CONCEITOS DE INFÂNCIA NA REALIDADE BRASILEIRA WALSH, Tânia Maria de Amorim Mestrado em Educação Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO A história da infância é marcada por contradições existentes na própria sociedade. Os conceitos de infância se relacionam com um processo histórico em que acentua-se sobre a criança pequena os problemas sociais. Conforme reportagem do Jornal do Brasil, de 20 de junho de 2001, os dados divulgados pela Unicef, dos últimos 10 anos, demonstram que 2 milhões de crianças morreram, 1 milhão ficaram órfãos ou foram separadas dos pais, 10 milhões sofreram seqüelas físicas ou mentais e 10 milhões testemunharam atos brutais, vitimas de conflitos armados. Na prática, a criança tem sido usada para fins políticos, onde Estado e adulto manipulam-na segundo seus interesses. No Brasil, o passado dialoga com o presente, por isso, recuamos no tempo para pensar a questão da infância no Brasil. Na percepção (1992), na educação jesuítica, não eram consideradas as características e culturas dos pequenos índios, mas a ideologia e imagem que a igreja queria passar. Têm-se as figuras da “criança mística” e da criança “menino Jesus”, crianças divinizadas, puras, inocentes, acompanhadas às idéias de “paparicação” e “moralização”, com o uso do castigo para combater os “vícius” e “pecados”. A ‘roda’ ou ‘Casa dos expostos’ ou ‘Casa dos Enjeitados’, onde era colocada a criança, basicamente os filhos das escravas, tinha como uma das justificativas ‘proteger’ as crianças expostas às ruas de animais e morte, além de livrá-las da escravidão. Entretanto, as mortes continuavam acontecendo, mas de forma menos visível à sociedade. A fala de D. Pedro I à Assembléia Constituinte de 1823, trazida por Moncorvo Filho, é significativa. A primeira vez que eu fui a ‘Roda dos Expostos’, achei, parece incrível, sete crianças com duas a mais ; nem berços, nem vestuário. Pedi o mapa e vi que em treze anos tinham entrado perto de doze mil e apenas tinham vingado mil, não 1 sabendo a Misericórdia verdadeiramente onde elas se acham. (In. Moncorvo Filho, 1926, p.36 apud Civiletti, 1981, p.34) Do descobrimento até 1874, pouco se fez pela infância desditosa no Brasil. O atendimento se concentrava em institucionalizar as crianças abandonadas, dentro de um perfil assistencial e filantrópico. Os projetos eram elaborados por grupos particulares às classes desfavorecidas e eram insuficientes e quase inexpressivos. As crianças excluídas, já com denominação de ‘menores’ se subdividiam em abandonadas, moralmente abandonadas e delinqüentes. A situação de descaso com a infância atingia as diversas classes sociais. Em Fazolo (1997), encontramos como a mortalidade infantil estava intinsicamente ligada à imprudência dos adultos. O pai isentava-se de maiores compromissos e a mãe, por sua vez, deixava os filhos sob a responsabilidade dos escravos. A desatenção para com a criança era tão extremada que a mortalidade infantil, cuja maior causa era a imprudência dos adultos, se constituía um fenômeno de cotidianeidade brasileira. Não se tratava apenas de não considerar a criança como membro da sociedade, mas de fragilizar suas condições e o próprio tempo de vida. Ironicamente, a excessiva mortalidade infantil é que fez com que os adultos se voltassem para a criança e começassem a valorizá-la. (p.204) Com a abolição da escravatura, aparecem as primeiras creches e salas de asilos com objetivo claro de liberar a mulher para o trabalho e aumentar a capacidade produtiva do homem. As primeiras propostas de instituições pré-escolares no Brasil datam de 1899, ano em que ocorreram dois fatos que permitem considerá-lo como marco inicial: funda-se o Instituto de Proteção a Assistência à Infância do Rio de Janeiro, que posteriormente abre filiais em todo o país, e inaugura-se a creche da Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado-RJ, a primeira creche brasileira para filhos de operários. (KuKlmann Jr. 1991). Entretanto, em momentos anteriores a 2 essa data (1899), começa, a funcionar dois Jardins de Infância – de orientação Froebeliana – em duas escolas particulares. (Leite, 1997, p.34) As propostas de instituição infantil aparecem de forma dual: propostas filantrópicas e assistenciais para as crianças pobres e os Jardins de Infância para as crianças ricas. Na época da Republica Velha, o Rio de Janeiro, com a capital da República, foi alvo de profundas reformas que o colocariam como foco irradiador de cultura, servindo de exemplo para outras cidades. Os cortiços foram sendo abolidos e as populações pobres mandadas para longe do centro. O movimento sanitarista e higienista combatia doenças que assolavam a cidade. Cria-se, dentro deste quadro social, um mercado de serviços ligados à diversão infantil, reforçando a idéia de infância feliz. Os médicos, juntamente com os engenheiros e educadores formavam um grupo de intelectuais. Entre 1889 a 1930, a idéia que vigorava era de “civilizar-se” o mais possível. Durante a década de 1920, a crise desencadeada pelo fracasso das oligarquias regionais, trouxe a necessidade de fortalecimento do Estado e o reconhecimento, no setor público, da importância de atendimento à criança pautado na idéia de “preparar a criança de hoje para ser o adulto de amanhã”. De 1930 a 1980, concretizaram-se os trabalhos de assistência social e educacional. Percebe-se dois aspectos constantes: concepção abstrata e única da infância e a multiplicidade de órgãos com as mesmas funções, resultando na fragmentação do atendimento. Movimentos sociais, principalmente o feminino, impulsionaram a expansão no atendimento. Como reivindicação das mulheres trabalhadoras por creches, atrela-se, mais uma vez, à criança uma espécie de ‘fardo’, apesar de já existir a concepção de que a criança pequena precisa de cuidados específicos e educação. Ao longo das décadas de 1970 e 1980, enfatizou-se programas que colocavam a préescola como solução ao fracasso escolar no ensino fundamental. Apesar de trazer a discussão educacional para a educação infantil dentro de uma concepção de criança com privação cultural, passou-se a pensar dentro de um perfil educacional e não só nos moldes assistencialistas. 3 Pensar em infância na atualidade, passa pela compreensão do contexto histórico e político e das formas e concepções de infância que historicamente vão sendo construídas. Quando o Neoliberalismo substituiu o Liberalismo, ele impediu que houvesse uma ruptura no sistema e permitiu a manutenção da idéia de valorização do mercado e da livre iniciativa. Apesar do discurso sobre a ‘igualdade’ de condições, sua política se coloca mais vinculada a ‘liberdade’. No Brasil, cada gestão governamental prioriza critérios eleitoreiros, clientelistas, não possuindo uma política nacional ampla, que abranja a grande parte da população miserável. Apesar de conviver numa sociedade dividida em classes sociais, com culturas diferentes, tipos de profissões, religiões, moradias e constituição familiar, a criança é vista como a histórica, homogeneizada e considerada como inexperiente precisando ser guiada pelo adulto, ao invés, de serem consideradas suas múltiplas possibilidades, formas de expressão e socialização. No mundo moderno, a inocência infantil (vista como um momento de preservação) e a violência contra a criança (como reflexo de uma extrema imposição) convivem no mesmo espaço. O ‘direito’ de compartilhar do mundo do adulto representa de fato a própria ausência de direitos da criança, sobretudo da criança pobre. (Rocha, 1998, p.18) Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, , 9394 de 20 de dezembro de 1996 e o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, estabelecem a criança como cidadã. Numa sociedade como a brasileira, com desigualdades sociais e marcada pela violência, parece utópica tal concepção. As leis mudam a sociedade? As contradições da sociedade neoliberal permite a discrepância de um conceito de infância heterogêneo, em que se respeite a criança em seu tempo, e ao mesmo tempo, uma situação sócio-econômica que não permite as famílias subsistirem. A resposta provisória aponta para o fato de que as leis podem contribuir para mudança e pelo menos para o pensar nos conceitos de criança e na realidade. Entretanto, para efetiva mudança é necessário resolver os problemas da desigualdade e possibilitar a todos empregos e condições dignas de vida. Para isso, necessita-se de uma política de creches vinculadas às famílias. 4 Por fim, lutar pelo direito a uma cidadania plena é acreditar que esse quadro histórico de desrespeito à criança pode ser mudado. Romper com os altos índices de mortalidade infantil, com as altas taxas de incidência de AIDS em crianças, com a violência de que são vitimadas na nossa sociedade, se faz necessário.. 5 BIBLIOGRAFIA DEL PRIORE, M. (org). 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