XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 A AVALIAÇÃO DAS APRENDIZAGENS E A QUALIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL Maria Theresa de Oliveira Corrêa – FE/UnB Resumo Este texto apresenta parte dos resultados obtidos por meio da pesquisa intitulada Avaliação e a qualidade da educação infantil: uma análise dos processos avaliativos desenvolvidos na creche e na pré-escola, com o propósito de compreender a avaliação das aprendizagens e a qualidade da educação infantil. Ela foi realizada em uma instituição particular sem fins lucrativos, subvencionada pelas Secretarias de Estado de Educação e de Ação Social do Distrito Federal, em uma turma de Maternal II e uma de Jardim II. Para a coleta dos dados, foram aplicados questionários com a equipe docente, entrevistas semi-estruturadas com as professoras, coordenadora pedagógica e diretora; observações em diferentes momentos e contextos, análise da proposta pedagógica da instituição e planos de aula das professoras envolvidas. As informações construídas indicaram que, naquele contexto, a avaliação das aprendizagens era utilizada, pelas professoras, como um meio de controle e disciplinamento das crianças, mostrando-se pautada na abordagem informal negativa. Desta forma, ela se distanciava da avaliação formativa, que se utiliza da avaliação informal positiva para a consecução dos seus objetivos. Naquele contexto, as condições necessárias para a promoção do desenvolvimento integral da criança mostraram-se comprometidas no que dizia respeito à avaliação das aprendizagens articulada à qualidade da educação infantil desenvolvida nesse estudo. Palavras-chave: Educação infantil. Qualidade da educação infantil. Avaliação formativa. Avaliação informal. Considerações iniciais Este texto resultou da pesquisa intitulada Avaliação e a qualidade da Educação Infantil: uma análise dos processos avaliativos desenvolvidos na creche e na pré-escola, realizada em 2007. Ela foi desenvolvida em uma turma de Maternal II e uma de Jardim II de uma instituição particular, sem fins lucrativos, subvencionada pelas Secretarias de Estado de Educação e de Ação Social do Distrito Federal. Seu objetivo geral foi analisar a avaliação e a qualidade da educação infantil por meio dos processos avaliativos desenvolvidos na creche e na pré-escola. Para tanto, foram analisadas as concepções de Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000697 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 2 criança, infância, educação infantil, avaliação e qualidade; as práticas avaliativas desenvolvidas e os sentidos atribuídos pelas professoras à avaliação e à qualidade da educação infantil. Foram adotados os seguintes procedimentos de coleta de informações: questionários à equipe docente, entrevistas semi-estruturadas com as professoras, coordenadora pedagógica e diretora; observações em diferentes momentos e contextos e análise da proposta pedagógica da instituição e planos de aula das professoras envolvidas. As informações foram tratadas na perspectiva da análise do conteúdo proposta por Franco (2005) e trabalhadas por meio da triangulação das evidências, conforme Denzin (1970), citado por Lüdke e André (1986). Em função da estrutura proposta para a apresentação deste trabalho, a discussão limita-se aos resultados referentes às práticas avaliativas desenvolvidas no contexto investigado e suas relações com a qualidade da educação infantil. A avaliação das aprendizagens e sua relação com a qualidade da educação infantil É possível dizer que as concepções orientam e, por vezes, determinam as ações humanas. São construções delineadas ao longo da vida dos sujeitos que, influenciados por seus contextos familiares, religiosos, educativos, dentre outros, imprimem suas marcas nos seus fazeres cotidianos. Estes fazeres, férteis das histórias, crenças e valores dos diferentes indivíduos, por sua vez, produzem efeitos na realidade imediata em que os sujeitos atuam. Com a educação da criança pequena não é diferente. A nossa ação intencional implica consequências imediatas e posteriores, individuais ou coletivas uma vez que somos, tanto individual quanto coletivamente, resultado de nossas ações (LUCKESI, 1996). Tais consequências podem ser positivas ou negativas, do ponto de vista da qualidade da educação infantil, haja vista que, de acordo com Sousa (2003), “Nada substitui uma educação infantil de qualidade. Nada repõe a sua ausência”( p.221). A partir desse entendimento, tomamos como premissa que uma educação infantil de qualidade é aquela que reúne as condições necessárias para favorecer o desenvolvimento integral das crianças, cumprindo, assim, a finalidade da primeira etapa da educação básica (LDB nº 9394/96, art.29). Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000698 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 3 Levando em conta que a avaliação das aprendizagens é uma categoria que perpassa toda a organização do trabalho pedagógico desenvolvido nas instituições educativas, consideramos a sua relevância na construção da qualidade da educação infantil. Nesta perspectiva, entendemos que a avaliação formativa reúne, em seus pressupostos, as condições necessárias para que, juntamente com outros aspectos (ZABALZA, 1998), possa viabilizar um trabalho educativo de qualidade para a primeira etapa da educação básica. Na educação infantil, a avaliação deverá ocorrer mediante “o acompanhamento e registro do seu desenvolvimento [da criança], sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental”(Idem, art.31). Essa determinação também é expressa nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil - DCNEI (CNE/CEB, Parecer nº 01/99), em vigor à época da realização da pesquisa. Neste mesmo sentido, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil- RCNEI- (MEC, 1998) orienta que a avaliação, nessa etapa da educação básica, necessita ser compreendida como um conjunto de procedimentos que possibilitem aos professores e professoras refletirem acerca das condições de aprendizagens que estão sendo oferecidas às crianças de maneira a atender às suas necessidades. Como um elemento indissociável do processo educativo, a avaliação “[...] tem como função acompanhar, orientar, regular e redirecionar esse processo como um todo” (Idem, p.59). Esse mesmo documento explicita a avaliação formativa como a modalidade de avaliação a ser desenvolvida nas instituições educativas que se dedicam ao trabalho com as crianças pequenas. Percebe-se que as orientações e/ou determinações legais para a constituição do trabalho pedagógico no âmbito da educação infantil, sinalizam que a prática avaliativa realizada nesta etapa da educação básica distancia-se da perspectiva classificatória, seletiva e excludente que tem marcado, historicamente, a avaliação das aprendizagens nas demais etapas educativas. O caráter formativo da avaliação, destacado por estes documentos, reivindica o compromisso com as aprendizagens e, para tanto, se faz necessário que as instituições de educação infantil possibilitem às crianças vivenciarem relações de respeito e de confiança. Respeito dos professores e professoras para com as experiências das crianças e confiança nas suas possibilidades. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000699 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 4 Esta postura pode ser revelada por meio da avaliação informal encontrada com significativa incidência na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental (VILLAS BOAS, 2004). Diferentemente da avaliação formal, que ocorre por meio da aplicação de provas, exercícios, questionários, dentre outros instrumentos de análise das aprendizagens, havendo, normalmente, atribuição de notas, conceitos ou menções (Idem), a avaliação informal é compreendida por Freitas et.al (2009) como os juízos que os professores e professoras constroem sobre os alunos e alunas. Esse é um processo encoberto e “[...] aparentemente assistemático e nem sempre acessível ao aluno” (p.26). É neste âmbito que, segundo o autor, situa-se a parte mais dramática da avaliação porque “[...] as estratégias de trabalho do professor em sala de aula ficam permeadas por tais juízos e determinam consciente ou inconscientemente o investimento que o professor fará neste ou naquele aluno” (FREITAS, Ibidem, p.28). A avaliação informal, de acordo com Villas Boas (2004), pode atender tanto a propósitos positivos, quando utilizada em prol das aprendizagens das crianças, quanto negativos, quando lhes são emitidos desencorajamentos. A sua utilização com propósitos positivos acontece quando, por meio dela, o professor se mostra disponível para a criança, compartilha suas conquistas, não expõe as suas dificuldades publicamente e não utiliza rótulos ou apelidos. Em sentido contrário, a avaliação informal negativa é expressa pelo tratamento desinteressado que o professor dispensa à criança; por não orientá-la na realização das atividades; emitir comentários negativos sobre a sua família, dentre outros aspectos que podem sinalizar uma rejeição do professor pela criança ou descrédito pela sua capacidade de aprender (Villas Boas, Ibidem). A esse respeito, a autora afirma que, em muitas situações, a avaliação informal negativa apresenta-se com maior frequência que a positiva. Costumam ser emitidos mais desencorajamentos do que encorajamentos. Esta situação foi identificada na pesquisa que resultou nesse trabalho. A avaliação informal: construindo caminhos ou limitando possibilidades? A utilização da avaliação informal com propósitos negativos era fortemente presente no contexto investigado. Revelava-se na relação das professoras com as crianças e até mesmo na relação destas com os colegas, sob influência da professora. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000700 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 5 Em um dos episódios registrados por meio das observações ocorridas na turma do Jardim II, uma das crianças estava conversando. A professora Maria Fernanda (nome fictício) solicitou que ela ficasse em pé de frente para os colegas, para que eles lhe dissessem se o seu comportamento era adequado e lhe ensinassem qual deveria ser a sua postura naquele momento. As crianças, atendendo ao solicitado pela professora, disseram ao colega em evidência como ele deveria se comportar naquela situação. Em uma das entrevistas, quando indagada sobre qual tinha sido o seu objetivo com tal estratégia, ela informou que já procedia assim em trabalhos desenvolvidos anteriormente em outras instituições do ensino fundamental afirmando que com aquele procedimento ela obtinha bons resultados porque as crianças adoravam ajudar e alguns pais achavam “maravilhoso”. Nessa mesma turma, foi também possível identificar a grande preocupação com o controle da disciplina das crianças, por parte de Maria Fernanda. Segundo ela, “[...] a gente pensa assim...crianças pequenininhas são muito mais fáceis de domar...de controlar...e não tem sido fácil”. Essa dificuldade levava-a, por vezes, a exigir das crianças comportamentos que se distanciavam da lógica infantil, tais quais o silêncio absoluto e a ordem, impostos por meio de ameaças, frequentemente relacionadas à privação do que lhes é mais caro: o direito ao movimento e à brincadeira. Frente a algum conflito entre ela e as crianças, e entre essas, seus nomes eram escritos no quadro e lidos em voz alta para que todos escutassem e para que ficasse registrado que elas não sairiam da sala de aula para o recreio. Os dois episódios descritos provocam algumas reflexões. Ambos expuseram as crianças a situações constrangedoras. No primeiro episódio, a criança foi submetida publicamente à avaliação dos colegas e, no segundo, as crianças foram expostas também, publicamente, ao terem seus nomes registrados no quadro e lidos em voz alta. Tais iniciativas não são aceitáveis pela possibilidade de promover um ambiente de competição negativa entre as crianças e também por correr o risco de comprometer a construção da autoestima das mesmas. Em ambos, a exposição das crianças frente aos seus colegas, certamente causou-lhes constrangimentos. Nessa perspectiva, a avaliação na educação infantil é descaracterizada do seu significado primeiro, que se constitui, segundo Hoffmann (2000, p. 15), “na busca pela Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000701 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 6 compreensão do processo de desenvolvimento infantil, e de embasamento à ação educativa através de um fazer reflexivo”, características da avaliação formativa que se utiliza da avaliação informal positiva na promoção das aprendizagens e no desenvolvimento das crianças. Iniciativas que promovam a exposição e o constrangimento das crianças podem favorecer a criação de rótulos e atitudes preconceituosas em relação a elas. Nessa direção, podemos indagar: como construir uma educação infantil de qualidade se as práticas avaliativas informais se mostram fragilizadas por rótulos e preconceitos? Como reconhecer e valorizar a potencialidade das crianças se elas forem estigmatizadas? Levar em conta os aspectos emocionais das crianças (ZABALZA, 1998) faz parte de uma educação infantil de qualidade. Esse autor observa que a emoção opera, principalmente, no nível da segurança das crianças. Ligada a ela, encontra-se o prazer, o sentir-se bem, o ser capaz de assumir riscos e enfrentar o desafio da autonomia. [...] Já a insegurança, provoca medo, aumenta a tendência a condutas defensivas, dificulta a disposição de assumir riscos inerentes a qualquer tipo de iniciativa pessoa, leva a padrões de relacionamentos dependentes etc ( p.51). Portanto, prossegue o autor, viabilizar uma relação de maior proximidade com as crianças e oportunidades diversas para que possam expressar suas emoções de forma a, gradativamente, aprenderem a lidar com elas são algumas condições a serem observadas. Nessa faixa etária os aspectos emocionais situam-se na base do desenvolvimento das demais áreas (psicomotora, intelectual, social, cultural). Outra situação que merece ser destacada ocorreu na turma do Maternal II. As crianças estavam na roda cantando e gesticulando. Um dos gestos solicitados pela professora Clara (nome fictício) era a representação de um par de óculos. Ela olhava para as crianças e dizia: “Deixa eu ver quem dá conta”. Uma criança, sentada ao seu lado, disse, por mais de uma vez, que não estava conseguindo fazer o gesto proposto. Sem perceber que ela estava solicitando a sua ajuda, a professora continuou observando as demais. Aquela criança não fez mais nenhuma tentativa de diálogo com a professora que, ao final da atividade, parabenizou os que deram conta e propôs nova atividade. Observar quem “estava dando conta” de executar o gesto solicitado incluía perceber quem não estava conseguindo fazê-lo. É possível que aquela criança, mais do que as outras, naquele momento, reivindicasse atenção especial por parte da professora. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000702 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 7 Esta sensibilidade e atenção se constituem características da avaliação informal positiva, pois esta prevê que, no trabalho pedagógico, a criança receba o atendimento solicitado no exato momento em que ela necessita (VILLAS BOAS, 2004). Ademais, na perspectiva da qualidade da educação infantil, a atenção individualizada a cada criança requer um diálogo personalizado entre os professores e professoras e as crianças (ZABALZA, 1998). Na turma do Jardim II, normalmente, as crianças eram dispostas nas mesas da sala de aula para realizarem as atividades solicitadas pela professora. Em uma das situações observadas, a orientação era a de confecção de uma dobradura. Para tanto, a professora solicitou às crianças que permanecessem de “cabeça baixa” nas mesinhas até que ela fosse orientá-las sobre como fazer. Nesse episódio a professora fazia a dobradura e marcava as cores que deveriam ser pintadas em cada uma das partes das mesmas. O trabalho das crianças consistiu, apenas, em colar as partes marcadas e colorir nos locais e com as cores indicadas. Essa situação pode indicar a preocupação daquela professora no sentido de garantir que as dobraduras ficassem conforme ela havia “idealizado”, caracterizando uma perspectiva terminal de avaliação. O processo de construção dessa atividade para ela pareceu não ser o mais importante. O resultado final, de acordo com o que ela julgava como excelência, era o essencial, particularmente porque, nesse caso, as produções seriam expostas em um mural da escola e o seu trabalho também seria avaliado. Receosa de que as crianças não conseguissem atender a sua expectativa, ela buscava assegurar que as atividades ficassem o mais próximo possível do que poderia ser considerado “um bom trabalho”, tanto na perspectiva dos pais quanto das colegas e da direção da escola. É possível que as crianças tivessem realizado a atividade proposta de acordo com as suas condições. A intervenção pedagógica não significa “fazer para a criança”, mas estar atenta às suas possibilidades e necessidades, provocando situações desafiadoras para elas. Assim, a avaliação necessita ser compreendida como um processo intrínseco à construção da aprendizagem e não como um “resultado”, numa perspectiva avaliativa terminal. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000703 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 8 Articulada a essa questão, destacou-se, naquele contexto, a importância do “erro”. Para Maria Fernanda, ele estava diretamente relacionado ao fato de a criança estar “dispersa, fazendo outra coisa”. Responsabilizar, unicamente, as crianças pelo não alcance das suas necessidades é distanciar-se do papel de professor. Essa responsabilidade não é somente delas, mas da instituição educativa de um modo geral que, numa ação conjunta da equipe docente, pode investigar que aspectos estão contribuindo para tal situação e buscar alternativas para sua superação. Na perspectiva da avaliação formativa, os erros são inerentes a um determinado estágio de desenvolvimento da aprendizagem. Esse entendimento sinaliza a necessidade de compreendê-los como uma fonte essencial de informação (VILLAS BOAS, 2002). Considerando a qualidade da educação infantil, Zabalza (1998) destaca a importância da avaliação que viabilize o acompanhamento do grupo e de cada criança individualmente, o que significa dar importância à atenção individualizada à criança, já discutida anteriormente. Além disso, a avaliação é uma ação de pares, segundo Luckesi (2003). Os seus resultados não podem ser atribuídos somente a um dos sujeitos que dela participam, pois essa prática reivindica uma relação de solidariedade, de respeito e de confiança mútuas, harmonizando-se aos princípios da ética postulados por Rios (2010): respeito, justiça e solidariedade. Segundo a autora, tais princípios referem-se: [...] à consideração da alteridade, da presença e significado do outro nas relações sociais. (...) Quando deixamos de considerar o outro como alter, que é componente de nossa identidade, e o tratamos como alienus, o que não tem a ver conosco, nos distanciamos dos princípios éticos (p.655). A dimensão ética é intrínseca ao processo avaliativo de um modo geral e, em particular, à avaliação informal. Quando utilizada de maneira responsável, ensina Villas Boas (2004), ela pode ser uma grande aliada das professoras, que se utilizam das informações obtidas por meio dela em benefício das aprendizagens das crianças. Entretanto, se utilizada para expô-las, bem como as suas famílias, ela é destituída do seu caráter formativo, uma vez que as crianças, por vezes, passam a ser reconhecidas nas instituições educativas pelas situações negativas expostas pelas professoras. A esse respeito, Villas Boas (2004, p. 28) destaca que “[...] a imagem dos Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000704 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 9 alunos feita pelos professores circula pela escola, podendo permanecer imutável enquanto eles ali estiverem”. Dessa forma, no contexto do trabalho pedagógico, a avaliação necessita ser um processo de acolhimento e não de exclusão; de valorização e de potencialização das aprendizagens das crianças e não de exposição das suas fragilidades. Um episódio com essas características foi observado durante uma das atividades desenvolvidas na turma de crianças do Maternal II quando a professora Jane (nome fictício), que dividia a sala com a professora Clara, socializou todas as produções das crianças, sinalizando as suas potencialidades e indagando sobre o processo de sua realização. A iniciativa de Jane incentivou as demais crianças a também fazerem perguntas aos colegas e expressarem suas opiniões. Foi um momento de intensa troca entre as crianças e entre elas e a professora. Esse fato favoreceu a expressão oral e a oportunidade de elas terem as suas produções valorizadas, tanto pela professora, quanto pelos demais colegas. É preciso criar condições para que as crianças se manifestem, não somente no sentido de exercitá-las, como também para que possam ampliar seus vocabulários e as construções sintáticas já dominados (ZABALZA, 1998). Tal situação evidenciou a avaliação informal positiva realizada pela professora em relação ao grupo de crianças do Maternal II uma vez que essa postura sinalizou o seu interesse pelas aprendizagens de cada uma delas e potencializou o alcance dos objetivos de aprendizagem propostos (VILLAS BOAS, 2004). Segundo Sousa (2003), uma educação infantil de qualidade oportuniza às crianças caminharem em direção à autonomia e ao exercício da cidadania com alegria e prazer, possibilitando que se tornem mais felizes, solidárias, generosas e que se responsabilizem por construir, positivamente, uma diferença no contexto em que estão inseridas. Considerações finais O conjunto dos episódios identificados na pesquisa aponta a presença marcante da avaliação informal negativa. São resultados preocupantes se considerarmos que aquelas crianças estavam iniciando sua vida escolar e que tais procedimentos poderiam Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000705 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 10 comprometer as suas aprendizagens e o seu desenvolvimento. Tão preocupante quanto essa possibilidade é a que parecia indicar que as professoras não se davam conta dos possíveis desdobramentos das práticas pedagógicas, que pareciam, especialmente pela professora do jardim II, naturalizadas. Essas possibilidades provocam alguns questionamentos: que aspectos contribuíam para que a avaliação informal negativa fosse tão presente naquele contexto? A sua constante utilização, por parte das professoras, poderia estar relacionada à concepção da criança ideal que se concretiza na criança burguesa? Não estariam evidentes, desde a primeira infância, as manifestações sociais hierárquicas que se impõem por meio das relações de poder? Esta postura das professoras para com as crianças não estaria expressando, também, relações de poder entre outros sujeitos que atuavam naquelas instituições educativas? Tais reflexões são importantes uma vez que, no âmbito escolar, os professores e professoras são um referencial significativo na vida das crianças. A maneira como elas se sentem em relação a si mesmas tem relação direta com a sua aceitação pelo grupo de colegas e pela forma como os professores e professoras respondem às suas ações, aos seus trabalhos e às suas idéias (JABLON, DOMBRO, DICHTELMILLER, 2009). Na educação infantil, atitudes negativas por parte dos adultos com os quais as crianças se relacionam podem ser altamente prejudiciais. A postura adotada pelos professores e professoras pode promover, nas crianças, percepções de aceitação ou de rejeição pelo grupo imediato do qual fazem parte. Estes dois sentimentos influenciam a formação do seu autoconceito e da sua autoestima (MOYSÉS, 2007). É necessário refletir sobre as possíveis repercussões que sentimentos negativos provocados nas crianças podem ter na sua vida presente e futura. Esse entendimento indica a necessidade da construção de uma prática avaliativa que dialogue com a diversidade de contextos presente nas instituições de educação infantil por meio de uma postura ética, investigativa e comprometida dos sujeitos envolvidos com a educação das crianças em ambientes educativos formais. A prática avaliativa formativa requer uma nova lógica para a avaliação: a lógica da aprendizagem e do desenvolvimento integral das crianças - a lógica da qualidade da educação infantil. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000706 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 11 Referências BRASIL. CNE/CEB. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Parecer Nº 01/1999. ______. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 de dezembro de 1996. ______.Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil. V 1.Brasília: MEC/SEF,1998. ESTEBAN, Maria Teresa. (org.). Escola, currículo e avaliação. São Paulo: Cortez, 2003. (Série cultura, memória e currículo, v. 5). FRANCO, M. L. P. B. Análise do Conteúdo. 2ª. ed. Brasília: Líber Livros Editora Ltda, 2005, v. 01. FREITAS et al. Avaliação educacional: caminhando pela contramão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. HOFFMANN, Jussara Maria Lerch. 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