NEWSLETTER OF THE PORTUGUESE LANGUAGE DIVISION OF THE AMERICAN TRANSLATORS ASSOCIATION P L DATA MARCH 2008 Índice Editor's Corner ................................................... 2 Administrator's Corner ....................................... 2 Interview ............................................................ 3 On Translation .................................................. 9 Maria Chaves de Mello, lawyer and author of renowned dictionary of legal terms Portuguese linguist Carmen Gouveia takes sides on the subject of the Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa Freedom of Speech .............................................. 6 A humorous approach to the anglicization of Portuguese, by journalist Marcos Caetano Mário Ferreira Award .......................................... 8 Edna Ditaranto receives the award during ceremony in San Francisco PLDATA - MAR/2008 Thelma Sabin translates “raccoons” and other animals Opinion ............................................................ 10 Legal Notes ....................................................... 13 The concept of jurisdiction in Brazilian law, by Sergio Sardenberg PLD in San Francisco ........................................ 14 A wrap-up of the ATA Conference 1 ew Editor's corner Administrator's Corner Hello PLD! I’m happy to be back as your Editor. Thanks to Clarissa SurekClark for holding the fort for the past two years. I’m now working under Eloisa Marques, our new administrator and editor extraordinaire. Editing has been Eloisa’s main career for many years – how about that for a bit of pressure on me...? We have many plans and ideas for the PLDATA, including more interaction with our readers. Stay tuned and please be alert for subjects of interest. Thanks to the members who have contributed already. Hope you like my interview with Maria Chaves de Mello. Happy translations and happy 2008, everyone. Tereza Braga Este é o primeiro número do PLDATA sob a nova administração da Divisão de Português (PLD) da ATA escolhida na reunião de San Francisco em novembro do ano passado. Cabe-nos a tarefa de levar adiante esta divisão tão bem-sucedida, que completou 20 anos de existência e é uma das mais antigas da ATA. Somos um grupo eclético e multinacional – e que reflete o perfil de nossa divisão. Eu nasci no Brasil e moro e trabalho nos Estados Unidos há 28 anos. Julia Pedro, administradora assistente, é portuguesa, domiciliada até recentemente na Alemanha, mas atualmente vive na África do Sul. Alison Carroll, secretária, nasceu nos Estados Unidos mas é brasileira de coração. E Elena Langdon, tesoureira, nasceu nos Estados Unidos, foi criada no Brasil e hoje vive na Nova Inglaterra. Escrevo esta mensagem vendo ao longe pela janela as majestosas montanhas Rochosas do estado do Colorado, onde estou de visita a minha filha. Ref lito sobre a responsabilidade que me cabe como administradora da divisão e, embora não me sinta tão à altura do trabalho quanto queiram crer meus colegas, confio no que me disseram, que a tarefa de levar adiante a PLD é partilhada entre várias pessoas, além das formalmente escolhidas para encabeçála, o que torna possível lidar com os desafios que nos esperam. Quero agradecer a Tereza Braga, editora chefe de nosso boletim, pelo entusiasmo com que retomou a tarefa de editar este que é nosso vínculo mais direto com os membros da divisão, porque alcança a todos, mesmo aos que não podem participar das conferências da PLD e da ATA.Graças a sua invejável rede de contatos, ela conseguiu em pouco tempo reunir uma variedade de artigos para compor este número, entre eles uma entrevista que fez com Maria Chaves de Mello, autora do bem-sucedido e abrangente Dicionário Jurídico, que já está em sua oitava edição brasileira. Um artigo de Carmen Gouveia, de Portugal, faz uma análise objetiva e desapaixonada do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa e um histórico das tentativas de unificação do idioma que datam dos anos 1930. É um tema polêmico e queremos dar uma contribuição ao debate e tentar trazer a nossos leitores todas as opiniões. Agradeço também a Ana Luiza Iaria, pela diagramação e arte do boletim, e à contribuição de todos os que nos enviaram artigos sobre os mais diversos temas. Contamos com você, leitor do PLDATA. Escreva-nos, envie-nos artigos e informações que possam ser úteis a seus colegas e dê-nos sua opinião. Sua participação é fundamental para manter a vitalidade e o entusiasmo que caracterizam nossa divisão. Eloisa Marques PLDATA Volume XVII | Issue 1 | March 2008 Managing Editor Eloisa Marques Chief Editor Tereza Braga Design Ana Luiza Iaria PLDATA IS A PUBLICATION OF THE PORTUGUESE LANGUAGE DIVISION (PLD) Suggestions and comments should be sent to the managing editor at: [email protected] Administrator Eloisa Marques Telephone | 301-652-3788 Email | [email protected] Assistant Administrator Julia Pedro Email | [email protected] Secretary Alison Carroll Telephone | 703-534-7649 Email [email protected] Treasurer Elena Langdon Email | [email protected] Webmaster Nelson Laterman Email | [email protected] PLDATA NEWSLETTER - MAR/2008 The statements made and the opinions expressed in the PLDATA are strictly those of the authors and do not necessarily reflect the opinion or judgment of the PLD, PLDATA, its editors or officers.We welcome submission of articles or materials for publication via email, fax or snail mail. Members of the Portuguese Language Division of the ATA receive this newsletter free of charge as part of their affiliation to the Division. Non-members may subscribe to the newsletter for US$10.00/year. If you are interested in advertising in the PLDATA, please send an email to [email protected] The Portuguese Language Division is a non-profit organization and a division of the American Translators Association 225 Reinekers Lane, Suite 590 Alexandria, VA 22314 Telephone 703-683-6100 Fax 703-683-6122 http://www.atanet.org www.ata-divisions.org/PLD 2 Interview Opinião MARIA CHAVES DE MELLO Maria, o seu trabalho foi pioneiro e é de grande ajuda para nós tradutores. Uma grande curiosidade nossa é o desafio de criar um dicionário. Qual foi a sua motivação e quando começou esta aventura? Maria Chaves de Mello is the author of Dicionário Jurídico, now in its 8th edition. She lives and works in Rio de Janeiro and was our guest speaker at the ATA Legal Conference in Jersey City in 2003. PLDATA - MAR/2008 A idéia da publicação do dicionário partiu de um antigo professor meu de faculdade, um juiz de direito que, ao examinar um glossário que eu tinha preparado para meu uso, ficou tão entusiasmado que conseguiu me contagiar e fazer aceitar o desafio de criar um livro. Esta aventura começou no final dos anos 1970, continua até hoje, e pressinto que nunca vai acabar! Eu trabalhava, então, numa empresa norte-americana, onde também fazia traduções. Traduzir um texto jurídico exigia de mim um tour de force para a criação de alguma coisa razoável. Eu já estudava Direito naquela época e comecei a preparar um glossário bilíngüe para meu uso pessoal, porque ainda não existia um dicionário jurídico publicado e os dicionários comuns não atendiam as minhas necessidades. Aquele glossário, porém, não passava inicialmente de uma simples lista de palavras e, à medida que ela foi crescendo, eu fui me dedicando a uma pesquisa cada vez mais ampla e mais complexa, incorporando nela palavras que ninguém antes ousara traduzir, a não ser de forma literal inadequada. Muitas delas exigiram de mim longas horas de estudo e comparação dos dois sistemas para encontrar a correspondência adequada. E assim transcorreram uns dois anos, até aquele dia que o professor me deu a idéia de fazer o livro. Havia uma lacuna na bibliografia jurídica, e um dicionário bilíngüe desse tipo, além da utilidade que repre- sentava para os operadores do Direito e para os tradutores, revestia-se, também, de um incontestável caráter social. A idéia de lançar uma obra pioneira do caráter dessa me assustou a princípio, porque eu estava consciente das dificuldades que isto envolvia, embora ainda não tivesse a noção do tamanho do desafio que iria enfrentar. Mas eu já o havia aceitado, dado partida ao projeto, e não havia mais como recuar, sob pena de uma grande frustração pelo fracasso. Passei mais três anos mergulhada entre montanhas de livros e documentos e, ao cabo de cinco anos no total, lancei a primeira edição do livro, com o coração aos pulos. Eu confesso que recebi a assistência especializada daquele professor e de outros juristas durante todo o tempo que levei para elaborar o livro. Sem essa ajuda, dificilmente eu chegaria ao término da obra. Mais tarde, vieram outras várias edições, de elaboração porém um pouco mais amena. Quanto à motivação que me levou a criar o dicionário vem, principalmente, do prazer que desperta em mim a pesquisa do Direito, e também da satisfação que sinto em saber que o livro é útil a muitos que dele se utilizam. Sobre essa sua consciência das dificuldades que o projeto envolveria, elas mudaram com o tempo? Ou foram as que você já esperava? Ora, traduzir e conceituar termos polissêmicos oriundos de tradições jurídicas diferentes era um senhor desafio! Mas as dificuldades não se revelaram diferentes, apenas muito mais complexas. O Direito é formado de palavras, e as palavras raramente transmitem o pensamento com precisão. A busca de 3 vocábulos apropriados no sistema alvo foi muito mais laboriosa e enervante do que eu pensava. A terminologia jurídica é oscilante e movediça, com os especialistas divergindo entre si na fixação conceitual, o que ocorre ainda com mais freqüência na tradição romanista. O uso de um vocábulo inadequado pode se refletir no conteúdo do texto, reduzindo ou ampliando o significado original, como é o caso dos termos Lei e Direito, por exemplo, que apresentam no direito romanista uma sutil mas importantíssima diferença. Eu descobri que usando apenas os dicionários técnicos monolíngües, não iria conseguir relacionar bem o significante com os significados. Para isso, era necessário conhecer bem o funcionamento da língua dentro das comunidades lingüísticas enfocadas, e precisei importar muitos livros de Direito anglo-americano, estudar neles e pesquisar cuidadosamente o seu conteúdo. Enfim acabei precisando dispender muito mais esforço, tempo e paciência na execução do projeto do que inicialmente havia previsto. Dentre os termos que exigiram um esforço de comparação excepcional, destaco particularmente os termos referentes aos ilícitos penais e civis, e também os processuais. Homicide, conspiracy, tort, process, writ, bench, motion, são alguns poucos exemplos, entre milhares. Você contratou alguém para ajudar? À exceção de termos do direito comercial que já eram amplamente conhecidos, e que eu aproveitei no dicionário, não obtive qualquer ajuda. A não ser aquela à qual eu já me referi, e que consistia no debate de conceitos mais complexos para encontrarmos uma definição satisfatória. Na época, o uso do computador ainda não tinha se popularizado no Brasil, e eu não contei com essa invenção maravilhosa. Em que ano “nasceu” o seu dicionário? Como foi a concorrência com outros dicionários? Quantas edições até agora? Em 1984! Foi o primeiro dicionário jurídico bilíngüe publicado no mundo, em português-inglês-português. Era o meu projeto “14 bis”, destinado a ser aperfeiçoado e desenvolvido no futuro, talvez por outros. Mas eu suspeito que isto não aconteceu, e, após uma pausa, decidi retomar o projeto e desenvolvê-lo eu mesma. Não é mera lista de termos! O livro contém as definições dos vocábulos porque eu acho isto indispensável para a produção de uma boa tradução. O vocabulário jurídico é temerário e os operadores do Direito não conhecem todos os significados de todos os termos técnicos no vernáculo. Por isto é que existem os dicionários jurídicos monolíngües. As definições servem também para ajudar o leitor a corrigir eventuais equívocos que o livro possa conter. Como disse o lendário lexicógrafo inglês, Dr. Samuel Jonhson, os dicionários são como relógios, o pior dentre eles é melhor que nada, e do melhor dicionário também não se pode esperar uma precisão absoluta! A concorrência até pode ser uma coisa boa para o usuário, mas ainda não senti qualquer efeito dela sobre o meu livro. Aqui no Brasil já foram publicadas oito edições, com várias reimpressões e, atualmente, estou trabalhando no texto da nona, a ser lançada ainda este ano. Em Portugal foram lançadas três edições, adaptadas ao português continental, e existe uma quarta edição no prelo. Além do seu dicionário, da Internet e dos colegas mais experientes em "juridiquês", temos, é claro, o Black’s e o Plácido e Silva. Mesmo assim, alguns colegas sentem falta de frases e exemplos no seu livro. Você pensou nisso ao criá-lo? Qual é a dificuldade? Seria dispendioso demais o projeto? Esse seria o livro ideal, mas os editores acham que o mercado ainda é restrito para absor ver um projeto tão dispendioso. O volume aumentaria substancialmente de tamanho e o custo de produção também. Mas creio que isto será possível num futuro próximo. PLDATA NEWSLETTER - MAR/2008 A bem da verdade, quando foi lançada a primeira edição, havia ceticismo quanto à sua aceitação no nosso meio, porque o Direito luso-brasileiro é de tradição romanista e o Direito anglo-americano não despertava maior interesse aqui. Eu fui presunçosa e teimosa ao insistir na publicação, inclusive porque me incomodava abrir uma célebre obra sobre um instituto de direito inglês, da autoria de um renomado jurisconsulto nosso, e ali deparar em suas páginas com o “banco do rei”, a “prova do rei”, o “assassinato por desventura”... entre outras calamidades! Mas hoje a situação mudou e existem muitos juristas brasileiros que se interessam pelo Common Law. E tornou-se quase rotineiro o uso de termos e conceitos da tradição anglo-americana no Brasil. Graças a Deus ninguém mais fala em “banco do rei”! Por isto, eu acho que é possível dentro de algum tempo lançar uma edição ilustrada com exemplos. Já na próxima nona edição vamos incluir algumas frases e exemplos, meio timidamente ainda, para não estourar o orçamento de nossos editores! Uma curiosidade de leiga: seria possível você viver de direitos autorais? Conhece autores de dicionários que conseguem? Sim, seria possível eu viver somente dos rendimentos de direitos autorais, mas numa base modesta. Por comparação, eu creio que os autores dos dicionários comuns mais bem aceitos recebem rendimentos maiores do que os meus porque o mercado é bem mais amplo. 4 Você se baseou no inglês americano para criar o seu livro? Já conhecia os Estados Unidos na época? Tem colegas/amigos nos EUA? Qual a sua opinião do país? Sim, eu me baseei no inglês americano, com algumas pitadas do britânico. Eu já conhecia os Estados Unidos, onde freqüentei um curso de curta duração sobre Ciência Política na Universidade de Kentucky, em Lexington. Tenho alguns colegas amigos na Florida. Eu acho que os Estados Unidos são a terra das oportunidades e admiro muito a independência do Judiciário americano. Acho também admirável a sinceridade do povo americano. Você trabalha como advogada, tradutora, ou os dois? Se é advogada, qual é a sua especialidade e em que firma trabalha? Sim, sou advogada militante. Tenho minha própria banca no Rio de Janeiro e sou especialista em Direito das Sucessões e Direito de Família. E presto também aconselhamento jurídico em matéria de Direito Civil a algumas pessoas físicas. Conte-nos um pouquinho da sua história, onde foi criada, onde estudou e por que se apaixonou pelo Direito. Alguma influência familiar? Eu fui criada em Conquista, no interior da Bahia, onde estudei até o segundo grau. Mais tarde, mudamos para Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, onde fiz um primeiro vestibular para Direito, mas acabei me formando no Rio, pela UERJ-Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Optei pelo Direito por eliminação! Entre as carreiras clássicas, era a mais adequada ao meu temperamento, porque eu não poderia ser médica ou engenheira, por exemplo. Eu sempre li muito desde criança, e desejava uma carreira que conjugasse o tra- balho com a leitura. Como o Direito é, por excelência, a ciência das palavras, nada mais indicado, pensei. E não me arrependi. No Direito pulsa o conjunto do conhecimento em todas as suas formas, religião, filosofia, arte, ciência e política. É uma carreira fascinante porque nos permite uma privilegiada visão do mundo como ele é, em todas as suas misérias e esplendores. Explique para nós a sua relação com Gladstone Chaves de Mello (filólogo, professor da UFF e adido cultural brasileiro). Ele foi grande amigo de meus pais e me lembro de inúmeras palestras e aulas dele, inclusive lá em casa, no Rio. impressão tanto quanto à impecável organização do congresso como quanto ao alto nível de seus membros. T o d o s aqueles com os quais tive contato me passaram a idéia de que amam o que fazem e estão felizes com a profissão. Você tem algum contato com tradutores jurídicos no seu trabalho Eu fui casada com um irmão do como advogada e consultora? CostuGladstone, Antonio, que era jornalista ma contratar ou recomendar tradue faleceu bem antes dele, jovem ainda. tores para seus clientes? Em família, o Gladstone nos dava aulas de religião, estilística e filosofia. Foi uma Sim. Eventualmente, eu preciso de tragraça, porque ele era reconhecidamente duções jurídicas e costumo contratar um dos homens mais cultos do Brasil. alguns serviços. Hoje, com a internet, os contatos se tornaram muito facilitaAgora sobre o mundo da tradução. dos e a gente não depende mais somenComo foi a experiência na ATA em te dos tradutores locais. 2003? Já tinha tido alguma experiência em congressos de tradutores? Para os nossos associados de outros países lusófonos, o que você poderia Eu tenho uma admiração especial pelos nos dizer sobre as entradas de direito tradutores. Vocês são uns domesti- português no dicionário? cadores de palavras, capazes até de transformar um original medíocre num Sobre a nossa quarta edição, que será texto brilhante. Existem exemplos na lançada em Lisboa brevemente por uma literatura, e não duvido que existam editora portuguesa, houve uma completambém nas áreas técnicas! A ta adaptação do texto para a ortografia e experiência que tive como convidada o direito português, sem que ocorresse especial da ATA Legal Translation qualquer redução das entradas já existenConference foi maravilhosa. Manhattan tes pertinentes ao direito brasileiro E tamà noite, cheia de luzes, emergindo do bém foram acrescentados os termos mais outro lado do Hudson River, era um adequados àquele direito, tudo isto feito espetáculo magnificente. E dava-me a sob a supervisão de advogados portugueimpressão de que, do meu quarto do ses. Por exemplo, o termo brasileiro hotel, eu até poderia tocá-la! Aquela foi “caixinha”, que em Portugal corresponde a minha primeira experiência de ao termo “fundo de maneio”, foi mantipalestras em congressos de tradutores, do como já existe, sendo acrescentado PLD e a ATA me deixou uma excelente também esse último. To contact the PLD Board, send an e-mail to [email protected] PLDATA - MAR/2008 5 Freedom of Speech A luta para que, além de deixar o carro no valet parking e ir falar com a hostess para descolar um lugar no lounge, o único idioma falado no Brasil seja, at last, o inglês MARCOS CAETANO M eu nome (infelizmente) é Roberto Madeira Quintal, mas gostaria mesmo é de ser chamado de Bob Woodward. Tenho 46 anos de idade e sou entrepreneur. É com imenso pesar que me dirijo aos leitores no triste idioma local, excrescência herdada dos nossos tempos de colônia. Só me submeti à humilhação de exprimir meus pensamentos em português por conta do deal que fiz com os publishers da revista: não escreveria em inglês, desde que tivesse liberdade para addressar todos os temas que fossem do interesse da minha causa, sem qualquer tipo de censura. Ou seja, freedom of speech total e absoluta. Em que pese a terrível decisão que os levou a batizar a revista com tão preposteroso brand – piauí –, os heads do magazine honraram sua palavra e, finalmente, eis aqui minha proposta para transformar o Brasil. Na verdade, um rough do plano que batizei de “A Better Brazil”, que, se implementado, levará o nosso país ao top of the top do mundo civilizado. Em primeiro lugar, full disclosure: ofereço minhas apologias por uma ou outra palavra fora dos padrões gramaticais da ABL. Vocês podem imaginar o tremendo esforço que venho fazendo para esquecer essa língua primitiva que meus pais me obrigaram a aprender. Se pudesse, eu a deletaria da memória. Falase muito em controle parental, mas, no caso do Brasil, seria melhor que os filhos controlassem os parentes – e não ao contrário. Os teens, mesmo os das classes menos abastadas, mostram mais skills para se adequarem ao inglês e a todos os conceitos de modernidade do que os baby boomers da minha geração jamais sonharão possuir. Boa parte dos problemas típicos das empresas de hoje – como o turnover, o downsizing, o dumping e os subprime credits – seria facilmente resolvida se a mão-de-obra veterana fosse substituída por geeks e todos esses youngsters ligados em games, internet e instant messengers. Seria um turning point, sem dúvida. Mas eu já estou perdendo o meu trem de pensamentos. Voltemos à principal questão deste paper. Tudo começou quando levei ao CEO, ao CFO, ao COO, ao CPO, ao CTO, ao CMO e ao CIO da empresa em que trabalhava – todos Ph.D., diga-se – a budgetização e o working flow detalhado de um projeto revolucionário: a construção de um condo, em Alphaville, no qual as pessoas só poderiam falar inglês. Para quem tivesse algum tirocínio, era óbvio que se tratava de um killer project. Quem poderia ser contra um condoresort desse calibre? Meu business plan era um no-brainer. Impossível recusar. Imaginem o sucesso de um lugar no qual do Spa até o Gym, do hall até a Lan house e o espaço gourmet só se ouvisse e falasse o idioma de Bill Gates. Um lugar que não teria escolas bilíngües, mas apenas monolíngües, todas em inglês, restando ao morador escolher apenas a instituição cujo sotaque mais apreciasse: americano, inglês, australiano, irlandês, escocês, galês, cockney. Por pura inveja do board, assustado com o meu success fee, a brilhante idéia foi recusada. “Isso jeopardizaria os long-term plans da empresa. Não faz parte das nossas policies e não interessa aos targets, tanto Bto-B quanto B-to-C”, teve o desplante de me dizer o Chairman of the Board. Sucker. Son of a bitch. “Jeopardizar my ass. Fuck you!”, gritei eu, antes de bater a porta na cara de todos e sair do meeting room para “take care of my own business”, como se diz em língua de gente. PLDATA NEWSLETTER - MAR/2008 Foi só então que eu realizei que aquilo que seria mágico num condo de Alphaville seria ainda melhor se, como visão de futuro, fosse aplicado ao Brasil as a whole. Fiquei freak, totalmente excitado com o meu insight. E o melhor é que nós já estamos a caminho disso. O mercado internacional está cada vez mais comoditizado e o approach é cada vez mais top-down, sendo que o top é a América, o down somos nós. Fábrica no Brasil virou planta. Liquidação é sale: tudo 30% off! E não estou falando de loja dos well-todo, não. Nos subúrbios, liquidação também é sale – até para os coloureds. Quem nunca participou de um brainstorming que atire a primeira pedra. Produto por aqui não tem funcionalidades, tem features, algo bem mais simples de entender. O povo brasileiro deseja essa mudança, brô! Cartão ouro já era. O negócio agora é gold, platinum ou black. Nós queremos esse plus a mais. Queremos deixar o -carro no valet parking e ir falar com a hostess para conseguir um lugar no lounge. Tal é a nossa vocação. Lutar contra isso será perda de tempo. Nosso país já é um work-in-progress rumo à América! Pensando nisso, brifei uma agência de branding para criar um logo, no qual as estrelas da nossa bandeira se misturassem com as da stars ‘n’ stripes americana. Ficou terrífico, lindo de morrer. Astonishante! Atachei o logo ao meu PowerPoint e, on demand, viajei por todo o país levando a boa-nova da adoção do inglês como idioma padrão em nossas escolas das redes pública e privada. Nos próximos dois anos, capacitaremos os professores (training é básico). Concluída a capacitação, faremos focus groups e samplings para definir que escolas serão migradas para o piloto do 6 projeto. Os alunos dessas escolas serão flagados para poderem ser trackeados durante o tempo do experimento. Concluído o number crunching, levaremos o conceito para as demais escolas. Nos cinco anos seguintes, a carga de matérias ministradas em inglês aumentará 20% by year, de forma que em 2017 teremos os alunos cursando todas as classes em inglês, com grande proficiência. O day after será um pouco complicado, pois a parcela da população que insistirá em falar português demorará um pouco para realizar a mudança e poderá considerar a nova política uma aporrinhação – ou um harassment, como dirão os mais evoluídos. Mas o governo fará um painel sobre a situação e logo, logo, os native speakers estarão se virando para aprender inglês – por uma simples questão de sobrevivência. Em três décadas ninguém falará mais do assunto e os últimos resistentes do português já terão morrido. Litro será galão; centímetros, polegadas; metros, jardas e quilômetros, milhas. E real será dólar, claro. Simple as that. End of story. Depois, bastará ao Brazil pegar o seu certificado de investment grade e aguardar a enxurrada de risk capital que inundará os nossos mercados financeiros. Entraremos no primeiro mundo pela porta da frente e, se tudo der certo, minha próxima cruzada será a campanha “The 51st State”, na qual pleitearemos dos Estados Unidos a condição de protetorado, como ocorre com Puerto Rico ou Virgin Islands. Sonho até com a anexação pura e simples, como ocorreu com o Alaska e o Hawaii. Well, é evidente que muitos empecilhos aparecerão no nosso caminho. Mas, entre todos eles, um é mais simbólico, urgente e representativo. Falo do ex-ministro Aldo Rebelo, comunista hardcore, que faz força na ponta oposta da história, querendo forçar-nos a abandonar o hot dog para retornar à abominável tapioca. O deputado é bossy, control-freak e tão obnoxioso quanto um filme dublado. Não será fácil dobrá-lo. Entretanto, o Executive Committee do nosso movi- mento trabalha com duas hipóteses: a conversão de Cuba ao capitalismo, algo que nosso research department estima que ocorrerá em três ou quatro anos; e o worst case scenario, que passa pelo aliciamento do camarada. Nosso funding é bom, de forma que estamos prontos a fazer-lhe uma oferta que não poderá recusar. Não, não falo de um condo em Alphaville, mas de uma cabana em Moçambique, cercada de natureza por todos os lados e onde ninguém, ninguém mesmo, falará outra coisa que não português. Ainda que nosso movimento tenha international ambitions e um dia chegaremos à África. A primeira Constituição da nossa República, a de 1891, batizou o país com o nome de Estados Unidos do Brazil. Mais tarde, decidiram rebrandizá-lo para República Federativa do Brasil. Big mistake! Ainda vamos retomar o nome original. E, hopefully, com o Z no lugar PLD do S. Brazil! Reprodução autorizada. Artigo publicado originalmente na revista Piauí, n° 16, 2007 http://www.revistapiaui.com.br PORTUGUESE/ENGLISH SIMULTANEOUS INTERPRETATIONWORKSHOP 20 hours, 3 days Saturday-Monday, May 24-26, 2008 Description This 20-hour intensive, hands-on course provides participants an opportunity to experience the challenge and excitement of simultaneous interpretation in a controlled setting, with extensive feedback from the instructor and effective peer review. The workshop uses an innovative approach of practice followed by discussion and selfassessment, and has been successfully conducted in Brazil for over eight years. The course’s main purpose is to give participants first-hand experience in the interpretation booth, through staged exercises followed by an in-depth exploration of the important historic and theoretical underpinnings of conference interpretation. Candidates must be fluent in English and Portuguese and have at least some translation or interpreting experience. The course is recommended for translators, community interpreters, court/healthcare interpreters in the Portuguese/English language pair. About The Instructor EWANDRO MAGALHÃES Ewandro Magalhães is a native of Brazil, and a seasoned conference interpreter, translator, trainer and author. He has interpreted at over 1,000 days of conferences in Brazil, Africa and the United States. He is a contractor with the International Monetary Fund and the World Bank. He was also personal interpreter to the Speaker of the House and Vice-President in Brazil, and has accompanied several heads of State and Government during their official visits. Professor Magalhães created and conducted a series of interpreter training courses across Brazil. To his extensive professional credentials he will add an MA in Conference Interpretation from the Monterey Institute of International Studies in May of 2008. http://translate.miis.edu/ndp/programs.html PLDATA - MAR/2008 7 Mário Ferreira Award to Edna Ditaranto Marking its 20th anniversary, the Portuguese Language Division of ATA has presented the Mário Ferreira Award to Edna Ditaranto at the 48th Annual ATA Conference in San Francisco. Together with Portuguese translator Mário Ferreira, Edna Ditaranto was one of the founders of the Portuguese Language Division in 1987. She headed the PLD as Administrator for several terms, and is currently chair of the English into Portuguese certification group. The award recognizes those who have made considerable contributions to Portuguese translation within the ATA community. It has previously been awarded to Murilo Nery and Clifford Landers. T here is no greater happiness than seeing our children grow-up, develop, reach their goals and dreams. However, nothing compares to what we feel when they show us appreciation for all that we have done for them. Our Division grew out of a need to come together and help each other, and slowly it has grown and developed into quite an active group. It was difficult to step down as Administrator in 1995, and pass the torch to a new set of leaders after holding the power for so long. But I knew that the Division needed new blood, new ideas. I have no regrets. The Division has accomplished so many wonderful things since then. The 2007 ATA Conference in San Francisco will forever be in my heart. From the moment we met in 1986, Mário Ferreira was someone who meant a lot to me. He was an excellent translator, both into and out of Portuguese, and a very kind and friendly person. I learned a lot from him, who always happily took my calls and gave me valuable information and answered my questions. I feel privileged for having had him as a mentor, albeit for a short time. The Mário Ferreira Award proves to me that it is worthwhile fighting for what one believes in. One fine day in 1987, I believed that I could put together a group of Portuguese translators who could help each other and benefit from the knowledge each of them possessed. I did not know what was going to happen to this group nor could I ever imagine it would still exist 20 years later. It is true that the idea of founding the group (which later became an ATA Division) was mine, with the help of 8 other translators – Mário Ferreira, Susana Greiss, Alzi Platts, Marisia Lauré, Clifford Landers, Jean Longland, and two other people who unfortunately only came to the first meeting, and I – and thus a great adventure begun. However, I owe and dedicate this Award to all PLD members who for 20 years have moved the PLD forward. I started the Division, but without you it wouldn’t exist nor would the Award be given. With my heartfelt thanks, Edna H. Ditaranto PLDATA NEWSLETTER - MAR/2008 PLD 8 On Translation Dar nome aos bichos Thelma Sabin Um grupo de tradutores, companheiros de várias reuniões da ATA, traz sempre um assunto na pauta: como traduzir o nome de alguns bichos comumente encontrados nos Estados Unidos para seus equivalentes no Brasil. Na verdade, acho que discutimos apenas pelo gostinho de competir para ver quem apresenta mais nomes para “batizar” os três bichos em questão. Para tentar selar a questão e partir para outros bichos e outras discussões, aqui vai minha contribuição: Racoon – guaxinim, mapache (Procyon lotor) ou racum (v. Aurélio e Houaiss). Skunk – jaratataca, jaritataca ou cangambá (Conepatus semistriatus). É confundido com o gambá Opossum - Gambá Racoon - Guaxinim Skunk - Cangambá Dizem que é parecido com o mão-pelada (Procyon cancrivorus); a Wikipédia traz fotos dos dois espécimes e dá para ver que o mão-pelada é mais pelado mesmo. pelo cheiro. A outra semelhança entre eles é que resistem à picada de cobras venenosas. [Var.: jaguacacaca, jaguaritaca, jeritataca, iritataca, maratataca. Sin.: marita fede, cangambá.] A jaritataca tem a tradicional listra branca nas costas negras e o rabo peludo e o gambá tem o rabo lisinho usado para se pendurar nas árvores. Mão-pelada PLDATA - MAR/2008 A União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais classificou a jaritataca (o skunk brasileiro) como uma espécie em perigo de extinção. Opossum – gambá (família dos didelfídeos, distribuídos em diversas subfamílias e gêneros), tem cauda preênsil e nove dentes incisivos que gosta de mostrar pra assustar a gente. Estes bichinhos não sobrevivem muito tempo nas áreas urbanas dada sua pouca mobilidade – exceto nas árvores – e o fato de que os faróis dos carros ofuscam sua visão e eles acabam sendo atropelados. As fêmeas carregam os filhotes no marsúpio por quatro meses. Conhecem-se três espécies: D. marsupialis, D. aurita e D. paraguayensis. Este eu conhecia como “raposa”e, para quem duvide, está no Aurélio e no Houaiss também. [Sin.: cassaco, sarigüê, saruê, mucura, micurê, raposa, taibu, tacaca, PLD ticaca, timbu.] 9 Opinion O (des)acordo ortográfico: análise fria de um assunto brevemente em ebulição* Carmen Gouveia A Este é um espaço aberto para a troca de idéias e opiniões. O PLDATA inicia o debate, com este artigo da Dra. Carmen Gouveia, lingüista (com trema) e docente da Universidade de Coimbra. PLDATA NEWSLETTER - MAR/2008 s diferenças ortográficas entre Portugal e o Brasil remontam à reforma ortográfica de 1911, adoptada em Portugal em 1916, e que apenas ocorreu no nosso país. A existência das duas normas a partir daí levou a que, após vários avanços e recuos, o primeiro acordo ortográfico luso-brasileiro, proposto pela Academia Brasileira de Letras, fosse assinado em 30 de abril de 1931. Os dois países foram adoptando e abandonando algumas disposições desse acordo (Portugal no que diz respeito às consoantes mudas), até que, em 23 de dezembro de 1943, assinam em Lisboa uma Convenção Ortográfica, que levará ao acordo de 1945, que é promulgado. Contudo, no Brasil continua a seguir-se o de 1943. Em 1967, Coimbra acolhe o 1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre a Língua Portuguesa Contemporânea, que vai preconizar um novo acordo entre Portugal e o Brasil, de modo a solucionar as divergências, mas em que cada parte deveria fazer concessões. Bem acolhido no Brasil, é ignorado em Portugal. Em 1971 as duas Academias estabelecem um acordo limitado, que é aceite nesse ano no Brasil, mas só dois anos depois em Portugal. (É nesta altura que se suprime o acento nas palavras terminadas em –mente, de que muitos se recordarão.) Os trabalhos iniciados pelas duas Academias em 1971 conduzem a um projecto de acordo em 1975, que virá a servir de base ao de 1986. Este acordo, não isento de incoerências, iria sofrer críticas duras por parte das personalidades da cultura, sobretudo em Portugal, criando acesa polémica. Pensava-se com o acordo solucionar o problema das duas grafias oficiais. Não chegou a haver consenso e o projecto foi abandonado. Finalmente, em 12 de outubro de 1990 foi aprovado em Lisboa o último acordo entre Portugal, Brasil e países africanos de expressão portuguesa, assinado uns meses mais tarde, em 16 de dezembro. Mas, volvidos 17 anos (com protocolos modificativos em julho de 1998 e julho de 2004 – este último incluindo já Timor-Leste), ainda não passou do papel. De facto, o segundo protocolo modificativo estabelece que o acordo entrará em vigor com a assinatura dos estados signatários. O Brasil subscreveuo em outubro de 2004, Cabo Verde em abril de 2005 e, em dezembro de 2006, S. Tomé e Príncipe juntou-se a estes dois estados, viabilizando o acordo. Portugal, que ratificou inicialmente apenas o primeiro protocolo modificativo, decidiu recentemente – na XII Reunião do Conselho de Ministros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que teve lugar no início de novembro deste ano em Lisboa – ratificar também o segundo protocolo modificativo do acordo até ao final do ano em curso. Felizmente, a ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, anunciou que o nosso país vai pedir um prazo de 10 (dez) anos para a entrada em vigor do acordo em causa, de modo a que haja tempo para a adaptação, nomeadamente dos manuais escolares. * A segunda parte do título deste artigo foi inspirada no trabalho de Eugenio Coseriu, “El gallego y sus problemas. Reflexiones frías sobre un tema candente”, publicado em 1987. 10 A solução não satisfaz, mas – pelo menos – adia por cerca de uma década as confusões que daí advirão e que serão muitas, como seguidamente se demonstrará. Os objectivos do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (como se designa) são louváveis: promover a unidade, não apenas gráfica, da língua escrita, de modo a contribuir para uma maior difusão do português como língua de projecção internacional. Mas será essa unificação viável para tantos países, se nem entre dois (Portugal e Brasil) tem sido possível? Para responder a esta questão, há que analisar – com algum pormenor e espírito crítico (sem esquecer a base científica fundamental) todo o texto do acordo, o que estipula (e como o faz) e altera, bem como a nota explicativa que vem anexa (Anexo II) ao documento, para tecer, depois, as necessárias conclusões. Vamos aos factos: Começando pelos critérios, não faz qualquer sentido que em determinados casos se privilegie o critério fonético (pronúncia) e noutros o etimológico. Por exemplo, na Base II, alínea a), o <h> mantém-se «por força da etimologia» e, na Base V, as vogais átonas «regulam-se pela etimologia». Por sua vez, as consoantes mudas (em baptismo, direcção, acção, óptimo, etc.) suprimem-se por não serem pronunciadas e as grafias duplas subsistem por haver diferentes Outro problema grave (e insolúvel) é a acentuação gráfica. Nas oxítonas (ou agudas), a Base VIII, artigo 1º, estabelece que – no que respeita à palavra terminada em –e, de origem francesa, «por ser articulada nas pronúncias cultas ora como aberta ora como fechada, admite tanto o acento agudo como o circunflexo», e exemplifica com bidé/ bidé, bebé/bebê, canapé/canapê, croché/ crochê, guiché/guichê, entre outras. Pressupõe igualmente, pela mesma razão das pronúncias divergentes, a acentuação dupla para formas terminadas em –o, como judo/judô e metro/ metrô. S em qualquer desmérito ou desrespeito pelo trabalho (sem dúvida árduo!) da equipa de estudiosos que empreenderam a dura e difícil tarefa de redigir (ou alterar com base no de 1986) o acordo que agora se analisa, e ciente de que o ideal seria uma utópica unificação total da ortografia, a realidade é diferente e prova que mesmo uma unificação parcial (como a que o documento propõe) é difícil ou mesmo inviável, dada a diferença das pronúncias cultas (até agora entre Portugal e o Brasil, mas – sem dúvida –, a médio prazo, entre estes dois países e os países africanos e/ou Timor), e que levará (como nos mostra a experiência dos acordos de 1931 a 1986) a que só seja (se o for) posto em prática em alguns dos países que o assinam. Por outro lado, e apesar de a Nota Explicativa do acordo referir que este apresenta apenas «incongruências aparentes», uma cuidada leitura do documento e das suas várias disposições (Bases) demonstra que – queira-se ou não – haverá sempre diferenças inevitáveis e totalmente incontornáveis: as “grafias duplas” ou “alternativas” o emprego “facultativo” de uma ou outra grafia ou acentuação, pelo que talvez valesse mais deixar tudo como está!... PLDATA - MAR/2008 ção, exacto, adoptar, etc.). Mas, em c), «Conservam-se ou eliminam-se facultativamente» se se proferirem numa das pronúncias cultas. E em d) é possível ver novos casos de dupla grafia, como sumptuoso e suntuoso, peremptório e perentório, entre vários outros. E o mesmo no 2º ponto, em que, novamente, «Conservam-se ou eliminam-se facultativamente», donde amígdala e amídala, subtil e sutil e súbdito e súdito, etc. Em suma, essa “unificação”, como se depreende, é impossível!... pronúncias cultas (tónica/tônica, ónus/ônus, jeffersónia/jeffersônia, por exemplo). Essas mesmas grafias duplas, num texto que se pretende o mais possível unificador, e que está escrito nos moldes que defende, proliferam «por haver duas pronúncias cultas»: para além dos casos já acima referidos, antropónimo/antropônimo, ténue/ tênue, axiónimo/axiônimo, hagiónimo/hagiônimo, bibliónimo/ bibliônimo, heterofónicas/ heterofônicas e topónimo/topónimo. Isto já para não falar de formas mais comuns como António/Antônio, Polónia/ Polônia, prémio/prêmio etc., que ficam muito longe da tão almejada unificação ortográfica. Na Base IV, sobre as sequências consonânticas, estipula-se em 1º, b) o seguinte: «Eliminam-se nos casos em que são invariavelmente mudos nas pronúncias cultas da língua (…)» (casos de acção, afectivo, acto, colecção, direc- Quanto às paroxítonas (ou graves), na Base IX, novamente há grafias duplas, pela – uma vez mais – «oscilação de timbre nas pronúncias cultas»: fémur/ fêmur, ónix/ônix, ténis/tênis, bónus/ bônus, Vénus/Vênus, pónei/pônei, etc. No ponto 4º diz-se, claramente, que «é facultativo assinalar com acento agudo as formas verbais do Pretérito Perfeito do Indicativo» (amámos, louvámos) para as distinguir do Presente (amamos, louvamos). Mais outra complicação a juntar às demais... e com implicações de sentido. O mesmo parece suceder no ponto 6º: assinalam-se com acento circunf lexo «facultativamente» dêmos, fôrma, para distinguir de demos e forma; no ponto 9º deixa de se diferenciar a forma verbal pára e a preposição para, como se essa distinção não fosse significativa. Tanto mais que o acordo estipula, nas proparoxítonas (ou esdrúxulas), que deve haver manutenção do acento em formas como fábrica e fabrica, análise e analise, secretária e secretaria, pois a serem abolidos os acentos isso constituiria «sempre problema para o trata11 é uma verdadeira unificação, e – portanto – mais um complicado “desacordo” que um acordo! Se este não resolve os problemas mais prementes, para que aplicá-lo? Se não vai solucionar o problema dos editores disporem da mesma grafia em todos os livros, por que não manter tudo como está? m criança, como certamente a maioria das pessoas que agora estarão com cerca de 40 anos, li (em português do Brasil) a banda desenhada do Zé Carioca, do Professor Pardal, da Mónica (aliás, Mônica!) e nunca escrevi as palavras com essa grafia (êle, ideia, combôio, Amazônia, etc.). Nem, certamente, os da minha geração, que tinham consciência das diferenças!... Com efeito, parece-me bem mais problemática a re-aprendizagem da escrita em crianças e adultos (tanto mais que, a certo ponto, já não se vai saber o que é obrigatório e o que é facultativo!), que aí sim começarão a dar erros ortográficos em todos os territórios em que o acordo entrar em vigor. E se se acha que para a criança de 6 ou 7 anos há muita dificuldade em saber se escreve <p> ou <c> em “baptismo” e “correcção”, para o que poderá (e deverá!) recorrer a um dicionário, mais complicado se torna gerir as diferenças e relações lexicais ao usá-lo e saber onde procurar se se passar a escrever “Egito” e “egípcio”, por exemplo. Isto é incoerente com o que se diz na nota explicativa e é ainda mais difícil para um estrangeiro aprender a nossa língua, tanto mais que se consagra a dupla grafia em palavras de uso muito frequente e há discrepância entre formas da mesma família lexical. Uma última observação pertinente: não é necessário que os cerca de 200 milhões de falantes do português tenham uma única ortografia para que a língua tenha maior alcance e projecção mundial. Já para não falar das várias variantes que há no alemão, francês, chinês, russo, espanhol (embora a Academia da Língua tenha tido uma acção unificadora imprescindível), que não são totalmente unânimes a esse nível, o inglês apresenta várias diferenças, no âmbito da grafia, entre o Reino Unido, os Estados Unidos e a África do Sul, por exemplo. Nem por isso o inglês E mento informático do léxico» (ponto 5.3. c)) e «alargaria os casos de homofonia». Não faz sentido um critério valer para um caso e não para o outro! Na Base IX, uma vez mais, «levam acento agudo ou acento circunflexo» as formas como académico/acadêmico, cómodo/cômodo, anatómico / anatômico, génio/gênio, Amazónia/ Amazônia, etc. Por sua vez, na Base XIV suprime-se totalmente (em Portugal desde 1945) o trema, que é pena não se conservar em toda a língua portuguesa. Como explicar a um estrangeiro (por exemplo a um espanhol, que ainda mantém esse diacrítico na sua língua) se se pronuncia ou não o <u> em quilo e tranquilo, guerra e aguentar, lânguido e linguística?! Para não ser exaustiva, uma última observação: por que manter determinadas grafias que são «consagradas pelo uso» nuns casos (Base XV) e aboli-las noutros? Não há, de facto, uma coerência nos critérios. Diz-se na Nota Explicativa que os acordos anteriores (nomeadamente o de 1986) impunham uma «unificação absoluta», e que não foi aceite porque Portugal e Brasil não quiseram fazer cedências em casos tão importantes – e que só por si justificariam o acordo – como as consoantes mudas e a acentuação das vogais nasaladas (ténis/tênis e António/Antônio). Ora o novo acordo dá para todos esses casos duplas possibilidades, alternativas, facultatividade, etc., pelo que não PLDATA NEWSLETTER - MAR/2008 deixa de ser a língua internacional por excelência e, sem qualquer dúvida, podemos afirmar que esse facto não afectou, em nenhuma hipótese, a sua projecção e importância em nível mundial. Tal como o próprio texto refere, «Não é possível unificar divergências que assentam em claras diferenças de pronúncia», pelo que – na impossibilidade do tão desejado, mas utópico, acordo de unificação absoluta, com coerente correspondência gráfico-fonológica – não faz qualquer sentido um acordo parcial, que continue a apresentar incongruências e critérios não uniformes, a estabelecer um carácter de facultatividade e dupla alternativa, pelo que continuará sempre a manter as divergências existentes ou mesmo até a aumentá-las, correndo-se o risco de total confusão. Desejo por isso, muito sinceramente, que o acordo caia novamente no esquecimento e que cada país venha a encontrar as suas próprias soluções, inviabilizando a tal pretensa unificação. Termino citando as sábias palavras do Prof. Ivo de Castro (proferidas na conferência inaugural do XVIII Encontro da Associação Portuguesa de Linguística, em 2002) – e com as quais me identifico totalmente: «Mais tarde ou mais cedo a questão da ortografia do português terá de ser retomada – não para engendrar novos acordos internacionais sempre frustrantes, mas para produzir uma reforma que reveja e actualize os equilíbrios grafofonémicos do português europeu, para bem do ensino e da produção de língua escrita em Portugal, deixando ao Brasil e aos países africanos o encargo de tomarem as suas próprias iniciativas, separadas e divergentes, PLD nesse campo».** NOTA: O Parlamento português acaba de ratificar o Acordo, deixando, contudo, um prazo de seis anos (e não os dez anteriormente pensados) para se proceder à adaptação de livros, documentos jurídicos e administrativos, manuais escolares, etc. à nova grafia. **O destaque é da minha inteira responsabilidade. [Reprodução autorizada de artigo publicado em 5 de dezembro de 2007 em Edit On Web – Notícias, http://www.editonweb.com 12 THE CONCEPT OF JURISDICTION IN BRAZILIAN LAW Legal Notes T he English term “jurisdiction” corresponds to two legal terms in Portuguese and Brazilian procedural law: jurisdição and competência. Jurisdição is a broader term. It denotes the power which emanates from a sovereign state and is conferred upon administrative and judicial officials, so that they may perform the tasks inherent in a country’s administrative and judicial apparatus. In a democratic political state, both functions are delegated to these officials in accordance with basic rules set forth in the constitution and supplemented by statutory regulations (basically the civil and criminal procedure codes in Brazil). The focus here is on judicial jurisdição, which may be described as the power vested in a judge or a court of law to hear and decide legal controversies brought before the court. The term comes from the Latin jurisdictio, meaning the act of carrying out or dispensing justice, and it denotes the breadth and scope of a judge’s power and duties. All judges have the power of jurisdição, except for those who are retired or who have lost that power as a consequence of a disciplinary action. Jurisdição, the power to try a case and hand down a decision (poder de julgar), may apply to a federal or a state court. The several types of jurisdição pertain to a number of considerations or factors, such as the origin of the entity that carries it out (federal or municipal), its nature (civil, criminal, military, ecclesiastic or administrative), and its level (lower and higher, or original and appellate). Competência, which derives from the Latin competentia (from competere) as follows: PLDATA - MAR/2008 by Sergio Sardenberg a) to be apt or entitled to exercise a right; b) to be capable of doing something, in the sense of being empowered to carry out some legal acts and to judge them. In the context of the discharge of justice, competência means the power of a jurisdictional nature that authorizes a given court to examine or deliberate about a specific situation or controversy and to rule on it, in accordance with the rules and regulations or to the extent of the authority wherefrom this same power emanates. Competência is a modifier of the general concept of jurisdição. It establishes a number of classifications and criteria designed to narrow down the general power of jurisdição. It serves as a sort of focus whereby a judge’s general power of jurisdição manifests itself and is applicable to the controversy at hand. If a judge is lacking competência to decide a given matter, for any reason, such as the nature of the issues that come under the court’s pur view, he is deemed to be incompetente, i.e., he has jurisdição to pass upon such matters in general but is precluded from doing so in the specific instance, given such specific restrictions. Some specific types of competência: ♦ Absolute competência – instituted by statutory law, applies to situations where there is a public interest. ♦ Situs competência – relates to a specific place, i.e., the domicile of the defendant. ♦ Special competência – derives from a specific circumstance pertaining to a characteristic of a person or institution. This is the case, for example, of the courts that process cases relating to estate matters, taxation, etc. ♦ International competência – determines the circumstances in which Brazilian courts are competente to hear matters involving international disputes. As tribal law evolved in ancient cultures and society developed more complex social, political and administrative structures, it became necessary to establish a system of specialization applied to the power to hand down court decisions. Thus, a number of rules came to be adopted over time to make it possible for the courts to be more responsive to a growing multiplicity of circumstances. Hence, the concept of competência. Thus, competência is a system of narrowing down the more general concept of jurisdição, based on a number of criteria, which are applied in accordance with a corresponding number of circumstances or characteristics of the cases. As such, the more general power of passing judgment which corresponds to jurisdição, becomes subordinated to the rules of competência. The following are some of the criteria utilized for determining competência: a) by reason of the domicile of the defendant; b) by location of the object in dispute; c) in accordance with the monetary value in contention; d) by the place where the contract is signed; e) by the special circumstances of a given case or its object, such as matters dealing with wills and estates, for example, that are tried before specific courts. (This is the case also for tax matters, which are heard in different courts, depending on whether they pertain to federal, state or municipal taxes [vara da fazenda nacional, fazenda estadual, etc.].) 13 In practical terms, the determination of whether or not a court is empowered to try a given case is made in a manner which basically entails the same type of reasoning that applies in U.S. law. Competência is the more immediate criterion (unless one is unsure as to the broader question of which court is the one empowered to hear the matter at hand – i.e., the court that has jurisdição). As a practical example, we can take the matter of determining the authority of Brazilian courts in international disputes, which is dealt with in Art. 88 of the Code of Civil Procedure, as follows: “Chapter II International Competência Art. 88 – Brazilian judiciary authorities are competente whenever: I – Defendant, irrespective of his nationality, is domiciled in Brazil; II - The obligation must be performed in Brazil; III–The action has its origin in an event that took place in Brazil, or an act that was performed there.” Pursuant to the Brazilian Federal Constitution, the Federal Supreme Court (STF) is vested with exclusive judicial powers to hear cases dealing with international matters. Thus, the STF has both jurisdição and competência to try those cases that fulfill the basic requirements set forth in Art.88. PLD SERGIO SARDENBERG, a Brazilian-born lawyer and translator, has lived in Northern Virginia since 1989, providing legal counsel on Brazilian law to law firms in Washington and New York in connection with major international litigation. He has also worked as a legal translator. E-mail: [email protected] Website: www.brazilianlawcounsel.com PLD in San Francisco The setting could not be more perfect: San Francisco, the beautiful City by the Bay. A record 1,827 registrants attended the Annual Conference of the ATA, and the meeting marked the Portuguese Language Division’s twentieth year as a 822-member thriving branch of the association. PLD members presented a number of sessions on different subjects, from law to marketing and interpreting in a police setting. Our Distinguished Speaker from Brazil, Ricardo Schütz, spoke on the subject of words in English and Portuguese with multiple meanings and the challenges this poses to translators. He also made an additional presentation on the contrasting writing styles in English and Portuguese and the role of cultural differences between U.S. and Brazil when translating into English. A San Francisco Chinese dragon makes an appearance at the ATA Opening Session We are grateful that the high level and variety of the presentations, the constant opportunities for networking, and the visits to the exhibit hall and job marketplace kept everyone busy, because it was really tempting to just step outside the hotel and walk around the Embarcadero, basking in the late fall sunlight and enjoying the crisp, fresh air. The last PLD administration transfers power to the new one Our division dinner at Espetus was a great success, as usual. PLD members know how to party, and we all had a great time. With your presence and participation, we hope the 49th Annual Conference in Orlando will be an even greater success. PLD dinner at Espetus PLDATA NEWSLETTER - MAR/2008 14