ENSAIO JURÍDICO E ECONÔMICO DA OBRA COMO UM
PRODUTO
HELENARA BRAGA AVANCINI1
RESUMO: Os aspectos econômicos e morais fazem parte do direito autoral,
entretanto, não é simpático para a maioria dos estudiosos deste ramo do direito
assumir que o aspecto econômico é preponderante na atualidade, pois ofenderia o
autor e sua criação. O presente trabalho procura introduzir a discussão acerca
destas questões jurídicas e econômicas, a fim de demonstrar que a obra é tratada
como um produto de alvo valor mercantil.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Autoral – Direito e Economia – Propriedade Intelectual
ABSTRACT: The economic and moral part of copyright, however, is not friendly to
most scholars of this branch of the right to assume that economics is prevalent
nowadays, as it offended the author and his creation. This paper aims to introduce
the discussion about these legal issues and economics, to demonstrate that the work
is treated as a product of the target market value.
KEYWORDS: Copyright – Law and Economics – Intelectual Propriety
As obras, além de representarem a essência do criador,
também apresentam um forte potencial econômico, razão pela qual estão sendo
comercializadas e representam um importante produto para o mercado de consumo.
Ao serem consideradas produtos conferem ao titular de Direito
Autoral o exclusivo de exploração econômica, pelo prazo previsto em lei, o que gera
uma espécie de monopólio legal. Daí afirmar-se que é extremamente importante
para um titular de Direito ver a sua criação intelectual protegida pelo Direito Autoral,
pois o exercício das prerrogativas patrimoniais exclui a concorrência de terceiros.
1
Advogada, agente de propriedade industrial, Professora de direito da FACOS-CNEC e professora
convidada dos cursos de especialização do IDC, UNISINOS e FAAP. Especialista em Direito Autoral
pela Universidad de Los Andes, Mestre em Direito pela UNISINOS, Doutor em Direito pela PUCRS.
Membro da ABDA e APDI. Membro do Grupo de Pesquisa sobre Propriedade Intelectual (UFS e
UFRJ), Grupo Prismas do Direito e da Comissão Especial de Propriedade Intelectual da OAB/RS
195
Por isto, nos últimos tempos, vem surgindo uma tendência de
ampliação da proteção autoral sob criações de caráter utilitário, tais como as bases
de dados e os programas de computadores2 que, mesmo sendo considerados obras,
apresentam
peculiaridades
que
as
distanciam
daquelas
tradicionalmente
reconhecidas pelo Direito de Autor3.
O fenômeno da mercantilização da obra, na atualidade,
fornece indícios sobre a intenção dos titulares de Direito de obterem a garantia de
seus investimentos, através da Lei Autoral, mas em nome dos interesses do “autor”,
o que fez José de Oliveira Ascensão afirmar que “o discurso legitimador deixou de
corresponder à realidade”4. Esta tentativa de desviar o objetivo do Direito Autoral na
proteção dos interesses do titular e não do autor demonstra nitidamente a
“transformação do Direito de Autor em mercadoria. O que passa a avultar é o
significado do Direito de Autor no movimento negocial, com incidência prioritária
2
O reconhecimento da obra como produto já foi examinado pelo Supremo Tribunal Federal que, ao
examinar Recurso Extraordinário em matéria tributária, reconhece que o programa de computador e a
própria fita cassete são qualificados como mercadoria ou produto final a serem oferecidos aos
consumidores. Neste sentido I. Recurso extraordinário e recurso especial: interposição simultânea:
inocorrência, na espécie, de prejuízo do extraordinário pelo não conhecimento ou negativa de
seguimento do especial. II. Recurso extraordinário: prequestionamento: a interposição pertinente de
embargos declaratórios satisfaz a exigência (Súmula 356) ainda que a omissão não venha a ser
suprida pelo Tribunal a quo. Precedente (RE 210.638, DJ 19.6.98, Pertence). III. ICMS: incidência:
comercialização, mediante oferta ao público, de fitas para "vídeo-cassete", gravadas em série. Tal
como sucede com relação a programas de computador ou software (cf. RE 176626, Pertence,
11.12.98), a fita de vídeo pode ser o exemplar de uma obra, oferecido ao público em geral – e,
nesse caso, não seria lícito negar-lhe o qualificativo de mercadoria –, ou o produto final de um
serviço realizado sob encomenda, para atender à necessidade específica de determinado
consumidor, hipótese em que se sujeita à competência tributária dos municípios. Se há, de fato,
comercialização de filmes para "vídeo-cassete", não se caracteriza, para fins de incidência do ISS, a
entrega do serviço ou do seu produto e não com sua oferta ao público consumidor. Decisão: A Turma
conheceu do recurso e lhe deu provimento, nos termos do voto do Relator. Unânime. Falou pela
recorrida a Dra. Alessandra Mizrahi. 1ª Turma. 08.06.99. RE 191454/SP - São Paulo, Recurso
Extraordinário. Relator(a): Min. Sepúlveda Pertence. Órgão Julgador: Primeira Turma, Publicação DJ.
08-06-1999, Recte: Estado de São Paulo. Recdo: Screen Video Ltda. [Grifos nossos].
3
Neste sentido, José de Oliveira Ascensão afirma que “o produto empresarial passa a aspirar à
protecção pelo Direito de Autor, por invocação da forma. Desde logo, se passa assim no domínio dos
bens informáticos. São as bases de dados; são os sítios da internet; serão as produções multimídia”
(ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito intelectual em metamorfose. Revista de Direito Autoral,
ano II, n. IV, p. 11, fev. 2006).
4
A respeito do assunto, José de Oliveira Ascensão adverte que: “continua-se invocando o caráter
espiritual e nobre da criação intelectual para obter o incremento da protecção pelo Direito de Autor.
Mas o fundamento dessa tutela acrescida está antes numa mudança de objectivos, e essa que
comanda o mundo mercantilizado em que vivemos. Há outra finalidade que prevalece sobre a da
protecção do criador intelectual: consiste na proteção ao investimento” (Id. ibidem, p. 12).
196
sobre o comércio mundial”, como se refere José de Oliveira Ascensão5.
De tudo o que foi dito, pode-se verificar que as criações
intelectuais, de que fazem parte as obras, protegidas pelo Direito Autoral, assumem,
no cenário atual, uma importância econômica crescente na economia de mercado.
Porém, sob o ponto de vista do operador do direito, ele deve ser reconhecido como
um produto, uma mercadoria6, que, além de apresentar alto valor econômico, é tido
como um bem jurídico capaz de promover o desenvolvimento sócio-cultural.
Pode-se afirmar que o conhecimento, atualmente, vem sendo
analisado sob dois aspectos paradoxais: a coisificação da criação intelectual e a
funcionalização da propriedade. O problema deste paradoxo decorre da confusão
dos conceitos econômicos e jurídicos da propriedade e dos bens, razão pela qual é
necessário aclarar estas noções, a fim de demonstrar que a economia e o Direito se
complementam7 e são fundamentais para estabelecerem o equilíbrio na relação
autoral.
Acerca da análise econômica e jurídica do Direito Autoral,
deve-se partir de quatro premissas: A primeira é que a comercialização de obras
pressupõe existência de mercado; segundo, que o mercado busca facilitar a troca de
5
O ADPIC/TRIPS é fruto desta transformação da obra em produto, pois “a adesão a este acordo não
se faz por considerações próprias do Direito intelectual. Faz-se pela necessidade de participar do
comércio mundial. O Direito intelectual passa a apresentar-se como um subporduto do Direito do
comércio internacional. Os países não o aceitam por si – aceitam-no, porque não querem ser
excluídos do comércio internacional” […] no que respeita ao Direito de Autor a vertente da cultura
apaga-se. Ou melhor: o fomento da cultura é sempre entendido como o fomento das industrias
culturais, ou de copyright” (Id. ibidem, p. 13).
6
Neste sentido, indaga Paula Forgioni “O conhecimento deve ser encarado como uma mercadoria,
um objeto de troca? Qual o grau de proteção que há de ser garantido ao 'inventor' ou ao 'descobridor'
do conhecimento e qual o proveito econômico que deve ser a ele assegurado?” (FORGIONI, Paula A.
Acesso ao conhecimento: Que Direito nos reserva o futuro? In: NUNES, António José Avelãs;
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Coords.). O Direito e o futuro – o futuro do direito.
Coimbra: Almedina, 2008. p. 355).
7
Tanto é verdade que, dentro da economia, surgiu o estudo da “economia do conhecimento ou da
informação”, onde o conhecimento e a informação são considerados mercadorias apropriáveis,
estabelecendo um elo entre as “idéias de conhecimento e propriedade”. Expressões utilizadas por
(FORGIONI, Paula A. Acesso ao conhecimento: Que Direito nos reserva o futuro? In: NUNES,
António José Avelãs; COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Coords.). O Direito e o futuro – o
futuro do direito. Coimbra: Almedina, 2008. p. 356).
197
bens e serviços, para que haja a redução dos custos destas operações8; terceiro,
que tanto as criações intelectuais como o próprio mercado constituem bens públicos
e, quarto, que a eficiência da lei busca alcançar o bem-estar social9.
Considerando estas quatro premissas, não há como dissociar
o Direito da economia, razão pela qual há que se fazer uma leitura da propriedade e
dos bens sob estes dois aspectos, tendo em vista que se deixou claro, no capítulo
anterior, que o Direito Autoral
tem natureza jurídica proprietária e, por ser
considerada pela lei como um bem móvel, está sujeita à apropriação privada.
O Código Civil brasileiro dispõe, no artigo 1228, que “o
proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o Direito de reavê-la
do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. De forma
semelhante, a Lei Autoral acaba por ratificar a natureza proprietária do Direito
Autoral , tendo em vista que o artigo 28 da Lei n° 9.610/98 prevê os fundamentos
basilares da propriedade ordinária, tal qual como disposto no Código Civil, ao prever
que: “cabe ao autor o Direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária,
artística ou científica”10.
Eduardo Pimenta, a respeito do assunto, recorda que a
8
COASE, Ronald H. The firm, the market, and the law. Chicago: The University of Chicago Press,
1988, p. 7. No mesmo sentido, adverte Luciano Benetti Timm que até mesmo a lei Brasileira de
defesa da concorrência reconhece o mercado como bem público no artigo primeiro, parágrafo único
da Lei 8.884/94 (TIMM, Luciano Benetti. Função social do Direito contratual no código civil Brasileiro:
justiça distributiva vs. Eficiência econômica. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 97, v. 876, p. 30,
out. 2008).
9
Kamiel Koelman entende que, para uma aproximação e análise do Direito e da economia, deve-se
ter presente que a vantagem da lei não se dá através da sua justiça, mas antes pela sua eficiência.
Vale dizer que uma lei é boa, quando é capaz de maximizar a totalidade do bem-estar social da
sociedade (KOELMAN, Kamiel J. Copyright Law & Economics in the EU Copyright Directive: Is
the Droit d’Auteur Passé? Draft The final version appeared in International Review of Intellectual
Property and Competition Law (IIC) No. 6/2004, p. 604).
10
Da mesma forma, dispõe a legislação portuguesa. O artigo 1303° do Código civil português está
inserido no título II do Direito de Propriedade, capítulo I, propriedade em geral, secção I, disposições
gerais que, nas palavras de António Menezes Cordeiro “1. os direitos de autor e a propriedade
industrial estão sujeitos à legislação especial. 2. são, todavia, subsidiariamente aplicáveis aos Direito
de Autor e à propriedade industrial as disposições deste código, quando se harmonizarem com a
natureza daqueles direitos e não contrariem o regime para eles especialmente estabelecido”. Neste
sentido, veja António Menezes Cordeiro (CORDEIRO, António Menezes. Código Civil e Legislação
complementar. Lisboa: Aequitas Editorial Notícias, 1991. p. 395).
198
propriedade é juridicamente considerada sinônimo de Direito real, razão pela qual o
artigo 1196 do Código Civil brasileiro dispõe que ao proprietário cabe o exercício da
titularidade do domínio11, podendo-se dizer o mesmo no Direito Autoral .
É importante não confundir a propriedade do bem material
com a do bem imaterial, pois constituem duas propriedades distintas sob as quais
incidem individualmente o poder inerente ao domínio exercido por seus titulares de
direito. Então, via de regra, uma pessoa não adquire a obra, mas, sim, um exemplar
de uma obra, pois, como leciona André Bertrand, “a titularidade ou a propriedade
dos direitos autorais, propriedade imaterial, distingue-se da propriedade do objeto
material (principalmente o disquete), no qual está reproduzida a obra ou o
programa”12.
Da mesma forma, quando se afirma que há propriedade de
bens imateriais, não se pretende sustentar que o exercício desta titularidade é
idêntico ao da propriedade ordinária, pois, como lembra Gabriel Di Blasi, “as regras
referentes à Propriedade Intelectual não podem ser aplicáveis às coisas corpóreas”,
dentre outras razões, pelo fato de existirem diferenças “entre os bens imateriais e
os bens materiais, principalmente no que concerne à ubiqüidade, ou a onipresença,
do bem imaterial”13.
Maria Tereza Lopes e Heloisa Esteves entendem que o
“direito-de-propriedade-delimitado-e-atribuído, que interessa do ponto de vista
econômico, não se resume ao enunciado normativo do direito” e a garantia ou a
efetividade dos direitos “admite graus intermediários entre a total efetividade e a
inexistência absoluta, o que só pode ser identificado a partir de investigação
11
PIMENTA, Eduardo. Princípios de direitos autorais – um século de proteção autoral no Brasil
– 1898-1998. Livro 1. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 40-41.
12
Embora esta observação seja fundamental, deve-se observar que, nos dias atuais, esta distinção
tende a desaparecer, porque a maior parte das obras não está mais sendo fixada em suportes
materiais (BERTRAND, André. A proteção jurídica dos programas de computadores. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1996. p. 79).
13
Sem mencionar que não há como sustentar a noção de posse na propriedade imaterial (DI BLASI,
Gabriel et al. A propriedade industrial: os sistemas de marcas, patentes e desenhos industriais
analisados a partir da Lei n° 9.279, de 14 de maio de 1996. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 16).
199
empírica”14.
Um
dos
principais
problemas,
encontrados
na
análise
econômica do Direito de Propriedade, está na própria noção que a economia dá ao
conceito de propriedade (apropriação privada) e ao de bem público e privado. É,
dentro desta seara, que se insere o problema da análise econômica do Direito da
Propriedade Intelectual, que, por si, já apresenta peculiaridades em relação à
propriedade ordinária.
Outro problema consiste no fato de a doutrina do “law and
economics” ser fruto do liberalismo econômico dos Estados Unidos15, o que não se
compatibiliza perfeitamente com os Estados que assumiram constitucionalmente
compromissos sociais, como é o caso do Brasil, nem mesmo com a própria noção
de propriedade16 que não apresenta a concepção civilística, adotada pelos países de
tradição romano-germânica. Esta advertência não apaga a relevância dos estudos
de análise econômica do direito, mas serve como alerta para que o aspecto
econômico não se sobreponha à interpretação do direito, em especial, quando se
propõe a discorrer sobre o Direito Autoral que, dependendo do sistema jurídico,
protege a obra e não o autor17.
14
MELLO, Maria Tereza Leopardi; ESTEVES, Heloísa Lopes Borges. Direito e Economia na noção
de ‘direitos de propriedade’. p. 15.
15
É oportuno observar que o Direito da Propriedade Intelectual, assim o Direito Autoral , vêm sendo
objeto de estudos econômicos, porque entendem os doutrinadores, como Richard Posner e William
M. Landes, que estes constituem “um campo natural de aplicação da análise econômica do direito”,
porque se evidencia, na Propriedade Intelectual, a presença de um forte caráter econômico
(LANDES, William M.; POSNER, Richard A. An economic analysis of copyright law. Journal of Legal
Studies, Chicago, v. 18, p. 325-363, June 1989).
16
Robert Cooter observa o fenômeno da complexidade da propriedade e, por isto, utiliza a expressão
“blunde of rigths”. Assim a propriedade é entendida nos países da Common Law, como uma proteção
proteiforme, enquanto, no Direito romano-germânico, a propriedade é considerada um Direito
subjetivo que serve de modelo para o estudo de outros direitos “absolutos” (COOTER, Robert; ULEN,
Thomas. Law and economics. Boston: Pearson Addison Wesley, 2000. p. 74-75).
17
Este é justamente o caso dos Estados Unidos e dos demais países que adotaram o sistema do
Copyright. Entretanto, vale lembrar que outros, como a Alemanha, também se dedicaram a
interdisciplinariedade do estudo do direito, como o fez Michael Lehmann em 1989, com o trabalho
intitulado Property and intellectual property – property rights as restrictions on competition in
furtherance of competition, p. 7-15. Neste sentido, RODRIGUES, Vasco. Análise Econômica do
Direito – uma introdução. Coimbra: Almedina, 2007. p. 176-177. Traduzindo esta análise para o
Direito Autoral , vê-se que a proteção serve para garantir o retorno dos investimentos econômicos
feitos pelos titulares, como bem observa Cláudia Trabuco: “Assim, em termos puramente econômicos,
a uma visão abertamente positiva de apoio incontestável às normas de Direito de Autor opõe-se uma
defesa assumidamente muito limitada dos direitos exclusivos, na qual o nível de proteção não
200
O conceito econômico de propriedade apresenta nuances
especiais que devem se aproximar da noção funcional, imposta pela Constituição
brasileira. Neste aspecto é interessante o estudo de Ronald Coase18 que foi o
pioneiro na análise econômica da propriedade, afirmando a existência de custos de
transação e que os direitos de propriedade não podem ser negociados a custo zero,
e, por isto, Guido Calabresi19 acrescenta que a propriedade é garantia de
preservação dos recursos e o contrato é o instrumento que vai promover a
circulação de riqueza.
Por sua vez, a definição de bem e suas categorias jurídicas20
estão previstas no Código Civil. A definição de bem que mais se aproxima da matéria
de Propriedade Intelectual é a fornecida por Gabriel Di Blasi, onde “bem é tudo
aquilo, corpóreo ou incorpóreo, que, contribuindo direta ou indiretamente, venha
propiciar ao homem o bom desempenho de suas atividades, que tenha valor
econômico e que seja passível de apropriação pelo homem”21.
Afirma Leonardo Poli que a “intelectualidade é a fonte indutora
dos bens imateriais, sendo estes os geradores dos bens materiais”22, o que não se
pode concordar plenamente, tendo em vista que a informatização dos bens
intelectuais está fazendo desaparecer a fixação da obra em um suporte tangível.
ultrapassa o considerado estritamente necessário para que se mantenha o incentivo económico
essencial à produção de obras literárias e artísticas” (TRABUCO, Cláudia. O Direito de reprodução
de obras literárias e artísticas no ambiente digital. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 47).
18
COASE, Ronald H. The problem of social cost. Journal of Law e Economics, Chicago, v. 3, p. 144, 1961; COASE, Ronald H. The firm, the market, and the law. Chicago: The University of Chicago
Press, 1988.
19
CALABRESI, Guido; MELAMED, A. Douglas. Property rules, liability rules, and inalienability: One
view of the cathedral. Harvard Law Review, Boston, v. 85, p. 1089-1128, 1972.
20
Os bens e as suas categorias jurídicas estão previstos no Livro II artigos 73 a 103 do Código Civil
Brasileiro.
21
Neste sentido, DI BLASI, Gabriel et al. A propriedade industrial: os sistemas de marcas, patentes e
desenhos industriais analisados a partir da Lei n° 9.279, de 14 de maio de 1996. Rio de Janeiro:
Forense, 2002. p. 15. Pensa-se que o autor fez esta afirmação, porque sua obra é focada no Direito da
Propriedade Industrial, e a invenção nasce com a atividade inventiva do autor, que é imaterial, mas o
produto dele decorrente, via de regra, se traduzirá no surgimento de um bem material.
22
Id. ibidem, p. 15.
201
Ademais, nem sempre a atividade criativa do homem vai promover o surgimento de
bens materiais, basta notar o crescente aumento do consumo de bens imateriais na
Internet.
Embora não constitua objeto do presente trabalho a análise do
Direito da Propriedade Industrial, é importante lembrar que a Lei n° 9.279/96, em seu
artigo 5°, deixa claro que, para efeitos legais, os direitos de propriedade industrial
são considerados bens móveis23, o que leva alguns autores a afirmarem que, por
serem considerados como bens móveis, eles seriam direitos reais24..
Já a Lei n° 9.610/98, em seu artigo 3°, aplica-se ao programa
de computador, tendo em vista que, em caso de lacuna, aplica-se a Lei Autoral. Da
mesma forma, a Lei n° 9.610/98, em seu artigo 3°, dispõe que “os direitos autorais
reputam-se, para os efeitos legais, bens móveis”.
Sob o ponto de vista econômico, o conceito de bem é diverso
e está atrelado à noção de escassez25 por seu objeto de consumo. Já o bem
imaterial tem como característica principal a não escassez, ele não se exaure com o
consumo das pessoas, ao contrário, se multiplica, pois a leitura de uma obra literária
não torna o bem escasso, tendo em vista que outras pessoas irão consumi-la
através da leitura.
Na propriedade ordinária, há exclusividade e rivalidade pela
posse do bem material, pois a apropriação e o consumo do bem impedem o seu o
consumo e a apropriação por outra pessoa. Como explica António Manchuco Rosa,
“ao invés, os bens intangíveis possuem uma dupla propriedade também ela
23
Artigo 5° Consideram-se bens móveis, para os efeitos legais, os direitos de propriedade industrial.
24
TINOCO SOARES, José Carlos. Lei de patentes, marcas e direitos conexos. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1997. p. 19.
25
Neste sentir, vale transcrever as observações de José Gomes Canotilho, com apoio na obra “The
federal communications comision” do Journal of Law and Economics v. 2 (1959) de Ronald Coase “os
bens económicos são por definição bens escassos, não sendo isso suficiente para justificar a
regulação estadual” (CANOTILHO, J. J. Gomes; MACHADO, Jónatas E. M. “Reality shows” e a
liberdade de programação. Coimbra: Coimbra Editora, 2003. p. 22).
202
objectiva: são não-exclusivos e não-rivais”26, não se podendo falar em posse.
Esta característica está presente em todos os bens intangíveis,
como é o caso da informação e do conhecimento, que são tidos pela economia
como bens que se caracterizam pela não-exclusividade, não-rivalidade e pelo
caráter cumulativo, onde a exclusividade está na impossibilidade de o agente
conseguir gerir, de forma plena, as modalidades de apropriação do bem que
produziu, gerando “externalidade positiva”27.
A não-exclusividade e não-rivalidade significam que a
informação é livre e é considerada economicamente como um bem público28. Desta
forma, quando uma obra é reproduzida, com ou sem modificações, acaba por
apresentar “externalidades positivas” que se caracterizam pela quantidade de
pessoas que podem aceder à obra, sem que isto ocasione custo adicional para sua
produção, podendo servir como base para a criação de obras derivadas. Estas
externalidade se acentuaram no Direito Autoral com a informatização, pois, como
lembra António Manchuco Rosa, “as novas tecnologias digitais em rede vieram ainda
reforçar essas externalidades por também a distribuição ter passado ter custos
26
Com perfeita didática, o autor explica que “a não-exclusividade reside no facto de a publicação de
uma obra ser um processo irreversível no sentido de ser bastante difícil tornar não público aquilo que
já foi tornado público, donde decorre a obra poder ser livremente apropriada por qualquer um e assim
entrar como componente da criação de uma nova obra. Por sua vez, a não-rivalidade consiste no
meu consumo ou uso da obra em nada fazer diminuir a sua quantidade disponível: a minha audição
de uma música em nada faz diminuir a possibilidade de idêntico consumo por parte de um qualquer
outro número de indivíduos. A não-exclusividade torna a obra publicamente apropriável, enquanto a
não-rivalidade faz com que qualquer apropriação não faça diminuir a possibilidade de infinitas e
ulteriores idênticas apropriações” (ROSA, António Manchuco. Propriedade Intelectual e nova
economia dos “standards” digitais – antagonismo e cooperação. In: AFONSO, Anabela et al. (Orgs.). A
economia da Propriedade Intelectual e os novos media: entre a inovação e a proteção. Lisboa:
Guerra e Paz, 2006. p. 89).
27
A externalidade positiva está relacionada com os saberes e as redes de conhecimento abertas,
onde o “a função de bem estar social depende diretamente do grau de abertura deste clube: quanto
maior este grau de abertura, mais importantes as externalidades e mais cumulativa o conhecimento
assim produzido” (HERSCOVICI, Alain. Capital intangível e direitos de Propriedade Intelectual:
uma análise das novas formas de produção imaterial no capitalismo contemporâneo. Disponível em:
<http://www.gepicc.ufba.br/enlepicc/pdf/AlainHerscovici.pdf>. Acesso em: 20 Maio 2008.
28
Vale destacar que esta noção não se compatibiliza com a jurídica, pois o artigo 98 do Código Civil
entende que “são públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de Direito
público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem” e,
portanto, não estariam sujeitos à apropriação.
203
praticamente nulos”29.
Estes efeitos positivos externos decorrem da atividade de
produção de bens intangíveis. Kamiel Koelman sustenta que o uso de uma
propriedade vai depender da negociação dos efeitos entre as partes, pois, se uma
delas tem o Direito de excluir a outra da fruição do bem, os preços devem ser
ajustados através de contrato. Dentro desta visão, o Direito Autoral existe para
forçar a negociação do uso da obra pelas partes, a fim de internalizar as
externalidades30.
O Direito Autoral, sob a perspectiva econômica, apresenta-se
como um incentivo aos autores e/ou titulares de Direito e também como um custo
que é imposto àqueles que desejarem usar as obras. Então, a eficiência econômica
desta relação se dá com a devida compensação econômica aos autores e/ou
titulares de direito, de tal forma que “o custo marginal de produção dos bens em que
as obras são incorporadas não afaste o seu consumo por parte dos
consumidores”31.
Se as novas tecnologias, como a internet, estão reduzindo os
custos de transação, estes não podem servir como justificativa dos titulares de
Direito Autoral para imporem limitações ao acesso e uso dos bens culturais. Tanto
mais porque, na medida em que se torna mais fácil negociar e controlar mais tipos
de utilização no ambiente digital, a atribuição de direitos de propriedade, nestes tipos
de utilização, torna-se mais eficiente32.
29
ROSA, António Manchuco. Propriedade Intelectual e nova economia dos “standards” digitais –
antagonismo e cooperação. In: AFONSO, Anabela et al. (Orgs.). A economia da Propriedade
Intelectual e os novos media: entre a inovação e a proteção. Lisboa: Guerra e Paz, 2006. p. 89-90.
30
KOELMAN, Kamiel J. Copyright Law & Economics in the EU Copyright Directive: Is the Droit
d’Auteur Passé? Draft The final version appeared in International Review of Intellectual Property and
Competition Law (IIC) No. 6/2004. p. 606-7.
31
Cláudia Trabuco, op. cit, p. 180.
32
KOELMAN, Kamiel J. Copyright Law & Economics in the EU Copyright Directive: Is the Droit
d’Auteur Passé? Draft The final version appeared in International Review of Intellectual Property and
Competition Law (IIC) No. 6/2004. p. 606-7.
204
Caso as externalidades não fossem internalizadas, o preço de
mercado não refletiria o real valor social do produto e, como tal, o mecanismo de
mercado não poderia ter um resultado ótimo. Quando existem externalidades
positivas, o preço será muito baixo e, portanto, não serão produzidos, no mercado,
quantidades suficientes do produto33.
Nesta situação, percebe-se o paradoxo existente entre os
interesses públicos dos usuários/consumidores de acederem às obras e ao interesse
privado dos autores e/ou titulares de Direito de cada vez mais restringirem e
cobrarem pelo acesso34 aos bens culturais ou até negá-los e postergá-los, para
evitar o surgimento de um eventual concorrente. Sem dúvida, a ocorrência de
externalidades constitui uma falha de mercado, podendo ser necessária a
intervenção estatal, para garantir o bem-estar social.
Eis o problema posto sob o ponto de vista econômico e
jurídico. Quando a lei atribui um Direito exclusivo a um bem economicamente
considerado não-exclusivo e não-rival, acaba mercantilizando-o. No entanto, os bens
culturais, a exemplo do conhecimento e das informações, são bens públicos, mas,
dentro da teoria econômica, eles alcançam valor econômico pelo exclusivo que é
conferido pela lei.
33
Id. ibidem, p. 607. Por isto aclara Alain Herscovici que “a maximização do interesse coletivo
corresponde à produção de externalidades positivas e à difusão gratuita deste conhecimento à
medida que o custo marginal de uso do conhecimento é nulo, a maximização da função de bem estar
coletiva implica que seu preço seja, igualmente, a zero” e segue dizendo que“não obstante, esta
gratuidade não permite criar os incentivos suficientes para que o setor privado continue a investir na
produção de conhecimento: se as externalidades de demanda foram maximizadas, o lucro do
produtor de Conhecimento seria nulo. Os incentivos para a produção privada de Conhecimento fazem
com que seja preciso limitar, a partir de um sistema de direitos de propriedade, as modalidades de
acesso e de uso deste conhecimento e desta Informação”. (HERSCOVICI, Alain. Capital intangível e
direitos de Propriedade Intelectual: uma análise das novas formas de produção imaterial no
capitalismo
contemporâneo.
Disponível
em:
<http://www.gepicc.ufba.br/enlepicc/pd/Alain
Herscovici.pdf>. Acesso em: 20 Maio 2008).
34
Julie Cohen observa que “os teóricos da liberdade de expressão consideram que os objectivos dos
direitos de autor estão directamente ligados à participação na troca e deliberação de ideias. Por seu
lado, os teóricos da economia assumem que as ideias de liberdade de cópia minimizam os prejuízos
resultantes da atribuição de direitos exclusivos em trabalhos expressivos. Em particular, os
economistas conseguem reconciliar discriminação de preços com competição expressiva,
considerando apenas que a livre circulação de ideias é o mecanismo fundamental de transmissão
cultural” (Tradução livre) (COHEN, Julie E. Creativity and Culture in Copyright Theory. University
of California: UC Davis Law Review, v. 40, p. 1171, 2007).
205
Por este motivo, adverte Paula Forgioni que o conhecimento
“não mais se dissipa naturalmente, como bem público que é; ao invés, fica aprisionado
na concessão de privilégios que conferem Direito de uso e gozo exclusivo, oponível
erga omnes”35.
O problema é complexo, pois o chamado “homo economicus”36
não paga pelo que pode obter gratuitamente, tornando não atrativo para o mercado o
investimento em bens públicos que podem ser acessados gratuitamente. Além disto, as
novas tecnologias permitem a reprodução fidedigna das obras sem qualquer custo
adicional, além de propiciarem o acesso à informação e ao conhecimento para a
sociedade.
Como a possibilidade de “multiplicação gratuita dos bens nãoexclusivos e não-rivais, contrasta com aquela que se julga ser o fundamento da
economia dos bens rivais: a sua escassez”37. Por não se poder sustentar a escassez
35
FORGIONI, Paula A. Acesso ao conhecimento: Que Direito nos reserva o futuro? In: NUNES,
António José Avelãs; COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Coords.). O Direito e o futuro – o
futuro do direito. Coimbra: Almedina, 2008. p. 360.
36
Expressão utilizada por Kamiel Koelman, que alerta para o fato de o Direito não se dedicar o
suficiente sobre o impacto que os bens culturais podem gerar na sociedade (KOELMAN, Kamiel J.
Copyright Law & Economics in the EU Copyright Directive: Is the Droit d’Auteur Passé? Draft The
final version appeared in International Review of Intellectual Property and Competition Law (IIC) No.
6/2004. p. 614).
37
António Manchuco Rosa, com peculiar habilidade exemplifica a situação: “A existência de demasiadas
preferências ‘úteis’ sobre um mesmo bem rival ao nível do consumo tende a torná-lo escasso, levando à
subida do seu preço e de seguida à racionação das preferências individuais, permitindo o regresso a
uma situação de equilíbrio. Noutros termos, o preço depende da escassez existente. Nos bens
intangíveis, pelo contrário, os custos de produção decrescem muito rapidamente com o número de
unidades (cópias) produzidas e, neste caso, a existência de um consumidor adicional aumenta a
‘utilidade’ social global. Se a informação não transporta consigo uma apropriabilidade natural por parte
de um indivíduo, se a satisfação de um número de consumidores adicionais é feita a baixíssimo custo, a
questão está em saber de que modo se pode criar um regime de escassez onde ele naturalmente não
existe. Ela pode ser criada através de mecanismos tecnológicos de protecção e, em última análise,
através de um artifício, a lei” (ROSA, António Manchuco. Propriedade Intelectual e nova economia dos
“standards” digitais – antagonismo e cooperação. In: AFONSO, Anabela et al. (Orgs.). A economia da
Propriedade Intelectual e os novos media: entre a inovação e a proteção. Lisboa: Guerra e Paz,
2006. p. 89-90). Da mesma forma, José Gomes Canotilho, ao comentar o Teorema de Ronald Coase e
as suas implicações sobre a escassez do espectro eletrônico e a regulação da radiodifusão explica que:
“[...] O mesmo deixou há muito de ser plenamente convincente, tanto por razões económicas (os bens
económicos são por definição bens escassos, não sendo isso suficiente para justificar a regulação
estadual), como por razões tecnológicas (aproveitamento mais eficiente do espectro radioeletrónico;
convergência de tecnologias; digitalização e compreensão de dados; aumento exponencial dos canis
disponíveis por cabo e por satélite). Isto, mesmo concedendo que, superada a escassez do lado da
oferta (supply scarcity), a mesma ainda perdura do lado da procura (demand scarcity; allocational
scarcity) na medida em que continuam a existir muito menos freqüências disponíveis do que utilizadores
206
dos bens culturais, ocorre aquilo que, na economia, é chamado de falha de
mercado38.
A doutrina da falha de mercado já é utilizada nos casos de
concorrência e Propriedade Intelectual nos países de tradição anglo-saxônica e
européia, no entanto no Brasil encontram-se casos, envolvendo a propriedade
indústria, mas não o Direito Autoral. Denis Borges Barbosa sempre suscitou a
temática, tendo em vista a importância para a economia de mercado da análise do
poder econômico dos bens imateriais, que se caracterizam pela possibilidade de
dispersão imediata por não ser exclusivo, nem rival.
A imposição de limites é necessária para que o titular de
Direito possa usufruir o seu exclusivo. Estas limitações apresentam um certo
antagonismo para o direito, pois, ao garantirem a livre concorrência, criam as
condições para “a falha ou impossibilidade de correto funcionamento da livre
concorrência que leva ao aparecimento do conjunto de restrições à concorrência em
que consiste a Propriedade Intelectual”, como ensina Denis Borges Barbosa39.
O Estado impõe estes limites à concorrência com a concessão
temporária de direitos exclusivos aos criadores intelectuais, com o objetivo de
reduzir esta falha do mercado. Com isto, procura garantir o retorno do investimento
financeiro feito durante o processo criativo. Esta falha do mercado, na Propriedade
Intelectual, se não fosse resolvida pelo Estado, provocaria uma possível
“apropriação pelo concorrente da criação, permitindo uma redução das margens de
retorno do criador-titular”40.
potenciais” (CANOTILHO, J. J. Gomes; MACHADO, Jónatas E. M. “Reality shows” e a liberdade de
programação. Coimbra: Coimbra Editora, 2003. p. 22).
38
A falha de mercado no Direito da Propriedade Intelectual é muito bem analisada por Denis Borges
Barbosa (BARBOSA, Denis Borges. A criação de um ambiente competitivo no campo da
Propriedade Intelectual – o caso sul americano. Centro Internacional para o Comércio e o
Desenvolvimento Sustentável – International Centre for Trade and Sustainable Development (ICTSD),
2005. p. 45; e seguintes BARBOSA, Denis Borges. A Propriedade Intelectual e a teoria do market
failure. 2002. Disponível em: <http://denisbarbosa.addr.com/32.doc.>. Acesso em: Acesso em: 1
Junho 2008).
39
Idem, ibidem.
40
BARBOSA, op. cit.
207
O Direito Autoral constitui naturalmente uma limitação à livre
concorrência, para suprir a falha do mercado, entretanto o exercício do Direito
exclusivo, concedido pelo Estado ao autor e/ou titular de direito, não pode servir para
a prática de condutas excessivas que vão contra o princípio da livre concorrência.
Os titulares de Direito Autoral vêm evocando, juridicamente,
fundamentos econômicos para garantirem seus interesses patrimoniais em
detrimento do bem-estar social, a fim de fortalecerem o seu bem individual. Para
tanto, travam verdadeiras “guerras de Direito Autoral ”, como diz Julie Cohen, ao
discorrer sobre os argumentos, utilizados pelos defensores das indústrias culturais,
que procuram afastar a concorrência e excluir as limitações livres e gratuitas aos
usuários41.
A mesma autora não desconsidera o papel da análise
econômica, ao contrário afirma que “a ênfase na produção e distribuição de produtos
culturais defendida pelos economistas torna-se importante e pode ser redefinida com
mais precisão como: o Direito de Autor é um meio de criar previsibilidade económica
na organização da produção cultural”42. Porém, a redefinição do sistema de Direito
Autoral deve atender não só aos aspectos econômicos, mas também aos objetivos
sociais que têm que ser sopesados para manter o equilíbrio da relação autoral que
se coaduna com o bem-estar social típico de uma sociedade de economia social.
Para alcançar o bem-estar social, os efeitos da concorrência
dependem efetivamente do preço e do produto autoral como fatores econômicos que
promovam à sociedade um grau elevado de crescimento criativo e de inovação.
Contudo, o mercado autoral utiliza o exclusivo, para, muitas vezes, excluir ou emperrar
o desenvolvimento do processo criativo, tanto que, com freqüência, o titular, por não
conceder ou demorar na autorização de utilização de uma obra, acaba por prejudicar
41
COHEN, Julie E. Creativity and Culture in copyright theory. University of California: UC Davis
Law Review, 2007. v. 40. p. 1195.
42
Id. Ibidem, p. 1195. (Tradução livre).
208
este processo43.
Daí falar-se em excesso de titularidades, fenômeno que vem
sendo observado pelos juristas, mas já percebido pelos sociólogos, como fora citado
pelo polonês, Zygmunt Bauman, que, ao falar sobre o programa de população e
saúde, na cidade do Cairo, indagou:
será que foi apenas pela cobiça e pela auto-assumida
proteção dos 'direitos de Propriedade Intelectual' que nossas
empresas farmacêuticas não mostraram muito empenho em
fornecer, a um preço acessível, armas para combater a
epidemia? É sempre o excesso deles que nos preocupa44.
O excesso de titularidade somente será combatido pelos
juristas, se houver um reconhecimento de que o Direito Autoral
está se
transformando, que as obras hoje constituem verdadeiro produto com forte potencial
econômico e que o papel do judiciário é limitar os excessos a partir da obrigatória
análise do Direito Autoral dentro de uma perspectiva de Direito fundamental que, ao
funcionalizar a propriedade, obedece aos princípios da liberdade e atende a
dignidade da pessoa humana45.
43
Neste sentido, em nota de roda-pé n° 3, Franceso Parisi e Ben Depoorter retratam as dificuldades
que os usuários/consumidores têm de obterem licenças dos titulares de Direito Autoral para, a partir
de obra preexistente, criarem outra, citando um exemplo: “One of the most current Dj-mix albums
today, ‘2 Many DJ’s’, combines 46 songs of various artists. Reportedly, the clearance of the rights on
the songs, featured on the album, lasted three years, involving 865 emails, 160 faxes and hundreds of
telephone calls. In the end 72 tracks were omitted from the album because the rights could not be
obtain in time for thosetracks (see <http://breedband.telenet.be/muziek/dossiers/2manydjs/>, last
visited, May 12th,2002>), p. 1. PARISI, Francesco; DEPOORTER, Ben. The Market for Intellectual
Property: the case of complementary oligopoly. The Economics of Copyright: developments in
research and analysis. W. Gordon, R. Watt, eds., Elgar Publishing, 2003; George Mason Law &
Economics Research Paper No. 02-19. Available at SSRN: http://ssrn.com/abstract=317605 or DOI:
10.2139/ssrn.317605.
44
BAUMANN, Zygmund. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. p. 60.
Neste trecho do livro, o autor relata a preocupação do riquíssimo Earth Policy Institut que tem como
uma de suas preocupações resolver o problema da superpopulação através da limitação da fertilidade
“deles” (refugo humano) e, para tanto, ofereceram propostas na referida conferência, mas, como diz
Bauman, um “aliado inesperado se uniu na batalha contra a exuberante fecundidade “deles”: a aids”.
45
Deste quadro, pode-se concluir que o Direito e a economia atuam juntos para coibir o excesso de
titularidades no Direito Autoral . Não há como negar a relevância do aspecto econômico para o Direito
e vice-versa, o que não pode ocorrer é a desvirtuação dos objetivos do Direito Autoral , de modo a dar
proteções a um único partícipe da relação autoral, qual seja, o titular de direito. Assim é que, ao
contrário de rechaçar o papel da economia para o Direito Autoral , é importante perceber que ela deve
209
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neste sentido: “há importantes dados a retirar das análises de teoria económica, que em diversos
momentos podem servir de barómetro da utilidade social das propostas de extensão do alcance
conferido aos direitos do autor, entre os quais o do Direito de reprodução. Desde que devidamente
empregues, as indicações de cariz económico podem servir para desmistificar alguns dogmas e
libertar o desenvolvimento do Direito do autor dos argumentos esgrimidos em proveito próprio pelos
inúmeros grupos de interesses, para que este possa, enfim, prosseguir as finalidades de carácter
social que legitimam a sua existência” (Op. Cit., p. 193.)
210
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211
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