métodos que possam ser aplicados em sala de aula, visando desenvolver a competência linguística dos aprendizes. Será que somente o ensino da gramática é suficiente para desenvolver no aluno a capacidade de usar a língua em diferentes situações, desenvolvendo sua competência linguística? Bechara (2002, p. 50) acredita que a gramática “tenta codificar e fixar o chamado uso idiomático”, assumindo a função didática. No entanto, como a gramática espera fixar tal uso, passa a assumir a função dogmática, sob a prerrogativa de ser uma gramática acadêmica. Ainda, se a gramática estabelece usos corretos ou errados, ela tem que oferecer explicações que justifiquem tais usos, assumindo a função científica. Neste momento, há quem acredite que a gramática se confunde com a linguística. O próprio autor considera gramática e linguística inconfundíveis, já que possuem finalidades diferentes, porque “enquanto a primeira, normativa, registra o uso idiomático da modalidade-padrão, a 41 segunda, como ciência, estuda a linguagem articulada nos seus polifacetados aspectos e realizações” (2002, p.50). Marmelotta (2008, p. 44) apresenta o contexto da gramática para distinguir sua relação com a linguística afirmando que desde a Antiguidade Clássica, os estudiosos da linguagem sugerem interpretações que reflitam o funcionamento das línguas e propõem a sistematização descritiva destas interpretações, que foram aperfeiçoadas na evolução do estudo linguístico pelas novas descobertas científicas. As interpretações e descrições mencionadas é que recebem o nome de gramática. O autor destaca que a gramática pode ser definida de duas formas, em que designe o funcionamento da própria língua, como objeto a ser descrito pelo cientista ou designe os estudos que buscam descrever a natureza de elementos e restrições de combinação. A primeira diz respeito ao conjunto dos elementos que compõem a língua, na formação de unidades maiores nos contextos reais de uso e a segunda, aos modelos teóricos criados pelos cientistas a fim de explicar o funcionamento da língua. Neves (2006, p. 29) relembra algumas noções de gramática que foram apresentadas no item anterior deste capítulo, como no modelo normativo puro, em que a gramática é o conjunto de regras que o usuário deve aprender para falar e escrever corretamente a língua. Há também o modelo descritivo ou expositivo em que a gramática descreve os fatos de uma língua e o modelo estruturalista em que a gramática é o sistema de regras que o falante aciona intuitivamente ao falar ou entender sua língua. Além da gramática gerativa, associada a capacidade inata do falante, com a descrição de um número limitado de regras que geram um número infinito de sequencias que são frases, introduzindo o conceito da competência linguística. Para o ensino no Brasil, Marmelotta (2008, p. 45) descreve que a gramática tradicional, ou normativa, ou escolar, é aquela que “estudamos na escola desde pequenos”. Os professores de português ensinam a reconhecer os elementos constituintes formadores de vocábulos, fazendo análise sintática, utilizando a concordância adequada e recomendando a correção no uso da língua. O autor critica afirmando que raramente é dito o que é este estudo, qual a origem, como se desenvolveu e para quais finalidades. Com a falta de tais dados, Marmelotta (2008, p. 45) acredita que “a gramática tradicional não fornece ao estudioso da linguagem uma teoria adequada para descrever o funcionamento gramatical das línguas” e descreve que “a gramática tradicional, utilizada como modelo teórico para a abordagem e o ensino da nossa língua nas escolas, tem origem em uma tradição de estudos de base filosófica que se iniciou na Grécia antiga” (2008, p. 42 45). Isso porque, segundo o autor, a relação entre a linguagem, o pensamento e a realidade foi motivo de interesse entre os filósofos gregos, que discutiam, como exemplo, a ligação das palavras com a designação, em que uns viam as palavras como imagem exata do mundo e outros como criação arbitrária do humano. Marmelotta (2008, p. 45) apresenta a visão de Aristóteles sobre a relação da linguagem com a lógica, que trata das leis de elaboração do raciocínio, no qual a linguagem é vista como um reflexo da organização interna do pensamento humano, que é universal, inerente ao ser humano. Além do caráter filosófico, Marmelotta (2008, p. 46) conta que “a gramática grega apresentava preocupação normativa, ou seja, assumia a incumbência de ditar padrões que refletissem o uso ideal da língua grega” e tais princípios foram adotados pelos romanos que se dedicaram ao aspecto normativo para unificar a língua de seu império, que se expandia e essa tradição chegou aos dias de hoje, pelo latim. Assim, “nos séculos XVII e XVIII, as reflexões sobre a natureza da linguagem, assim como as análises de sua estrutura, deram continuidade às propostas gregas” (2008, p. 46) mas, “essa visão de base aristotélica perde a força com o surgimento dos primeiros linguistas do século XIX, sendo apenas mais tarde retomada por Chomsky e pelos linguistas gerativistas” (2008, p. 46). Neves (2006, p. 34) conta que, no Ocidente, o desenvolvimento da linguística marcou a alteração da história da gramática, em dois aspectos: um quando a sociolinguística desenvolveu estudos variacionistas que passaram a conectar padrões a usos, usos a registros, registros a eficácia, e identificando deficiências e diferenças que seriam trabalhadas para a eficiência na comunicação; e segundo quando do desenvolvimento de estudos sobre a oralidade, que passam a vincular a escolha do padrão à modalidade da língua, no sentido de adequação a cada situação. Marmelotta (2008, p. 47) exemplifica a importância do marco um de Neves, quando afirma que ao estabelecer a forma correta de uso da língua, os gramáticos tradicionais abandonam as formas erradas, quando esta forma continua sendo utilizada pelos falantes na comunicação diária, o que ocasiona na visão parcial da língua vista pela gramática, que se torna incapaz de explicar a natureza da linguagem em sua totalidade. Sobre este ponto de vista da gramática parcial, Neves (2006, p. 35) confessa sinceramente sua impressão sobre o estudo da gramática: Se há uma área do conhecimento em que as descobertas da Linguística têm caído no vazio é a área da disciplina gramatical, seja a considerada pela escola, seja a considerada pelo usuário da língua. Estamos longe de ver o cidadão comum e o professor reconhecendo que a variação linguística é nada mais que a manifestação evidente da essência da natureza da linguagem, reconhecendo que há um padrão 43 valorizado, sim, mas que o uso do padrão prestigiado não constitui, em si, e intrinsecamente, um bom uso de boa linguagem, e que essa avaliação só ocorre pelo viés sociocultural, condicionado pelo viés socioeconômico (NEVES, 2006, p. 35). Em seguida, Neves (2006) defende que esta visão distorcida da gramática não é responsabilidade própria dos gramáticos tradicionais, que valorizam a boa linguagem. O povo, mais que os próprios gramáticos, é que tem fascínio pela linguagem e busca em manuais, receitas que digam exatamente o que se pode ou não se pode usar, ou seja, a própria comunidade busca adequar sua linguagem aos padrões prestigiados e não entende e não consegue adequar-se às diferentes ocasiões de uso, por isso não consegue, muitas vezes, enxergar a finalidade das regras normativas. Neves (2006, p. 41) conclui seu pensamento manifestando sua ideia de que o usuário da língua, ao consultar receitas de utilização da língua, não vai encontrar as indicações das diferentes aplicações e valorações. Vai encontrar a necessidade de fazer a escolha que se adeque à situação em que a construção deve ser aplicada. Receitas para esta escolha são buscadas nas lições gramaticais, consideradas como única utilidade proveitosa da gramática. Nas escolas, esta preocupação com as prescrições sobre a linguagem já não é bem vista e a escola simplesmente se exercita na transmissão de paradigmas como esquemas. Desta forma, o usuário da língua, desassistido de orientações sobre a norma padrão que há de legitimar sua fala na sociedade, parte para receitas simplificadas de transferência imediata, sem que haja nenhum custo de reflexão. 1.3.2 O caminho para a competência comunicativa Em continuidade ao que foi abordado no item anterior, sobre o ensino da gramática, como elemento de escolarização, e com o objetivo de introduzir o estudo de uma metodologia que aborda a competência comunicativa, como o caminho para o desenvolvimento da educação linguística, serão discutidos nesta subparte do capítulo, as reflexões que levam ao caminho do desenvolvimento da metodologia que aborda a competência comunicativa. Ao definir gramática normativa como aquela que tem por objetivo impor a utilização correta das formas da língua, por meio de regras que ditam o que se deve falar, descartando as possibilidades errôneas, Koch (1980, p. 18) acredita que “o ensino de gramática nas 44 escolas de 1º e 2º graus deve constituir-se num ensino produtivo: a partir dos registros que o aluno possui é que deverá ser levado a adquirir aqueles que não possui” e desenvolver no aluno a capacidade de expressão dentro da norma padrão, que cabe à escola transmitir. Para a autora, “as noções de certo/errado devem ser substituídas pelas de adequado/inadequado às várias circunstâncias da comunicação”. Koch (1980, p. 19) discute ainda mais sobre o ensino da gramática, defendendo a ideia que se o aluno estiver consciente de que o que está acostumado a falar no dia a dia não está errado, apenas inadequado para situações mais formais em determinados círculos socioculturais, o aluno se sentirá muito menos bloqueado a aprender a norma padrão, que é aquela que está sendo transmitida nas aulas de língua materna. Desta forma, o aluno terá ciência “de que ao adquirir a capacidade de expressar-se dentro da norma ideal de coletividade a que pertence, ser-lhe-á de grande valia para o desenvolvimento integral de sua personalidade”. Neves (2006, p. 37) aprofunda o assunto, quando afirma que o conceito de gramaticalização está relacionado à ideia de que a gramática oferece meios eficazes e econômicos para as funções da linguagem a serem cumpridas pelos falantes. A motivação para a gramaticalização surge quando as formas existentes não suprem as necessidades comunicativas, de modo que “fique garantido o cumprimento dos propósitos dos falantes e a obtenção das interpretações pretendidas, satisfazendo-se, desse modo, a aplicação das capacidades do usuário daquela língua natural”. Da afirmação da autora, há de se compreender que se consulta a gramática apenas para garantir que as funções da linguagem sejam cumpridas, o que, de fato não ocorre, pois se não houver discernimento da utilização e do propósito das regras, pode não haver eficiência comunicativa. Para Neves (2006, p. 38), o falante não estará exercendo plenamente suas capacidades de usuário da língua se simplesmente obedecer e engessar suas construções nos moldes legitimados por doutos ou por fornecedores de lições de bom uso da língua. Neves (2006) resgata uma teoria do funcionamento da linguagem (movimento funcionalista) para refletir sobre a utilização da gramática na escola, pontuando três aspectos que são fundamentais na proposta de desenvolvimento da comunicação. A teoria, conforme a autora, serve de aparato para a avaliação da variação linguística e suas manifestações no uso dos falantes de uma comunidade, assim: a. É dirigida para a questão da comunicação eficiente, a chamada “competência comunicativa” dos falantes, noção que reflete o princípio sociolingüístico de que uma língua é um sistema inerentemente variável (LABOV, 1972 e 1994; 45 CEDERGREN e SANKOFF, 1974 e 1988; NARO, 1981; TARALLO, 1989), e, assim, a heterogeneidade não é um aspecto secundário e acessório da estrutura da linguagem; b. É inserida em um “modelo de interação verbal” (DIK, 1989; 1997) que se assenta na relação entre “intenção” do falante (baseada na “antecipação da interpretação” do ouvinte) e da “interpretação” do ouvinte (baseada na “reconstrução da intenção” do falante), tudo governado pela noção de que a interação bem-sucedida traz modificação na “informação pragmática” dos interlocutores; essa inserção tem contraponto na lição sociolinguística de que a heterogeneidade natural da linguagem propicia o exercício da capacidade que o falante de qualquer língua tem de proceder a escolhas de formas alternativas de que ele pode valer-se (NEVES, 2002a, p. 80); c. Afinal, e em consequência, é assentada no ponto de vista de que “usuário da língua natural” (DIK, 1989; 1997) opera não apenas com “capacidade linguística” mas também com “capacidade epistêmica”, “capacidade lógica”, “capacidade perceptual”, e, afinal, “capacidade social”, pela qual não apenas ele sabe o que dizer “mas também como dizê-lo a um parceiro comunicativo particular, numa situação comunicativa particular, para atingir objetivos comuns particulares” (NEVES, 1997. p.77) ; essa noção reflete a sociolinguística que ensina que todas as variedades de uma língua são suficientemente complexas para cumprir as funções a que se destinam, e que, portanto, nenhuma variedade (e também nenhuma língua) pode ser tida como, em si, limitada ou limitadora, do ponto de vista cognitivo ou perceptual, ficando entendido que a completa adequação resulta realmente de uma escolha sociocomunicativamente dirigida (NEVES, 2006, p. 37). O entendimento desta teoria é um princípio fundamental para a compreensão da metodologia a ser apresentada a seguir sobre o desenvolvimento da competência comunicativa do aluno, que englobará os aspectos aqui discutidos pela sociolinguística para o ensino de língua materna. Sobre a prática escolar, associada à teoria citada por Neves (2006), Bechara (2002, p. 39) também discute o assunto, mostrando sua visão de que “entramos, assim num dos escopos principais da educação linguística, que consiste em obviar um dos erros graves do ensino tradicional”. O autor se refere ao engano de querer transformar o monolinguismo coloquial do aluno em um monolinguismo culto, pois não cabe à instituição de ensino substituir a norma coloquial pela culta. Para Bechara, cabe ao professor e à escola, como um todo, preparar o aluno para ser um poliglota dentro de sua própria língua, o que quer dizer que o objetivo da escola é formar, aperfeiçoar e controlar as diversas competências linguísticas do aluno. Para fundamentar suas colocações, Bechara (2002, p. 40) cita o linguista italiano Vincenzo Lo Cascio, demonstrando que há dois tipos de competência linguística: a competência da descodificação e da produção linguística. As duas distinções comportam três componentes: a competência gerativa (ou linguística), a competência comunicativa e a competência de instrumentos linguísticos (canais de interação). Para Bechara “no que tange, enfim, à educação linguística será necessário distinguir entre (1) enumeração das competências e hierarquias, existentes ou possíveis, entre elas, e 46 (2) processos de aprendizagem e desenvolvimento de tais competências” (2002, p. 41). Acima, quando Bechara afirma que os componentes gerativos, comunicativos e dos instrumentos linguísticos cabem nos dois tipos de competência linguística, o autor menciona os desdobramentos. O enfoque será dado à competência comunicativa. Assim, na competência da descodificação (receptiva), a competência comunicativa comporta: (a) competência avaliativa, em fase de descodificação: avaliação dos significados objetivos das mensagens percebidas e confronto delas com os contextos e as situações específicas em que são empregados; (b) competência intersemiótica: capacidade de integrar as informações que sejam consideradas como dadas na situação e no contexto, com as estruturas lingüísticas percebidas, e com as informações procedentes de outros sistemas semióticos e que acompanham as informações lingüísticas; (c) competência, em nível da compreensão, do sistema linguístico nacional: a língua “mãe” ou “oficial” de toda a nação e que pode ser diferente da referida competência gerativa; (d) competência das variedades lingüísticas: registros, diassistema, diglossia (BECHARA, 2002, p. 42). Já na competência da produção linguística (ativa), a competência comunicativa seguirá nas seguintes variedades: (a) competência seletiva dos informes: seleção dos pontos de vista e portanto dos produtos (output) linguísticos mais adequados para transmitir determinadas informações numa determinada situação ou contexto, isto é, noção da paráfrase e das relações entre as várias construções da língua, habilidade para relacionar o próprio saber linguístico com os dados de sua execução; (b) competência intersemiótica: capacidade de usar e dosar diversos sistemas semióticos conforme as circunstâncias, bem como capacidade de integrá-los. Consta pelo menos de duas partes: (1) competência avaliativa em fase de descodificação: avaliação das próprias intenções, conhecimento da mensagem que se deseja transmitir, orientação sobre a situação de comunicação e a manipulação dos elementos linguísticos para a consecução dos escopos visados. Ordenamento eventual de tais propósitos em estruturas seriadas; (2) competência de predição: capacidade de análise dos efeitos pretendidos ou que serão pretendidos no descodificador (feedback); (c) competência do uso dos códigos restritos, isto é, implícitos; (d) competência do uso dos códigos elaborados, isto é, explícitos, que se servem menos dos contextos ou de informações imaginadas como “dados”; (e) competência dos outros códigos linguísticos; em primeiro lugar, competência da língua materna; (f) competência das variedades lingüísticas (registros, estilos etc.) (BECHARA, 2002, p. 44). As noções de competência linguística/comunicativa apresentadas por Bechara servirão de base para a discussão do item 1.3.4 que abordará o desenvolvimento da metodologia que busca aplicar tais conceitos na prática em sala de aula. 47 É imperativo ressaltar a importância destas definições sobre a competência comunicativa para que se possa entender não só o caminho percorrido pela ciência linguística e as discussões sociolinguísticas, mas também entender como já existem referências teóricas que abordam erros do ensino da gramática tradicional e possíveis metodologias que aprimoram o ensino linguístico. 1.3.3 O ensino comunicativo de língua que aborda o conceito da competência comunicativa Discutido o papel da gramática na escola e introduzida a noção de competência comunicativa, faz-se necessário contextualizar como a gramática, ou o ensino gramática, se entrelaça com ensino comunicativo da língua – gerando o conceito de competência comunicativa – como uma possível metodologia para o ensino atual. Para desenvolver este contexto, serão mencionados os estudos de Jack C. Richards (2006), em sua obra Communicative Language Teaching Today, que expõem sobre as abordagens do ensino de língua inglesa, como segunda língua1 e das metodologias que repensaram as formas de ensinar conteúdos. Richards nasceu na Nova Zelândia, é professor PHD em Linguística Aplicada e desenvolve seus estudos em diferentes partes do mundo. A Linguística Aplicada é também parte da Linguística, definida resumidamente por Moita Lopes (2002, p. 23) como “uma área de investigação aplicada, mediadora, interdisciplinar, centrada na resolução de problemas de uso da linguagem, que tem um foco na linguagem de natureza processual, que colabora com o avanço do conhecimento teórico”. De acordo com Richards (2006), o ensino de língua inglesa, nos últimos 50 anos, sofreu um trajeto de mudanças, nos quais ele destaca três fases, com as seguintes tendências: “fase 1 – com abordagens tradicionais (até o final dos anos 1960); fase 2 – com o ensino comunicativo clássico de línguas (1970 a 1990); fase 3 – atual ensino comunicativo de língua (final dos anos 1990 até o presente)”. 1 A aquisição de uma Segunda Língua (L2 ou SL ) se dá quando o indivíduo já domina em parte ou totalmente a sua Língua Materna. Diferenciando, porém, do conceito de Língua Estrangeira (LE), uma Segunda Língua é uma não-primeira-língua que é adquirida sob a necessidade de comunicação e dentro de um processo de socialização. A situação tem que ser favorável: um novo meio, um contato mais intensivo com uma nova língua que seja importante para a comunicação e para a integração social. Para o domínio de uma SL é exigido que a comunicação seja diária e que a língua desempenhe um papel na integração em sociedade. Numa segunda língua se possui uma maior competência e uma maior performance, pois o meio ou a situação exige isso do falante – o aprendiz de língua estrangeira dificilmente precisa chegar a esse nível de conhecimento (SPINASSÉ, 2006, p.5) 48 Ao descrever sobre a fase 1, das abordagens tradicionais, Richards (2006, p. 6) afirma que o enfoque do ensino de línguas era a competência gramatical, como base de habilidade na língua. Era baseada na crença de que por meio da prática repetitiva a gramática podia ser aprendida. A abordagem induzia à dedução, pois eram apresentadas as regras e as oportunidades de uso e então a prática. O aprendizado se dava na construção de um repertório de frases e padrões gramaticais. Assim, as quatro habilidades eram introduzidas de maneira guiada, seja por memorização, perguntas e respostas, ou por substituição de exercícios na sequencia de falar, escutar, ler e escrever. Richards (2006, p. 3) caracteriza a competência gramatical como “o conhecimento que temos de uma linguagem, responsável por nossa capacidade de produzir sentenças em uma linguagem”, referindo-se ao conhecimento dos blocos de construção de frases, como partes do discurso, tempos, frases, orações e sentenças formadas. Assim, a competência gramatical é o foco da prática, em que a unidade de análise é tipicamente a sentença. A competência gramatical é uma importante dimensão da aprendizagem de línguas, porém não é tudo o que está envolvido nela. Na sequência, Richards (2006, p. 8) define a fase 2 – ensino comunicativo clássico de línguas, em que, na década de 1970, a gramática como centro do ensino de línguas foi questionada já que a capacidade linguística abrange mais aspectos que a competência gramatical. Esta foi uma reação às abordagens tradicionais, pois por mais que a competência gramatical fosse necessária, outros aspectos da linguagem deveriam ser abordados como os diferentes fins comunicativos, para fazer pedidos, dar conselhos, sugestões, descrever necessidades, entre outras finalidades. Para usar a linguagem comunicativamente, era necessária a competência comunicativa. Richards (2006, p. 8) defende que o conceito de competência comunicativa é muito mais amplo que o de competência gramatical. A noção de competência comunicativa foi desenvolvida dentro da linguística, ou, mais precisamente, na sociolinguística, e recorreu a muitos profissionais de ensino que argumentaram que não só a competência gramatical, mas a competência comunicativa deveria ser o objetivo do ensino de línguas. O resultado disso foi o ensino comunicativo de língua, aparecendo pela primeira vez como nova abordagem para o ensino de línguas, na década de 1970 e 1980, quando educadores de língua e instituições de ensino de todo o mundo repensaram o ensino, a metodologia e os materiais de sala de aula. Conforme o autor, a gramática não era mais o ponto de partida. Enxergou-se que ao invés de simplesmente especificar a gramática e o vocabulário que o aluno deveria dominar, deveriam criar um currículo, identificando os aspectos do uso da linguagem, que 49 fossem capazes de desenvolver no aluno a competência comunicativa, como: 1. a análise de efeitos para qual o aluno deseja utilizar a língua-alvo (exemplo: fins comerciais ou viagens); 2. o ambiente (exemplo: no escritório, em lojas); 3. o papel social que o aluno assumirá, bem como dos seus interlocutores (exemplo: um estudante em um ambiente escolar); 4. os eventos comunicativos (exemplo: situações cotidianas, profissionais, acadêmicas); 5. as funções da linguagem envolvidas, ou o que o aluno fará com ou através da linguagem (exemplo: fazer apresentações, descrever planos); 6. as noções ou o que o aluno será capaz de falar (exemplo: sobre lazer, finanças, história, religião); 7. as habilidades envolvidas no entrelaçamento do discurso (exemplo: uma apresentação de negócios eficaz); 8. a variedade ou variedades da língua-alvo e os níveis de língua falada e escrita; 9. o conteúdo gramatical que será necessário e 10. o conteúdo lexical ou vocabulário que será necessário. E por último, Richards (2006, p. 20) fala sobre as tendências atuais no ensino comunicativo de língua inglesa, acreditando que desde os anos 1990, a abordagem comunicativa tem sido amplamente implementada. Isto se deve aos princípios gerais que se fundamentam na noção de competência comunicativa com o objetivo do ensino de línguas, à um programa de comunicação e à metodologia como forma de alcançar esse objetivo. Para o autor, o ensino comunicativo de língua continuou evoluindo, na medida em que a compreensão dos processos de aprendizado se desenvolveu. A teoria do ensino atual e a prática comunicativa da linguagem, portanto, se baseia em diferentes paradigmas educacionais e tradições. Richards (2006, p. 20) afirma que quando o ensino se baseia em diferentes fontes, não existe um único conjunto de práticas que caracterizam o atual ensino comunicativo, assim, a prática do ensino refere-se a um conjunto de princípios que podem ser aplicados de diferentes maneiras, dependendo do contexto de ensino, da idade dos alunos, seu nível, suas metas de aprendizagem e assim por diante. 1.3.4 A metodologia de ensino de segunda língua aplicada à língua materna na busca pela competência comunicativa O caminho percorrido até aqui mostrou como o estudo sobre a língua e a reflexão sobre o ensino dela passaram por transformações. A prática do ensino de gramática segue uma prescrição pedagógica, ainda tradicional, que está focada na competência gramatical do aluno, no Ensino Médio. Este trabalho aborda a reflexão sobre uma abordagem de ensino que introduz os conceitos de competência comunicativa, por meio do ensino 50 comunicativo da língua, voltado para capacitar o aluno a transitar pelas mais diversas esferas de comunicação e até para o mercado de trabalho. Embora a sociolinguista Stella Maris Bortoni-Ricardo (2005), no subitem deste capítulo sobre sociolinguística educacional, tenha realizado críticas a respeito da importação de metodologias estrangeiras e tenha sido taxativa quanto à não aplicabilidade de modelos teóricos que não sejam baseados na realidade brasileira, muito peculiar devido à variedade popular, é importante conhecer as ideias e as metodologias que são aplicadas em outros países que possam trazer alternativas para o ensino atual. Por isso, os estudos de Richards (2006), apesar de relacionados com o ensino de inglês como segunda língua, são tão importantes para este trabalho monográfico. Se existem modelos de ensino bem sucedidos em outras línguas, é significativo conhecer suas contribuições para repensar as práticas atuais, tão carentes de novas experiências e ações que motivem os professores a mudar seus conceitos e suas atitudes em sala de aula. Há autores, como Bechara (2002) e Luft (1998), que afirmam haver crise no ensino escolar, mas, de uma forma geral, os autores não desenvolvem um estudo baseado na realidade brasileira para desenvolver um método eficiente, capaz de aprimorar a prática linguística educacional. Os estudiosos não mostram o caminho, apenas criticam o ensino. Em prol da educação linguística, recorreu-se ao estudo de Richards que colhe os frutos de uma abordagem de ensino desenvolvida durante anos, até chegar ao modelo proposto neste trabalho. Para Richards (2006, p. 3), a metodologia do ensino comunicativo de língua pode ser entendida como “o conjunto de princípios sobre os objetivos do ensino de língua, a forma como os alunos apendem uma língua, que tipo de atividades facilitarão a aprendizagem e os papéis de professores e alunos em sala de aula”. No primeiro ponto mencionado, sobre os objetivos do ensino de língua, Richards (2006, p. 3) analisa a competência gramatical afirmando que o usuário da língua pode dominar as regras de formação de sentença em um idioma e ainda assim não ser capaz de usar a linguagem para a comunicação significativa. Esta capacidade (de comunicação significativa) pode ser entendida como competência comunicativa, que, segundo Richards (2006, p. 4) inclui os seguintes aspectos: Saber como utilizar a linguagem para uma gama de diferentes propósitos e funções; 51 Saber como variar o nosso uso da linguagem de acordo com a configuração e os participantes (por exemplo, saber quando usar linguagem formal e informal ou quando usar a linguagem adequada para escrita, contrária à comunicação oral); Saber como produzir e compreender diferentes tipos de textos (narrativas, por exemplo, relatórios, entrevistas, conversas); Saber como manter a comunicação, apesar de ter limitações no seu conhecimento da linguagem (através da utilização de diferentes tipos de estratégias de comunicação); Para Richards (2006, p. 4), estes aspectos caracterizam os objetivos do ensino de línguas dentre os princípios de ensino comunicativo de língua. No segundo ponto, Richards fala sobre como os alunos aprendem uma língua. Em visões anteriores, o foco do aprendizado era o domínio da competência gramatical, visto como um processo mecânico de formação de hábitos, em que os erros deveriam ser evitados por meio de oportunidades controladas, memorizando diálogos e realizando treinos. Nos últimos anos, Richards relata mudanças e uma perspectiva muito diferente, que resultam de processos de interação entre o aluno e os usuários da língua; criação colaborativa de significado; negociação de significado do aluno com o interlocutor para chegar a um entendimento; com os feedbacks recebidos ao usar a língua e experimentando diferentes maneiras de dizer as coisas. Quanto aos tipos de atividades em sala de aula que facilitam a aprendizagem, no terceiro ponto, Richards (2006, p. 13) desenvolve um capítulo de sua obra para demonstrar como os educadores e escritores de materiais didáticos refletiram sobre os princípios de uma metodologia comunicativa, buscando novas formas de atividades em sala de aula. Richards (2006, p. 13) explica sobre as atividades de fluência e acuidade, em que o objetivo das atividades de fluência é desenvolver o uso da linguagem natural, na interação significativa para a comunicação compreensível, sendo desenvolvida por meio da criação de atividades em que o aluno deve negociar significado, usar estratégias de comunicação, corrigir mal entendidos e trabalhar para evitar a falha de comunicação, enquanto a prática da acuidade visa ao uso correto da língua, com a formação de exemplos corretos da língua e a linguagem controlada. Para o autor, o foco destas atividades é obter significados usando todos os recursos disponíveis para comunicação, nas quais o professor deve preparar os alunos para uma tarefa de fluência ou acompanhar as atividades que necessitam de feedback sobre a utilização da língua. Além das atividades de fluência e acuidade, Richards (2006, p. 15) afirma que há três tipos de prática – a mecânica, a significativa e a comunicativa. Na prática mecânica, a atividade é controlada, com exercícios de repetição e substituição gramatical. Na prática 52 significativa, o controle de linguagem ainda é fornecido, porém os alunos têm de fazer escolhas significativas para a realização da prática. Na prática comunicativa, o contexto e as informações são reais e a linguagem não é totalmente previsível. No ensino comunicativo de língua inglesa, os livros didáticos trazem sequências que levam os estudantes da prática mecânica para a significativa e da significativa para a comunicativa. Outro aspecto que Richards (2006, p. 17) destaca, no ensino comunicativo de língua é o que ele chama de lacuna de informações que, normalmente, acontece devido ao fato de que, em situações comunicativas reais, as pessoas necessitam de informações que não possuem. Em sala de aula, uma comunicação mais autêntica ocorre se os alunos buscam formas de linguagem para seu próprio uso e usam recursos linguísticos e comunicativos a fim de obter informações. Ao fazer isso, os alunos buscam vocabulário, gramática e estratégias de comunicação para completar uma tarefa, de tal modo que usem seus recursos de linguagem para se comunicar de forma significativa e assim tomam parte da prática da comunicação significativa. Richards (2006, p. 18) acredita que há muitas outras atividades possíveis, destacando algumas: Tarefa de completar atividades: quebra-cabeças, jogos, leitura de mapas e outros tipos, em que o foco é o uso dos recursos de linguagem para concluir uma tarefa; Atividades de coleta de informação: pesquisas e entrevistas em que os alunos sejam obrigados a utilizar os seus recursos linguísticos para coletar informações; Atividades de compartilhamento de opiniões: atividades em que os alunos possam comparar valores, opiniões e crenças; Atividades de transferência de informação: exigem que os estudantes tomem informações de uma forma e representem-nas de uma forma diferente. Por exemplo, eles podem ler as instruções sobre como ir de A para B e depois desenhar um mapa mostrando a sequência, ou podem ler informações sobre um assunto e depois representá-lo como um gráfico; Atividades de raciocínio: envolvem novas informações a partir de informações dadas através dos processos de inferência e raciocínio prático; Dramatização: atividades em que são atribuídos papéis aos alunos e eles devem improvisar uma cena com base em informações fornecidas ou pistas. O que Richards (2006, p.18) também julga importante é que a maioria das atividades são projetadas para serem realizadas em pares ou em pequenos grupos e, por meio dessas atividades, os alunos poderão ser beneficiados, aprendendo a ouvir membros do grupo, produzindo mais linguagem do que usariam somente com o professor, aumentando o nível de motivação e tendo a chance de desenvolver a fluência. Os materiais de ensino, consequentemente, fazem uso de uma variedade de atividades em pequenos grupos. Para Richards (2006, p. 19), a linguagem concebida na sala de aula é uma preparação de sobrevivência no mundo real e uma vez que a comunicação real define o ensino 53 comunicativo de língua, a questão da autenticidade foi levantada. Ele afirma ainda: “alguns argumentaram que as atividades de sala de aula devem tanto quanto possível espelhar o mundo e o uso real com fontes autênticas, como base para a aprendizagem” (RICHARDS, 2006, p. 19). Contudo, Richards defende que desde o advento do ensino comunicativo de língua, os livros didáticos e outros materiais de ensino assumiram um olhar muito mais autêntico, em que os trechos de leitura são projetados para se parecer com artigos de revista e os livros didáticos, para um padrão semelhante de produção às fontes do mundo real, tais como as revistas populares. Por último, no quarto ponto, ao definir o ensino comunicativo de língua, Richards (2006, p. 3) menciona os papéis dos professores e dos alunos em sala de aula e explica que, agora, os alunos participam de atividades baseadas em cooperação e não mais na aprendizagem individual e, ao invés de confiar no professor como modelo, passam a escutar seu grupo ou seus pares, assumindo responsabilidade sobre o próprio aprendizado. Os professores assumem o papel de facilitador e monitor, tendo que desenvolver uma visão diferente dos erros dos alunos e do seu próprio papel no sentido de facilitar a aprendizagem da língua. Para Richards (2006, p. 11), a nova abordagem comunicativa, ao reconsiderar a metodologia, verificou que os alunos aprendem melhor por meio da comunicação do que pela abordagem baseada na gramática. Desta forma, os princípios gerais da metodologia do ensino comunicativo de língua resumem-se a: • tornar a comunicação real, como foco da aprendizagem de línguas; • proporcionar oportunidades para os alunos experimentarem e testarem o que sabem; • ser tolerante com os erros dos alunos, um indicativo que os alunos estão construindo sua competência comunicativa; • proporcionar oportunidades para os alunos desenvolverem a acuidade e fluência; • vincular a diferentes habilidades, como falar, ler e ouvir juntos, como geralmente ocorre no mundo real; • permitir aos alunos induzir ou descobrir as regras gramaticais. Richards (2006, p. 12) defende que, ao aplicar tais princípios, novas técnicas, atividades e mudança de papéis de professores e alunos foram necessárias. Desde os anos 1990, a abordagem comunicativa tem sido amplamente implementada no ensino de inglês. Richards (2006, p. 20) afirma que esta corrente de ensino possui dez pressupostos centrais que a norteiam: 54 1. O aprendizado da segunda língua é facilitado quando os alunos estão envolvidos na interação e na comunicação significativa. 2. As tarefas em sala de aula efetivam a aprendizagem e os exercícios proporcionam oportunidades aos estudantes para negociar significado, expandir seus recursos de linguagem, perceber como a linguagem é usada e fazer trocas entre os pares. 3. A comunicação significativa dos estudantes resulta do processamento do conteúdo relevante, proposital, interessante e cativante. 4. A comunicação é um processo holístico que muitas vezes apela ao uso de várias habilidades de linguagem ou modalidades. 5. A aprendizagem de línguas é facilitada tanto por atividades que envolvem indução como pela descoberta de regras subjacentes ao uso da linguagem e organização, bem como por aquelas que envolvem a análise de linguagem e a reflexão. 6. A aprendizagem de línguas é um processo gradual que envolve o uso criativo da linguagem, da tentativa e do erro. Embora os erros sejam um produto normal de aprendizagem, o objetivo final é ser capaz de usar o idioma. 7. Os alunos desenvolvem as suas próprias rotas para a aprendizagem de línguas, gerando níveis diferentes de progresso, diferentes necessidades e motivações para a aprendizagem de línguas. 8. A aprendizagem de línguas bem sucedida envolve o uso de uma aprendizagem eficaz e estratégias de comunicação. 9. O papel do professor é o de um facilitador, que cria uma sala de aula um clima favorável à aprendizagem de línguas e oferece oportunidades para os estudantes usarem e praticarem a linguagem, refletindo sobre o seu uso. 10. A sala de aula é uma comunidade onde os alunos aprendem através da colaboração e da partilha. Richards (2006, p. 21) mostra que estas abordagens metodológicas atuais de ensino de inglês, em parte, aproveitam as antigas tradições do ensino de línguas fazendo alguma referência à abordagem tradicional, mas buscam assumir uma visão da linguagem comunicativa. O autor cita Jacobs e Farrell (2003, apud RICHARDS, p. 22) que vêem o ensino comunicativo de língua como uma mudança de paradigma sobre os professores, a aprendizagem e o ensino. Os benefícios da mudança são: 1. Autonomia do aluno: dando aos alunos uma maior escolha sobre sua própria aprendizagem, tanto em termos de conteúdo, bem como de processos que poderiam empregar. O uso de pequenos grupos é um exemplo, bem como o uso de autoavaliação. 2. A natureza social da aprendizagem: a aprendizagem não é uma atividade individual, mas social, que depende da interação com os outros. O movimento conhecido como aprendizagem cooperativa reflete este ponto de vista. 3. Integração curricular: a conexão entre diferentes vertentes do currículo é enfatizada, de modo que o idioma não é visto como um assunto independente, mas ligado a outras disciplinas do currículo. A aprendizagem baseada em textos reflete esta abordagem e procura desenvolver a fluência em tipos de texto que podem ser usados em todo o currículo. Trabalho de projeto no ensino de línguas também exige que os alunos explorem questões fora da sala de aula. 4. Concentração no significado: o significado é visto como a força motriz da aprendizagem. Baseado em conteúdo, o ensino reflete esta visão e procura a exploração do significado através de conteúdos com atividades de aprendizagem. 5. Diversidade: os alunos aprendem de maneiras diferentes que têm diferentes pontos fortes. O ensino precisa levar essas diferenças em consideração, em vez de tentar forçar os alunos em um único molde. O ensino de línguas enfatiza o 55 desenvolvimento de uso diversificado da língua pelos alunos e os conscientiza sobre as estratégias de aprendizagem. 6. Habilidades de pensamento: a linguagem deve servir como um meio de desenvolver habilidades de ordem superior de pensamento, também conhecido como pensamento crítico e criativo. No ensino de línguas, isto significa que os alunos não aprendem a linguagem por si, mas a fim de desenvolver e aplicar suas habilidades de pensamento em situações que vão além da aula de língua. 7. Avaliação alternativa: novas formas de avaliação são necessárias para substituir as tradicionais questões de múltipla escolha e outros itens que testam as habilidades de ordem inferior. Múltiplas formas de avaliação (por exemplo, observação, entrevistas, revistas, portfólios) podem ser usados para construir um retrato abrangente do que os alunos podem fazer em uma língua. 8. Professores como co-alunos: o professor é visto como um facilitador que está constantemente a experimentar diferentes alternativas, isto é, aprende fazendo. No ensino de línguas, isso levou a um interesse em pesquisa e a outras formas de investigação em sala de aula. Richards (2006, p. 22) conclui que estas mudanças não levaram ao desenvolvimento de um único modelo de ensino comunicativo de língua para ser aplicado em todas as configurações. Em resposta à proposta de ensino, vários métodos surgiram, também refletindo respostas diferentes para as questões mencionadas. Richards (2006, p. 23) acredita que porque não existe um modelo único que seja universalmente aceito, o programa atual deve incluir a cobertura sistemática de muitos componentes da competência comunicativa, entre elas “habilidades de linguagem, conteúdo, gramática, vocabulário e funções”. Richards (2006, p. 41) finaliza mostrando que o ensino comunicativo da língua passou por fases diferentes. Na primeira, a preocupação era desenvolver um plano de estudos e de abordagem compatível com a concepção de competência comunicativa, gerando propostas de organização de currículos em termos de funções e noções, ao invés de estruturas gramaticais. Depois, o foco mudou para a identificação das necessidades comunicativas dos alunos, o que resultou na preocupação que a metodologia comunicativa estivesse voltada para propor a análise de tais necessidades. Ao mesmo tempo, desenvolveu metodologias focadas nos diferentes tipos de atividades em sala de aula que absorvessem a abordagem comunicativa, como o trabalho em grupo. Hoje, pode ser visto como um conjunto de princípios fundamentais sobre o aprendizado de línguas e o foco central é a contribuição para o processo de aprendizagem. Como apresentado na introdução deste capítulo, foi realizada uma viagem pelo estudo da língua, em diversos aspectos, mas com o foco no ensino e em uma metodologia de ensino que desenvolvesse o conceito de competência comunicativa. Os movimentos da linguística foram apresentados e, de maneira geral, pode-se caracterizar cada teoria que teve contribuição no estudo da língua, a iniciar pelo historicismo, em seguida, o estruturalismo, depois, o funcionalismo e, ainda, o gerativismo. Contudo, a Linguística, conforme Luft 56 (1998, p. 97), tem como aspecto positivo ao ensino de línguas apenas as noções fundamentais de “linguagem e língua, de variedades e registros, a noção de que não há língua que não evolua, a noção de que o uso e os fatos devem prevalecer sobre preconceitos normativistas e, sobretudo, a noção de que a língua é um saber interior, pessoal, dos falantes”. Luft acredita que é a partir destas noções que o ensino deve se basear. O autor afirma também que “tudo isso é o embasamento teórico imprescindível que deve guiar o professor em suas aulas práticas, e não se transformar em matéria de ensino. O ensino tem que ocupar-se com o manejo efetivo da língua, falada e escrita” (LUFT, 1998, p. 97). Em consequência a este embasamento teórico, a Sociolinguística, como parte da Linguística, inclui ao estudo da língua fatores sociais que colaboram com a prática pedagógica, pois conforme a linguística avança, a didática tem que ser revista. O ensino atual reflete os estudos sociolinguísticos, que contextualizam as situações reais de uso da língua e levantam dados que ajudam a aprimorar o desenvolvimento de metodologias eficazes. Há uma trajetória de mudanças no ensino e hoje se preconiza um ensino linguístico eficaz, sem ferramentas metodológicas que amparem a educação. Em prol da educação linguística, Jack C. Richards (2006) compila elementos, em uma metodologia de ensino comunicativo, que contribuem para uma educação linguística baseada no desenvolvimento da competência comunicativa, que promove a capacidade do aluno de usar a língua em diferentes situações, variando o uso de acordo com o contexto, de produzir e compreender diversos tipos de textos e, principalmente, de como manter a comunicação independente de sua limitação de conhecimento. A escolarização da gramática no ensino de língua materna necessita ser repensada, pois somente o ensino gramatical não é suficiente para desenvolver no aluno a capacidade de progredir no seu domínio prático da língua. Eis a contribuição deixada por Richards (2006), que estudou por muitos anos um modelo prático de ensino comunicativo, experimentando as práticas em sala de aula que favorecem o desenvolvimento comunicativo do aluno, no ensino de segunda língua. Este modelo tem sido muito bem sucedido nos países aonde vem sendo aplicado, com traduções para diversas línguas, como espanhol, japonês, arábico. O ensino comunicativo de língua, provavelmente, será uma tendência a ser desenvolvida nos próximos anos. 57 CAPÍTULO II – EM BUSCA DAS CARACTERÍSTICAS DA ABORDAGEM DE ENSINO COMUNICATIVO É desafiador apresentar uma pesquisa sobre o ensino comunicativo de língua na educação linguística escolar atual, quando os referenciais teóricos estão alicerçados em estudos que não foram desenvolvidos em nosso país. Isso porque os pesquisadores, como Jack C. Richards, realizam estudos voltados para o ensino da segunda língua e, neste capítulo, será verificada a possibilidade de aplicar sua metodologia ao ensino da língua materna, buscando nas características atuais as bases do ensino comunicativo. O ensino tradicional de gramática nas escolas é criticado de forma unânime pelos teóricos, estudiosos e pelos próprios gramáticos, que acreditam ser uma metodologia ultrapassada, que necessita ser revista, já que não reconhecem valor na aprendizagem. A opção desta pesquisa resulta da busca de uma metodologia que confrontasse com o ensino tradicional de gramática normativa e que oferecesse soluções aplicáveis em relação à metodologia, não apontando apenas os defeitos e afirmando a crise atual do ensino. Esta pesquisa será desenvolvida com base nos estudos de Jack C. Richards (2006) sobre o ensino comunicativo de língua, que ressalta a importância de desenvolver a competência comunicativa do aluno, ao invés de apenas a competência gramatical (domínio de regras em um idioma). Para atender aos objetivos propostos no estudo, a metodologia adotada foi a pesquisa qualitativa. O método qualitativo tem como principais características ocorrer num cenário natural, em que o pesquisador vai ao local de interesse, onde estão os participantes e conduz a pesquisa. É neste momento que o pesquisador desenvolve um nível de detalhes e está envolvido nas experiências reais dos participantes, de forma a interagir entre eles. A pesquisa qualitativa é fundamentalmente interpretativa. Isso inclui descrições, análise de dados e finalmente uma interpretação e conclusão sobre o significado da pesquisa, pessoal e teórico. Este conceito, fundamentado em Rossman e Rallis (1998 apud CRESWELL, 2007, p. 186), faz parte da metodologia desta pesquisa. A preocupação com o desenvolvimento de metodologias que aprimorem o ensino de língua portuguesa é tema constante entre os estudiosos da língua e educadores. Este contexto gerou a curiosidade inicial que culminou este trabalho, desenvolvido a partir da ideia de trazer a metodologia de ensino comunicativo proposta por Richards, como ensino de segunda língua, para o ensino de língua materna, construindo a hipótese de que o atual 58 ensino de língua portuguesa e da gramática, da escola pública, baseado em livros didáticos, deixa de lado o desenvolvimento da competência comunicativa do aluno. A pesquisa deste trabalho monográfico possui como objetivo geral identificar, na conduta dos professores em sala, em uma aula de gramática, os traços dos dez princípios propostos por Richards, que caracterizam a metodologia de ensino comunicativo da língua, além de buscar o entendimento dos professores a cerca do que é o ensino comunicativo de língua e que atitudes eles possuem que podem confirmar ou contradizer esta metodologia de ensino. E como objetivos específicos, a pesquisa possui a intenção de: observar a interação entre o professor e os alunos, se o professor possui o hábito de resgatar as experiências dos alunos sobre determinados assuntos; verificar se o professor permite que o aluno manifeste opiniões; perceber se o professor motiva os alunos trazendo assuntos interessantes para a aula; demonstrar de que forma os professores preparam os alunos para as diversas situações comunicativas; verificar se os professores promovem a autocorreção ou a correção trocada com outros alunos; constatar a maneira como o professor trabalha a criatividade linguística dos alunos por meio de gêneros textuais; evidenciar se o professor desenvolve a autonomia dos alunos; observar se há momentos de improviso durante a aula; verificar como o professor vê o seu papel em sala de aula; constatar que atividades o professor propõe que sejam realizadas em grupo para os alunos praticarem a comunicação. Para concretização do estudo, a pesquisa de campo foi realizada com a população de professores que atuam nas escolas públicas do Guará. De acordo com a Regional de Ensino do Guará, o Governo do Distrito Federal não divulga nos dados do Educa Senso, publicado em Diário Oficial, a quantidade de professores na rede pública do DF, nem da Regional de Ensino do Guará. Portanto, não foi possível verificar a representatividade da quantidade de professores de português do Ensino Médio do Guará, comparado ao DF. A Região Administrativa do Guará é composta por 4 escolas de Ensino Médio: o Centro Educacional 01, o Centro Educacional 02 (GG), o Centro Educacional 03 (Centrão) e o Centro Educacional 04 do Guará. Dos 4 professores que participaram da pesquisa, 2 são do sexo feminino e 2 do masculino, com idades entre 29 e 42 anos. Na condução da disciplina, há 3 professores com bastante tempo de docência na escola pública, em média 15 anos, e 1 com contrato temporário na Secretaria de Educação do GDF. Quanto ao tempo de trabalho na escola, 2 professores trabalham há menos de 2 anos na mesma escola e os outros 2 atuam na mesma escola há mais de 5 anos. Quanto à escolaridade, 2 dos professores são apenas graduados, enquanto os outros 2 possuem título de especialização. Todos os professores afirmaram realizar cursos regulares na área de educação. 59 Para realizar a coleta de dados, para análise, foram utilizados três instrumentos: observação de aula, aplicação de questionário e entrevista por anotações. A triangulação de dados foi a opção encontrada para enriquecer os dados da pesquisa, verificando a coerência das respostas dos participantes para a validação dos resultados. Minayo (2005, p.10) aborda os conceitos da avaliação por triangulação de métodos, definindo: Triangulação é um conceito que vem do interacionismo simbólico e é desenvolvido por Denzin (1979) significando: (a) a combinação e o cruzamento de múltiplos pontos de vista; (b) a tarefa conjunta de pesquisadores com formação diferenciada; (c) a visão de vários informantes e (d) o emprego de uma variedade de técnicas de coleta de dados que acompanha o trabalho de investigação. Seu uso, na prática, permite interação, crítica intersubjetiva e comparação (DENZIN, 1979; MINAYO & SANCHEZ, 1993; MINAYO & CRUZ, 1999). O primeiro instrumento de coleta de dados foi a observação de aula, durante a qual não foi seguido um roteiro de observação. O instrumento foi a simples limitação de sentar e observar todos os procedimentos dos professores, submetendo tais observações à análise posterior. Para Creswell (2007, p. 190) “nas observações, o pesquisador toma notas de campo sobre comportamento e atividades das pessoas no local da pesquisa. Nessas notas, o pesquisador registra, de uma maneira não estruturada, as atividades no local da pesquisa”. Tal observação foi permitida pela coordenação das escolas e pelos professores participantes. O foco da observação da aula era o registro da interação do professor com os alunos, a forma de explicação de conteúdos, a aplicação e/ou correção de exercícios e a participação efetiva dos alunos. As observações de cada professor se deram em aula dupla de português, gerando cerca de 10 horas/aula, em turmas variadas de 1º, 2º e 3º ano do Ensino Médio. Houve agendamento prévio com os professores para a observação de aula específica de gramática. As observações, embora não seguissem um roteiro de características da metodologia de ensino comunicativo, intencionavam revelar o modo de agir dos professores, revelando práticas de ensino comunicativo, independentemente do conteúdo aplicado. Em seguida, como segundo instrumento de pesquisa, os professores foram submetidos a responder um questionário, com dez questões abertas (Anexo I). Essas questões foram elaboradas de acordo com os dez pressupostos centrais do ensino comunicativo da língua, conforme Jack C. Richards (2006, p.20), para verificação se os princípios são, de alguma forma, praticados em sala de aula e avaliar os possíveis traços da metodologia. Este instrumento de coleta de dados, por ser de fácil execução, foi respondido por alguns participantes, enquanto os alunos resolviam exercícios, ou solicitado para 60 retirada posterior, durante o período de coordenação pedagógica ou horário vago entre aulas. O questionário contém 10 perguntas que serão apresentadas a seguir: Pergunta 1: Ao aplicar um conteúdo, como o(a) senhor(a) constrói a interação com os alunos? De que maneira o(a) senhor(a) resgata as experiências e/ou conhecimentos anteriores dos alunos? O objetivo da primeira pergunta era identificar de que forma os alunos são envolvidos pelo professor ao introduzir um conteúdo, se o professor estabelece um vínculo comunicativo, trocando experiências de situações vividas pelos alunos, buscando ocorrências significativas, como por exemplo, alguma situação de constrangimento vivenciado ou alguma necessidade inesperada, enfim, como o professor facilita o aprendizado do conteúdo que será abordado na aula. Pergunta 2: Em que momento de sua aula, o(a) senhor(a) permite que o aluno demonstre sua opinião? A intenção da questão era que o professor demonstrasse, durante ou após a discussão do conteúdo, e um conhecimento anterior expressado, o momento em que o aluno pudesse defender uma opinião, discordar ou concordar acrescentando algum valor ao conteúdo apresentado, trocando pontos de vista diferentes com os demais alunos. Pergunta 3: Com que frequência o(a) senhor(a) trabalha conteúdos que trazem assunto do interesse do aluno (redes sociais, esportes, televisão, sexo, biografias curiosas, entre outros)? O questionamento visa à obtenção da constância com que os conteúdos que motivam o aluno a interessar-se na busca de mais conhecimento são trabalhados, para que o aluno desenvolva um nível de domínio para estabelecer uma comunicação fluente. Pergunta 4: Ao sair da escola, o(a) senhor(a) julga que os alunos estão preparados para se comunicar em diferentes ambientes como: no comércio, em viagens, no trabalho dos pais, em um atendimento médico-hospitalar, ao procurar um endereço, ao dar informação a um estranho, ao se candidatar a um estágio, ao participar de grêmio estudantil, ao representar a escola numa feira de ciências? Por quê? O propósito da questão era que o professor explicasse se os alunos possuem habilidades para utilizar a linguagem em diversas ocasiões e como o professor os tem preparado para isso, ao justificar a resposta. Pergunta 5: Em quais atividades o(a) senhor(a) estimula a auto correção gramatical de textos escritos pelos alunos? Ou correções trocadas, em que um aluno corrige o texto do outro? Como o(a) senhor(a) avalia o resultado? A finalidade da questão era que o professor descrevesse se ele motiva a auto correção do aluno, para avaliar como eles buscam aprofundar o conhecimento sobre as regras de uso da linguagem, ou a correção do 61 exercício do colega, para que analisando a produção do outro, refletisse sobre sua própria utilização de linguagem. A pergunta – como o(a) senhor(a) avalia o resultado – destina-se à percepção do professor sobre o aprendizado, se o método atinge a expectativa de reflexão e análise dos alunos. Pergunta 6: Cite 3 tipos textuais que, na sua opinião, mais desenvolvem a criatividade linguística dos alunos. De que forma o(a) senhor(a) os trabalha? Esta questão pretende mostrar a forma com que o professor trabalha a criatividade dos alunos, na produção textual, caracterizando os tipos que possuem maior foco de aprendizado, despertando a imaginação do aluno, para assim medir a criatividade. Pergunta 7: De que maneira os alunos são motivados por o(a) senhor(a) para desenvolver a autonomia no estudo gramatical? A indagação permitia que os professores refletissem e indicassem se mobilizam os alunos a desenvolver um roteiro ou programação de estudos, com metas de aprendizado individual, sem qualquer menção de nota. No caso do professor desenvolver essa autonomia, poderia compartilhar de que forma acompanha a evolução do aluno. Pergunta 8: Em que atividades o(a) senhor(a) julga que o improviso está presente na aula? A pergunta ao professor está relacionada à criatividade mencionada anteriormente, buscando entender se, de alguma forma, os alunos demonstram improvisar respostas para assuntos desconhecidos, ou pouco aprofundados, se os professores estimulam qualquer atividade de simulação de situação formal, para que o aluno monte alguma estratégia para se comunicar, independente de sua limitação. A pergunta também faz o professor refletir sobre a participação do aluno, se há improviso dele próprio para aumentar a interação e tornar a comunicação mais eficaz. Pergunta 9: Em sua opinião, qual o seu papel como professor em sala de aula? Por quê? A proposta do questionamento era que o professor se auto avaliasse, respondendo sobre a percepção que tem de si mesmo, justificando a resposta de acordo com suas atitudes. Pergunta 10: Que(ais) tipo (s) de atividade(s) o(a) senhor(a) propõe que os alunos façam em grupo para praticar sua fluência na comunicação? A pergunta aborda a forma com que o professor trabalha a atividade em grupo para os alunos praticarem situações de comunicação em que pudesse ser avaliados fluência, o domínio da língua e até mesmo o comportamento do aluno perante a atividade, o que envolve a sociabilidade e a interação conjunta. 62 O questionário não continha identificação do participante que o respondia, para preservá-lo e deixá-lo livre para preencher as questões. O terceiro instrumento de coleta de dados foi a entrevista por anotações (Anexo II). A ideia da entrevista era uma conversa informal com o professor e para dar início a esta conversa foram feitas três perguntas referentes ao ensino comunicativo de língua e depois um bate-papo sobre as respostas do questionário com objetivo de esclarecer as dúvidas das respostas e coletar mais informações para a análise. Conforme Creswell (2007, p. 190) “nas entrevistas, o pesquisador conduz entrevistas face a face com os participantes. Essas entrevistas envolvem poucas perguntas não estruturadas e geralmente abertas, que pretendem extrair visões e opiniões dos participantes.” Por se tratar de uma pesquisa qualitativa, as informações a serem colhidas enriqueceriam ainda mais a pesquisa. Nesta abordagem, a intenção era explorar ainda mais as respostas obtidas no questionário subjetivo, dando ainda mais significado às respostas, com detalhes do que o professor provavelmente não transcreveria para o papel e até mesmo de esclarecer interpretações sobre as respostas escritas. A principal característica da entrevista é a narrativa do professor sobre sua percepção do ensino. As três principais perguntas da entrevista eram: 1 – O(a) senhor(a) já ouviu falar na metodologia de ensino comunicativo da língua?; 2 – O(a) senhor(a) acredita que a forma como a língua é ensinada pelo(a) senhor(a) desenvolve mais a competência gramatical (para o aluno realizar provas, vestibulares, ou concursos) ou a competência comunicativa (comunicação em diferentes ambientes, uso formal e informal da língua...)?; 3 – Em sua opinião, o que seria a competência comunicativa do aluno?; as demais perguntas seriam baseadas nas respostas do questionário. 2.1 COLETA DE DADOS A pesquisa de campo foi realizada no período de novembro de 2011 e março de 2012 e para a coleta de dados foram aplicados questionário, entrevista por anotação e observação de aula com os professores que compõem a amostra. Nas escolas selecionadas, foi necessário o agendamento com a Coordenação Pedagógica e com o próprio professor de língua portuguesa. Paralelamente às observações de aula, era disponibilizado ao professor o questionário, que envolvia 10 questões abertas. 63 Houve a coleta de dados nas observações de aula, com anotações dos momentos de interação do professor com os alunos, da abordagem na explicação de conteúdos, da aplicação e/ou correção de exercícios e a participação efetiva dos alunos. Na descrição das observações e das perguntas do questionário, os professores serão descritos como professor 1 (P1), professor 2 (P2), professor 3 (P3) e professor 4 (P4). O professor 1 entrou em sala de aula, recebeu os alunos, apresentou a autora deste trabalho e pediu que os alunos se comportassem exemplarmente. O P1 interagiu com os alunos, dando-lhes recados da direção da escola sobre a programação de alguns eventos escolares. Em seguida, entrou no conteúdo novo, com uma poesia escrita no quadro, por onde iniciou a discussão. O professor apagou a poesia do quadro e escreveu regras gramaticais referentes ao conteúdo programático. Em alguns momentos, foi notável a dispersão dos alunos com conversas e falta de controle do professor sobre a turma. A turma não respondia os questionamentos do professor. Mesmo com o livro didático em posse dos alunos, o professor reescreveu as questões no quadro. No final da explicação, o P1 passou tarefa para realização em sala. Os alunos questionaram se fazendo o exercício ganhariam ponto para nota. Enquanto resolviam os exercícios, o professor chamou os alunos em sua mesa, para olhar a tarefa da aula anterior. A série verificada foi o 2º ano do Ensino Médio. O professor 2 cumprimentou os alunos na porta e iniciou a aula conversando com os alunos sobre a prova de recuperação. Em seguida partiu para o conteúdo, contextualizando a matéria com a reforma ortográfica, questionou os países que falam português e avisou que o ensino seria inverso na aula, pois os alunos estão acostumados a primeiro aprender a regra e depois aplicá-la. Assim, convidou duas alunas para irem para o quadro e perguntou sobre o conteúdo. As alunas se atrapalharam nas respostas e os colegas participaram informando o que sabiam e montaram as características sobre o conteúdo até chegarem na primeira regra. Assim formularam as demais regras, entre situações do dia a dia e afirmações feitas pelo professor que poderiam ser falsas, mas que os alunos tinham de argumentar. Em seguida, o professor fez ditado de palavras para aplicação das regras aprendidas. A turma assistida foi do 1º ano do Ensino Médio. O professor 3 foi um pouco menos receptivo com os alunos. Afirmou que trabalhariam conteúdo gramatical e que, em seguida, fariam exercícios como treino para prova. Solicitou que os alunos abrissem o livro didático no conteúdo determinado e colocou o texto abordado pelo livro no quadro para introduzi-lo. Em seguida, explicou sobre a matéria e, usando o texto, destacou as características das regras, fazendo algumas perguntas à turma. Somente a mesma aluna respondia as perguntas do professor. Após o 64 término da explicação, o professor questionou se os alunos tinham dúvidas e, como ninguém respondeu, o professor solicitou que os alunos fizessem o exercício também proposto pelo livro didático. A correção coletiva iniciou-se, mas a aula foi encerrada. A observação foi realizada com alunos de 3º ano do Ensino Médio. O professor 4 recebeu bem os alunos e começou a aula corrigindo os exercícios da aula anterior. Os alunos responderam as questões de forma organizada. Em uma determinada questão, surgiu um assunto atual, noticiado por jornal televisivo. O professor aproveitou o assunto, questionou quem possui internet no celular para pesquisar o assunto discutido. Alguns alunos tentaram acessar na hora, mas não foi possível manter a conexão. Em seguida, entraram em conteúdo gramatical novo por meio da leitura de um texto trazido pelo livro didático. Após a leitura, discutiram sobre a interpretação respondendo a questões também propostas pelo livro. O professor explicou sobre as regras gramaticais e em seguida passou exercícios para serem respondidos até o final da aula. A aula era para alunos do 3º ano do Ensino Médio. As questões abertas do questionário foram submetidas a uma análise de conteúdo e posteriormente utilizadas como parte da entrevista por anotações. Na pergunta 1, todos os professores afirmaram estabelecer interação com os alunos antes de entrar em um conteúdo gramatical novo. Em entrevista posterior, os 4 professores afirmaram não estabelecer nenhum tipo de pré-atividade, apenas conversa com os alunos. Dos 4, P1 respondeu esta pergunta do questionário afirmando sempre fazer uma revisão gramatical interativa, ou seja, discutindo conjuntamente o conteúdo já estudado e as aplicações inerentes e futuras a ele. O P2 disse que, antes de aplicar um conteúdo novo, ele busca que os alunos cheguem às regras e ao conceito, com exemplos práticos de utilização, pois parte do princípio que os alunos só aprendem quando há raciocínio sobre os assuntos a serem estudados. O P3 revelou, na entrevista por anotações posteriormente, que apenas no 3º ano do Ensino Médio não costuma resgatar conhecimentos anteriores dos alunos, porque já os acompanha desde o 1º ano e sabe que já trabalhou o conteúdo anteriormente. O P4 afirmou que constrói interação com os alunos perguntando o que eles sabem ou pensam que sabem do tema abordado, guiando-os para o conhecimento esperado. Na pergunta 2, 3 dos professores responderam que a qualquer momento o aluno pode demonstrar sua opinião e que durante todo o processo de aprendizado dão abertura para interferências. Apenas 1 dos professores respondeu que permite a demonstração de opinião do aluno durante a explanação, quando induz o aluno a concluir um assunto. O P1 respondeu a pergunta afirmando que durante toda a aula o aluno pode demonstrar sua 65 opinião, pois a reciprocidade é fundamental para o crescimento de ambos (professor x aluno). O P2 disse que em todo o processo é possível o aluno demonstrar sua opinião e que o problema é que a maioria não quer interagir. O P3 afirmou que durante a explanação ele permite que o aluno demonstre sua opinião, já que é na explanação que ele induz o aluno a concluir um assunto. O P4 ressaltou que em qualquer momento o aluno pode demonstrar a sua opinião, desde que a interferência seja pertinente ao tema. Na pergunta 3, os professores responderam de maneiras diferentes quanto à frequência com que trabalham conteúdos de interesse dos alunos. O P1 colocou no questionário que diariamente trabalha tais conteúdos, defendendo que “se o professor não retratar o seu universo, as aulas perdem o sentido”. O P2 afirmou que trabalha os conteúdos sempre que o assunto deixa espaço para isso e escreve que “na minha matéria é mais fácil porque a literatura facilita tal abordagem”. O P3 disse que trabalha muito pouco tais conteúdos e justifica que o livro didático traz algumas situações em forma de exercícios. Na entrevista por anotações, o professor alegou que no roteiro do livro didático seleciona textos que vão de encontro ao conhecimento do aluno, e possivelmente despertam o interesse com assuntos atuais. O P4 respondeu, durante a entrevista por anotações, que trabalha diversos assuntos semanalmente, mas registrou no questionário que trabalha os conteúdos na literatura e mais frequentemente como temas de redação. Na pergunta 4, 2 professores responderam que sim, 1 professor respondeu que não e 1 professor fez ressalva separando o nível escolar do aluno. O P1 respondeu que não e justificou que “a juventude anda desinteressada, portanto, o conteúdo assimilado por eles é insuficiente para uma entrevista de emprego, nas demais atividades, todos possuem comunicabilidade a sua maneira”. O P2 acredita que na maioria das situações sim, e argumenta que “vivemos em uma sociedade que não prima pelo discurso formal”. O P3 ressalva que “os alunos de 1º ano ainda não desenvolveram essa competência linguística plenamente, utilizam quase que sempre uma única linguagem, a informal, em vários contextos”. Mas, na entrevista por anotações, o professor mencionou que os alunos do 3º ano podem estar mais bem preparados para as diversas situações comunicativas, mas mesmo assim, no geral, não estão. O P4 respondeu que de certo modo sim e defende que a maioria dos alunos já vivencia tais situações no ambiente escolar e fora dele, antes do término do Ensino Médio. Na pergunta 5, os professores não deixam claro que trabalham a auto correção com o aluno. O P1 diz que normalmente corrige os textos e traz para a turma os erros comuns a todos e também faz correções individualmente, porque as brincadeiras preconceituosas são 66 uma constante (em relação a correções trocadas – em que um aluno corrige o texto do outro). O P2 diz que prefere a auto correção, pois os alunos não estão preparados para lidar com o erro do outro e os comentários dos alunos são ferinos. O P3 respondeu que os alunos têm a oportunidade de ler os textos dos outros e executar a correção gramatical por meio da reescrita textual. O P4 diz que normalmente os alunos fazem suas próprias correções através da correção oral coletiva. E que há também o momento de refazer a redação e em exercícios avaliados, há a possibilidade de corrigir as atividades dos colegas. Avalia o resultado como positivo, pois toda forma de se autoavaliar é uma possibilidade de aprendizado. Na pergunta 6, em algumas respostas coincidiram a narração e a descrição. O P1 descreveu que trabalha o texto narrativo, em que lê ou inventa junto com os alunos as crônicas. Contam piadas e ao final analisam a criação conjunta. O segundo mencionado é o texto argumentativo, em que criam redações dissertativas com ou sem a ajuda da internet, após os debates. E o terceiro, o texto expositivo, que é necessário para as pesquisas. O P2, sintetizou descrevendo a dissertação, a narração e a descrição. Afirma que busca pedir a produção dos alunos de acordo com as possibilidades de interação e as imposições de concursos e vestibulares. O P3 disse que trabalha revista em quadrinhos, palavras cruzadas e charges de jornais. O P4 citou a poesia, que estimula a liberdade de criação sem estar presa a convencionalismos. Citou também o texto teatral por ser uma forma de avaliar outros aspectos dos alunos que não os escritos, por exemplo. E a dissertação que desenvolve o senso crítico e o opinar, o estar no mundo. Disse que ao longo dos bimestres cada um deles é trabalhado ou nas atividades de pátio. Na pergunta 7, 3 professores mencionaram a leitura e 1 professor disse que não desperta a autonomia no estudo gramatical. O P1 acredita que desenvolve a autonomia no estudo gramatical dos alunos por meio da leitura e pelos conceitos transmitidos através dos textos. O P2 afirmou que peca neste ponto, pois não estimula os alunos a desenvolver autonomia. O P3 ressaltou que estimula os alunos por meio de atividades que requeiram a visita à biblioteca (o que não deixa de ser por meio da leitura). E P4 afirmou que através da leitura de textos variados e exercícios em sala e atividades do livro e sempre pela autocorreção. Na pergunta 8, não houve consenso entre os professores na resposta. O P1 respondeu o questionário dizendo que a aula é um verdadeiro improviso, em que “temos que aproveitar a suscetibilidade do aluno, mesmo com a aula preparada, às vezes temos que modificar todo o roteiro”. Em entrevista por anotações, o professor argumentou que a 67 participação dos alunos é mínima, o comportamento deles é rebelde, mas que são inteligentes quando trazem algo interessante, por isso o professor aproveita o momento e improvisa algo que possa despertar-lhes a atenção. O P2 afirmou que o improviso está presente na produção de textos e nos exercícios gramaticais. O P3 colocou no questionário que o improviso está presente na divisão de leitura coletiva de um texto, mas em entrevista registrada disse que os alunos são tímidos e poucos se aventuram em improvisar falar o que não sabem. Por isso a redação explora este aspecto. Oralmente, o aluno “tem vergonha de ser zoado”. O P4 alegou no questionário que o improviso é parte importante da aula expositiva, porém, planejada, pois lidando com adolescentes, vários temas são levantados em classe durante uma aula. Na entrevista por anotações, o professor afirmou que dá liberdade para que os alunos compartilhem seu conhecimento, seja numa resposta improvisada ou simplesmente quando os alunos se arriscam a responder suas perguntas. Na pergunta 9, cada professor se auto designou de uma forma, com palavras diferentes mas com sentidos parecidos. O P1 acredita que seu papel em sala de aula é despertar o interesse na pesquisa para que o aluno aprenda por meio de seu esforço. O P2 disse que seu papel é de instigador do conhecimento, “porque só aprende de verdade aquele que o busca”. O P3 afirmou que possui o papel de motivador, pois os alunos ainda não têm um norte a perseguir, e por isso “nós devemos mostrá-los”. O P4 colocou que seu papel é de intermediário entre o conhecimento e a prática, “porque o professor não é o único detentor de saber em classe”. Na pergunta 10, sobre as atividades que propõem para o aluno praticar sua fluência, os professores forneceram várias propostas. O P1 colocou apresentação de trabalhos, sinopse de filmes, dinâmicas e compreensão de textos. O P2 alegou que faz discussão do conteúdo e resolução de exercícios em grupo. O P3 realiza seminários sobre um tema anteriormente proposto ou ainda a dramatização de uma peça teatral. O P4 faz debates sobre temas polêmicos que se tornam suporte teórico para as produções textuais. Em entrevista por anotações, o P4 afirmou que tenta policiar a formalidade da comunicação e que normalmente precisa intervir, visto que os assuntos polêmicos discutidos, às vezes, viram brigas ou confusão. Na entrevista por anotações, foram realizadas 3 perguntas básicas a todos os professores. A primeira pergunta questionava se o professor já tinha ouvido falar em uma metodologia de ensino comunicativo da língua. De forma unânime, todos responderam que não. A segunda pergunta referia-se ao que os professores denominam como competência comunicativa. O P1 respondeu que trata-se do aluno que consegue ler e escrever de forma 68 objetiva. O P2 disse que os alunos se comunicam o tempo todo, principalmente nas redes sociais da internet. O P3 acredita ser a competência linguística para vários contextos e que as variantes linguísticas têm maior valor para a literatura que para a gramática. E o P4 se posicionou afirmando que na oralidade, os alunos conseguem transitar por níveis diferentes de comunicação, mas não na escrita formal. Por fim, a terceira pergunta questionou se o professor acredita que a sua forma de ensino da língua desenvolve mais a competência gramatical (para provas e vestibulares) ou a competência comunicativa (habilidades de comunicação em diferentes ambientes, com uso formal e informal). Os professores se dividiram na resposta. O P1 afirmou que por mais que leve seus alunos para o laboratório de informática para trabalhar a comunicação, por meio da interação escrita, não consegue atingir um nível de formalidade. Por isso acredita que desenvolve mais a competência gramatical, deixando a competência comunicativa de lado. O P2 afirma que os próprios alunos desenvolvem a competência comunicativa, já que interagem o tempo todo, principalmente por meio da tecnologia a que têm acesso. O P3 respondeu que sem dúvida é a gramatical. E P4 alegou que trabalha mais a gramatical, por conta das exigências curriculares, mas que tenta explorar também a oralidade trazida pelos alunos. 2.2 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Esta pesquisa buscou verificar, em sala de aula, quais pressupostos defendidos por Richards (2006) como fundamentos de prática do ensino comunicativo são passíveis de observação na conduta dos professores através da triangulação de três tipos de dados: a observação de aula, o questionário e a entrevista por anotações. Esta pesquisa visa demonstrar que a escolarização da língua envolve muito mais aspectos que o ensino gramatical e que, com a evolução da linguística, principalmente com a contribuição da Sociolinguística, é possível repensar as metodologias de ensino que despertem nos professores a vontade de preparar seus alunos não só para processos avaliativos, mas também para a contextualização da prática escolar, desenvolvendo nos alunos sua competência comunicativa. Cada pergunta direcionada do questionário refere-se a um princípio da corrente de ensino comunicativo proposta por Richards (2006), que puderam ser analisados conforme a triangulação de dados, para melhor avaliação dos resultados, visto que, por mais que o professor afirme no questionário ter uma conduta com os alunos dentro de sala, é possível 69 que suas atitudes sejam incoerentes, ou mesmo que ele não deixe claro seu comportamento por meio do questionário e complemente estas informações por meio da entrevista. Na forma original, serão discutidos os princípios de Richards e cada pergunta do questionário, retomando-se a metodologia que visa a desenvolver a competência comunicativa do aluno. Em relação ao princípio 1, “o aprendizado da segunda língua é facilitado quando os alunos estão envolvidos na interação e significativa comunicação” (Richards, 2006, p. 20), foi questionado: “ao aplicar um conteúdo, como o(a) senhor(a) constrói a interação com os alunos? De que maneira o(a) senhor(a) resgata as experiências e/ou conhecimentos anteriores dos alunos?” Os quatro professores responderam que estabelecem vínculo comunicativo com alunos, mas observando-se a aula, a interação não ocorre exatamente sobre o assunto. O P1 colocou no quadro uma poesia, começou a demonstrar conceitos, escrevendo-os no quadro, solicitando aos alunos que formulassem frases para discutir as situações. Não houve resgate de conhecimentos anteriores. Já o P2 estabeleceu interação, não apenas perguntando o que os alunos sabiam sobre o conteúdo, mas levando-os para o quadro para demonstração do que sabiam na prática, para que pudessem formular ou explicar a regra gramatical. O P3 não estabeleceu qualquer interação, introduziu o assunto e em seguida solicitou a resolução de exercícios. O P4 propôs a leitura de um texto para conversarem sobre o tema e em seguida exploram o novo assunto. Os professores mantêm interação com o aluno, mas o ensino comunicativo, como proposto por Richards, preconiza que o aprendizado é resultado da interação com o aluno, havendo uma criação colaborativa de significado, negociando este significado por meio de diferentes maneiras de dizer as coisas chegando a um entendimento, dando um feedback ao aluno quando utilizam o conteúdo a ser assimilado e tentando incorporar novas formas para desenvolver a competência comunicativa do aluno. Pela fala e observação dos professores, existe a confirmação de que, de maneira geral, os professores inibem a ação participativa do aluno. Pois a rotina de acúmulo de definições, regras, classificações e exceções gramaticais fazem com que o aluno não se interesse pelo conteúdo e não se esforce para interagir com o professor. Os professores não estabelecem uma pré-atividade para introduzir um conteúdo gramatical novo para estabelecer a interação comunicativa, gerando criação de significado. É evidente nas ações dos professores que eles não estimulam o conhecimento na troca de informações e que não acostumam o aluno a buscar o conhecimento prévio do conteúdo a ser abordado. Esta é uma característica do Estruturalismo, em que o conteúdo é estrutura separada dos enunciados reais (comportamento), onde não há uma interação, inclusive para 70 a aplicação do que está sendo ensinado. Sobre este princípio do ensino comunicativo, o destaque ocorreu na prática do P2 que motivou a participação dos alunos, por meio da interação, logo na introdução do novo conteúdo, convidando-os ao quadro para mostrarem exemplos práticos de comunicação, induzindo-os a contextualizar regras gramaticais de acordo com o que entendiam sobre o uso. Ou seja, realizou a interação e a comunicação foi significativa, pois ao término da “elaboração” da regra gramatical, os alunos anotavam no caderno o que haviam concluído, gerando uma definição do consenso da turma. No princípio 2, Richards menciona que no ensino comunicativo de língua as “tarefas em aula efetivam a aprendizagem e os exercícios proporcionam oportunidades aos estudantes para negociar significado, expandir seus recursos de linguagem, perceber como a linguagem é usada e tomar parte em sentido intrapessoal de troca” (2006, p. 20). A pergunta 2 do questionário foi: “Em que momento de sua aula, o(a) senhor(a) permite que o aluno demonstre sua opinião?”. Apenas 1 dos professores respondeu que permite a demonstração de opinião do aluno durante a explanação. Os demais responderam que a qualquer momento o aluno pode demonstrar opinião e que durante todo o processo de aprendizado dão abertura para interferências. Porém notou-se que os alunos não participam efetivamente da aula. O P1 não tinha muito controle sobre as conversas paralelas dos alunos e gritava para obter atenção. Quando fazia perguntas sobre o conteúdo, os alunos silenciavam e só retiravam dúvidas, na resolução de exercícios, porque não se atentaram à explicação. Mesmo assim, o professor não dá oportunidade para o aluno pensar e aprender por si, o professor praticamente dá a resposta para o exercício. O P2, por conta da motivação de participação dos alunos, administra as colocações dos alunos, a troca de conhecimento, as dúvidas que surgem. Incentiva a expansão de recursos de linguagem quando questionado, dando respostas inconsistentes para que o aluno discuta sua resposta, concordando ou não, baseando-se no que sabe ou no que se arrisca a entender. Por mais que o professor tenha dito na entrevista que os alunos não querem interagir, ele os conduz. As atitudes deste professor são mais abertas ao ensino comunicativo, pois pela observação notou-se como seu objetivo é que o aluno se esforce para absorver o conteúdo. Esta conduta aproxima-se do ideal da metodologia proposta neste trabalho. O P3 possui uma postura impositiva, o que faz com que a participação dos alunos seja mínima ou que as respostas às perguntas sejam mecânicas. É o professor que permite que o aluno demonstre sua opinião na explanação. A postura deste professor representa o consenso do papel do professor perante a escola e a sociedade, em que o professor atua como um exemplo de conhecimento especializado, lançando a matéria e o aluno faz exercícios de fixação, bem 71 repetitivos, de acordo com o livro didático, para aprenderem por meio da memorização e repetição. A observação da aula comprova que o professor não se preocupa em fazer com que o conteúdo aprendido tenha algum significado prático. O P4 discutiu e encerrou o conteúdo de maneira esclarecedora, mas não se aprofundou no conhecimento adquirido pelo aluno e os deixou fazendo exercícios de fixação propostos pelo livro didático, com a mesma atitude do professor 3. Evidencia-se, na metodologia proposta por Richards, que “a comunicação significativa para o aluno fornece uma oportunidade melhor para aprender do que através de uma abordagem baseada na gramática”. Isso quer dizer que, muitas vezes, o livro didático pode não trazer a comunicação real, que proporcione aos alunos experimentar e testar o que sabem. Na teoria, Richards afirma que para construir a competência comunicativa dos alunos, os professores têm que ser tolerantes com os erros dos alunos, indicando o crescimento do aluno, proporcionando oportunidades para o aluno vincular as diferentes habilidades de falar, ler e ouvir juntos, permitindo que os alunos induzam ou descubram as regras gramaticais. Mais uma vez, identificou-se nas ações do professor 2 as características do ensino comunicativo de língua. É importante mencionar que, principalmente por meio das observações de aula, ficou evidenciado que os professores apenas lançam os exercícios e os corrigem oralmente e não proporcionam aos alunos o desenvolvimento do espírito crítico ou da negociação de significado, mencionado por Richards. A conduta é igual em todas as práticas, exceto pelo professor 2, ratificando a atitude dos professores que realmente inibem a forma de expressão do aluno, o que faz com que o aluno não dê opinião na resolução de exercícios, porque não foi incentivado a pensar/refletir sobre a prática comunicativa. Luft (1998, p. 92) critica o ensino gramaticalista afirmando que “por força de teorias gramaticais, puristas, reacionárias, quantas pessoas arrastam pela vida preconceitos que lhes bloqueiam a livre expressão. Nunca se sentem à vontade no terreno que mais lhe pertence: a sua língua de berço”. E defende que “o ensino tradicional da língua materna tende a incutir no aluno a obsessão do erro, em vez de liberar os poderes de linguagem e aprimorar a competência comunicativa”. A observação de aula comprova esta afirmativa de Luft (1998). No princípio 3 da metodologia, Richards (2006, p. 20) afirma que “a comunicação significativa dos estudantes resulta do processamento do conteúdo relevante, proposital, interessante e cativante”. Por esta razão, questionou-se na pergunta 3: “Com que frequência o(a) senhor(a) trabalha conteúdos que trazem assunto do interesse do aluno (redes sociais, esportes, televisão, sexo, biografias curiosas, entre outros)?”. Frequentemente os professores afirmam trabalhar com conteúdos atrativos, com exceção do professor 3 que 72 respondeu o questionário afirmando que trabalha muito pouco tais assuntos porque o livro didático já traz textos interessantes. Nas aulas assistidas, os conteúdos foram desenvolvidos sem o auxílio de um texto que trouxesse maior interesse ou interação dos alunos ou provocasse uma discussão não só do conteúdo gramatical, mas da aplicação da gramática ao texto, e da abordagem do tema, com possíveis interpretações. Verificou-se, pela fala dos professores na entrevista, com exceção do P3 que deixou claro que não busca materiais além do livro didático, que eles procuram trazer assuntos atuais, notícias para serem discutidas, na tentativa de formação de opinião do aluno. É de se comentar que não foi possível observar esta conduta, pois conforme afirmado, nas aulas observadas, os professores não utilizaram esta ferramenta de estudo. Associando os estudos de Richards, a leitura de textos que contextualizem situações comunicativas e despertem o interesse do aluno desenvolvem a fluência comunicativa através da negociação de significado por debates, em que os alunos usem estratégias de comunicação, corrigindo mal entendidos e trabalhem para evitar falhas de comunicação. Richards (2006, p. 13) menciona atividades voltadas para a fluência em que se possa refletir sobre o uso natural da língua, que haja foco no desenvolvimento de uma comunicação, que se possa exigir o uso significativo da linguagem, bem como de estratégias de comunicação, além de produzir linguagem que não possa ser previsível e que use a linguagem para ligação de contexto. O princípio 4, “a comunicação é um processo holístico que muitas vezes apela ao uso de várias habilidades de linguagem ou modalidades”, gerou a formulação da questão 4: “Ao sair da escola, o(a) senhor(a) julga que os alunos estão preparados para se comunicar em diferentes ambientes como: no comércio, em viagens, no trabalho dos pais, em um atendimento médico-hospitalar, ao procurar um endereço, ao dar informação a um estranho, ao se candidatar a um estágio, ao participar de grêmio estudantil, ao representar a escola numa feira de ciências? Por quê?”. Os professores se dividiram nas respostas do questionário, quando 2 afirmam que sim, 1 afirma que não e 1 separou o nível escolar para dizer que os alunos de 1º ano não estão preparados, mas que os de 3º podem estar. É bastante notável, nas observações de aula, que nenhum dos professores busca experimentar situações comunicativas para simular o desenvolvimento do aluno em ambientes mais formais. Os professores se mantêm alicerçados pelas propostas do livro didático. Quando o P1 se justificou no questionário disse que “a juventude anda desinteressada e todos possuem comunicabilidade a sua maneira”. Esta afirmação gera indagações sobre o papel deste professor na educação escolar. Se o professor não cria uma metodologia que fuja às prescrições de ensino, trazendo a atenção dos alunos para o contexto a ser trabalhado, o 73 aprendizado fica comprometido. O P2, embora acredite que os alunos estejam preparados para diferentes situações, argumenta que “vivemos em uma sociedade que não prima pelo discurso formal” e em sala de aula demonstrou usar situações reais como exemplos para o aprendizado gramatical, mas não em um modelo formal. O P3 comentou que “os alunos de 1º ano ainda não desenvolveram essa competência linguística plenamente, utilizam quase que sempre uma única linguagem, a informal, em vários contextos”, mas notou-se que no 3º ano não é diferente. Em sala de aula, os alunos não se comportam de maneira formal e o professor não exige isso deles. O P4 alegou que os alunos estão preparados para diversas situações, mas em sala de aula não demonstrou que os prepara para isso, pois apenas realiza a leitura de um texto, explica o conteúdo e solicita a resolução de exercícios de fixação. Esta conduta dos professores remete a atitudes relacionadas ao gerativismo, que se fundamenta na capacidade inata dos falantes de se comunicar. Os professores tendem a acreditar que não necessitam desenvolver nos alunos a capacidade de comunicação em situações formais, simulando contextos aproximados à realidade, como por exemplo, uma entrevista para uma vaga de emprego. De acordo com a proposta de Richards (2006, p.19), “desde a sala de aula, a linguagem é concebida como uma preparação para a sobrevivência no mundo real e a comunicação real é uma característica definidora do ensino comunicativo de língua” por isso, as atividades em sala de aula devem, sempre que possível, espelhar o mundo real, como base de aprendizagem. Isso pode ser associado também aos estudos da Sociolinguística educacional proposta por Bortoni-Ricardo (2005, p. 133), em que “um sociolinguista, com perspectiva neutra, poderá contribuir para identificação das variedades que podem ser trabalhadas para lapidar um modelo adequado de ensino comunicativo”, o que geraria situações contextualizadas para que o aluno desenvolvesse a prática comunicativa. Pelo que se pôde observar na conduta em sala de aula, os professores pouco demonstraram, na prática, que desenvolvem as habilidades de comunicação de seus alunos. Com isso, o princípio quatro não se confirmou nas atitudes dos professores. Baseado no princípio 5, “Aprendizagem de línguas é facilitada tanto por atividades que envolvem indução como através da descoberta de regras subjacentes ao uso da linguagem e organização, bem como por aquelas que envolvem a análise de linguagem e reflexão” (Richards, 2006, p. 20), a questão 5 abordou: “Em quais atividades o(a) senhor(a) estimula a auto correção gramatical de textos escritos pelos alunos? Ou correções trocadas, em que um aluno corrige o texto do outro? Como o(a) senhor(a) avalia o resultado?”. No questionário, os professores não deixam claro que trabalham a auto correção com o aluno. 74 O entendimento sobre a auto correção talvez não tenha ficado claro, pois a prática comum dos professores é, após o término da resolução de exercícios, ou tarefas realizadas em casa pelo aluno, fazer a correção dos exercícios em conjunto. A condução da entrevista tentou direcionar a pergunta para a autocorreção, por meio de pesquisa e defesa do aluno sobre o preenchimento correto dos exercícios, mas as respostas dos professores apontaram que o exercício é sempre resolvido coletivamente e que eles não desenvolvem esta característica da metodologia comunicativa. Os quatro professores mencionaram que não incentivam a correção trocada entre alunos, porque os estudantes não possuem maturidade para lidar com os erros dos próprios colegas, porque levam na brincadeira. Quando o P3 destacou que os alunos têm a oportunidade de ler os textos dos outros e executar a correção gramatical por meio da reescrita textual, seu discurso se contradiz na entrevista por anotações porque, na verdade, entrega os textos corrigidos para os alunos reescreverem. Os estudantes não fazem correção própria, buscando descobrir as regras de organização da linguagem e nem a reflexão desta organização. Porém, para Richards (2006), além da prática de fluência, já mencionada na pergunta 3, a prática de acuidade poderia contribuir para alcançar uma reflexão do uso da linguagem em sala de aula, para a concentração na formação de exemplos corretos da língua, para a prática da linguagem fora do contexto, para a prática de pequenas amostras de linguagem que não requerem comunicação significativa, nas quais a escolha da linguagem é controlada. Com o balanço das atividades de fluência e acuidade é possível desenvolver atividades, principalmente em grupos, que contribuam para o desenvolvimento da competência comunicativa do aluno. O princípio 6 afirma que “Aprendizagem de línguas é um processo gradual que envolve o uso criativo da linguagem, da tentativa e do erro. Embora os erros sejam um produto normal de aprendizagem, o objetivo final é ser capaz de usar o idioma tanto preciso como fluente”. O princípio resultou na questão 6: “Cite 3 tipos textuais que, na sua opinião, mais desenvolvem a criatividade linguística dos alunos. De que forma o(a) senhor(a) os trabalha?” Os conceitos de fluência e acuidade foram abordados nas questões 3 e 5, respectivamente. O foco do questionamento foi a produção textual, na qual o aluno pode demonstrar criatividade a partir de tipos textuais que possuem maior foco de aprendizado. Em algumas respostas dos professores coincidiram a narração e a descrição. Este princípio é mais fácil de ser notado nas atitudes de todos os professores que participaram da pesquisa, por meio da conversa na entrevista, porque são auxiliados pelo material didático que aborda textos narrativos, dissertativos, expositivos, argumentativos, entre outros, textos estes que trazem incentivos para que o aluno escreva criativamente em 75 determinado tipo textual. Constatou-se, pela fala de cada um, que os professores seguem o programa pedagógico e, ao mesmo tempo, tentam desbloquear o aluno para uso da criatividade. Há de se comentar que os professores inibem a ação comunicativa oral dos alunos, mas tentam desenvolvê-la na escrita, seguindo orientação pedagógica e requisito para vestibulares. Richards (2006) acredita que o ensino comunicativo da língua começa um movimento longe dos formatos de aula tradicional, nos quais o foco era apenas o domínio de diferentes itens de gramática e da prática através de atividades controladas. Isto demonstra que há atividades a serem desenvolvidas pelos professores que podem estimular a criatividade linguística dos alunos não só na comunicação oral, mas também na produção textual para que o aluno sinta gosto pelo que está escrevendo. O princípio 7 afirma que “os alunos desenvolvem as suas próprias rotas para a aprendizagem de línguas, gerando níveis diferentes de progresso, diferentes necessidades e motivações para a aprendizagem de línguas”. A pergunta 7 do questionário abordou: “De que maneira os alunos são motivados por o(a) senhor(a) para desenvolver a autonomia no estudo gramatical?”. Os professores responderam por meio do questionário que desenvolvem a autonomia de aprendizado dos alunos por meio de indicações de leitura e apenas o P2 respondeu que não motiva o aluno a desenvolver autonomia para a aprendizagem, admitindo pecar neste aspecto. Por meio da entrevista, os professores, mais uma vez, se contradizem porque formulam estudos direcionados, através da leitura, ou seja, o aluno não é cobrado, em sala de aula, para compartilhar com os colegas um aprendizado que tenha sido obtido por meios próprios, como uma meta de aprendizado individual, sem qualquer menção de nota. Além disso, nas observações de aula, verificou-se que todos os professores entregam aos alunos o conteúdo pronto ao invés de facilitar o aprendizado por meio de pesquisa prévia. Esta atitude ratifica que os professores não preparam os alunos para o estudo autônomo, o que traria benefício no tempo de aula, pois, teoricamente, os alunos já teriam um conhecimento anterior. Para Richards (2006), o aluno também passa a assumir um novo papel de participação baseado em cooperação e não mais em aprendizado individual. No ensino comunicativo da língua, o aluno tem que tornar-se confortável com a escuta de seus colegas, ao invés de confiar no professor como um modelo. Assim, assumem maior grau de responsabilidade pela sua própria aprendizagem. E os professores se tornam facilitadores e monitores deste aprendizado. Em relação ao princípio 8, a “aprendizagem de línguas bem sucedida envolve o uso de uma aprendizagem eficaz e estratégias de comunicação”, a pergunta 8 do questionário indagou: “Em que atividades o(a) senhor(a) julga que o improviso está presente na aula?”. 76 O entendimento dos professores, no primeiro momento, guiou a resposta no questionário, como se a pergunta estivesse relacionada ao improviso metodológico, mas a intenção era referente às estratégias de comunicação do aluno, que apesar de suas limitações, consegue improvisar respostas para assuntos desconhecidos e a partir disso o professor pode testar situações formais, para que o aluno monte alguma estratégia para se comunicar. A pergunta refere-se a situações comunicativas, em que a linguagem utilizada não é previsível e a resposta a estas situações gera improviso de comunicação. Por isso, não houve consenso dos professores na resposta escrita. Não houve direcionamento desta pergunta durante a conversa, na entrevista, porque as respostas e observações anteriores revelaram que os alunos, por não terem participação efetiva, como consequência da inibição de expressão, causada pelos professores, não improvisam na comunicação, como forma de estratégia. O P1, no questionário afirmou que a aula é um verdadeiro improviso e que, por mais que tenha preparado a aula, tem que explorar o momento de participação dos alunos e improvisar algo que possa despertar-lhes a atenção. Em aula, este comportamento não pôde ser observado. O P2 levou o sentido do termo improviso para a produção textual e exercícios gramaticais. Pode-se considerar que, se os alunos verdadeiramente utilizam de estratégias na produção textual, eles condescendem com o princípio de Richards. O P3 colocou no questionário que o improviso está presente na divisão de leitura coletiva de um texto, mas isso não pode ser considerado improviso nem em metodologia, nem em comunicação, afinal o texto vem pronto para ser lido, independente da leitura individual ou coletiva. Em entrevista, o P3 disse que os alunos são tímidos e poucos se aventuram a improvisar, a falar o que não sabem. Oralmente, o aluno “tem vergonha de ser zoado”. Este professor, em aula, não pareceu ser muito aberto ao diálogo com os alunos, impossibilitando a observação de atitudes características da abordagem comunicativa. O P4 entrou em contradição no questionário, pois afirmou que o improviso é parte importante da aula, porém, quando planejado. É muito pouco provável planejar ações de improviso. Porém, para esclarecer, na entrevista por anotações, o professor afirmou que os alunos têm liberdade para improvisar o raciocínio, mas que isso nem sempre ocorre. Não ocorre por que o professor não os surpreende com simulações de situações para averiguar como se sairiam. Raramente, os professores demonstram atitudes características do funcionalismo, que analisa as situações discursivas e conforme já mencionado por Cunha (2008, p. 158) “reflete uma adaptação, pelo falante, às diversas situações comunicativas”. Richards (2006) acredita que, no ensino comunicativo de língua, há três tipos de prática que levam os alunos a este comportamento: a prática mecânica – esta em que os professores controlam as 77 atividades, sem que o aluno perceba ou compreenda a língua que está usando, por conta de exercícios de repetição; a prática significativa – em que o controle ainda é fornecido, mas os alunos são obrigados a fazer escolhas significativas na realização da prática de atividades e, por fim, a prática comunicativa – em que as atividades são dadas dentro de um contexto real e a comunicação é o foco e a linguagem utilizada não é totalmente previsível. Associando à abordagem comunicativa, como exposta por Richards, os alunos possuem uma prática mecânica na qual não necessitam utilizar estratégias de comunicação. Apenas o professor 2 fez menção ao improviso nas atividades de escrita. O princípio 9 afirma que “o papel do professor é o de um facilitador, que cria numa sala de aula um clima favorável à aprendizagem de línguas e oferece oportunidades para os estudantes usarem e praticarem a linguagem, refletindo sobre o seu uso” (Richards, 2006, p. 20). Este princípio gerou a pergunta 9: “Em sua opinião, qual o seu papel como professor em sala de aula? Por quê?”. Na intenção de que cada professor se auto avaliasse e dissesse a percepção que tem de si mesmo, cada um se auto designou de uma forma, com palavras diferentes, porém, com sentimentos semelhantes. O P1 acredita que seu papel em sala de aula é o de despertar o interesse, a pesquisa para que o aluno aprenda por meio de seu esforço. Por questões anteriores e sua fala, foi possível observar que este professor pode despertar o interesse, a pesquisa, mas não induz os alunos a se desenvolverem sozinhos, tornando-os autônomos. Suas atitudes em sala revelam que ele segue as abordagens tradicionais. O P2 disse que seu papel é de instigador do conhecimento, “porque só aprende de verdade aquele que o busca”. As atitudes do P2 condizem com as do P1, que se avaliou da mesma forma. O P3 afirmou que possui o papel de motivador. Durante a aula, pôde-se perceber que o professor é tão preso às instruções do livro didático que se o livro não trouxer propostas interessantes de atividades, o professor mesmo não vai motivá-los a buscar algo novo. É contraditório o seu discurso com suas atitudes em sala. O P4 colocou que seu papel é de intermediário entre o conhecimento e a prática, prática esta também prescrita pelo livro didático. Não que o livro não seja importante, mas ficar preso apenas em algo pronto não demonstra atitudes daquele que desperta para a pesquisa, ou de instigador, motivador e intermediador. As características do estruturalismo casadas com as do gerativismo geraram nestes professores suas atitudes tradicionais, segundo as quais o professor na sociedade é visto como modelo e não como facilitador de aprendizagem. Os professores carregam os atributos do ensino tradicional, segundo os quais o professor é o detentor do conhecimento e possui a tarefa de transmitir o conhecimento, sobrecarregando o aluno de exercícios. Em consequência, o aluno apenas decora a matéria para reproduzi-la 78 em provas escolares, sendo este o modelo ideal de aprendizado. A metodologia é lógica e sequencial, não há uma técnica. A matéria é comunicada automaticamente. O conteúdo, muitas vezes, é desvinculado dos interesses dos alunos e dos problemas reais da sociedade. Além disso, se o aluno não aprende, é visto como incapaz. No ensino comunicativo da língua, Richards (2006) destaca que os professores têm que assumir o papel de facilitador e monitor e que, ao invés de ser um modelo de fala e escrita correta e ter a responsabilidade primária de fazer os alunos produzirem frases sem erros, o professor deve desenvolver uma visão diferente dos erros dos alunos e de seu próprio papel no sentido de facilitar a aprendizagem de línguas. Nenhum dos professores observados possui esta característica. No princípio 10, “A sala de aula é uma comunidade onde os alunos aprendem através da colaboração e da partilha” e o questionamento da pergunta 10 foi: “Que(ais) tipo(s) de atividade(s) o(a) senhor(a) propõe que os alunos façam em grupo para praticar sua fluência na comunicação?”. A pergunta visa ao envolvimento e à sociabilidade do aluno, na interação conjunta entre os alunos. Os professores responderam com várias propostas, que não coincidiram, mas que são bem interessantes. O P1 afirmou que desenvolve a apresentação de trabalhos, sinopse de filmes, dinâmicas e compreensão de textos. Só não foi possível ter esta perspectiva por conta da falta de controle do professor sobre a turma. O professor que, durante a aula, grita o tempo todo para obter a atenção dos alunos não passa credibilidade de que desenvolve dinâmicas sem perder o controle do processo. O P2 alegou que faz a discussão do conteúdo e a resolução de exercícios em grupo. Este aspecto pode condizer com a prática de ensino comunicativo de língua, já que para resolver exercícios em grupo, os alunos podem partilhar conhecimento do que aprenderam e ensinar o colega com dificuldade. O P3 realiza seminários sobre um tema anteriormente proposto ou ainda a dramatização de uma peça teatral. Esta atitude também condiz com o ensino comunicativo. O P4 faz debates sobre temas polêmicos que se tornam suporte teórico para as produções textuais. Este costume também se confirma no ensino comunicativo. Embora o período de observações não tenha proporcionado a visão prática destas atitudes dos professores, é possível deduzir que os professores condizem com a proposta do ensino comunicativo, pois mesmo no ensino tradicional, faz parte da metodologia e das recomendações do livro didático estes momentos de trabalho em grupo, proporcionando a interação dos estudantes. Richards (2006) acredita que, a maioria das atividades do ensino comunicativo de língua são projetados para serem realizados em grupos ou em pares. São considerados benefícios desta ação o fato de que os alunos podem produzir a linguagem mais do que usariam com o 79 professor, de que o nível de motivação aumenta e de que estes alunos terão a chance de desenvolver a fluência e consequentemente a competência comunicativa. Na entrevista por anotações, os quatro professores foram questionados se acreditam que a forma como a língua é ensinada por eles desenvolvem mais a competência gramatical (para realização de provas, vestibulares ou concursos) ou a competência comunicativa (habilidades de comunicação em diferentes ambientes, distinguindo o uso formal e informal da língua). Por unanimidade, os professores responderam que desenvolvem a competência gramatical do aluno. Richards (2006) separa as competências e define-as: a competência gramatical refere-se ao conhecimento capaz de desenvolver a produção de sentenças em uma linguagem. A unidade de análise e prática é tipicamente a sentença. E não é claramente tudo o que está envolvido na aprendizagem de uma língua. Já a competência comunicativa inclui outros aspectos do conhecimento da língua, como o saber utilizar a linguagem em diferentes propósitos e funções, saber como variar o uso da linguagem (formal e informal, oral e escrita), saber como produzir e compreender diferentes tipos de textos e saber como manter a comunicação, apesar das limitações no conhecimento da linguagem. Por meio desta pesquisa, foi possível observar que há elementos do ensino comunicativo consistentemente ausentes nas aulas de gramática e os dados revelam que pelo menos 6 princípios propostos por Richards (2006) não foram preenchidos por nenhum professor, o que impediu a análise de todas as características comunicativas mencionadas na metodologia de ensino comunicativo. De forma resumida, as características identificadas nos professores de português, que podem ser assimiladas aos traços do ensino comunicativo de língua podem ser visualizadas na tabela 1. Tabela 1 – Lista de pressupostos que norteiam a metodologia de ensino comunicativo da língua X Professores que preenchem as características dos pressupostos Princípios Professor 1 Professor 2 1: interação/comunicação X 2: tarefas/troca/significado X 3: conteúdos cativantes Professor 3 Professor 4 80 4: habilidades de linguagem 5: atividades/indução/reflexão 6: criatividade/fluência X X X X X X X 7: rotas de aprendizagem 8: estratégias de comunicação 9: papel do prof = facilitador 10: comunidade / colaboração Como pode se ver na tabela, alguns elementos do ensino comunicativo de língua já são praticados pelos professores. O professor que mais preencheu aos requisitos foi o número 2. Isso demonstra que a escolarização da língua envolve um ensino contextualizado, mas não aprofunda o conhecimento do aluno, que está mais propenso ao aprendizado gramatical. A forma de ensino da língua é herança que se explica através dos estudos da linguística, mencionados no capítulo 1. Se foi notável a ausência de características do ensino comunicativo da língua, que desenvolvem a competência comunicativa do aluno, por outro lado, foi possível verificar características presentes nos movimentos linguísticos anteriores, percorridos cronologicamente no referencial teórico. De forma geral, os professores têm traços do estruturalismo, em que a língua é analisada em sua forma estrutural, formada de elementos coesos, inter-relacionados, que funcionam a partir de um conjunto de regras de organização, um sistema, uma estrutura. Observou-se nas atitudes dos professores, ao ensinar gramática aos alunos, que, por seguirem o conteúdo abordado pelo livro didático, enraizados nesses conceitos de organização, os educadores propõem a análise da estrutura de frases prontas que se encaixam na organização e no funcionamento da língua, mediante a combinação do significante e do significado, discernindo elementos que aparecem no mesmo contexto. Ou seja, a escolarização da gramática se dá por meio do estudo de sentenças em que os elementos da língua são definidos de acordo com sua posição na totalidade da língua. E, sob este ponto de vista estrutural, Costa (2008, p. 115) acredita que ficam exclusas as relações entre “língua e sociedade, língua e cultura, língua e distribuição geográfica, língua e literatura ou qualquer outra relação que não seja absolutamente relacionada com a 81 organização interna dos elementos que constituem o sistema linguístico”. Na prática, não pôde ser verificado como este ensino virou comunicação, pois ao término de cada explanação foi solicitada aos alunos a resolução de exercícios, o que não proporcionou a discussão comunicativa. Além das descrições do estruturalismo, também foi possível observar, na conduta dos professores, fatores relacionados ao gerativismo, que acrescenta ao estruturalismo o funcionamento da mente, que na prática, é o que os alunos produzem de exemplos para serem trabalhados pelos professores. Além disso, conforme o conceito de competência linguística definido por Chomsky, os alunos possuem conhecimento de sua língua, o que lhes permite gerar e compreender as mensagens, independente do contexto comunicativo ou das variáveis sociais que influenciam a linguagem. O movimento linguístico que mais se aproxima da proposta de Richards (2006) como ideal, mas muito pouco notável na forma como os professores dão aula de português é o funcionalismo, que estuda a relação entre a estrutura gramatical e os diferentes contextos comunicativos, ou seja, além da estrutura gramatical, busca a situação comunicativa. Inclui também os aspectos semânticos, considerando as funções dos elementos linguísticos. E como nem sempre um movimento nega o outro, a Sociolinguística abarca o aspecto social e a interação, desenvolvendo conceitos que mostram que a escolarização deve preparar os alunos para o mundo. É importante mencionar que todo o caminho percorrido, na história da Linguística, justifica a origem do ensino tradicional, ainda hoje praticado pelos professores da escola pública. A proposta do ensino comunicativo é agregar elementos que os movimentos linguísticos anteriores não possuem, pois conforme afirmado no capítulo anterior, no item 1.3.4, estudiosos acreditam que o ensino de língua está em crise, como alude Staub (1992, p.18): Parece que estamos em guerra. Os gramáticos não concordam entre si. Os linguistas brigam com os gramáticos tradicionais. Professores da mesma instituição não se entendem, vão aos jornais e expõem ao público os pontos discordantes a respeito do ensino de língua portuguesa. Jornais e revistas publicam artigos que dão aos leitores a impressão de que o ensino do português se tornou caótico. As brigas e mal-entendidos, nas suas manifestações multiformes, desorientam os professores que, nesta altura dos acontecimentos, se perguntam: o que fazer? O que ensinar? O ensino comunicativo de língua, conforme apresentado por Richards (2006), investiga a solução de problemas de uso da linguagem, trazendo algumas respostas às 82 perguntas de Staub (1992), orientando a ação dos professores, colaborando com o avanço do conhecimento teórico (MOITA LOPES, 2002, p. 23), abrangendo o histórico dos movimentos linguísticos e agregando uma metodologia que envolve não só aspectos da competência gramatical, mas um ensino capaz de compreender a importância de desenvolver a competência comunicativa dos alunos. Após anos de estudos, Richards (2006) desenvolve um conjunto de princípios que refletem sobre os objetivos do ensino de línguas, sobre como os alunos aprendem uma língua, sobre os tipos de atividades em sala de aula que melhor facilitam a aprendizagem e os papéis dos professores e alunos em sala de aula, sistematizando um método repleto de exemplos práticos, embasado em um contexto histórico que caracteriza o desenvolvimento do estudo para o ensino comunicativo de língua. Os autores mencionados no capítulo I, que discutem o desencadeamento da competência comunicativa, como Bortoni-Ricardo (2005), Orlandi (2001), Bechara (2002) e Neves (2006), mostram a importância do conceito de competência comunicativa, mas não possuem como foco a sistematização de um método, assim como fez Richards (2006). Além da metodologia, Richards (2006) aponta também as mudanças geradas no processo de ensino aprendizagem. São basicamente 8 mudanças relacionadas ao ensino comunicativo da língua, resumidamente: 1 - Autonomia do aluno; 2 - A natureza social da aprendizagem: que depende da interação com os outros; 3- Integração curricular: a conexão entre outras disciplinas do currículo; 4 - Concentração no significado: o significado é visto como a força motriz da aprendizagem; 5 - Diversidade: O ensino precisa levar as diferenças em consideração, em vez de tentar forçar os alunos em um único molde; 6 - Habilidades de pensamento: crítico e criativo, em situações que vão além da aula de língua; 7 - Avaliação alternativa: para substituir tradicionais questões de múltipla escolha e outros itens que testam as habilidades de ordem inferior e 8 - Professores como co-alunos: o professor é visto como um facilitador que está constantemente a experimentar diferentes alternativas, isto é, aprender fazendo. A presença dos princípios do ensino comunicativo, discutidos neste item do capítulo 2, pode gerar as mudanças propostas por Richards (2006) se forem investidas no ensino de acordo com as características brasileiras. Estas mudanças poderão ser reveladas por outras pesquisas, ou estudos que foram introduzidos neste trabalho. 83 CONCLUSÃO Terminada a pesquisa, apresentam-se conclusões e recomendações sobre o que foi possível observar da análise das características do ensino comunicativo de língua, na prática dos professores de português do Ensino Médio do Guará. A pesquisa que teve por objetivo identificar os traços dos princípios do ensino comunicativo estudado por Richards (2006), na conduta dos professores em sala, confirmou, como resultado positivo, que, inconscientemente, estes professores já executam alguns pressupostos da metodologia de ensino comunicativo. Embora o atual ensino de língua portuguesa e da gramática na escola pública seja baseado em livros didáticos com conteúdos determinados, foi possível observar que os professores demonstram ter algumas práticas da metodologia de ensino da segunda língua. Em um projeto de intervenção que apresentasse esta metodologia talvez fosse possível aplicá-la justamente porque os professores se identificariam com algumas características. Com base nos resultados apresentados na pesquisa, confirma-se a hipótese apresentada no início do capítulo 2, concluindo-se que os professores ainda trabalham muito mais a competência gramatical, destinada à realização de provas avaliativas. Pois como Richards (2006) cita, as pessoas podem dominar regras de formação de sentenças da linguagem e mesmo assim podem não ser bem sucedidas na capacidade de usar a linguagem para comunicação significativa. Este é um aspecto deficiente da educação linguística, que pode ser observado pela prática dos professores que seguem uma prescrição pedagógica que rege como devem agir, comum em uma abordagem tradicional que não desperta interesse participativo do aluno e não prepara o seu comportamento para situações comunicativas diversas, pois dos 10 pressupostos do ensino comunicativo apenas o princípio 6 foi constatado na prática dos 4 professores que participaram da pesquisa. Nos demais pressupostos, um ou outro professor possuía as características. Estes dados mostram que o ensino escolar da língua capacita os alunos para interação, principalmente pelo alcance de informações a que possuem acesso, mas isso não quer dizer que os alunos estejam preparados para as diversas situações comunicativas, pois não tiveram sua competência comunicativa aprimorada. Um dos fatos que puderam ser observados, em sala de aula, que não chegou a ser um item de análise, mas que é essencial demonstrar, é que os professores não aproveitam integralmente o tempo de aula, o tempo de contato com o aluno, e permitem que os alunos 84 fiquem soltos, quando poderiam estar envolvidos em projetos que desenvolvessem sua competência comunicativa. Percebeu-se, no comportamento dos alunos e em suas conversas entre colegas, que não possuem escolaridade básica adequada, talvez não proporcionada pela estrutura familiar. Este aspecto poderia ser considerado pela Sociolinguística, que identifica fatores extralinguísticos que influenciam nas características de ensino de uma comunidade escolar, constatando que aos poucos é possível mudar as estratégias de ensino, voltando-se para trabalhar as necessidades de aprendizado. Outro aspecto que cabe mencionar é a importância dos cursos de educação continuada, criados especificamente com o objetivo de aprimorar as práticas pedagógicas dos professores. A busca da educação continuada, por meio de cursos ou especializações, poderia influenciá-los a aplicar novas abordagens de ensino, inclusive sobre o desenvolvimento da competência comunicativa de seus alunos, experimentar novas ideias, desenvolver projetos de pesquisa, trabalhar integrado com outras disciplinas e mudar um pouco as características do ensino tradicional da escola pública, que parece imutável. É importante ressaltar que esta pesquisa não teve como finalidade aplicar os pressupostos da metodologia do ensino de segunda língua na língua materna, mas verificar a possibilidade de aplicação, buscando inicialmente em características já existentes. Deixase como recomendação a busca de explorar entre os professores o que eles já praticam de ensino comunicativo da língua e oferecer o conhecimento desta abordagem que propicia a aprendizagem e o desenvolvimento da competência comunicativa, para que os estudantes sejam capacitados a sair da escola e entrar no mercado de trabalho, com desenvoltura comunicativa. Que a avaliação da prática dos princípios estudados por Richards (2006), nesta amostragem de professores da escola pública, sirva como alerta para demonstrar que há metodologias alternativas direcionadas ao ensino comunicativo de língua desenvolvidas para aprimorar a competência comunicativa do aluno e que é possível encontrar um caminho que possa ser aplicado à nossa cultura. 85 BIBLIOGRAFIA ANDRADE, Maria Margarida de e MEDEIROS, João Bosco. Comunicação em língua portuguesa: para os cursos de jornalismo, propaganda e letras. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. BECHARA, Evanildo. Ensino da gramática. Opressão? 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TARALLO, Fernando Luiz. A pesquisa sociolinguística. 8ª edição. São Paulo, Editora Ática: 2010. WEDWOOD, Barbara. História concisa da linguística. Tradução: Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial, 2002. 88 ANEXOS Nas páginas a seguir, estão listados os documentos que fizeram parte dos instrumentos. Anexo I – Questionário: 1. Ao aplicar um conteúdo, como o(a) senhor(a) constrói a interação com os alunos? De que maneira o(a) senhor(a) resgata as experiências e/ou conhecimentos anteriores dos alunos? ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ 2. Em que momento de sua aula, o(a) senhor(a) permite que o aluno demonstre sua opinião? _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ 3. Com que freqüência o(a) senhor(a) trabalha conteúdos que trazem assunto do interesse do aluno (redes sociais, esportes, televisão, sexo, biografias curiosas, entre outros)? _________________________________________________________________ _______________________________________________________________ 4. Ao sair da escola, o(a) senhor(a) julga que os alunos estão preparados para se comunicar em diferentes ambientes como: no comércio, em viagens, no trabalho dos pais, em um atendimento médico-hospitalar, ao procurar um endereço, ao dar informação a um estranho, ao se candidatar a um estágio, ao participar de grêmio estudantil, ao representar a escola numa feira de ciências? Por quê? 89 _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ 5. Em quais atividades o(a) senhor(a) estimula a auto correção gramatical de textos escritos pelos alunos? Ou correções trocadas, em que um aluno corrige o texto do outro? Como o(a) senhor(a) avalia o resultado? _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ 6. Cite 3 tipos textuais que, na sua opinião, mais desenvolvem a criatividade linguística dos alunos. De que forma o(a) senhor(a) os trabalha? _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ 7. De que maneira os alunos são motivados por o(a) senhor(a) para desenvolver a autonomia no estudo gramatical? _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ 8. Em que atividades o(a) senhor(a) julga que o improviso está presente na aula? _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ 9. Em sua opinião, qual o seu papel como professor em sala de aula? Por quê? 90 _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ 10. Que(ais) tipo(s) de atividade(s) o(a) senhor(a) propõe que os alunos façam em grupo para praticar sua fluência na comunicação? _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ Anexo II - Roteiro de entrevista: 1. O que o(a) senhor(a) entende por ensino comunicativo de língua? Já leu algo a respeito ou pratica a metodologia em sala de aula? 2. O(a) senhor(a) acredita que a forma como a língua é ensinada por o(a) senhor(a) desenvolve mais a competência gramatical (para realização de provas avaliativas) ou a competência comunicativa (comunicação em diferentes ambientes, uso formal e informal da língua)? 3. Em sua opinião, o que seria a competência comunicativa do aluno?