Capítulo 4 – Interacções II 1. Introdução ao movimento no plano 1.1. O movimento de queda livre Qualquer corpo largado em repouso acima da superfície da Terra é actuado pela força gravítica que aponta o centro da Terra. Se desprezarmos a as forças de resistência do ar, o corpo vai mover-se sujeito essencialmente à força gravítica terrestre 1. Numa pequena região junto à superfície da Terra, suposta esférica, concluímos facilmente que a força gravítica tem a direcção perpendicular esta superfície Figura 1. A força gravítica terrestre direcção do centro da Terra. Junto à superfície da Terra tem a a direcção perpendicular a essa superfície. Consequentemente, concluímos da segunda lei de Newton que, se desprezarmos a resistência do ar, todos os corpos junto à superfície da Terra possuem a mesma aceleração 𝑔⃗, que tem a direcção vertical, aponta para baixo e tem o módulo 𝑔 ≅ 10,0 m/s2 . Se atiramos um objecto verticalmente para cima, ele deslocar-se com movimento unidimensional com aceleração constante 𝑔⃗. Este movimento pode ser representado em diagrama de pontos e num gráfico da posição em função do 1 Se um corpo está sujeito apenas à força da gravidade, diz-se que se encontra em queda livre. 1 tempo. Para esta última representação, escolhemos um eixo vertical, com origem no ponto de lançamento da bola 2 (Fig. 2) Figura 2. Uma bola lançada verticalmente para cima desloca-se com movimento uniformemente acelerado. Figura 3. Gráficos da posição em função do tempo e da velocidade em função do tempo para uma bola lançado verticalmente para cima, a partir da altura 𝑦0 = 1,70 m, com velocidade inicial de módulo 𝑣0 = 12 m/s. Nos lados do primeiro gráfico encontram-se os diagramas de pontos do movimento, para intervalos de tempo de 0,2 s. Para cada diagrama, o sentido do movimento (ou seja, o sentido da velocidade) está indicado por uma seta encarnada. O gráfico da posição da bola em função do tempo é uma parábola. O gráfico da velocidade da bola em função da bola é uma recta. A partir dos gráficos verificamos que quando a bola se encontra no ponto mais alto, a sua velocidade é nula. 2 Como já vimos, como o movimento é unidimensional, a posição e a velocidade, apesar de serem vectores, podem ser representados por grandezas escalares 2 O gráfico da Fig. 3 também nos mostra que na subida, a velocidade é positiva (porque o vector velocidade aponta no sentido do eixo que escolhemos como positivo) e na descida a velocidade é negativa (porque o vector velocidade aponta no sentido oposto ao sentido do eixo que escolhemos como positivo) Podemos assim determinar o tempo de subida da bola, fazendo 𝑣 = 0 na equação da velocidade do movimento unidimensional com aceleração constante (neste caso a aceleração é 𝑎 = −𝑔, em que o sinal negativo resulta do facto de o vector aceleração apontar no sentido negativo do eixo dos y) 𝑣 = 𝑣0 − 𝑔𝑡 0 = 12m/s − (10m/s2 )𝑡 1.2. O movimento horizontal 𝑡 = 1,2 s. Quando um corpo se desloca numa direcção horizontal, sujeito apenas à força da gravidade 3, a sua velocidade é constante, porque a aceleração resultante da gravidade não possui componente horizontal. Neste caso, se escolhermos o eixo dos 𝑥 como eixo de referência e o corpo se deslocar no sentido positivo deste eixo, a posição do corpo, em função do tempo é dada pela expressão e a velocidade do corpo é 𝑥 = 𝑥0 + 𝑣𝑡 (1) 𝑣 = const. 1.3. O movimento de um projéctil Um objecto lançado com qualquer velocidade inicial e sujeito apenas à força da gravidade, denomina-se um projéctil. Exemplos de projécteis são as granadas lançadas por uma peça de artilharia e uma bola pontapeada ou arremessada numa direcção arbitrária. 3 Quando afirmamos que um corpo está sujeito apenas à força da gravidade estamos a considerar que, de todas as forças que se exercem no corpo, esta é de longe a mais intensa, podendo as outras ser desprezadas numa primeira aproximação. 3 A trajectória de um projéctil é parabólica e pode ser observada utilizando uma máquina fotográfica ou de vídeo digital. O corpo é lançado e filmado. O pequeno vídeo obtido pode ser projectado num ecrã ou numa parede. Utilizando a reprodução fotograma a fotograma, podemos marcar as as posições do projéctil em intervalos de tempo iguais. O gráfico de posições obtido (Fig. 4) é a trajectória 4 do corpo e permite fazer o estudo do movimento do projéctil. O gráfico apresentado na Fig. 4 foi graduado utilizando a medição da distância na horizontal desde o ponto de lançamento do projéctil até à posição em que este voltou à altura de que partiu. Neste caso, escolhemos dois eixos perpendiculares, o eixo dos y, vertical e orientado para cima, e o eixo dos x, horizontal e orientado para a direita, ambos com origem no ponto de lançamento do projéctil, para estudarmos o movimento deste último. No eixo dos y estão representadas as coordenadas de posição do corpo ao longo de um eixo vertical. No eixo dos x estão representadas as coordenadas de posição do corpo ao longo de um eixo vertical. A posição do corpo no instante do lançamento (𝑡 = 0) é definida pelas coordenadas (𝑥0 = 0; 𝑦0 = 0). Apesar da curva no gráfico da Fig. 4 ser uma parábola, tal como a do gráfico da posição em função do tempo na Fig. 3, os dois gráficos representam funções diferentes. O gráfico da Fig. 3 representa a posição, ao longo de um eixo vertical, em função do tempo, para um corpo lançado para cima na vertical. O gráfico da Fig. 4 representa a trajectória de um corpo lançado obliquamente, isto é a posição ao longo de eixo vertical em função da posição ao longo de um eixo horizontal. 4 A trajectória de um corpo em movimento é conjunto das suas posições para diferentes instantes de tempo. 4 Figura 4. Trajectória de um projéctil, lançado com velocidade inicial fazendo um ângulo de 75º com a horizontal. Observando a Fig. 5, verificamos: - Por baixo do eixo horizontal encontra-se um diagrama de pontos correspondente às coordenadas, segundo este eixo, das posições do projéctil para instantes de tempo sucessivos, separados de 0,1 s. - No lado esquerdo do eixo vertical encontra-se um diagrama de pontos correspondente às coordenadas, segundo este eixo, das posições do projéctil para instantes de tempo sucessivos, separados de 0,1 s, antes de o projéctil atingir a altura máxima. - No lado direito do gráfico encontra-se um diagrama de pontos correspondente às coordenadas, segundo este eixo, das posições do projéctil para instantes de tempo sucessivos, separados de 0,1 s, depois de o projéctil atingir a altura máxima. Verificamos imediatamente que os pontos no diagrama horizontal estão igualmente espaçados (Fig. 6) 5 Figura 5. Os diagramas de pontos mostram as coordenadas segundo o eixo horizontal e o segundo o eixo vertical das posições do projéctil para instantes de tempo separados de 0,1 s. Verificamos que a distância entre dois pontos no diagrama horizontal é constante e aproximadamente igual a 0,21 m. A componente horizontal da posição do corpo efectua, portanto, movimento com velocidade constante. Figura 6. Diagrama de pontos correspondente à componente horizontal das posições do projéctil em instantes de tempo sucessivos separados de 0,1 s. Como dois pontos sucessivos correspondem às posições em dois instantes separados de 0,1 s, concluímos que a componente horizontal da velocidade do projéctil é 𝑣𝑥 = 0,21 m 0,1 s = 2,1 m/s. 6 Podemos concluir também que a componente horizontal da aceleração do projéctil, 𝑎𝑥 , é nula. Por sua vez, o diagrama de pontos correspondente à componente vertical da posição do corpo, durante o movimento de subida, mostra que a componente vertical da velocidade do projéctil não é constante (Fig. 7). A variação da componente vertical da velocidade média, para intervalos de tempo de 0,1 s, durante a subida, apresenta as características do movimento unidimensional com aceleração constante (neste caso a aceleração é negativa, porque tem o sentido oposto ao da velocidade). Figura 7. Diagramas de pontos da componente vertical da posição do projéctil durante a subida (à esquerda) e durante a descida (à direita), retirados dos do gráfico da Fig. 5. Durante todo o percurso do projéctil a componente vertical da aceleração é, portanto, constante, o que significa, utilizando a 2.ª Lei de Newton que a força resultante que actua no projéctil é vertical e aponta para baixo. Podemos ler no gráfico os valores da componente vertical da velocidade média do projéctil, ∆𝑣𝑦 /∆𝑡, para os primeiros intervalos de 0,1 s a partir do instante em que foi efectuado o movimento 5: 5 O valor da aceleração do projéctil é negativo porque escolhemos como sentido positivo do eixo dos y o sentido “para cima” e o sentido da aceleração do projéctil é “para baixo”. 7 t (s) 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 ∆t (s) 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 ∆y (m) 0,72 0,64 0,52 0,44 0,32 0,24 ∆y/∆t (∆y/∆t)/∆t (m/s) (m/s2) 7,2 6,4 -8,0 5,2 -12,0 4,4 -8,0 3,2 -12,0 2,4 -8,0 Calculando a média dos valores que surgem na última coluna da tabela, concluímos que a componente vertical da aceleração do projéctil durante o trajecto de subida é, aproximadamente 𝑎𝑦 = −10 m/s2 . Verificamos que o resultado obtido é muito próximo do valor de g, a aceleração resultante da gravidade, o que, associado ao facto de a componente horizontal da aceleração ser nula, confirma que a força resultante que actua no projéctil é, efectivamente, a da gravidade. 1.4. A velocidade e a aceleração no movimento do projéctil Figura 8. O vector deslocamento, ∆𝑟⃗ , (a amarelo, na figura), para intervalos de tempo iguais, varia, em módulo e direcção, durante o movimento do projéctil. No movimento do projéctil, a direcção do vector velocidade é, em geral, diferente da direcção do vector aceleração. 8 Na Figura 8 estão traçados no gráfico o vector deslocamento, ∆𝑟⃗, para intervalos de tempo iguais, ∆𝑡, durante o movimento do projéctil. Verificamos que o vector deslocamento varia em módulo e direcção durante o movimento. Como o vector velocidade média no intervalo ∆𝑡 é 𝑣⃗média = ∆𝑟⃗ , ∆𝑡 Concluímos que a velocidade média, para intervalos de tempo iguais também varia em módulo e direcção durante o movimento. Figura 9. Variação da velocidade média do projéctil em intervalos de tempo iguais e sucessivas. Os vectores velocidade média estão desenhados a amarelo e a respectiva variação a azul. O movimento do projéctil é um exemplo de um movimento em que, em geral, a direcção da velocidade e da aceleração não coincidem. Observando a figura 9, verificamos que, para intervalos de tempo sucessivos, 𝑎⃗média = �⃗ ∆𝑣 ∆𝑡 = 𝑎⃗ = constante, o que está de acordo com a nossa conclusão que a aceleração do projéctil é constante durante o movimento. Verificamos também que, efectivamente, o vector aceleração é vertical e aponta para baixo. De uma forma geral, quando a aceleração não é nula, a variação do vector velocidade de um corpo num intervalo ∆𝑡 é dada por ∆𝑣⃗ = 𝑎⃗média ∆𝑡, em que 𝑎⃗média do corpo no intervalo de tempo ∆𝑡. 9 1.5. O movimento circular uniforme Um caso particular importante é o do movimento de um corpo em que a aceleração tem módulo constante e é, em cada ponto, perpendicular à velocidade do corpo. Neste movimento a trajectória é uma circunferência e a velocidade do corpo possui módulo constante e é chamado movimento circular uniforme. Na Fig. 11 está traçada a trajectória do movimento circular uniforme de um corpo, um arco de circunferência com centro no ponto C. Em dois pontos da trajectória, P1 e P2, posições do corpo nos instantes 𝑡1 e 𝑡2 , respectivamente, próximos um do outro, estão traçados os vectores velocidade do corpo nesses pontos, 𝑣⃗1 e e 𝑣⃗2 , tangentes à trajectória. Está desenhado também o vector ∆𝑣⃗ = 𝑣⃗2 − 𝑣⃗1 . Este último vector tem a direcção e sentido do vector aceleração média do corpo no intervalo ∆𝑡 = 𝑡2 − 𝑡1 . Verificamos que a direcção deste vector quase perpendicular à direcção da velocidade e o sentido é para o interior da trajectória. Figura 10. Vectores velocidade de um corpo com velocidade de módulo constante e trajectória circular. Demonstra-se que, quando P2 está muito próximo de P1, o vector ∆𝑣⃗ = 𝑣⃗2 − 𝑣⃗1 tem a direcção do centro da trajectória. Consequentemente, se o movimento de um corpo é circular e uniforme, a aceleração em cada ponto tem a direcção do centro da trajectória, o que significa que é sempre perpendicular à direcção da velocidade. O movimento da Lua em torno da Terra é, muito aproximadamente, circular e uniforme, em torno do centro da Terra (Fig. 11). Isso significa que a aceleração da Lua aponta sempre para o centro da Terra. 10 Este resultado está de acordo com a 2.ª Lei de Newton uma vez que a Lua está a mover-se actuada pela força gravítica da Terra, que tem sempre a direcção e o sentido do centro da Terra. Figura 11. A força gravítica que a Terra exerce na Lua tem sempre a direcção do centro da Terra, que é também o centro da trajectória aproximadamente circular da Lua, em torno da Terra. 11