Quem são mais Favoráveis às Concessões Oferecidas por Práticas Organizacionais em prol da Diversidade: os Homens ou as Mulheres? Autoria: Jamille Barbosa Cavalcanti Pereira, Darcy Mitiko Mori Hanashiro RESUMO O artigo objetivou analisar o posicionamento dos homens e das mulheres em relação às crenças sobre concessões oferecidas por práticas organizacionais em prol da diversidade. Tais crenças foram sistematizadas e categorizadas em quatro dimensões: justiça social, obtenção de ganhos, discriminação reversa e estigma. Para isso, foi construído e validado um instrumento, tendo como referência as escalas de atitudes de Eddy e Burky (2004); Davis e Smith (2003); Tougas e Veilleux (1991); Beaton e Tougas (2001) e os estudos de Heilman, Block e Stathatos (1997), além de uma pesquisa qualitativa. A amostra foi composta por grupos de 117 homens e 295 mulheres representantes de duas empresas privadas provenientes de filiais presentes em 18 cidades das cinco regiões do país. Os resultados confirmaram a hipótese de que, sob a perspectiva da justiça social, os homens são mais favoráveis às concessões oferecidas por práticas organizacionais em prol da diversidade do que as mulheres. No entanto, esses mesmos resultados não confirmaram as demais hipóteses de que homens ou mulheres sejam mais ou menos favoráveis a essas concessões diante das crenças voltadas para a obtenção de ganhos, a discriminação reversa ou o estigma. A parcialidade foi imperativa, muito embora, numa visão mais especifica dos que compõem esses grupos, perceba-se que as mulheres com deficiência e homens negros tenham apresentado atitudes mais favoráveis a essas concessões do que os demais grupos. A partir desse estudo, entende-se que futuras investigações sobre as especificidades de gênero e sobre as crenças subjacentes às atitudes diante de concessões oferecidas a diversidade sejam necessárias para compreender as razões pelas quais três das hipóteses elaboradas a partir de uma construção teórica não foram confirmadas. Introdução A diversidade da força de trabalho está se tornando cada vez mais evidente no mundo, no entanto, essa expansão vem sendo vislumbrada como um dos desafios globais mais importantes para os líderes organizacionais (MOR BARAK, 2005). Por um lado há dilemas sobre que modelo de gestão adotar para que essa diversidade alcance efetividade nas organizações (BOND e PYLE, 1998). Por outro, há uma dificuldade de conseguir adesão dos indivíduos às práticas formais ou informais que criam oportunidades aos diferentes grupos sociais subrepresentados nas organizações, mesmo entre os que possam se beneficiar por elas (KIDDER et al., 2004; RICHARD e KIRBY 1997; KELLEY e MICHELA, 1980). Em meio a esses desafios, esse artigo se propõe a apresentar um estudo sobre as diferenças de atitudes diante de práticas organizacionais, formais e informais, que criam concessões (oportunidades, condições e/ou benefícios) em prol da diversidade considerando-se a dimensão de gênero. Em um primeiro momento apresenta-se um modelo teórico que contempla essas atitudes sob duas dimensões: 1) a das atitudes favoráveis (de aceitação) e atitudes desfavoráveis (de rejeição) como tendências psicológicas avaliativas; e 2) a dos sujeitos dessa aceitação ou rejeição considerando-se as dimensões de gênero (homens e mulheres). Em um segundo momento, revelam-se dados empíricos sobre a predominância e as diferenças dessas atitudes em um contexto organizacional brasileiro, bem como, as diferenças das mesmas, ao considerar a dimensão de gênero associada às de raça e de ser ou não pessoa com deficiência. 1 O Conceito de Diversidade e as Teorias de Base Os estudos de diversidade na literatura encontram-se dispersos e sob diferentes teorias de base. Adotando o conceito de diversidade de Cox (1994, p.6) como sendo uma “representação, em um sistema social, de pessoas com diferentes identidades grupais que têm significações culturais distintas”, fica claro a noção de identidade grupal como aspecto central nesse conceito. A identificação física e cultural com um determinado grupo social significa a consequente não identificação com outros grupos. O contato intergrupal pode ser entendido como “qualquer aspecto da interação humana que envolve indivíduos percebendo a si mesmos como membro de uma categoria social ou sendo percebido por outros como pertencentes a uma categoria social”(TAYLOR e MOGHADDAN, 1994, p.6). Esse estudo adota como base teórica algumas teorias de relações intergrupais como a da identidade social (TAJFEL, 1982), a Teoria da Privação Relativa de STOUFFER, SUCHMAN, DEVINNEY, STAR e WILLIAMS (1949) e a Teoria do Conflito Realístico (SHERIF, 1966). A idéia básica da teoria da identidade social é que a categoria social na qual um indivíduo percebe pertencer (grupo de trabalho, time de futebol, escola, etc.) provê uma definição de quem a pessoa é em termos de definir características da categoria – uma auto-definição, que é parte do auto-conceito. (HOGG; TERRY, 2001, p.3). Teoria da Privação Relativa, por sua vez, procura explicar como os membros de grupos em desvantagem podem agir para melhorar sua situação, comparação de uma pessoa com membros de outro grupo de identidade, resultando num sentimento de relativa privação, das vantagens em poder social que o outro grupo possui (TORRES; PÉREZ-NEBRA, 2004). A Teoria do Conflito Realístico é uma teoria econômica que assume que as pessoas atuam na busca de seu auto-interesse e que o conflito é causado pelas pessoas direcionando-se para maximizar suas próprias recompensas ou de seu grupo em detrimento os interesses de outros grupos (SHERIF, 1966). O Significado de Atitudes O termo atitude é amplamente utilizado tanto na sociologia (THOMAS e ZNANIECKI, 1920) quanto na psicologia (ALLPORT, 1935; ROCKEACH, 1969; EAGLY e CHAIKEN, 1993) para indicar a orientação seletiva e ativa do homem em face de uma situação ou de um problema qualquer (ABBAGNANO, 1982). Quando se diz que uma pessoa tomou uma atitude se entende que ela adotou uma determinada posição que não é neutra, ela utilizou-se de um julgamento avaliativo sobre algo, sobre alguma coisa ou sobre alguém. Esse julgamento pode ser favorável ou desfavorável, de fraca ou forte intensidade, ativado de imediato da memória ou de forma remota (LIMA, 2004). Eagly e Chaiken (1993) consagraram a definição do termo atitude como sendo um construto hipotético e não diretamente observável. Para esses autores, a atitude trata-se de uma variável latente explicativa da relação entre a situação em que as pessoas se encontram e o seu comportamento. Trata-se ainda de uma inferência sobre os processos psicológicos internos de um individuo feita a partir da observação dos seus comportamentos (verbais ou outros) ou de simplesmente uma tendência psicológica. Por tendência psicológica entende-se um estado interior (LIMA, 2004). Dessa perspectiva, entende-se que as atitudes são construtos que só podem ser conhecidos quando manifestos. 2 As manifestações das atitudes dos indivíduos ocorrem por meio de três respostas avaliativas psicológicas: a cognitiva, a afetiva e a comportamental, que podem agir sozinhas ou pela combinação entre elas. Nesse artigo as atitudes referenciadas correspondem às cognitivas. Diz-se que um indivíduo adota uma atitude com base cognitiva quando ele se justifica por meio de uma apreciação do objeto, baseado em pensamentos, em idéias, em opiniões e em crenças sobre o mesmo (ARONSON, 2002). As Atitudes Diante das Práticas Organizacionais em Prol da Diversidade Na literatura é possível localizar estudos sobre atitudes cognitivas diante das práticas organizacionais, formais e informais, que criam concessões em prol da diversidade, no entanto, eles encontram-se dispersos. A identificação de alguns deles gerou um trabalho de sistematizar e categorizar as atitudes favoráveis e desfavoráveis às concessões oferecidas por práticas organizacionais em prol da diversidade sob quatro categorias diferentes de crenças e relacioná-las aos sujeitos dessas atitudes considerando-se a dimensão de gênero. O Quadro I apresenta uma proposta de modelo. Sujeitos sob a dimensão de gênero: homens e mulheres Quadrante I Atitudes favoráveis Atitudes Desfavoráveis Aceitação das concessões oferecidas à diversidade com base na crença na justiça social. Quadrante III Rejeição das concessões oferecidas à diversidade com base na crença de que essas concessões geram discriminação reversa. Quadrante II Aceitação das concessões oferecidas à diversidade com base na crença na obtenção de ganhos. Quadrante IV Rejeição das concessões oferecidas à diversidade com base na crença de que essas concessões geram estigma. Quadro I – Atitudes diante de práticas de diversidade sob a dimensão de gênero. a) Atitudes favoráveis com base na crença na justiça social As atitudes favoráveis de um indivíduo sob essa perspectiva são endossadas por crenças de que há certos grupos sociais de indivíduos que são mais vulneráveis a serem excluídos que outros (LIND e TYLER, 1988), e, portanto, esses grupos devem ser privilegiados ou favorecidos de acordo com os recursos que têm (BEATON e TOUGAS, 2001). As atitudes com base no escopo da justiça social são justificadas pela Teoria de Dominância Social que ressalta a existência de uma hierarquia de importância dos grupos sociais nas comunidades em que vivem. Ao se orientarem por essa abordagem os indivíduos crêem não haver uma igualdade de oportunidades entre os grupos sociais e, por isso, acabam preferindo os que estão na base da hierarquia (SINADIUS e PRATTO, 1993). Essas atitudes se encontram representadas no quadrante I do modelo proposto. Quando operacionalizada nesse estudo empírico, a variável atitude sob a dimensão de aceitação com base na justiça social contemplou a crença de que o grupo de homens da amostra é favorável às concessões oferecidas por práticas organizacionais em prol das mulheres, tendo em vista dados que revelam a existência de diferenças de oportunidades de desenvolvimento profissional com base no gênero. 3 No Brasil, as diferenças de oportunidades entre os grupos de homens e mulheres são apresentadas no Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça (2008), um estudo realizado entre 1993 e 2007 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA em parceira com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres- SPM e com o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher – UNIFEM. Nesse trabalho é possível identificar essas diferenças em pelo menos cinco temáticas, a saber: a) Homens e mulheres apresentam características bem distintas na entrada e permanência no mercado de trabalho. As jovens de 16 a 17 anos apresentam taxas de ocupação significativamente menores em relação às mulheres de outras faixas etárias. Em 2007, somente 69,4% daquelas jovens estavam ocupadas, comparadas a 81,1% dos jovens do sexo masculino. b) Apesar de ter havido um aumento na proporção de trabalhadores com carteira assinada, que pode ser percebido em todos os grupos, as mulheres seguem mais representadas no trabalho doméstico, na produção para próprio consumo e no trabalho não remunerado, enquanto os homens ocupam mais postos com carteira de trabalho assinada e de empregador. Por um lado, elas apresentam as mais altas proporções no trabalho doméstico (21,4%) e na posição de produção para próprio consumo e trabalho não remunerado (15,4%); e, por outro, as menores proporções de trabalho com carteira assinada (23,3%) e de empregador (1,2%), ocupando, assim, como confirmam os dados de renda, a pior posição na escala social. c) As mulheres e os negros apresentam os maiores níveis de desemprego, sendo as mulheres negras as que se encontram em situação mais precarizada: estas apresentaram uma taxa de desemprego de 12,4% em 2007, comparada a 9,4% para as mulheres brancas, 6,7% para os homens negros e 5,5% para os homens brancos. d) Em 2007, enquanto as mulheres brancas ganhavam, em média, 62,3% do que ganhavam homens brancos, as mulheres negras ganhavam 67% do que recebiam os homens do mesmo grupo racial e apenas 34% do rendimento médio de homens brancos. De fato, somente entre 1996 e 2007, as desigualdades de renda entre homens e mulheres se reduziram em cerca de 10%. e) Enquanto, em 2007, 89,9% das mulheres com 16 anos ou mais anos de idade afirmavam cuidar de afazeres domésticos, somente 50,7% dos homens o faziam. Estas diferenças são reproduzidas nas áreas urbanas e nas áreas rurais, em todas as regiões do país. Em 2007 a média de horas de atividades domésticas era de 30,9 para as mulheres e 11,2 para os homens. Segundo o IPEA (2008) serão necessários 87 anos para igualar salários em torno dos mesmos. Em 2007, a desigualdade entre homens e mulheres subiu para mais 75%. Uma pesquisa anterior chamada “Visão do Desenvolvimento”, divulgada em 2006, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), observou que, embora as mulheres estejam cada vez ganhando mais espaço no mercado de trabalho, a remuneração delas ainda é comparativamente inferior à que recebem os homens nos postos com o mesmo grau de qualificação. Sob a constatação das diferenças de oportunidades profissionais oferecidas aos grupos de homens e mulheres no país acredita-se que, sob a luz de crenças baseadas na justiça social, as atitudes dos homens que compõem a amostra sejam mais favoráveis às concessões oferecidas por práticas de diversidade do que o grupo de mulheres. Por meio dessa perspectiva operacionaliza-se a primeira hipótese desse trabalho. 4 H1: Sob a perspectiva da justiça social o grupo de homens é mais favorável às concessões oferecidas por práticas organizacionais em prol da diversidade do que o grupo de mulheres. b) Atitudes de aceitação com base na obtenção de ganhos Estudos têm arguido que as atitudes de aceitação das práticas em prol da diversidade (especialmente as ações afirmativas) são baseadas na Teoria da Privação Relativa, segundo a qual as pessoas sentem-se descontentes quando comparam suas posições com a de outros similares e descobrem que elas têm menos do que elas merecem (RUNCIMAN, 1966). Esse autor ressalta que há quatro pré-condições para a privação relativa: a pessoa não ter algo; a pessoa saber que outra pessoa tem esse algo; a pessoa querer ter esse algo e a pessoa acreditar que obter esse algo é real. Segundo Runciman (1966) há dois tipos de privação relativa: a egoísta, baseada no auto-interesse (causada pela não favorabilidade da posição social do indivíduo quando comparado com outro, ou de membros de um grupo em relação a membros de outro grupo) e a fraterna ou coletiva (causada pela não favorabilidade de um grupo quando comparado com outro em maior vantagem). A teoria de privação relativa baseada no auto-interesse costuma ser utilizada na literatura para justificar a atitude de aceitação das práticas de diversidade por parte dos indivíduos não beneficiados pelas mesmas (TOUGAS et al. 1991). Isso porque, um indivíduo que desenvolve uma atitude com base no auto-interesse tenta maximizar ganhos e prevenir perdas. Veilleux e Tougas (1989) ressaltam que reações de interesse dos indivíduos às práticas de diversidade emanam mais dos interesses de grupos e das posições desses na sociedade do que de preocupações pessoais, particulares. Segundo Tougas et al. (1991) as relações intergrupais promovem estratégias para melhorar a situação coletiva dos membros de grupos sociais que estão em desvantagem. Em síntese, os indivíduos supostamente designados pelas práticas de diversidade demonstram atitudes favoráveis com base na obtenção de ganhos por meio da adesão ao interesse coletivo. Esses pressupostos caracterizam o Quadrante II do modelo proposto. Quando operacionalizada no estudo empírico, a variável atitude sob a dimensão de aceitação com base na obtenção de ganhos contemplou a crença de que o grupo de mulheres apóia a obtenção de ganhos oferecida pelas organizações para compensar as oportunidades não recebidas ou condições injustas vis à vis o grupo majoritário. A partir dos dados da pesquisa sobre o perfil de raça realizada do Instituto Ethos (2007) infere-se a existência de grande desigualdade entre as oportunidades de contratação e de desenvolvimento de carreira de homens e mulheres nas quinhentas maiores empresas no Brasil. Constatou-se que a participação feminina no quadro executivo é de apenas 11,5% e de 24,6% no quadro gerencial. E mesmo nos níveis de supervisão e operacional a taxa de representação das mesmas de 35% e 37% ainda é pequena, se considerarmos que as mulheres são maioria entre os brasileiros (55%) que conseguiram atingir pelo menos 11 anos de estudos. Os resultados anteriormente apresentados, acrescidos dos dados do Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça (IPEA, SPM e UNIFEM, 2008), reforçam os pressupostos da Teoria de Privação Relativa baseada no auto-interesse, com base na qual se fundamenta a segunda hipótese desse trabalho. 5 H2: Sob a perspectiva da obtenção de ganhos o grupo de mulheres é mais favorável às concessões oferecidas por práticas organizacionais do que o grupo de homens. c) Atitudes de rejeição com base na discriminação reversa As atitudes que definem esse fator são as decorrentes da percepção dos grupos de indivíduos que não são beneficiados por práticas de diversidade. A importância em ressaltar essas atitudes está em compreender que esses indivíduos enxergam tais práticas como uma ameaça (BEATON e TOUGAS, 2001). Na literatura essas atitudes são identificadas por fortes resistências de grupos de indivíduos aos programas de diversidade, normalmente homens brancos, porque se sentem vítimas, discriminados ou desfavorecidos em detrimento de grupos de minorias, principalmente em períodos de recessão de empregos (FAIR EMPLOYMENT PRATICE GUIDELINES, 2004). Essa rejeição é também denominada de “discriminação reversa”, por acreditar-se que ela gera essa ação contra os não beneficiados pelas práticas de diversidade. De acordo com estatísticas os grupos de mulheres e de minorias visíveis apresentam crescimento de participação no ambiente de trabalho (JOHNSTON e PACKER, 1987; OFFERMAN e GOWING, 1990; CARR-RUFINO, 2005). Além disso, os programas de diversidade têm melhorado as condições de ocupações de cargos de mulheres, de minorias visíveis e de pessoas portadoras de necessidades especiais que outrora eram ocupados preponderantemente por homens brancos em funções de cargos de chefia, de liderança e de direção (THOMASSON, CROSBYe HERZBERGER, 1996, apud BEATON e TOUGAS, 2001). A rejeição às práticas de diversidade pelos homens brancos já foi constatada em muitos estudos realizados em diferentes países, principalmente diante dos programas legais (KIDDER et al, 2004; RICHARD e KIRBY, 1997; LECK e SAUNDERS 1996). No Brasil, não foram encontradas publicações que ressaltam movimentos de homens contra concessões oferecidas por práticas organizacionais às mulheres em nome da diversidade, até porque essas concessões não são predominantes no contexto organizacional do país, mas há quem seja contrário a essa idéia por acreditar que a não aplicação de concessões semelhantes aos homens não traz a igualdade material. Ao contrário, desiguala materialmente homens e mulheres (BREGA FILHO e SALIBA, 2007). O que caracteriza a discriminação reversa – e o que a torna controvertida – é precisamente a circunstância de que o favorecimento de um grupo implica, necessária e imediatamente, a evidente exclusão de outro. Trata-se de “um jogo de soma zero, no qual a destinação de um bem a uma pessoa significa tirar esse mesmo bem de outra (…). É também um jogo de tudo-ou-nada, porque os bens e as posições alocados não podem ser divididos (PETERS, apud BRANCO, 2003). Sob essa perspectiva acredita-se que dar um tratamento diferenciado a determinados grupos de indivíduos gera motivos para o surgimento de uma discriminação reversa por parte de outros (SOWELL, 1990). A fundamentação teórica anteriormente desenvolvida dá suporte para a formulação do Quadrante III do modelo proposto e fundamenta a terceira hipótese desse trabalho. H3: Sob a perspectiva da discriminação reversa o grupo de homens é mais desfavorável às concessões oferecidas por práticas organizacionais em prol da diversidade do que o grupo de mulheres. 6 d) Atitudes de rejeição com base no receio ao estigma As atitudes frente às concessões oferecidas por práticas organizacionais em prol da diversidade também podem ser de rejeição mesmo pelos grupos de indivíduos designados ou beneficiados. Alguns estudos empíricos realizados nos Estados Unidos constataram que práticas baseadas em preceitos legais de diversidade (Ações Afirmativas) costumam estigmatizar os indivíduos por eles beneficiados como menos qualificados ou incompetentes, e isso, mais atrapalha do que ajuda segundo alguns autores (HEILMAN et al.1992; NACOSTE, 1992). As atitudes sob essa perspectiva são baseadas na crença de que os indivíduos que são contratados com base em preceitos legais de diversidade são menos qualificados ou incompetentes porque tais programas não atribuem a qualificação como o critério máximo para contratá-los, como é feito normalmente (KEELEY e MICHELA, 1980). Isso pode minimizar o potencial dos indivíduos submetidos a esses programas. Mesmo que os indivíduos tenham competência eles não serão “vistos” por outros sob esse prisma. As atitudes de rejeição às práticas de diversidade com base no estigma constituem o quadrante IV do modelo proposto. Após a realização de uma pesquisa Heilman e Alcott (2001) sugerem que o estigma de incompetência atribuído aos indivíduos beneficiados por práticas de diversidade que não priorizam a qualificação como critério de avaliação, se origina na contratação, mas persiste durante o desenvolvimento da carreira dos mesmos na organização. Esse estigma enviesa o processo de tomada de decisão sobre promoções por parte dos dirigentes que os concebem como pessoas menos qualificadas em relação a outros. Dessa forma, infere-se que o grupos de mulheres possa vir a rejeitar concessões em prol da diversidade para não ser visto sob o estigma de menos capaz. E sob essa perspectiva que se fundamenta a quarta hipótese desse trabalho. H4: Sob a perspectiva da obtenção de ganhos o grupo de mulheres é mais desfavorável às concessões oferecidas por práticas organizacionais em prol da diversidade do que o grupo de homens. Procedimentos Metodológicos A construção do instrumento e o processo preliminar de validação da escala Com a finalidade de ter um referencial inicial para a construção da escala foi realizada vasta revisão bibliográfica exploratória de estudos sobre as atitudes dos indivíduos diante de concessões oferecidas a diversidade (grupos de mulheres, pessoas negras e pessoas com deficiência) por práticas decorrentes de ações afirmativas (AA) e das iniciativas organizacionais (projetos, programas ou modelos de gestão de diversidade). Fontes bibliográficas estrangeiras que fazem referência as atitudes dos indivíduos diante da diversidade foram de fundamental importância, uma vez que são poucos os referenciais brasileiros sob esse contexto. Dentre elas destacam-se: a escala de Eddy e Burky (2004) que avalia as atitudes de aceitação e de rejeição diante das ações afirmativas e programas de diversidade, a escala General Social Survey de Davis e Smith, (2003 apud WILSON, 2006) que avalia a discriminação reversa; a escala de Tougas e Veilleux (1991) que avalia o interesse na obtenção de ganhos diante de ações afirmativas; a escala de Beaton e Tougas (2001) que avalia atitudes baseadas na crença na justiça social diante das ações afirmativas; e os resultados dos 7 estudos experimentais de Heilman, Block e Stathatos (1997), referentes à atitude de rejeição a ações afirmativas com base no receio ao estigma. A análise da literatura citada anteriormente foi um procedimento adotado que tornou possível identificar, sistematizar e categorizar duas tendências de atitudes dos indivíduos diante de crenças voltadas para concessões organizacionais em prol da diversidade (oportunidades, privilégios e/ou condições especiais): duas favoráveis (uma com base na justiça social e a outra na obtenção de ganhos) e duas desfavoráveis (uma com base na discriminação reversa e outra no receio ao estigma). Para verificar se as dimensões de atitudes propostas no estudo eram pertinentes à realidade brasileira, foi realizada uma pesquisa qualitativa com dois sujeitos representantes de três grupos de diversidade (mulheres, pessoas negras e pessoas com deficiência) e com dois sujeitos considerados não diversos (homens brancos). Esses indivíduos pertenciam a duas empresas, uma do segmento industrial (Empresa I) e a outra do bancário (Empresa II). Respectivamente, as mulheres ocupavam o cargo de gerente geral e de coordenadora; as pessoas negras (dois homens) gerente financeiro e analista; as pessoas com deficiência (dois homens) gerente de área e assistente, e finalmente, os homens brancos, gerente de área e analista. Entrevistas em profundidade (semi-estruturadas) foram realizadas com a duração média de uma hora e meia. Os dados obtidos da pesquisa qualitativa permitiram confirmar as dimensões de atitudes categorizadas (justiça social, obtenção de ganhos, estigma e discriminação reversa). Foi construído um instrumento, composto por vinte e quatro itens, seis para cada categoria de atitudes diante das concessões oferecidas pelas práticas de diversidade, ancorados numa escala do tipo Likert (discordo totalmente [1];, discordo [2]; discordo parcialmente [3]; concordo parcialmente [4]; concordo [5] e concordo totalmente [6]). Validade de conteúdo e semântica O passo seguinte foi submeter o instrumento à análise de cinco juízes: mestres e doutores professores na área da Administração e Psicologia, que verificaram não só o conteúdo dos itens como a semântica dos mesmos. Cada juiz recebeu um formulário onde para cada item do instrumento ele deveria designar notas de 0 a 10 para dois quesitos: pertinência dos itens quanto ao conteúdo e clareza do texto. Esse formulário concedido por PORTO (s.d.). O grau de concordância quanto à pertinência dos itens ficou acima de 80%. No entanto, grande parte dos itens obteve escores abaixo de 50% quanto à semântica. Em decorrência desse resultado o instrumento foi reformulado, continuando com 24 itens. Após essa validação de conteúdo e semântica o instrumento foi aplicado a uma amostra constituída por 167 estudantes de pós-graduação em Administração de Empresas, visando proceder novamente a validade semântica dos itens avaliar a validade de construto do instrumento. Foi solicitada aos respondentes uma análise de cada item quanto à sua compreensão. Nenhuma dúvida foi colocada e houve um consentimento geral de que todos os itens estavam claros. Em seguida, o processo de validação foi realizado por meio de três procedimentos psicométricos: verificação dos construtos, verificação dos construtos obtidos pela análise fatorial e verificação da rotação e interpretação dos fatores. O processo de validação a) Verificação dos construtos 8 Para verificar a validação de cada um dos construtos da pesquisa foi utilizado a técnica estatística de Análise Fatorial Exploratória, pelo método Principal Axis Factoring e extrações dos fatores pelos eigenvalues maiores ou iguais a um. Para verificar o número de fatores obtidos três critérios foram adotados: o gráfico scree plot (CATELL, 1966), resultado do modelo fatorial adotado e o procedimento de checar a análise paralela (HORN, 1965), citada por Laros (2004) como sendo a comparação entre o percentual de eigenvalues obtidos da amostra real e o percentual de eigenvalues obtidos de uma amostra aleatória calculada a partir do mesmo número de casos, do mesmo número de itens da escala em estudo e diante do mesmo modelo e método fatorial adotado para os dados reais. b) Verificação dos construtos obtidos pela análise fatorial e verificação da rotação e interpretação dos fatores O terceiro e último procedimento adotado para a validação das escalas da pesquisa foi o de verificar a rotação e a interpretação dos fatores. A rotação utilizada foi a Promax e optou-se por manter os fatores com carga fatorial acima de 0,45 consideradas cargas de maior significância prática (HAIR, 2005b). Após a realização de três rodadas houve a eliminação de quatro itens ficando a escala com 20 itens (Tabela 1). Tabela 1 - Matriz Fatorial das Atitudes diante de Práticas de Diversidade Matriz Padrãoa Fator 1 15 - As mulheres quando recebem condições especiais para o desenvolvimento de carreira são consideradas menos competentes. 16 - As pessoas com deficiência quando recebem condições especiais para o desenvolvimento de carreira são consideradas menos competentes. 13 - As pessoas negras quando recebem condições especiais para o desenvolvimento de carreira são consideradas menos competentes. 20 - As pessoas negras quando favorecidas no processo de contratação são consideradas menos capazes. 8 - As pessoas com deficiência quando favorecidas no processo de contratação são consideradas menos capazes. 4 - As mulheres quando favorecidas no processo de contratação são consideradas menos capazes 5 - As pessoas com deficiência não têm as mesmas oportunidades que as demais no desenvolvimento de carreira. 19 - As pessoas com deficiência não têm as mesmas oportundiades que as demais na contratação. 23 - As pessoas negras não têm as mesmas oportunidades que as não negras no desenvolvimento de carreira. 9 - As pessoas negras não têm as mesmas oportunidades que as não negras na contratação. 11 - As pessoas negras não recebem as mesmas condições que as não negras para o desenvolvimento de carreira. 24 - As práticas de diversidade são discriminatórias quando criam condições favoráveis para o desenvolvimento de carreira para as pessoas negras. 6 - As práticas de diversidade são discriminatórias quando privilegiam a contratação de pessoas negras. 17 -As práticas de diversidade são discriminatórias quando criam condições favoráveis para o desenvolvimento de carreira para as mulheres 12 - As práticas de diversidade são discriminatórias quando privilegiam a contratação de mulheres. 22 - As práticas de diversidade são discriminatórias quando privilegiam a contratação de pessoas com deficiência. 18 - Deve haver práticas de diversidade que criem condições favoráveis para o desenvolvimento de carreira para as pessoas negras. 21 - Deve haver práticas de diversidade que criem condições favoráveis para o desenvolvimento de carreira para as mulheres. 7 - Deve haver práticas de diversidade que reservem vagas para as mulheres. 3 - Deve haver práticas de diversidade que reservem vagas para as pessoas negras. 2 3 4 ,831 ,745 ,727 ,710 ,697 ,499 ,784 ,747 ,658 ,655 ,632 ,819 ,745 ,633 ,609 ,522 ,778 ,753 ,675 ,567 Método de Extração: Principal Axis Factoring. Método de Rotação: Promax with Kaiser Normalization. a. Rotação convergiu em 6 interações. O estudo da fatorabilidade mostrou a existência de 290 (50,4%) correlações significativas entre as variáveis de um total de 576. O KMO (Kaiser-Meyer-Olkin) foi de 0,837 e o Teste de esfericidade de Bartlett - (qui-quadrado aproximado = 1960,396; p<0,01). A matriz da 9 anti-imagem indicou correlações satisfatórias entre 0,792 e 0,883. O percentual de variância explicada pelo instrumento foi de 63,78%. Os três procedimentos adotados para a extração de fatores indicaram os mesmos números de fatores para a escala, ou seja, quatro fatores. Portanto, a escala foi validada, confirmando-se as dimensões levantadas na literatura e verificadas na pesquisa qualitativa. A escala foi intitulada Escala de Atitudes diante de Práticas de Diversidade EAPD. Ver Tabela 1. Amostra da pesquisa final A amostra utilizada na validação final da escala constituiu-se de 412 indivíduos, sendo 117 homens e 295 mulheres. Do total, 155 pertenciam à empresa do setor industrial e 257 de empresa do setor bancário, provenientes de dezoito cidades dos cinco estados do Brasil. A primeira empresa é uma multinacional de origem holandesa, possuía à época da pesquisa aproximadamente 4000 empregados. Vem desenvolvendo práticas formais de diversidade voltadas para as mulheres, desde 2003, tais como programas de sensibilização para as diferenças, estabelecimento de meta de aumento do número de mulheres e asiáticos em cargos executivos (pelo menos 10%), comitês para mulheres e acompanhamento no desenvolvimento de carreira. A segunda empresa, de origem brasileira, possuía aproximadamente 800 empregados espalhados em 38 agências nas principais cidades brasileiras. Vem desenvolvendo práticas de diversidade em torno do cumprimento da Lei de Cotas para deficientes. Na indústria pesquisada o método de amostragem foi não probabilístico com retorno de 3,9%. Na segunda o critério adotado foi o censo, ou seja, o instrumento foi encaminhado para toda a população, com retorno de 32%. Procedimentos Os questionários foram respondidos em site específico. O instrumento validado no préteste foi aplicado na amostra final de acordo com os mesmos procedimentos e indicou fatorabilidade. Novamente, as quatro dimensões foram confirmadas. Três itens com cargas fatoriais abaixo de 0,45 foram sucessivamente eliminadas (itens 1, 6 e 18), ficando a escala final com 17 itens. O fator 1 representa a dimensão estigma, com percentual de variância explicada de 28,57%. e alpha de Crombach de 0,909. As três cargas fatoriais mais altas referem-se à crença de que as mulheres, as pessoas negras e as pessoas com deficiência são consideradas menos competentes ao receberem concessões para o desenvolvimento de carreira. O fator 2 representa a dimensão justiça social e apresentou percentual de variância explicada de 21,42%. e um alpha de Crombach de 0,824. As cargas fatoriais referem-se à atitude de aceitações das concessões oferecidas às pessoas com deficiência e as pessoas negras com base na crença de que elas não têm as mesmas oportunidades que as demais diante das práticas organizacionais referentes ao desenvolvimento de carreira e contratação. O fator 3 representado pela dimensão obtenção de ganhos, ficou com alpha de Crombach 0,837 e percentual de variância explicada de 7,65%. As cargas fatoriais mais altas referem-se à crença de que deve haver práticas de diversidade que criem condições favoráveis para o desenvolvimento de carreira para as pessoas negras e para as mulheres O fator 4 representado pela dimensão discriminação reversa com alpha de Crombach 0,817 e percentual de variância explicada de 5,79%. As cargas fatoriais mais altas referem-se à crença de que as práticas de diversidade são discriminatórias quando criam condições favoráveis 10 para a contratação e para o desenvolvimento de carreira das mulheres e das pessoas negras, o que não acontece com as pessoas com deficiência. Análise dos dados Com o intuito de ganhar sensibilidade da amostra em relação às respostas fornecidas à escala de atitudes cognitivas diante da diversidade (EAPD) foi realizada inicialmente uma estatística descritiva. A média foi a medida central adotada para verificar a predominância de respostas dos grupos de homens e mulheres diante de cada um dos itens da escala. Os resultados obtidos referentes às quatro dimensões de atitudes concentraram-se, em sua maioria, na faixa de rejeição parcial (3.0 à 3.9) ou aceitação parcial (4.0 à 4.9) em relação a diversidade (Tabela 2) . Outro dado relevante foi o de não haver entre os indivíduos pesquisados nenhum posicionamento claro de aceitação às concessões oferecidas por práticas de diversidade (média > 5.0). No entanto, há entre eles um posicionamento claro de rejeição (média < 3.0) tanto dos homens quanto das mulheres às concessões oferecidas às pessoas negras e às próprias mulheres (itens 2, e 5). No que diz respeito ao posicionamento das mulheres, na média, elas têm um posicionamento claro de rejeição às crenças de que as pessoas negras não têm as mesmas oportunidades que as não negras no desenvolvimento de carreira e de que deva haver práticas de diversidade que criem condições favoráveis para o desenvolvimento desse grupo social. Esse posicionamento nos homens é o de uma rejeição parcial. Tabela 2 – Estatística Descritiva das atitudes diante de crenças voltadas a práticas de diversidade Após o levantamento de dados descritivos outros procedimentos foram utilizados para verificar quem é mais favorável as concessões oferecidas por práticas de diversidade, que sustentam as quatro hipóteses levantadas nesse estudo. Esses foram realizados por meio de testes não paramétricos, uma vez que as variáveis não apresentaram uma distribuição normal. Diante das variáveis de gênero (masculino e feminino) foi utilizado o teste de Mann-Whitney. E para verificar as dimensões de gênero associadas às dimensões de raça e de ser ou não pessoa com deficiência foi utilizado o Teste de Kruskal Wallis (ambos disponíveis no programa SPSS (versão 13). O grau de significância adotado foi de p < 0,05. Hipótese H1 11 A hipótese H1 parte do pressuposto de que, sob a perspectiva da justiça social, o grupo de homens é mais favorável às concessões oferecidas por práticas organizacionais em prol da diversidade do que o grupo de mulheres. Os dados obtidos do teste de Mann-Whitney (ver Tabela I) revelaram que há diferença de atitudes diante de práticas de diversidade entre os grupos de homens e mulheres considerando-se as crenças baseadas na justiça social (p = 0,042). O ranque das médias de respostas de concordância às atitudes de aceitação às concessões oferecidas à diversidade com base na justiça social revelou-se maior no grupo dos homens (M = 225,43) do que no de mulheres (M = 198,99). Com isso, confirma-se a hipótese H1. No entanto, ao analisar os resultados obtidos referente às diferentes identidades de homens e mulheres da amostra considerando-se as dimensões de raça e de ser ou não pessoa com deficiência os resultados obtidos não se mostraram os mesmos. Ou seja, os dados revelaram que não são todos os homens e nem todas as mulheres que avaliam essas práticas da mesma forma. Há diferenças significativas entre os que compõem o grupo dos homens e das mulheres (p = 0, 032). O ranque das médias de respostas de concordância às atitudes de aceitação às concessões oferecidas à diversidade revelou-se maior nas mulheres com deficiência (M = 292,1), nos homens negros (M = 258,9), nas mulheres negras (M = 231,7) e nos homens com deficiência (M = 225,5). Esses foram os quatro grupos sociais de indivíduos que mais concordaram com as concessões organizacionais oferecidas em prol da diversidade. O que não acontece com os grupos de mulheres da raça amarela (M = 140,1) e mulheres de raça branca (M =195,0) que apresentam, inclusive, uma menor concordância das práticas de diversidade com base na justiça social do que o grupo de homens brancos (M = 224,3). Hipótese H2 A hipótese H2 parte do pressuposto de que, sob a perspectiva da obtenção de ganhos, o grupo de mulheres é mais favorável às concessões oferecidas por práticas organizacionais do que o grupo de homens. Para verificá-la foram realizados os testes estatísticos não paramétricos de Mann-Whitne. Os resultados revelaram que há diferenças de atitudes das concessões oferecidas por práticas organizacionais em prol da diversidade com base na crença na obtenção de ganhos. No entanto, o grupo de homens é mais favorável do que de mulheres (p = 0,015). Com isso, os dados não confirmam a H2. O ranque das médias de respostas de concordância às atitudes de aceitação às concessões organizacionais oferecidas à diversidade com base na obtenção de ganhos revelou-se maior no grupo dos homens (M = 229, 1) do que no grupo das mulheres (M = 197,5). Ao analisar os resultados obtidos referente às diferentes identidades de homens e mulheres da amostra considerando-se as dimensões de raça e de ser ou não pessoa com deficiência os resultados obtidos revelaram que não há diferenças significativas entre o posicionamento das diferentes mulheres e dos diferentes homens considerando-se as dimensões de raça e de ser ou não ser pessoa com deficiência (p = 0,082). Hipótese H3 A hipótese H3 parte do pressuposto de que, sob a perspectiva da discriminação reversa, o grupo de homens é mais desfavorável às concessões oferecidas por práticas organizacionais em prol da diversidade do que o grupo de mulheres. 12 O teste estatístico de Mann-Whitney revelou que não há diferença significativa de atitudes diante de práticas de diversidade entre os grupos de mulheres e de homens tomando por base as crenças de que as concessões oferecidas por práticas de diversidade geram a discriminação reversa (p = 0,201). Com isso, os dados não confirmam a H3. Ao analisar os resultados obtidos do teste estatístico de Kruskal Wallis referente às diferentes identidades de homens e mulheres da amostra considerando-se as dimensões de raça e de ser ou não pessoa com deficiência os resultados obtidos mostraram-se os mesmos (p = 0,588). Hipótese H4 A hipótese H4 parte do pressuposto de que o grupo de mulheres é mais desfavorável às concessões oferecidas por práticas organizacionais em prol da diversidade com base no receio ao estigma do que o grupo de homens. O teste estatístico de Mann-Whitney não revelou diferenças estatisticamente significativas de atitudes entre os grupos de mulheres e homens (p = 0,09 5). Logo, a H4 n~ao foi confirmada. Ao analisar pelo teste de Kruskal Wallis as atitudes das diferentes identidades de homens e mulheres da amostra considerando-se as dimensões de raça e de ser ou não pessoas com deficiências o resultado também não apontou diferenças significativas Discussão dos Resultados As discussões presentes estão endereçadas preponderantemente àquelas hipóteses do modelo teórico não comprovadas nesse estudo, pois há uma argumentação teórica respaldada em diferentes teorias de relações intergrupais que as fundamentam. Assim, no mínimo há uma curiosidade para entender os resultados obtidos em nossa realidade organizacional. Por que o pressuposto de que o grupo de mulheres seria mais favorável às concessões de diversidade com base na crença de obtenção de ganhos foi rejeitada, evidenciando que os homens são mais favoráveis? A literatura é ambígua nesse aspecto, tanto mostrando que os indivíduos (minorias) em busca de seu auto-interesse seriam favoráveis a tais práticas (TOUGAS et al.,1991) como alguns estudos empíricos que não evidenciam essa favorabilidade (KINDER, 1986). Os resultados da pesquisa podem revelar um sentimento de relativa privação por parte do grupo de mulheres, quando comparado ao mainstream, homens brancos, em função das vantagens sociais que o outro grupo possui. O grupo de homens não são mais desfavoráveis às práticas de diversidade que as mulheres, na crença de discriminação reversa. Por quê? Talvez, no Brasil, o fato de as políticas de diversidade possuírem uma conotação central nas pessoas com deficiência e, ainda, se encontrar em estágio pouco desenvolvido, os homens não percebem ainda a ameaça proveniente do grupo de mulheres ou outras “minorias”. Além desse fato, não se pode negar a existência do teto de vidro que dificulta a mobilidade das mulheres para posições hierárquicas mais estratégicas nas organizações e os estereótipos que cercam tal progresso (PIZA, 2000). Talvez um estudo longitudinal, daqui para a frente, possa nos revelar a evolução de uma atitude de discriminação reversa mais acentuada, à medida em que esse teto de vidro é quebrado e mulheres, possam deixar de pertencer ao exogrupo de “minorias” e ser considerada e reconhecida como elemento do endogrupo. O modelo de cinco estágios de relações intergrupais de Taylor e McKirnan (1984) explicitado na obra de Taylor e Mogaddham (1994) pode prover uma estrutura conceitual para compreender as estratégias requeridas dessa mobilidade do grupo de “minoria” para o grupo da “maioria”, não numérica, mas de poder e status. 13 Finalmente, as mulheres não apresentaram atitudes desfavoráveis às concessões de diversidade por receio ao estigma. Na mesma linha do comentário anterior, acredita-se que a carência de políticas de diversidade podem revelar que o estímulo que o grupo de mulheres recebem no desenvolvimento de carreira ainda é tênue para gerar nelas o sentimento de estigma de incompetência. Importa considerar que uma das organizações (indústria) vem desenvolvendo políticas de diversidade há alguns anos, ao passo que a instituição financeira ainda carece de políticas formais. Considerações Finais Os resultados da pesquisa aos revelarem que há diferença entre as atitudes dos homens e das mulheres diante das concessões oferecidas por práticas organizacionais em prol da diversidade, quando essas são baseadas em crenças na justiça social e na obtenção de ganhos, dão margem para indagações e discussões importantes. Afinal, há entre as mulheres no contexto organizacional brasileiro uma categorização entre aquelas que se sentem diversas (mulheres com deficiência e negras) e as que se percebem similares aos homens em termos de oportunidades profissionais recebidas no contexto organizacional (mulheres brancas e amarelas)? Ou será o comportamento dessas últimas um mimetismo desenvolvido em relação aos homens para poder quebrar as barreiras do glass cealing conforme revelaram os estudos de Hanashiro e Godoy (2004). É interessante observar que ao revelarem que as mulheres foram menos favoráveis do que os homens às concessões oferecidas por práticas de diversidade, os dados da pesquisa não dizem que elas rejeitam claramente essas práticas. A situação de parcialidade nesse caso foi imperativa. O que isso quer dizer? Será que para as mulheres a crença de que essas concessões geram o estigma de incompetência é maior do que a crença na justiça social? Aliás, a não confirmação das diferenças de atitudes baseadas nas crenças de que as concessões oferecidas à diversidade geram uma discriminação reversa ou o estigma aos beneficiados foi uma surpresa, principalmente por perceber entre os respondentes uma falta de convicção clara a respeito do assunto. Esse dado dá margem para inferir que ambas as crenças ainda são frágeis na realidade brasileira, mas compreensíveis pelo fato de não haver ainda no país uma tradição de políticas de diversidade. Por outro lado, não será essa uma expressão dissimulada? Uma expressão inócua, em cima do muro, típica de quem não quer se comprometer, seja pelo medo da intimidação ou do constrangimento, ou por simplesmente não querer assumir uma rejeição latente a qualquer oportunidade que possa ser oferecida a quem não as teve? Inicialmente, pensou-se na proposição de um modelo teórico para o entendimento das atitudes diante concessões realizadas em prol da diversidade. Criou-se uma escala para mensurar suas dimensões teóricas. A falta de comprovação empírica das três hipóteses leva a uma constatação de que houve uma tentativa de construção teórica que requer aprofundamento e aprimoramente, devendo ser analisada à luz da nossa realidade cultural e da experiência das empresas no que tange às iniciativas de diversidade. Contudo, acreditamos que os resultados aqui apresentados contribuem para um avanço nos estudos de diversidade que tanto carecem de evidências empíricas BIBLIOGRAFIA ABBAGNANO, N. 1982. Dicionário de filosofia. São Paulo: Mestre Jou. 14 ALLPORT, G.W. 1935. Attitudes. In Murchinson,C. A Handbook of Social Psychology, Worcester, Mass.: Clark University Press. ARONSON, E. et al. 2002.Psicologia social. Rio de Janeiro: LTC. BARDIN, L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 1977. BEATON, A. M., & TOUGAS, F. 2001. Reactions to affirmative action: group membership and social justice. Social Justice Research, 14(1): 61-78. BOND, M. 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