ERRADICAÇÃO DO ANALFABETISMO: UM DESAFIO SECULAR Rosa Maria Torte da Cunha* - Cesgranrio [email protected] Terezinha Saraiva** - Cesgranrio [email protected] Resumo: Na Política Pública da Educação de Jovens e Adultos avulta a importância da Erradicação do Analfabetismo. No curso da história, o mundo deu-se conta da necessidade de reintegrar à sociedade a multidão de analfabetos absolutos que, no Brasil, atinge elevado número, além dos 80%, maiores de 15 anos que se enquadram como analfabetos funcionais. No alvorecer do 3º milênio, em vários países resta a cicatriz, demonstrando que o mal foi vencido. Em outros, como o Brasil, a chaga permanece aberta, apesar dos esforços para garantir a todos o primeiro passo para a conquista da cidadania – a alfabetização. Palavras-chave: educação de jovens e adultos; alfabetização; parcerias. Abstract: In the Public Politic of Education to young People and Adults the importance of the increasing of the illiteracy is intensified. Trough the history, the world realized that we need to reintegrate the big number of completely illiterate people back to society, in Brazil, this number is very high, more than 80%, and some teenagers who are older than 15 years old can be recognized as functional illiterals. In the beginning of the third millennium, we still have a scar left in many countries, which shows that the problem is over. In others, like in Brazil, the illness continues there, in spite of the efforts to guarantee to everybody the first step for the achievement of citizenship – the literacy. Keywords: education of young people and adults; literacy; partnership. 1 ANALFABETISMO NO BRASIL 1.1 INTRODUÇÃO Em 1990, ante a situação deficitária dos sistemas educacionais de muitos países, as principais agências de desenvolvimento e 155 governos nacionais fizeram soar o alarme, na Conferência realizada em Jontiem, na Tailândia. No lançamento do programa “Educação para Todos”, foram definidas metas ambiciosas: garantir o acesso universal das crianças à educação primária e reduzir a taxa de analfabetismo de jovens e adultos à metade do nível atingido em 1990. Dez anos depois, em Dacar, no Senegal, a comunidade internacional teve de encarar o fato de que o mundo ainda convivia com uma triste e preocupante realidade, apesar dos esforços * Mestre em Educação, Universidade Salgado de Oliveira; Assistente de Projetos Especiais e Assistente Editorial da Revista Ensaio – Avaliação e Políticas Públicas em Educação – da Fundação Cesgranrio [email protected]. ** Técnica em Educação. Coordenadora da Área de Projetos Sociais da Fundação Cesgranrio. [email protected] 1 realizados pelos países signatários do documento resultante da Conferência de Jontiem: 130 milhões de crianças não freqüentavam a escola, e 872 milhões de jovens e adultos eram analfabetos. Embora as taxas de analfabetismo da população de 15 anos e mais tivessem baixado, o número absoluto de analfabetos aumentara. Em 2000, os 872 milhões significavam menos de 26% da população mundial adulta. Em 1950, 700 milhões de analfabetos representavam 44% desta população. Dados de 2000 apontavam para as seguintes taxas de analfabetismo, considerando a população de 15 anos e mais: no Oriente Médio e África do Norte, 53% das mulheres e 29% dos homens eram analfabetos; na África subsaariana, os analfabetos representavam 53% das mulheres e 35% dos homens; na Ásia Ocidental e do Pacífico, 4% das mulheres e 1% dos homens, são analfabetos; na Comunidade Européia e Países Bálticos, os índices eram: 2% de mulheres e 1% de homens. Na América Latina e Central tínhamos 15% das mulheres e 12% dos homens analfabetos. No Brasil, as estatísticas disponíveis mostravam o mesmo quadro: os índices de analfabetismo vinham baixando, enquanto em números absolutos continuavam crescendo. Para ilustrar esta afirmativa, tomamos os anos 1900, 1950, 2000 e 2006 como referência: Em 1900, 65,3% da população era analfabeta, o que, em números absolutos representava 6.348.000; em 1950, o índice de analfabetismo baixou para 50,6%; enquanto em números absolutos tínhamos 15.272 mil jovens e adultos analfabetos. Em 2.000, o índice baixara para 14,7% que representava 16 milhões de analfabetos. Em 2006, segundo a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE, que representava um novo olhar sobre a PNAD 2006, fomos informados de que o analfabetismo ainda afastava da cidadania, 10,4% da população de jovens e adultos, representando 14,4 milhões de pessoas, as quais, por não dominarem a escrita e a leitura continuavam marginalizadas da vida-cidadã. Pela primeira vez, os dados de 2006 revelavam que, além de o índice ter baixado, o número de analfabetos de 15 anos e mais também baixara, em relação a 2000. A erradicação do analfabetismo, no Brasil, continuava a ser um desafio que permanecia apesar dos muitos programas, campanhas, movimentos, algum de âmbito nacional, outros, regionais ou de nível local, que passamos a citar, e que, embora tivessem conseguido diminuir os índices de analfabetismo, não atingiram a meta da erradicação: 2 Liga Brasileira contra o Analfabetismo (1915), Cruzada ABC (1932), Bandeira Paulista de Alfabetização (1932), Campanha de Educação de Adultos (1947), Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (1958), Movimento de Educação de Base – MEB (1961), Programam de Alfabetização pelo Método Paulo Freire – (1964), De Pé No Chão Também Se Aprende RN (1964), Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL (1970/1985), Programa Nacional de Educação e Cidadania – PNAC (1990), Programa de Educação para Todos (1993), Programa Alfabetização Solidária (1997), Programa Brasil Alfabetizado (2002), Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos do SESI (2006). A esses programas, campanhas e movimentos, somaram-se às ações de alfabetização de jovens e adultos promovidos por governos estaduais e municipais, pela Igreja e por organizações não-governamentais. A erradicação do analfabetismo constituiu-se, no Brasil, como nos demais países que ainda não conseguiram alfabetizar toda a sua população, um desafio secular. No alvorecer do 3º Milênio, em vários países resta, do analfabetismo apenas, a cicatriz, de um flagelo vencido. Em outros, entre os quais o Brasil, se conclui que a chaga permanece aberta, apesar dos esforços governamentais e não governamentais para garantir a todos o primeiro passo para a conquista da cidadania – a alfabetização. 1.2 SITUAÇÃO ATUAL Segundo os dados revelados pela Síntese dos Indicadores Sociais divulgados pelo IBGE, referentes a 2006, é possível compor a fotografia do analfabetismo, no Brasil. O índice de analfabetismo entre as mulheres continua maior que entre os homens: 57,5% e 42,5%, respectivamente. Em termos regionais, há sensíveis diferenças: no Nordeste, onde sempre foi maior o índice de analfabetismo, em 2006 atingiu 20,8%; enquanto esta taxa baixa para 11,5% na região Norte; 8,3% no Centro-Oeste; 6%, na região Sudeste e 5,7% na região Sul. Considerando a faixa etária, os dados referentes a 2006 mostravam que o maior índice encontrou-se entre pessoas de 40 a 57 anos – 36,4%, seguido do índice de 29,4%, na faixa etária de 65 anos ou mais. Já de 25 a 39 anos, o índice foi de 19%,e de 9,4% na faixa entre as pessoas de 60 a 64 anos. O índice caiu para 5,8%, na faixa etária de 15 a 24 anos. Esta diminuição foi, sem dúvida, conseqüência do esforço que o Brasil realizou para matricular no ensino fundamental 97% da população de 7 a 14 anos, quase atingindo a universalização. 3 Os dados do IBGE permitem conhecer, também, as informações sobre o analfabetismo referentes à cor e à renda. Dos analfabetos, 32% são brancos, e 67,4%, são pretos ou pardos. Quanto à renda, assim se distribuíram, em 2006, os analfabetos: 17,9% recebiam até meio salário mínimo; 13,7% de meio a um salário mínimo; 6,5% de um a dois salários mínimos, e 1,3% mais de dois salários mínimos. O analfabetismo em nosso país é, ainda, mais odioso, porque tem cor, sendo conseqüência da má distribuição de renda, das diferenças regionais e da discriminação das mulheres. Erradicar o analfabetismo entre jovens e adultos, no Brasil, continua a ser meta e desafio. São muitos os jovens e adultos a alfabetizar, alfabetização entendida não só como a aquisição dos rudimentos da leitura e da escrita, mas como parte de uma educação vinculada a todas as dimensões de vida que assegure não só o domínio da leitura e da escrita, mas que permita ao alfabetizado dar continuidade à sua escolaridade, para poder participar do processo sociocultural e político de seu tempo. A preocupação inerente à Alfabetização de Jovens e Adultos foi a grande motivação das autoras para a realização desse relato. O aprofundamento dos estudos nessa área também teve como causa suas próprias histórias de vida, nas quais parte foi dedicada a essa vertente. O trabalho desenvolvido pelo Programa Alfabetização Solidária - PAS, em parceria com a Universidade Iguaçu UNIG, no Município de Tapauá/AM, à luz de convênios assinados pelas instituições parceiras, foi analisado através de um Estudo de Caso. 1.3 O PROGRAMA ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA – PAS Criado, em 1997 pelo Conselho da Comunidade Solidária – um fórum de desenvolvimento de ações sociais, cuja base de funcionamento é a parceria entre o Governo Federal, a iniciativa privada e a sociedade civil – o Programa Alfabetização Solidária – PAS teve como objetivo principal reduzir os índices de analfabetismo no Brasil e expandir o acesso de jovens e adultos à educação, implantado, de início, nos municípios que apresentavam maiores índices de analfabetismo, segundo dados fornecidos pelo IBGE. (ESTEVES, 2002). O PAS estruturou-se para promover ações que favorecessem à sociedade civil, seu relacionamento com esferas governamentais e estimular parcerias de modo a garantir a Educação de Jovens e Adultos. O PAS e seus parceiros 4 Eram parceiros do PAS o Ministério da Educação e Desportos – MEC, Empresas, Municípios, Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras – CRUB e Universidades. Ao MEC competia o repasse dos recursos de apoio; seleção e nomeação de um coordenador técnico administrativo, responsável pelo andamento do PAS; incorporação do PAS a todos que já estavam promovendo programas de alfabetização no Brasil, reprodução do material didático aprovado pela SEF/MEC. Às Empresas competia a adoção de um ou mais municípios e a doação dos recursos necessários para o pagamento das despesas desses municípios, repassando recursos para os pagamentos de despesas com refeições e hospedagem dos Alfabetizadores e Coordenador Municipal durante a Capacitação, das bolsas-auxílio desses participantes e de despesas com a merenda dos Alfabetizandos, durante a Alfabetização. Aos Municípios competia a mobilização dos Alfabetizadores, segundo critérios estabelecidos pelo MEC – alunos dos Cursos de Formação de Professores, Formação Geral ou excepcionalmente, concluintes de 8ª série para participarem da seleção de Alfabetizadores, cessão de locais para realização do PAS. Ao CRUB competia estimular e garantir a mobilização das Universidades. Às Universidades competia a seleção dos alfabetizadores, a capacitação de Coordenadores Municipais e de Alfabetizadores, fornecimento de infra-estrutura para a realização da Capacitação, acompanhamento e avaliação do desenvolvimento do PAS, estímulo à geração de teses, dissertações e pesquisas acadêmicas e a produção de material didático voltado para a Alfabetização. As atribuições e responsabilidades mencionadas constavam do Termo de Compromisso assinado pelos parceiros. O PAS se iniciava com uma Viagem Precursora ao Município, onde seria implantado, sob a responsabilidade da Universidade Viagem precursora ao Município Tinha como objetivos: reconhecer a realidade do município; estabelecer ligações com as autoridades locais e demais lideranças comunitárias, identificar as ações desenvolvidas na mobilização dos Alfabetizadores, selecionar os Alfabetizadores para a Capacitação. Dinâmica de funcionamento 5 O Professor Coordenador da Universidade deveria definir data da viagem precursora de acordo com o cronograma de ações, e as definições da Coordenação Executiva. Ela deveria ocorrer 2 meses antes da Capacitação, para viabilizar planejamento e organização da viagem dos Alfabetizadores. Para o deslocamento interestadual o professor responsável, recebia passagens aéreas. Antes do deslocamento ao município, era realizada reunião, envolvendo a Coordenação do PAS e professores da universidade para discutir as ações mais adequadas à Capacitação. Seleção A Coordenação Executiva do PAS encaminhava dados gerais do Município e número de alfabetizadores a serem selecionados para a programação das atividades. Os critérios para a seleção eram estabelecidos pelo Professor da Universidade, considerando os documentos enviados pela Coordenação Executiva do PAS, devendo priorizar professores, estudantes de magistério, ou excepcionalmente de 8ª série, residentes na própria localidade, não dependendo, assim, de transporte para chegar ao local do curso. Todos os selecionados assinavam Termo de Responsabilidade, comprometendo-se em participar da capacitação e da Alfabetização. Os alfabetizadores e Coordenador local recebiam bolsa-trabalho de R$ 120,00 e R$ 200,00, respectivamente, durante o período efetivo das aulas, 5 meses. Capacitação e material didático A Capacitação era realizada em 1 mês, destinado ao deslocamento e à realização dos Cursos. Cada grupo de Alfabetizadores capacitados era denominado Módulo. A Capacitação era realizada fora dos Municípios de origem dos Alfabetizadores, ocorrendo onde se localizava a Universidade responsável pelo PAS no Município atendido. Na Capacitação era empregado material didático enviado pelo MEC. Além dos livros destinados aos futuros Alfabetizadores havia materiais a serem utilizados no processo de Alfabetização, também trabalhados pelos Alfabetizadores na Capacitação. Material Didático utilizado O MEC dispunha de material de alfabetização elaborado pela SME de Curitiba/PR, PUC/RJ e ONG Ação Educativa/SP, abrangendo os conjuntos especificados a seguir: 6 Material da Ação Educativa/SP • Diagnosticando Necessidades de Aprendizagem: roteiro para diagnóstico das necessidades de aprendizagem de jovens e adultos. Material da SME de Curitiba/PR • Pré-Livro Alfabetização, 1ª e 2ª partes. • Alfabetização, I e II • Pré-Livro - Matemática • Matemática, I e II • Manual do Professor - Alfabetização e Matemática • Vídeo de apoio ao Trabalho do Professor Material da PUC/RJ Elementos para uma Avaliação Diagnóstica de Níveis e Conteúdos de Alfabetismo Adulto: Contribuições para a Ação Pedagógica (em disquete - Word e Excel) • Volumes I, II, III, IV e V: Fundamentos da Proposta, Questionário e Suplemento Gráfico de Avaliação Diagnóstica, Manual de Instruções aos Entrevistadores para Aplicação do Questionário e Suplemento Gráfico de Avaliação Diagnóstica, Guia Prático de Avaliação Diagnóstica de Níveis e Conteúdos de Alfabetismo Adulto, Avaliação externa, por juízes especializados, da Proposta de Avaliação Diagnóstica de Níveis e Conteúdos de Alfabetismo Adulto. Vídeo de apoio 1a ação de professores e monitores (fita VHS). Além dos materiais mencionados, o MEC encaminhava: cadernos, lápis, apontadores borrachas, canetas, pincéis, papel pardo, cola, tesoura, um pequeno dicionário, livros, revistas e cartazes. Os materiais dos Alfabetizadores iam para a universidade, antes do início do curso de alfabetização para serem entregues aos próprios. Os do curso de alfabetização para as respectivas Prefeituras e serem entregues aos Alfabetizadores que os faziam chegar às mãos dos Alfabetizandos. Visitas de acompanhamento Mensalmente, um Professor da Universidade, com passagens enviadas pela Coordenação Executiva do PAS e Bolsa-Auxílio fornecida pela Universidade, realizava visitas de acompanhamento das atividades desenvolvidas nas turmas do PAS, promovendo reuniões 7 com o Coordenador local e Alfabetizadores, conversando com os Alfabetizandos, com vistas a orientar o trabalho de alfabetização, levantar dificuldades encontradas e sugerir possíveis ações de melhoria. Elaborava relatório, registrando os principais aspectos da visita, a ser enviado à Coordenação Executiva do PAS, após apreciação da Coordenação da Universidade. Pela realização desta tarefa, o Professor recebia da Coordenação Executiva do PAS, um adicional de R$ 350,00. Atualmente, o PAS é gerenciado por uma organização não-governamental – Associação de Apoio ao Programa Alfabetização Solidária (AAPAS). Alguns resultados mais expressivos apresentam avanços quantitativos, embora enfrentando controvérsias (DI PIERRO; GRACIANO, 2003). [...] PAS poderia obter maior efetividade mediante adoção de medidas por parte da AAPAS, no sentido de aperfeiçoá-lo tais como: otimizar os processos internos de guarda e recebimento de documentos e dos meios de comunicação; melhor aproveitamento da capacidade dos alfabetizadores e aumentar o tempo de duração dos Módulos (PALMEIRA, 2003, p. 17). O PAS iniciou-se como Projeto-Piloto, em 38 municípios, que, segundo o IBGE (1991), tinham os indicadores mais elevados de analfabetismo na faixa de 15 anos ou mais. Tapauá/AM, com 62,52% foi um dos primeiros a receber o PAS.(1) Para a realização do trabalho, buscando ampliar o conhecimento sobre a alfabetização de jovens e adultos em Tapauá/AM e oferecer subsídios para a melhoria desse processo, optou-se por desenvolver um Estudo de Caso por sua adequação aos propósitos da investigação. 2 RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA 2.1 A EXPERIÊNCIA DO PAS EM TAPAUÁ/AM: UM ESTUDO DE CASO O Município de Tapauá/AM, alvo do presente Estudo de Caso, incluía-se entre aqueles que apresentavam índices elevados de analfabetismo – 62,52%. Coube a UNIG a responsabilidade de desenvolver o PAS neste Município. A pesquisadora chamada para assumir a Coordenação geral do PAS na UNIG optou por realizar um Estudo de Caso por ser mais adequado, segundo Yan (1989) para responder a questões relativas ao “como” e ao “por quê” de eventos e fenômenos sobre os quais o investigador tem pequeno controle, ocorridos no contexto cotidiano. 8 O Estudo de Caso constitui um conjunto de suposições, conceitos e terminologia, nos quais dois são significativos para sua compreensão: Sistema Institucional e Meio de Aprendizagem. O propósito central do estudo foi facilitar e promover inovação e transformação real, mediante aquisição de habilidades, modificações de concepções, valores e atitudes. Desse modo, tornou-se indispensável compreender e julgar o mérito e a relevância do seu curso de ação. O Estudo de Caso, que serve de base para este relato de experiência, desenvolveu-se em Tapauá/AM, coordenado pela UNIG – Universidade Iguaçu - RJ, através da Coordenadoria de Assuntos Comunitários. Mencionam-se, a seguir, informações básicas acerca do município e da universidade. 2.2 MUNICÍPIO DE TAPAUÁ/AM Tapauá pertence à Microrregião Purus/AM, com população de 18.651 habitantes e 89.324 km2 de área, com densidade populacional de 4,7 h/km2. Criado pela Lei nº 96/1955, limita-se com os municípios de Lábrea, Itamarati, Caravari, Canutama, Coari, Beruri, Anori, Manicoré e Humaitá. Situa-se às margens do Rio Purus, formado por 96 localidades e distando 565 km de Manaus. Sua economia é basicamente pesca, agricultura de subsistência e marcenarias. O índice de analfabetismo de Tapauá/AM no Censo 2000, na mesma faixa etária, foi 46,01%,(4) e, segundo a Confederação Nacional dos Municípios - CNM, em 2000, 43,74% (3), o que significa melhora razoável no combate ao analfabetismo. Em 2000, o IDH 0,498 (PNUD) - foi considerado baixo. Por ocasião deste trabalho mereceram registros alguns aspectos educacionais: na zona rural concentravam-se 70% dos analfabetos e na zona urbana, 30%. Havia 3 escolas públicas na zona urbana, e, na zona rural 36 postos de ensino. Observava-se precariedade no fornecimento de energia elétrica. Os meios de transporte disponíveis eram: 1 camionete, 1 caçamba, 4 barcos de porte médio e um motor de popa. A população usava bicicletas para se locomover ou caminhava longas distancias a pé. Tapauá não dispunha de instituição financeira e como meios de comunicação havia apenas 1 jornal, transmissão de sinais de TV, um posto telefônico e uma rádio local. Contatou-se que na época os principais problemas educacionais eram: analfabetismo, carência de escolas e de profissionais habilitados em educação, baixa remuneração ao professor, falta de atualização para os professores, doenças endêmicas e outras interferindo no processo de aprendizagem. 2.3 UNIVERSIDADE IGUAÇU – UNIG 9 A Universidade de Nova Iguaçu, criada pela Portaria MEC nº 1318, de 16 /09/1993, a partir de Faculdades Unificadas, passou a denominar-se Universidade Iguaçu - UNIG, em 1998, conforme resolução do CONSUN nº38, de 26/03/1997. Está inserida no Contexto da Baixada Fluminense, que abrange os Municípios de Nova Iguaçu, Duque de Caxias, São João de Meriti, Nilópolis, Belford Roxo, Japeri, Queimados e Mesquita. Comprometida com a educação, numa perspectiva integrada, considerando todas as modalidades de ensino, a UNIG tem por missão promover o progresso científico-tecnológico e servir à comunidade onde se insere. Possui como estrutura administrativa: Reitoria, Pró-Reitorias de Ensino de Graduação; PósGraduação, Pesquisa e Extensão; Administrativa e de Desenvolvimento Institucional. O PAS foi desenvolvido pela Coordenadoria de Assuntos Comunitários - CAC, vinculada à Reitoria. 2.4 AS ETAPAS DO PAS EM TAPAUÁ/AM Mobilização Para seleção e estímulo à mobilização dos Alfabetizadores e, principalmente, dos Alfabetizandos, eram utilizadas estratégias variadas, desde o contato informal, às chamadas, pelas lideranças religiosas na celebração de missas e cultos, como também, pela rádio local. Normalmente, por ocasião das visitas inclusive a Visita Precursora, os Professores da UNIG eram entrevistados na rádio local reforçando a chamada para a adesão ao PAS ou estimulando a permanência o desempenho e de seus participantes Seleção dos Alfabetizadores No processo de seleção dos Alfabetizadores, para participar da Capacitação que ocorria ao longo da visita precursora, percebia-se a seriedade e o interesse que o permeavam. Eram considerados critérios determinantes o compromisso do candidato em atuar no PAS, seu nível de escolaridade, os motivos que o levavam a inscrever-se para a seleção e as suas expectativas quanto à capacitação e quanto ao trabalho a ser realizado. Todos os inscritos eram convidados a participar de uma reunião com o Professor da UNIG e com o Coordenador Municipal onde se fazia a apresentação do PAS, das atribuições dos participantes e eram tiradas dúvidas. Posteriormente, solicitava-se que cada um dos inscritos elaborasse uma pequena redação, expressando o que esperava do PAS. Partia daí a primeira seleção. Os selecionados eram entrevistados pelo professor da UNIG, saindo daí a relação dos futuros Alfabetizadores. 10 Capacitação A UNIG elaborava o planejamento prévio da Capacitação, ocorrida sempre em janeiro/fevereiro e julho/agosto, buscando o melhor aproveitamento da estada dos Alfabetizadores em Nova Iguaçu. A Capacitação realizava-se no Centro de Formação de Líderes e no Centro de Direitos Humanos, em Nova Iguaçu. A UNIG, através da CAC, selecionava os Professores, considerando a formação e qualidades pessoais desejáveis para atuarem como docentes nos Cursos de Capacitação em Alfabetização. A Programação, dividida em Disciplinas Básicas e Complementares, sofria pequenas variações de 10 a 15 disciplinas, relacionadas ao número de dias letivos, que variava de 18 a 25 dias. A carga horária também sofreu variações, de 205 a 245 horas-aula. Essas variações estavam vinculadas à permanência dos Alfabetizadores em Nova Iguaçu. Como Disciplinas Básicas eram consideradas: Metodologia da Alfabetização, Língua Portuguesa, Matemática na Alfabetização, Organização e Métodos, Política Educacional Brasileira, Educação e Cidadania, Avaliação em Alfabetização, Noções de Psicologia Educacional, Estudos Sociais, Prática de Ensino na Alfabetização, Noções de Sociologia Educacional, e como Disciplinas Complementares: Expressão Artística, Relacionamento Interpessoal, Doenças Sexualmente Transmissíveis, Recursos Audiovisuais, Psicomotricidade, Educação Ambiental, Origami na Alfabetização, Pintura em Tecidos. Como atividades culturais foram realizadas visitas a museus, estádios, praias, cinemas, teatro e apresentações musicais. A UNIG tinha autonomia para elaborar sua proposta curricular, escolher as disciplinas para compô-la, e definir as atividades culturais a serem desenvolvidas em cada Capacitação. Os planos de viagem eram atribuição da Coordenação Executiva, ficando a UNIG deles dependente para ampliar ou reduzir a programação, aspecto relevante na seleção dos conteúdos, distribuição do tempo e qualidade do trabalho. O Estudo de Caso, em que se baseia este relato de experiência, ocorreu num período de 3 anos, durante o qual foram realizadas 6 Capacitações, variando, de 10 a 12, Alfabetizadores por turma, formando 61 Alfabetizadores, que atenderam a um total de 1.302 Alfabetizandos. Nesse estudo foram utilizados técnicas e instrumentos variados como: observação, aplicação de questionários, análise de documentos, entrevistas semi-estruturadas, grupos focais e histórias de vida. 11 Visitas de Acompanhamento Durante o presente estudo, analisaram-se 8 visitas realizadas pelos professores da UNIG, destacando-se os aspectos: importância do acompanhamento in loco para levantar as dificuldades e buscar o equacionamento das mesmas; emprego de procedimentos aprendidos na capacitação; baixa evasão; falta de luz e de mobiliário adequado; necessidade de ajustes do material didático; existência de alunos com sérios problemas de visão; difícil acesso aos locais de estudo; oportunidade para aquisição de novos conhecimentos; entrosamento entre os participantes; necessidade de adaptação do calendário à realidade local; credibilidade dos envolvidos em relação ao PAS; e seu empenho em suas atribuições; questões financeiras relativas aos repasses financeiros. 3 O PAS EM TAPAUÁ/AM E SEUS ATORES Para melhor compreensão deste relato, faz-se necessária a identificação dos personagens de sua ação. 3.1 O perfil e a fala dos participantes Coordenadores Faixa etária variando de 23 a 64 anos: 5 nasceram e vivem em Nova Iguaçu; 1 nasceu e vive em Tapauá, outro nasceu nas Filipinas (Ásia) e vive em Tapauá. Evidencia-se a variação da faixa etária e local de nascimento. Foram colhidas informações de 7 Coordenadores, através de grupos focais, que fundamentaram os dados a seguir. Constatou-se que a variedade de formações facilitava e enriquecia a condução do PAS: 1 cursou magistério; 6, curso superior, com formações variadas; 5 pós-graduação em áreas diversas; 1 mestrando e outro doutorando em Educação. Os Coordenadores expressaram seus maiores sucessos e dificuldades escolares. Sucessos: aprovação em concursos públicos; terminalidade de estudos; não-repetência; obtenção de emprego, ao final de cada curso, aprovação com excelente classificação nos concursos; classificação entre os melhores de suas turmas. Fui alfabetizada muito cedo. Com 7 anos de idade, lia e escrevia corretamente, [...] Declamava, cantava e participava [...] de todos os 12 trabalhos escolares. Fazia boas redações. Aprendia língua estrangeira com facilidade. Confeccionava cartazes. [...]. Obtive excelente classificação nos Concursos (Coordenador 1). Dificuldades: situação financeira da família, impedindo dedicação aos estudos; trabalho e estudo simultâneos; morar na Baixada Fluminense e estudar no Rio de Janeiro e baixa remuneração salarial. A maior dificuldade em minha vida escolar foi a situação financeira dos meus pais, mas, graças a Deus, eles souberam [...] e ofereceram uma educação compatível às nossas condições e necessidades (Coordenador 2). Experiências profissionais: regência de turma em todas as modalidades; direção de grupos artísticos e de 3ª idade; atuação em cursos comunitários; trabalho voluntário nas aldeias indígenas; orientações pedagógica, educacional e supervisão; direção e assessoramento; atuação em Projetos Sociais; coordenação de atividades esportivas. Mereceu destaque o fato de todos os coordenadores serem regentes e terem atuado em tarefas das áreas educacional ou cultural. Pontos comuns na vida acadêmica: todos foram bons alunos; trabalhar e estudar eram ações freqüentes; aprovação em Concursos e empregos advindos do bom desempenho, e situação financeira da família, semelhanças que, por certo, facilitaram a integração. Melhores momentos vividos no PAS: envolvimento no trabalho; preocupação com o analfabetismo; comprometimento com o grupo e relacionamento pessoal. Meus melhores momentos foram marcados pela boa convivência com os Alfabetizadores; pela troca de experiências com eles, [...] pelo conhecimento adquirido nas visitas ao município [...] (Coordenador 3). Dificuldades vividas na Alfabetização: oscilação no horário do transporte (avião bimotor); conciliação entre as viagens a Tapauá e outras atividades profissionais; descompasso de informações da Coordenação Executiva do PAS [...], comprometendo a qualidade do trabalho; período previsto para Capacitação; cumprimento da Programação do PAS, obedecendo às solicitações [...] nem sempre compatíveis com a realidade, e a comunicação deficiente. [...] os mais difíceis: poder chegar até as comunidades [...] para implantar o PAS. A geografia do local. [...] há comunidades que ainda não tem escola. E a comunicação, também entre o Brasil e nós,[...] mas, graças a Deus,[...] resolvemos muitas coisa [...] (Coordenador 4). Outros dados que julgaram oportuno registrar: preocupação com a continuidade de estudos dos egressos: 13 Preocupa-me o fato de não estar havendo efetiva continuidade do processo [...]. No primeiro Seminário de Avaliação foi levantado o problema, e ele é antigo. Era uma das críticas que se fazia aos programas anteriores. Se não se tomar providências[...], não vai haver solidariedade que resolva o problema [...] (Coordenador 5). Professores A faixa etária variava de 22 a 64 anos. Seis nasceram em Nova Iguaçu, 4, no Rio de Janeiro, 1, em São Paulo e 1, em Alagoas, todos residindo em Nova Iguaçu. Evidencia-se aí variação de faixa etária e local de nascimento. Foram colhidas informações de 12 Professores que atuaram em diversas etapas de Capacitação na UNIG através de grupos focais. Escolaridade: 2 mestres em Educação, 3 mestrandos em Educação, 4 especialistas, 10 com Curso Superior completo e 2 com o Ensino Médio. A rica formação dos Professores facilitou o desempenho competente. Eles manifestaram os maiores sucessos e dificuldades. Sucessos: a própria formação; dedicação aos estudos; obtenção de bons resultados e emprego ao final dos cursos; premiações e boas classificações em Concursos, conforme depoimento: “Ter conseguido chegar ao Mestrado e ao Ensino Superior como professora, tendo origem numa família humilde” (Professor 1). Dificuldades: situação financeira da família; falta de oportunidade de expansão nos estudos; conciliação entre trabalho e estudo; ajustamento das propostas da escola à realidade: “Não sentia como dificuldade, mas como desafio: [...], fazendo com que o professor aceitasse a possibilidade de alternativas diversificadas para a solução de um mesmo problema” (Professor 2). Escolaridade: sucessos e dificuldades apresentadas, pontos comuns: todos foram bons alunos e aprovados em concursos, destacando-se nas atividades desenvolvidas, embora a situação financeira da família e a necessidade de conciliação entre estudo e trabalho tenham sido obstáculos. Situação profissional: todos exerciam funções compatíveis com a sua ação docente no PAS. Experiência profissional: todos eram regentes em áreas de sua formação, fator relevante para atuação no PAS. 14 Melhores momentos: interesse dos Alfabetizadores pelo trabalho nas aulas, oportunidade de praticar a teoria aprendida; o componente afetivo que envolvia o desempenho e a participação: “O melhor momento foi o da aceitação do convite para trabalhar no PAS que, por seus objetivos, faz com que o professor tenha o enstusiasmo-responsável durante o decorrer do processo [...]” (Professor 3). Dificuldades: carga horária insuficiente; desnível entre Alfabetizadores; horário intensivo; revisão e correção de conceitos necessários para o ato de alfabetizar: “Trabalhar simultaneamente as dificuldades apresentadas pelos alunos, futuros Alfabetizadores e as noções teóricas da Metodologia de Alfabetização” (Professor 4). Dados que os Professores julgaram oportuno registrar: preocupações que ultrapassavam os propósitos da Capacitação: “É importante alfabetizar jovens e adultos num mundo totalmente letrado. É como incluir uma pessoa dentro dos padrões de uma sociedade que só quer excluíla. É a verdadeira inclusão” (Professor 5). Alfabetizadores Foram selecionados 15 Alfabetizadores dos diferentes módulos, com idades entre 19 e 40 anos. Dos entrevistados, 11 nasceram em Tapauá, 1, em Manaus, e os outros, nos municípios vizinhos. As informações que se seguem foram colhidas em Tapauá através de grupos focais. Todos viviam com a família, considerando-se pobres, porém felizes. Constatou-se que a diferença religiosa não implicou animosidades – 6 evangélicos e 9 católicos - havendo companheirismo e integração entre eles. O credo religioso fez com que desenvolvessem atitudes e valores que os levaram a encontrar, no seu próprio nível de vida, a felicidade, o que se pode observar nas afirmativas: “Sou católica, graças a Deus, praticante, sou catequista e muito feliz por isso” (Alfabetizador 1). A maioria dos Alfabetizadores cursou Magistério, única opção oferecida. O relacionamento com seus Professores foi bom. Fizeram referência aos vindos de São Paulo que atuaram em Tapauá e da importância desses professores em suas vidas: “Tive a oportunidade de estudar com professores formados. A professora era Pedagoga de São Paulo e passou toda a matéria 15 do Magistério para nós [...] Não ficavam só escrevendo no quadro ou no livro, por isso eram bons” (Alfabetizador 2). Entre as dificuldades mencionadas, alguns as situavam em Matemática. Outros apresentaram a pobreza como a outra grande dificuldade para estudar: Com a idade de oito anos já trabalhava com meus pais. Na época ele não tinha uma só profissão. [...] Meu pai não tinha condições de me manter, eu tinha que dar conta do trabalho. Aquilo era uma dificuldade imensa porque eu me atrasava muito na escola para manter aquele serviço em ordem.. Cheguei à 7ª série sem repetir, com muito esforço. Graças a Deus, a única dificuldade que encontrei foi a distância (Alfabetizador 3). Pelos relatos constata-se que a pobreza e o trabalho infantil constituíram as maiores dificuldades desse grupo. O acesso à escola dificultou a produtividade e a permanência dos alunos. Um dado interessante é que todos consideraram um grande êxito ter conseguido terminar o 1º ou 2º graus. Após a participação no Programa, todos afirmaram que muita coisa mudou em suas vidas: a descoberta da importância do ato de ensinar e aprender, melhoria do relacionamento pessoal e ampliação dos conhecimentos. Todos avaliaram como bem sucedida a experiência vivida na Capacitação na UNIG, predispondo-se a repeti-la: “A partir do PAS aprendi várias coisas [...]. Não sabia que tinha uma paciência enorme para lidar com pessoas [...]. Tenho um carinho muito grande pelos meus alunos... não é só porque tenho que ganhar dinheiro, gosto de trabalhar como professor” (Alfabetizador 4). Foi perguntada a validade da Capacitação para a alfabetização no local. O grupo posicionouse de forma positiva e sugestiva, valorizando os conteúdos então desenvolvidos: “O conteúdo que você traz vai servir para o resto da vida. É a partir do PAS que você abre caminhos para outras coisas [...]” (Alfabetizador 5). Quanto à inclusão ou exclusão de disciplinas na Capacitação, o grupo posicionou-se pela inclusão: “Acho que o conteúdo que a gente estuda está ótimo. Porque a gente aprende tudo aquilo, não para repassar [...], mas, na verdade, quando estamos alfabetizando, sem querer, estamos ensinando um pouco de cada coisa [..] Abrimos um novo horizonte[...]” (Alfabetizador 6). 16 Quando se abordou a aplicabilidade dos conteúdos na prática docente, ficou evidenciada a utilização ou a readaptação à realidade local: “Estou fazendo os planos de aula. [...] Objetivo, estratégia, avaliação, recurso didático, tudo no meu caderno. Apesar de não ter bastante material arranjo caixa de papelão e faço adaptação com elas” (Alfabetizador 7). Quanto à utilização do material didático, percebeu-se a necessidade de sua adaptação, para seu melhor aproveitamento: “Quanto ao material didático... É muito alto (nível). Quando a gente abre o livro e fala assim: ‘leia e copie’. Copiar até é fácil para eles porque estão vendo, mas para a gente que está se alfabetizando, ler é muito difícil” (Alfabetizador 8). Dadas as carências da Região Amazônica, algumas vezes os próprios Coordenadores locais e Alfabetizadores mais experientes têm de orientar outros alfabetizadores evidenciando, entre outras, alternativas encontradas para a utilização dos livros e dos recursos didáticos: Uma das coisas em que tomamos bastante cuidados foi sempre falarmos que eles adaptassem o livro de acordo com a realidade. [...]. O Professor trabalhava com barbante e papel.. Eles não têm barbante e alguns nem sabem o que é barbante. Então disse: - Vocês podem usar ‘invira’ – que é um cipó que se tira do mato – e fazer o trabalho, como se estivessem usando uma corda (Alfabetizador 9). Concluiu-se que o grupo de Alfabetizadores valorizava os conhecimentos adquiridos e os utilizavam fazendo os ajustes necessários, adaptando o material didático recebido à realidade local. Alfabetizandos Apresentaram-se, voluntariamente 16 Alfabetizandos, quase concluintes do Curso de Alfabetização. Eram 10 mulheres e 6 homens, de faixa etária bastante diversificada, de 14 a 70 anos, para realização de entrevistas semi-estruturadas (DELSIN, 1970, p. 301; MATHISON, 1998). Desse grupo, 12 eram tapauenses e 4 nasceram em cidades vizinhas. Todos moravam em Tapauá, onde a mão-de-obra semiqualificada apresentava peculiaridades: “Tenho tanta profissão![...] Hoje em dia sou abatedor de frango. Sou acostumado a trabalhar bastante. Tenho 30 anos de seringa... pesco para viver [...]. Já fiz de todo serviço (Alfabetizando 1)”. 17 Todos os entrevistados vivem com suas famílias. A maioria se considera pobre, porém a religião exerce influência para que a pobreza seja vista como riqueza, mediante as graças de Deus. Fica clara a falta de conscientização do real estado de vida: “Conforme o meu trabalho (zelador) eu até me considero classe média” (Alfabetizando 2). A maioria dos Alfabetizandos entrevistados (10) ingressou no Programa a convite do próprio Alfabetizador: “Andava na rua, passou lá em casa e perguntou se eu queria estudar. Disse que queria. Perguntei como era, ela explicou que era à noite, [...] Ela perguntou se eu queria e eu me matriculei” (Alfabetizando 3). Grande número dos Alfabetizandos entrevistados (11) só teve oportunidade de estudar através do PAS e os outros (5) Alfabetizandos chegaram a iniciar seus estudos, mas tiveram de interrompê-los por problemas variados: “Porque tive dificuldades na mudança da Foz para cá; meu pai perdeu nossos documentos [...]. Quando cheguei aqui tive muita dificuldade com minha vista, não enxergava quase nada, achei melhor desistir” (Alfabetizando 4). Todos os entrevistados elogiaram os Alfabetizadores atribuindo-lhes qualidades e afirmaram que o relacionamento entre eles era muito bom: “É ótima! Trabalha bem, tem paciência para ensinar a gente. Eu não sabia nada. Com ela aprendi muita coisa e já conheço os números” (Alfabetizando 5). Quanto ao Programa, os Alfabetizandos se posicionaram favoravelmente, percebendo-se que todos gostavam de participar: “Gosto porque tem professora, ela ensina, tem merenda, tudo. E eu já estou aprendendo a fazer o meu nome” (Alfabetizando 6). Quanto à mudança de vida pela participação no Programa, todos afirmaram que ocorreram mudanças, justificando-as: “Mudou a respeito do saber. Eu não sabia nada. Não sabia assinar meu nome. Agora assino quando for preciso” (Alfabetizando 7). Eles se manifestaram de maneira favorável sobre as salas de aulas próximas de suas casas, horário, convívio, distribuição da merenda e material didático e ainda sobre a forma como o Alfabetizador desenvolveu as atividades. Dos entrevistados, 7 indicaram problemas de visão como sua maior dificuldade, 3 encontraram dificuldade na aprendizagem da escrita, 2 mencionam dificuldades para aprendizagem de matemática e os restantes atribuíram suas dificuldades aos atrasos e as faltas: “Minha vista é muito ruim, desse olho (apontando para um dos olhos), quando eu morava no interior, trabalhando lá o cabo (da enxada) bateu no meu olho direito, essa parte aqui enxerga bem pouquinho,[...] (Alfabetizando 8). 18 Quando indagados se ainda havia outra informação que gostariam de registrar, 14 deles afirmaram que não tinham nada a acrescentar, porém, 2 fizeram acréscimos: [...] A professora é muito boa. Não estou achando bom porque ela está dizendo que só vai ensinar até junho e eu queria que fosse, ao menos, até o final do ano. Gostaria de que fosse direto; para mm seria mais bacana (Alfabetizando 9). Gostaria de dizer que quero aprender mais um pouco a ler, chegar ao supletivo, Deus me deu memória boa para aprender(Alfabetizando 10). 3.2 O MÉRITO E A RELEVÂNCIA DO PAS EM TAPAUÁ/AM Para seus atores, o Programa em Tapauá teve mérito justificado nos depoimentos seguintes: [...] depois do PAS fiquei mais adaptado à profissão de Professor. Antes eu já trabalhava com meus alunos, mas era aquele negócio do modo antigo. Depois que fui, digamos, reciclado, comecei a trabalhar de maneira diferente, eficiente, eficaz e todo mundo gostou (Alfabetizador 10). O Programa foi relevante para seus atores porque foram considerados as potencialidades e os valores dos envolvidos traduzindo-se em responsabilidade e compromisso social. Eles foram capazes de, frente a situações determinadas, interpretá-las, buscando soluções próprias, conforme o contexto, procurando condições para transformar a situação identificada e a própria vida: Meu maior sucesso foi ter esta chance de estar alfabetizando alguém. Jamais pensei de ter esta oportunidade que estou tendo agora: ter ido ao Rio, hoje estar aqui como alfabetizadora, ajudando a quem precisa (Alfabetizador 11). Gostaria de dizer que quero aprender mais um pouco a ler e a escrever, continuar meus estudos (Alfabetizando 11). Outra coisa que queremos pedir. Como resolver o problema de visão dos nossos alunos? Sempre foi problema. Desde o começo até agora. Sentimos muita pena [...] Eles se esforçam para aprender, mas é mais difícil porque não enxergam. Tomara que saia, algum dia, um projeto para dar assistência visual aos nossos alunos. Sei que esta realidade não acontece só em Tapauá. Acontece em todos os municípios da região. Deficiência visual. Tenho um documento. Vou tirar xerox e entregar para a coordenação. Tem uma nova doença que pode causar cegueira na pessoa. Foi descoberta agora, a partir do PAS (Coordenador 6). 4 CONCLUSÕES Com base na experiência vivida em Tapauá, concluiu-se, ao final deste Estudo de Caso que: 19 • Um Programa para capacitar Alfabetizadores de Jovens e Adultos não pode ser implementado por um único Professor ou grupo de estagiários, em face de sua complexidade. Faz-se necessária à presença de Professores e Especialistas das disciplinas que compõem seu currículo, com vistas a maior produtividade e necessária intercomplementaridade; • professores e especialistas, além das exigências específicas de formação, precisam apresentar qualidades para o desenvolvimento de Programas Sociais, mormente, preparar Alfabetizadores para atuar em regiões com carências e dificuldades para sua prática docente.e trabalho; • alfabetizadores que participaram do Programa em Tapauá sentem-se felizes, prestigiados, a partir das experiências vividas na Capacitação. Há neles uma vontade de promover reformulações em seu próprio contexto, considerando os conhecimentos adquiridos; • alfabetizandos, mobilizados pela aprendizagem da leitura e da escrita, acreditam que este fato vai facilitar sua vida futura em múltiplos aspectos, o que se traduz em compromisso e responsabilidade de todos os envolvidos. Constata-se que o ato de estudar para Alfabetizadores e Alfabetizandos se apresenta como realização, mesmo tendo eles vida muito difícil, na qual estudar é transpor obstáculos; • a convivência com os Alfabetizadores e Alfabetizandos das diversas turmas e o emprego de diferentes instrumentos nesse Estudo de Caso, indicam que eles são felizes a seu modo em seu mundo, buscando justificativas e soluções próprias para as dificuldades encontradas; • a credibilidade dos Alfabetizadores na Coordenação e nos Professores, baseadas no bom relacionamento estabelecido, torna mais fácil o seu desenvolvimento o que deve ser mantido e renovado; • as modificações nos planos de viagens, feitas pela Coordenação Executiva, alteraram a produtividade da Capacitação. Sendo “currículo uma construção cultural”, qualquer alteração súbita em sua proposta compromete o resultado; • os transtornos verificados na viagem dos Alfabetizadores, para a capacitação, ocasionam insegurança ao grupo, afastado de sua comunidade, para viver uma experiência diferenciada; 20 • os transtornos apresentados na viagem dos Professores e Coordenadores, causam insegurança e desconforto, evidenciando-se a indefinição no cronograma de viagem, Manaus-Tapauá e vice-versa, influindo na produtividade do trabalho realizado; • as Disciplinas Complementares, desenvolvidas na Capacitação, auxiliaram as atividades desenvolvidas fora do espaço escolar, além de contribuírem para melhorar a renda dos Alfabetizadores e Alfabetizandos; • as Atividades Culturais oportunizaram aos Alfabetizadores a consolidação de determinadas aprendizagens, pois nelas vivenciaram aspectos reais que só conheciam através dos livros ou pela televisão, percebendo-se o forte impacto ocasionado pelo confronto entre o abstrato e o real. • Descobriu-se, ao longo do desenvolvimento da proposta curricular da capacitação e do processo de alfabetização, habilidades artísticas, praticadas de forma assistemática que oportunizaram o reconhecimento de talentos entre Alfabetizadores e Alfabetizandos; • constatou-se grande preocupação dos Coordenadores e Professores com a descontinuidade do processo de escolarização para os egressos do PAS em Tapauá, o que levaria, sem dúvida à regressão cognitiva; • observou-se a necessidade de reestudar a carga horária do PAS e dos prazos previstos para o cumprimento de determinadas tarefas, por parte de sua Coordenação Executiva, face às peculiaridades locais e a problemática da Amazônica; • procurou-se, nos conteúdos da Metodologia da Alfabetização instrumentalizar os alfabetizadores quanto aos principais métodos, técnicas e procedimentos de ensino utilizados na Alfabetização, contudo, observando-se in loco, verificou-se que tanto Alfabetizadores quanto Alfabetizandos tinham melhor desempenho no emprego da silabação; • o PAS em Tapauá não apresentava condições de sobreviver sem o apoio de 3 instâncias fundamentais: Coordenação Executiva, Prefeitura e Universidade. A primeira pelas articulações efetuadas junto ao CRUB e Empresariado, com vistas ao apoio e ao financiamento; a segunda pelas peculiaridades locais e pela possibilidade de ações e intervenções diretas, e a terceira; pela prontidão, e disponibilidade dos recursos para a implementação; 21 • os problemas de visão apresentados pelos Alfabetizandos dificultavam a alfabetização, uma vez que Tapauá não dispõe de condições para atendimento, assistência e tratamento desses casos; e • a presença de crianças acompanhando suas mães em algumas turmas de alfabetização, causava impacto ao professor visitante, principalmente, por 2 aspectos: impedir o fato era o mesmo que afastar a mãe do PAS; verificar a aprendizagem da leitura e da escrita feita pelas crianças maiores, mesmo com a utilização de procedimentos próprios para os adultos. 5 SUGESTÕES Baseando-se no Estudo de Caso realizado, apresentam-se as seguintes sugestões: • Envolver, na implementação de um Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos, professores que acreditem nessa modalidade de educação; • promover ajustamentos necessários às propostas da Coordenação Executiva e às reformulações mantendo práticas inovadoras através do PAS, levando em conta a expectativa de Alfabetizadores e Alfabetizandos • não perder de vista o resgate da memória da Cultura local, no desenvolvimento da Proposta Curricular da Capacitação valorizando-a, promovendo a auto-estima do Alfabetizador e do Alfabetizando e a reavaliação do seu contexto, o que certamente influenciará o ato de alfabetizar e ser alfabetizado; • tentar viabilizar o pagamento dos Coordenadores e Alfabetizadores, evitando os freqüentes atrasos, pois esse pagamento é, muitas vezes, sua única fonte de renda; • promover uma ação conjunta envolvendo Prefeitura, Universidade e outras Instituições para desencadear o combate aos problemas de visão apresentados pela população-alvo do PAS; e • buscar alternativas, através de esforço conjunto dos responsáveis pela implementação do PAS, que possibilitem a continuidade dos estudos de seus egressos, fator indispensável a sua inclusão social. As autoras terminam este relato afirmando: 22 A erradicação do analfabetismo representa o resgate de uma dívida social com aqueles a quem foi negada, na idade própria, a oportunidade de realizarem seus estudos básicos que têm, como primeira etapa, o domínio da escrita e da leitura, isto é, a alfabetização, permitindo-lhes fazer uso dessas habilidades no seu cotidiano, apropriando-se da função social da leitura e da escrita. Se este aspecto de justiça social não fosse suficiente, caberia lembrar o ônus para o país, em termos de competitividade internacional representado pela existência de milhões de brasileiros maiores de 15 anos que ainda se encontram despreparados para enfrentarem as exigências, cada vez maiores, do mundo atual. Por estas razões a erradicação do analfabetismo no Brasil, continua a ser meta e desafio. REFERÊNCIAS ALFABETIZAÇÃO Solidária: resultados. Disponível em: < www.alfabetizacao.org.br/pt/home/resultados.asp - 31k >. Acesso em: 11 out. 2007. 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