Título: Estratégias Defensivas Contra o Estresse em Trabalhadores da Indústria Pirotécnica Mineira: Razão e Sensibilidade no Ambiente Organizacional Ameaçador à Integridade Humana. Autoria: Leila Aparecida de Souza, Jorge Sündermann, Kenneth Nunes Tavares de Almeida, Késia Aparecida Teixeira Resumo: Este artigo teve como principal objetivo investigar as percepções de trabalhadores da indústria pirotécnica do município de Santo Antônio do Monte – Minas Gerais, buscando identificar os efeitos de um trabalho com alto risco de acidente na subjetividade dos colaboradores investigados, bem como o nível de estresse associado às atividades da área. Contextualizando o objeto de estudo, optou-se pelo método descritivo-analítico de natureza qualitativa fundamentado epistemologicamente em uma postura interpretativista, considerando a natureza essencialmente subjetiva do fenômeno a ser investigado. Por meio de entrevistas semi-estruturadas e da utilização de uma técnica projetiva de desenho – Zaltman Metaphor Elicitation Technique – foram observadas estratégias defensivas em relação ao risco associado ao trabalho, nas quais a família, os pares e a importância da atividade foram apontados com fatores de defesa ou mascaramento da realidade periculosa. Ainda que houvesse tais mecanismos, o sofrimento psíquico que compõe o estresse pôde ser percebido de forma metafórica e direta nas falas e desenhos projetivos dos entrevistados. Tais considerações levam a crer na necessidade de desenvolver mecanismos de gestão do estresse nas organizações que atuam na área, bem como a constituição de mais estudos relativos ao fenômeno investigado. 1. Introdução A realidade na qual as organizações encontram-se inseridas desde a segunda metade do século XX até os dias atuais tem lhes imposto grandes desafios com as constantes e rápidas mudanças dos cenários político, econômico e social, com as crescentes exigências de uma clientela cada vez mais ciente de seus direitos e, conseqüentemente, mais criteriosa, e com a grande concorrência que pressiona as organizações em suas relações de mercado. Tais variáveis direta ou indiretamente provocam e instigam mudanças organizacionais freqüentes e colocam diante do ser humano novas perspectivas com as quais precisa aprender a lidar de forma a preservar seu bem estar e sua qualidade de vida. Neste contexto, a universidade desempenha o importante papel de geradora de conhecimentos que possam ultrapassar a fronteira teórica e, aplicados á este cotidiano, tragam novas alternativas de gestão capazes de lidar com esta realidade organizacional dinâmica, notadamente no que se refere à saúde mental dos trabalhadores e a conseqüente qualidade de vida associada. Acredita-se que esta relação da Universidade com a comunidade, sob o ponto de vista sistêmico, deve ser ampla e constante, conforme enfatiza o poder público ao afirmar que se trata de uma necessidade permanente (MEC, 2004). Nesse sentido, docentes e discentes de uma Instituição de Ensino Superior do centro-oeste de Minas Gerais empreenderam uma investigação sobre a saúde mental de colaboradores em um setor com alto nível de problemas psicológicos associados ao ambiente de trabalho: a indústria pirotécnica de Santo Antônio do Monte, um setor característico da região centro-oeste mineira, que encerra uma grande concentração de indústrias e que chama a atenção por envolver atividades caracterizadas pelo alto risco à saúde e à vida dos trabalhadores, e pela freqüente ocorrência de acidentes de trabalho normalmente envolvendo vítimas fatais. A pesquisa visou identificar a existência de transtornos de estresse nos trabalhadores das indústrias, suas fontes causadoras e as estratégias defensivas adotadas pelos indivíduos e/ou pelo grupo, além de desenvolver propostas destinadas aos empresários da área sobre formas de gerenciamento e controle do estresse organizacional presente na atividade. 1 A primeira etapa do trabalho consistiu em uma pesquisa bibliográfica através da qual pôde-se observar que, apesar de a maioria dos estudos realizados no país sobre estresse organizacional se basear fundamentalmente em metodologias quantitativas, existe uma tendência ao uso de uma metodologia qualitativa, com o objetivo de alcançar não apenas os aspectos objetivos, mas também os aspectos subjetivos da relação do homem com seu trabalho. Codo, Soratto e Vasquez-Menezes (2004), entre outros, se destacam nesta linha de raciocínio. Para eles, faz-se necessária uma metodologia de investigação que permita identificar os efeitos do trabalho sobre a saúde mental, tendo como pressuposto a multicausalidade e a percepção de um homem sócio-histórico, no qual, fatores econômicos, sociais e individuais façam parte da investigação. A metodologia de investigação deve, segundo os autores, reconstruir a totalidade significativa e resgatar a história do indivíduo. O presente artigo apresenta, nos capítulos seguintes, algumas considerações teóricas sobre estresse, fontes estressoras e estratégias defensivas. Em seguida apresenta as principais características da indústria pirotécnica de Santo Antônio do Monte seguidas por algumas importantes considerações sobre acidentes de trabalho e suas conseqüências, demonstra a metodologia adotada na pesquisa realizada, os resultados observados e por fim, a conclusão do trabalho. 2. Estresse, Fontes Estressoras e Estratégias Defensivas A atualidade está repleta de frutos da inovação, do crescimento populacional, das mudanças do sistema capitalista e do desenvolvimento tecnológico, tais como a aceleração do ritmo de vida, as mudanças na estrutura de valores pessoais, o aumento da individualidade, as mudanças nos hábitos alimentares, etc. Entre os inúmeros frutos positivos ou negativos da atualidade, destaca-se, de maneira especial, o estresse, presente hoje no cotidiano de grande parte das organizações. Segundo Albrecht (1990), o estresse é um componente natural da vida de todo ser humano, uma resposta dada pelo organismo às inúmeras fontes de pressão presentes no ambiente. Para o autor, fontes de pressão consistem em situações que podem ser problemáticas para o indivíduo e geram exigências de algum tipo de adaptação. O estresse, em contrapartida, é por ele considerado como um conjunto específico de condições bioquímicas do corpo que refletem a tentativa de ajustar-se em relação às situações problemáticas, ás fontes de pressão. De forma semelhante Couto (1987) define estresse como: Um estado em que ocorre um desgaste anormal da máquina humana e/ou uma diminuição da capacidade de trabalho ocasionado principalmente por uma incapacidade prolongada do indivíduo de tolerar, superar ou se adaptar às exigências de natureza psíquica existentes no seu ambiente de vida. (COUTO, 1987, pg.35). O estresse é uma resposta não somente às fontes estressoras externas, mas, de acordo com Albrecht (1990), é também uma resposta às fontes estressoras internas - geradas pelo próprio indivíduo, seus pensamentos, gerados por situações pertencentes ao ambiente organizacional que impactam a subjetividade individual. Segundo o autor, “em todos os casos de estresse de origem emocional a característica comum é a expectativa – a crença de que está prestes a acontecer algo terrível”, (ALBRECHT 1990, pg. 82). Este conceito foi utilizado na pesquisa realizada para direcionar o foco de análise ao medo presente no desempenho da atividade profissional da indústria pirotécnica e conseqüente riscos inerentes às atividades, riscos estes que são externos e independentes da vontade do trabalhador, como afirma Albrecht (1990). 2 A relação entre estresse e o risco existente em certas atividades é assim tratado por Wisner (1994 pg. 80): “O excesso de fatores de incerteza ultrapassa a capacidade de processamento do cérebro humano e gera a ansiedade e o medo, quando o perigo não pode ser combatido”. O autor ainda acrescenta que ás vezes tal ansiedade e medo chegam a ultrapassar os limites do espaço de trabalho e atingem toda a comunidade do entorno. O estresse afeta não apenas o corpo como também a mente do indivíduo. De acordo com Albrecht (1990), as faculdades mentais de nível mais elevado ficam bastante prejudicadas pelo estresse extremo. Isto explica muitos fatos comuns ao cotidiano tais como os lapsos de memória e a paralisação ou incapacidade de ação e raciocínio lógico e objetivo frente a situações inesperadas e de extrema pressão. Albrecht (1990) afirma que uma possível explicação para estas ocorrências é que o cérebro simplesmente se desliga quando sobrevém a reação de estresse e o indivíduo não consegue reunir suas faculdades mentais o bastante para enfrentar bem as situações adversas. Moraes (2000) observou que o estresse é manifestado principalmente por sintomas mentais como falta de energia vital, sofrimento psíquico e constante estado de alerta, mas que estas manifestações podem se alterar passando a sintomas físicos em conseqüência da somatização das manifestações mentais. Ao falar sobre o sofrimento mental no trabalho, Wisner (1994) expõe que seus sintomas são expressos principalmente pelos comportamentos e fala, mas também por perturbações neuro-endrocrinianas e imunológicas que podem provocar ou favorecer o aparecimento de diversas doenças chamadas doenças psicossomáticas. Sendo as situações, assim como o estresse por elas causado, e seus sintomas extremamente indesejados e desagradáveis, surge no indivíduo, uma necessidade de desenvolver formas para lidar e se defender desta realidade. Estas formas são chamadas por Dejours (1994) de estratégias ou ideologias defensivas e, de acordo como autor, têm por objetivos mascarar, conter e ocultar sentimentos desagradáveis de ansiedade e angústia. Devido ao seu caráter de ocultação dos sentimentos, as estratégias defensivas exigem grande atenção nas pesquisas sobre estresse, saúde mental e muitos outros aspectos do trabalho e é um dos principais fatores que colaboraram para a crescente percepção da necessidade de metodologias mais abrangentes. Wisner (1994), percebeu esta necessidade no campo da pesquisa em ergonomia e cita: O que a análise ergonômica não mostra é a ansiedade que se desenvolve nas situações deterioradas, pois os mecanismos de defesa que foram bem descritos por Dejours, muitas vezes permitem que os trabalhadores conservem o comportamento e atitudes habituais, apesar de seus temores”.(CRU, 1987, CITADO por WISNER, 1994, pg 81) Muitos dos comportamentos de fuga ao estresse são inconscientes e podem trazer efeitos colaterais indesejáveis e até maléficos para a saúde do indivíduo como é o caso do alcoolismo, do tabagismo, dos vícios em bebidas a base de cola e cafeína, em drogas ilícitas ou em remédios de utilização controlada como ansiolíticos, calmantes e reguladores do sono. Pode-se citar ainda, como comportamentos de fuga ao estresse, a compulsão por comida (especialmente doces), a robotização do comportamento, as atividades auto-destrutivas, a agressividade e a insanidade mental (ALBRECHT, 1990). Moraes (2000, 2001), identificou estratégias defensivas menos prejudiciais em suas pesquisas como o apoio social, o planejamento do trabalho e a racionalização das fontes de pressão. Dejours (1994) afirma que as estratégias defensivas não são direcionadas para os conflitos intrapsíquicos de natureza mental, mas para um perigo e um risco reais e, além disto, possuem uma necessidade de coerência com a realidade fazendo com que os indivíduos desenvolvam grande resistência às medidas de defesa da própria organização tais como 3 campanhas de conscientização, normas e equipamentos de segurança, pois a aceitação de tais campanhas e controles configuraria também a aceitação e a confirmação de que o perigo faz parte de sua realidade. O autor afirma que os trabalhadores agem como se não tivessem consciência dos riscos aos quais se submetem chegando até mesmo a encontrar nisso um certo prazer. O ato de ignorar o risco existente é chamado por Dejours (1994) de pseudoconsciência do perigo e tem por principal função manter o medo, sentido pelo indivíduo, sob seu controle. Este sistema defensivo possui também um caráter coletivo, ou seja, deve ser assumido por todos os componentes do grupo de trabalho e, na maioria dos casos, um indivíduo que não adere ao sistema reconhecendo os riscos e expressando seus medos e ansiedades, é excluído do grupo através de brincadeiras desagradáveis e termina por se demitir afirmando inadequação para a atividade. Contudo, faz-se necessário compreender esta atitude de desprezo aos riscos inerentes à atividade de uma forma mais ampla. “O desprezo, a ignorância e a inconsciência em relação ao risco são apenas uma fachada (...) e esta fachada pode desmanchar-se e deixar emergir uma ansiedade imprevista e dramática” (DEJOUR, 1994, pg.69-70). Segundo o mesmo autor, esta atitude de negação ao risco revela nada mais que a inversão da afirmação da existência real do risco, mas, muitas vezes, esta estratégia de negação ao risco não é suficiente e o trabalhador acrescenta uma dose extra de risco através de suas próprias atitudes àquela situação que, por si mesma, já se caracterizava perigosa. A explicação dada por Dejours (1994) para tal atitude é que no momento em que uma pessoa se percebe capaz de criar ou agravar uma situação ela também se percebe capaz de dominá-la. A compreensão do que é estresse, quais seus efeitos, quais suas causas, sua relação com o medo e as estratégias defensivas adotadas são fundamentais para a correta interpretação das atitudes dos trabalhadores e para a aplicação de ações pertinentes por parte dos gestores, pois, um certo nível de controle do medo é, na verdade, necessário para que os trabalhadores tenham condições de dar continuidade às suas atividades. Tais premissas ganham maior relevância quando são avaliados ambientes onde o risco de acidentes de trabalho é mais expressivo, com conseqüências associadas ao nível psicológico dos trabalhadores. Tais aspectos serão mais bem abordados no próximo tópico. 3. Acidentes de Trabalho e suas Conseqüências para a Saúde Mental dos Envolvidos Para Albrecht (1990), situações de trabalho nas quais está presente o risco de acidente podem ser fontes de alto grau de estresse para o trabalhador e os estudos de Llory (1999) vêm corroborar tal posicionamento ao apresentar as conseqüências e efeitos de um acidente de trabalho – conseqüências e efeitos estes que, muitas vezes ultrapassam os limites da empresa e atingem a vida pessoal dos indivíduos e até a comunidade. O efeito de um acidente de trabalho pode trazer para a vida das vítimas conseqüências passageiras como um mal estar, podendo, porém se tornar patológico em alguns indivíduos apresentando-se como neuroses traumáticas que, normalmente têm como sintomas os distúrbios do sono, a angústia e as náuseas. (LLORY, 1999). Borrois, (1988), citado por Llory, (1999) trata tais neuroses traumáticas como síndrome psicológica reativa aos desastres e lista como seus principais sintomas a ansiedade, inquietação interna, tristeza, depressão, insônia, irritabilidade, disforia e labilidade afetiva – sintomas comumente referenciados em estudos sobre estresse. Llory (1999) ainda acrescenta que a amplitude das reações e conseqüências está intimamente ligada á construção social em torno do acidente e pode conduzir a importantes repercussões no público, bem além das pessoas diretamente atingidas conforme cita a seguir: 4 O acidente industrial provoca uma onda de choque no tecido social, abala convicções, semeia ou desperta o medo, exaspera as posições e as opiniões pessoais. Essa onda de choque tem conseqüências poderosas, que nem sempre não imediatas, longe disso, nem necessária e facilmente analisáveis ou quantificáveis. Mas pode-se dizer que tais acidentes perturbam e chocam as consciências, depois afetam as pessoas silenciosamente, de forma que ás vezes leva muito tempo para revelar-se: a ausência de reações visíveis, barulhentas, não significa a ausência de efeitos. (LLORY, 1999, pg 156) O acidente, conforme defende Llory (1999), não deve ser esquecido, não só porque o esquecimento poderia facilitar a perda das lições aprendidas e benéficas para a evolução das técnicas de segurança no trabalho, mas também porque poderia representar uma negação deliberada dos questionamentos necessários e um silenciamento individual e/ou coletivo como forma de proteção e ocultação dos sentimentos desagradáveis despertados pela lembrança do acidente. O autor apresenta, em contrapartida, a necessidade de superação do acidente, de forma que o indivíduo não permaneça tolhido pelo medo obsessivo e pelo estresse e sofrimentos psíquicos causados pelo acidente. Conforme será vista mais adiante, o ambiente das organizações da indústria pirotécnica de Santo Antônio do Monte se caracteriza pela presença real de acidentes, afetando o cotidiano da própria comunidade do entorno. 4. A Indústria Pirotécnica de Santo Antônio do Monte A pirotecnia brasileira está centralizada principalmente em Santo Antônio do Monte, região responsável pela geração de mais de 10 mil empregos diretos e indiretos no setor. Santo Antônio do Monte é, atualmente, o segundo maior pólo mundial em produção de artefatos pirotécnicos e o primeiro em concentração de estabelecimentos industriais. A história da pirotecnia em Santo Antônio do Monte é centenária e seu início se confunde com o início e nascimento do povoado por volta de 1800. Hoje o setor pirotécnico de Santo Antônio do Monte agrupa mais de 60 indústrias sendo que 38,3% destas são microempresas possuindo até 19 funcionários, 43,4% são pequenas empresas possuindo de 20 a 99 funcionários e apenas 18% são de médio porte possuindo de 100 a 499 funcionários diretos. (FIEMG, IEL e SINDIEMG, 2003). Ainda de acordo com as pesquisas dos órgãos FIEMG, IEL e SINDIEMG (2003) a mão-de-obra utilizada na indústria pirotécnica de Santo Antônio do Monte é constituída, em sua maioria, de pessoas detentoras de baixo nível de escolaridade sendo que mais de 60% dos operários não possuem o ensino fundamental completo, apenas 14,8% concluíram o ensino médio e 1,79% estão cursando ou possuem curso superior. Os processos produtivos da indústria pirotécnica se baseiam em duas ramificações distintas de produtos: de estampido e de cores, e são caracterizados, em sua maioria, por tarefas artesanais, de baixa mecanização e pelo alto risco de acidentes de trabalho. Apesar de não existir, atualmente, nenhum estudo de cunho acadêmico/científico sobre a existência de fontes estressoras na indústria pirotécnica, tampouco sobre a relação existente entre o risco inerente à atividade e o grau de estresse organizacional, o trabalho desenvolvido pelos profissionais da área de segurança e medicina do trabalho do setor contempla uma análise detalhada dos riscos existentes em cada atividade, conforme mostra o fragmento adaptado do PPRA – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais de uma das indústrias da região (Tabela 1). Conforme demonstra a tabela 1, estão presentes nas atividades não apenas os riscos á saúde dos funcionários, mas também riscos de acidentes de trabalho graves. De acordo com informações do Posto de Fiscalização de Produtos Controlados pelo Exército de Santo Antônio do Monte, entre os anos de 1999 e 2003, ocorreram aproximadamente 30 acidentes envolvendo explosões graves, o que representa uma média de 06 acidentes desta categoria a 5 cada ano e, além destes, há também a ocorrência em grande escala de acidentes com equipamentos mecânicos e cortantes. A partir de tais dados objetivos, entende-se que a presença de acidentes na região tende a provocar - conforme a revisão da literatura na área aponta – conseqüências na relação dos colaboradores envolvidos com o cotidiano de atividades da indústria pirotécnica, principalmente no que se refere aos aspectos relativos ao estresse. É neste sentido que esta pesquisa investiga os impactos de tal situação na subjetividade dos colaboradores. A descrição da metodologia adotada identifica as premissas dos autores no próximo tópico. TABELA 1 Ficha de Reconhecimento e Avaliação de Risco Atividade Situações de risco (agentes e Medidas de Controle existentes Danos (críticos) analisada fatores de risco) Manipular Pólvora Risco de explosão durante o Treinamentos, banca forrada e Queimaduras / morte Branca processo de manipular a pólvora lâmina d’água no piso e branca calcanheira condutiva. Treinamentos uso de EPI's Problemas Exposição à poeira de perclorato (máscara contra poeira) respiratórios de potássio, enxofre e alumínio em pó. Postura inadequada, Monotonia, Treinamentos admissional e Stress e Fadiga Trabalho de pé. periódico, ginástica laboral. Colar bombas com Incêndio e explosão durante o Treinamentos, banca forrada e Queimaduras / morte serragem e cola processo de colar bombas 3 tiros, lâmina d’água no piso e Poeira de serragem (pó de Uso de EPI’s (luvas e Máscara Irritação nas vias madeira) contra poeira) respiratórias Coar serragem e Postura inadequada, Monotonia, Treinamentos admissional e Stress e Fadiga preparar massa de Trabalho de pé. periódico, ginástica laboral. Fonte: Adaptado do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais da empresa estudada, documento que atende às exigências da NR-9 do Ministério do Trabalho (MTE, 2004). 5. Metodologia A escolha do método a ser utilizado em um trabalho científico está intimamente relacionada à natureza do problema a ser investigado e aos fundamentos epistemológicos da postura teórico-metodológica do pesquisador (BRITO, 2000). Neste trabalho, optou-se pelo método descritivo-analítico de natureza qualitativa (BRYMAN e BURGESS, 1994; GODOY, 1995), fundamentado epistemologicamente em uma postura interpretativista. Tais premissas estão associadas à apreensão e análise da percepção dos colaboradores de uma indústria pirotécnica de médio porte localizada em Santo Antônio do Monte – Minas Gerais. A escolha epistemológica relativa à compreensão dos aspectos perceptuais (essencialmente de caráter qualitativo) conduziu os pesquisadores a um único caso, sendo este uma amostra não-probabilística. A escolha do caso a ser investigado foi baseada em dois critérios: a organização (indústria pirotécnica) deveria ter passado pela situação de acidente de trabalho com vítimas fatais, acreditando-se que tal evento é altamente mobilizador do ponto de vista do estresse, e, como segundo critério, a acessibilidade, o que Vergara (1990) avalia que permite a constituição da amostra baseada em elementos que o próprio pesquisador considera representativos do universo pesquisado, mostrando-se ideal aos casos de pesquisaparticipante. A presente investigação pode ser considerada como pesquisa-participante, já que foi fundamentada teoricamente nas pesquisas científicas realizadas na área, nos livros e em outros trabalhos existentes sobre o tema, mas teve um dos pesquisadores como parte 6 integrante do quadro de colaboradores da empresa pesquisada. As opiniões de tal membro foram coletadas e analisadas para enriquecer o estudo. A amostra foi constituída por onze entrevistados distribuídos em diferentes setores de produção e administrativos da empresa com o objetivo de analisar a perspectiva de indivíduos que convivem com situações, características de trabalho e riscos diferentes. A coleta de dados se deu através de uma ferramenta adaptada do modelo Zaltman Metaphor Elicitation Technique (ZMET) A ZMET, de acordo com seus idealizadores, Kraft e Nique (2002), é uma ferramenta de pesquisa que tem como objetivo evocar as metáforas que representam os pensamentos e sentimentos do entrevistado. Esta ferramenta tem como característica principal a associação de imagens aos relatos dos entrevistados. Na teoria original de ZMET (KRAFT E NIQUE, 2002), esta associação é feita com a utilização de imagens variadas selecionadas previamente pelo pesquisador, que, depois de findadas as perguntas da entrevista, as disponibiliza para o entrevistado e solicita que este escolha uma única imagem que, em sua opinião se relaciona com o tema tratado e que, em seguida, explique os motivos da escolha, ou seja, porque a imagem em questão relaciona-se com o tema. De acordo com Kraft e Nique (2002), a ferramenta ZMET tem as seguintes premissas teóricas: ¾ ¾ ¾ ¾ ¾ ¾ ¾ ¾ O pensamento é baseado em imagens, não em palavras; Grande parte da comunicação é não-verbal; As metáforas são unidades centrais para o pensamento; Modelos mentais como representações de histórias; Estruturas profundas do pensamento podem ser acessadas; Razão e emoção agem em conjunto; A cognição está embasada na experiência sensorial e O pensamento não é domínio de um só indivíduo. A adaptação tomou como base, as premissas teóricas da ZMET, no entanto, a estruturação das entrevistas não seguiu o modelo original da ferramenta, mas foi composta por três etapas distintas descritas a seguir: ¾ Perguntas abertas sobre a atividade desenvolvida pelo entrevistado e sua vida em geral; ¾ Solicitação da criação, por parte do entrevistado, de um desenho que retratasse algo importante relacionado ao seu trabalho; ¾ Explicação, por parte do entrevistado, acerca dos significados pessoais do desenho. A utilização da adaptação da ferramenta ZMET teve como objetivo trazer à tona as metáforas pessoais relacionadas ao trabalho e ao fator estresse vivenciado pelos entrevistados, além de auxiliar na identificação das estratégias defensivas que camuflem e ocultem o estresse e seus efeitos sob o indivíduo. Assim, a ferramenta possibilita identificar, de forma abrangente, a percepção do entrevistado sobre a atividade desempenhada, o risco inerente e as conseqüências para o trabalho e para sua vida pessoal. A estrutura da entrevista, assim a aplicação da etapa relacionada ao desenho e suas metáforas foram desenvolvidos tomando-se como base os principais aspectos do estresse organizacional tratados pelos autores estudados buscando identificar, seja nas respostas do entrevistado, ou seus sentimentos projetados no desenho e expressados nas metáforas, sinais que indiquem a presença de estresse e a maneira com a qual estes indivíduos lidam com tal questão. 7 Tendo em vista que todas as etapas da metodologia adotada são de fundamental importância para a compreensão do fenômeno estudado, os dados resultantes das três etapas foram analisados em paralelo construindo, assim, uma ponte entre as informações explícitas obtidas através da entrevista e as informações implícitas obtidas através do desenho e principalmente do discurso dos entrevistados sobre seus significados.O desenho, assim como as metáforas associadas á ele assumiram o papel de alvo de projeção dos sentimentos, pensamentos, anseios e medos muitas vezes ocultados na fala consciente do momento da entrevista. 5. Análise de Dados Apesar de a entrevista ter buscado informações sobre vários aspectos da vida dos entrevistados, tais como idade, composição familiar, local de residência, tempo de experiência na atividade, entre outros, a pesquisa ateve-se à caracterização das atividades desempenhadas pelos entrevistados e a aspectos subjetivos tais como: a percepção do entrevistado sobre o trabalho; sua relação com a atividade e com o risco inerente á mesma; o estresse sentido; seus sintomas, suas causas; estratégias defensivas adotadas pelos colaboradores. A análise dos desenhos realizados pelos entrevistados e as metáforas a eles associadas, demonstrou que certas categorias de representações ou projeções apareceram repetidamente, indicando uma possível homogeneidade de percepções, sentimentos e reações frente ao trabalho e ao estresse por ele causado. Através do cruzamento das informações obtidas nas entrevistas e as informações suscitadas com o uso dos desenhos e suas metáforas, foi possível desenvolver um modelo de análise sub-dividido em quatro grupos, cada um englobando representações e metáforas semelhantes. Cada um dos grupos do modelo de análise foi associado á um ícone que sintetiza os simbolismos e as projeções contidos nos desenhos e nas metáforas criadas pelos entrevistados, assim como em suas respostas aos questionamentos das entrevistas. Observe-se que o ícone está delimitado por um círculo e os desenhados realizados pelos pesquisados estão delimitados por um quadrado. O referido modelo de análise é apresentado pelo seguinte diagrama: Figura 1: Modelo de Análise – Metáforas e Representações Primeiro grupo Segundo grupo Terceiro grupo Quarto grupo Fonte: Dados da pesquisa (2006) 8 5.1.Primeiro Grupo: Recompensas Sociais e Negação Este grupo demonstra os posicionamentos tomados frente ao trabalho, aos desafios e ao risco por ele proposto. As metáforas apresentadas pelos entrevistados deste grupo estão intimamente ligadas á re-significação do produto por eles fabricado como uma fonte de alegria, de encantamento e de beleza trazendo o reconhecimento social do trabalho por eles realizado e despertando sentimentos que recompensam as dificuldades e os riscos enfrentados no dia-a-dia. Trata-se do grupo retratado no quadrante superior esquerdo, com o ícone representando a alegria associada ao produto do trabalho (fogos de artifício). Tal resignificação expressa a necessidade de ressaltar os pontos positivos da atividade, não apenas para a sociedade, mas para si mesmo, colocando o risco e os sentimentos incômodos por ele gerados em segundo plano. Esta metáfora é expressa nas seguintes falas: A bomba que eu faço (desenho realizado) é uma coisa boa pra mim. Eu acho que quando ela sai bem feita, fica bonita, dá alegria ás pessoas que estão vendo, eu fico satisfeito com isso, eu me considero um artista. Nessa hora isso faz esquecer tudo de negativo que existe na minha tarefa. (ENTREVISTADO A, 45 ANOS, 2006) O desenho(uma festa junina) significa alegria, cores, festa, tradição, religiosidade, divertimento, envolvimento no trabalho, beleza, paixão, mas também risco. (ENTREVISTADO B, 38 ANOS, 2006) Durante o decorrer da entrevista, os entrevistados deste grupo demonstraram adoção em alta escala de estratégias defensivas de negação e banalização do risco e dos sentimentos negativos por ele despertados tais como; preocupação, ansiedade, medo, etc. Tais estratégias defensivas foram identificadas graças ás metáforas, mas também a pequenas contradições percebidas nas respostas dos entrevistados. Tais contradições podem indicar a expressão de sentimentos presentes no inconsciente que se revelam sem que se perceba nos chamados “atos falhos”. Como exemplo de tais contradições, pode-se citar as seguintes falas de dois entrevistados: Tento não sentir medo. (...) a gente tem medo, mas o ser humano acostuma com as coisas. Apesar de sentir medo, eu me acostumei, é como se estivesse em casa, ficou normal. (ENTREVISTADO C, 35 ANOS, 2006) Eu gosto de fazer minha atividade. Não tenho medo não (...) Nunca deixo de pensar no que pode me acontecer Quando fico sabendo de algum acidente, mesmo em outra fábrica, dá medo, e nos dias e que acontece (acidentes), o receio é muito maior da gente voltar pra onde trabalha. Quando aconteceu um acidente que matou uma pessoa, a gente não tinha nem coragem de voltar pra onde a gente tava trabalhando. (ENTREVISTADO A, 45 ANOS, 2006) Com sinceridade, eu saio daqui já preocupada, com o coração na mão, mas Deus e Nossa Senhora ajudam a gente, porque eu preciso, né? Fazer o que? (...) Eu fico tranqüila, o medo não me incomoda. (ENTREVISTADA F, 24 ANOS, 2006) As tentativas de ocultação de sentimentos como o medo, a ansiedade e a insegurança são características das estratégias de defesa tratadas por Dejours (1994) e demonstram um alto nível de estresse escondido por trás das fachadas precárias da negação. A fala do entrevistado revela, além do nível de estresse e da estratégia defensiva de negação, os efeitos traumáticos causados pelos acidentes presenciados e até pelos acidentes não presenciados, mas ocorridos nas regiões próximas, pois, de acordo com Llory, (1999), os efeitos de um acidente industrial podem ir muito além dos limites da fábrica. 9 5.2. Segundo grupo: apoio social de pares e outras válvulas de escape Este grupo de análise sintetiza um alto nível de estresse e a grande necessidade de estratégias defensivas que diminuam a carga de sofrimento psíquico sentida no dia-a-dia. Trata-se do grupo retratado no quadrante superior direito, com o ícone representando a o apoio social dos pares no ambiente organizacional, considerando as metáforas usadas pelos entrevistados as quais estavam diretamente relacionadas ao apoio social do grupo – incluindo amigos fora da empresa, mas principalmente os colegas de trabalho. Também está presente a busca por outras “válvulas de escape”, ou seja, atitudes ou situações que despertem o prazer e a alegria afastando, mesmo momentaneamente, os pensamentos e sentimentos indesejados conseqüentes do estresse. Os desenhos utilizados para a construção das metáforas mostraram, normalmente, os grupos informais dentro e fora da indústria e também o ambiente (natureza) com a qual os entrevistados convivem. Os entrevistados, em sua fala, ressaltaram os efeitos calmantes e prazerosos destes dois elementos – grupos sociais e a natureza – como mostram os trechos a seguir: Um ponto positivo do serviço é a convivência com o pessoal. É tudo gente boa e agradável de mexer. (...) Quando eu saio (do trabalho) sempre dou uma voltinha, penso em outras coisas, passa um colega a gente dá uns gritos, faz um futebol, faz uma outra coisa pra esquecer do serviço (ENTREVISTADO D, 51 ANOS, 2006) Eu desenhei meu local de trabalho. Tem o barracão onde eu trabalho e os barracões lá perto.Quando a gente tá com a cabeça mais quente, preocupado, com medo, pensando muita coisa ruim, a gente sai do barracão, anda no meio do mato, avista um colega conversa um pouquinho, brinca, conta umas piadas e depois a gente volta mais leve, mais tranqüilo. (ENTREVISTADO D, 51 ANOS, 2006) Eu desenhei uma árvore. Uma das coisas que me dá mais prazer de trabalhar nessa empresa é a natureza que tem lá. Eu vim da roça, do mato, minha família era toda roceira, meu pai conhecia muito de plantas medicinais, então eu também aprendi a gostar e a admirar. Ás vezes a gente pára em um lugar e fica observando, identificando as plantas todas que tem lá e que ajudam na saúde. Isso me fascina muito, me dá uma sensação muito gostosa de estar no meio desse ambiente. Isso ajuda a esquecer um pouco o perigo. (ENTREVISTADO E, 46 ANOS, 2006) As metáforas apresentadas pelos integrantes deste grupo sugerem que os mesmos possuem uma sensibilidade bastante aguçada e buscam nos relacionamentos interpessoais e no ambiente a força para enfrentar o dia-a-dia e as duras realidades do trabalho que coloca em risco a sua integridade física, mental e até mesmo a sua vida. Moraes (2000, 2001) observou em suas pesquisas um alto grau de adoção de estratégias defensivas de apoio social e, além disso, afirma serem estas as estratégias defensivas que se mostraram mais eficazes contra o sofrimento psíquico e o adoecimento dos entrevistados que fizeram parte de sua amostra já que, apesar das pressões, preocupações e situações adversas causadoras de estresse diário, os indivíduos que dispunham de relacionamentos interpessoais satisfatórios mantinham-se em plenas condições de trabalho e obtinham uma maior qualidade de vida profissional e pessoal. A presente investigação também identificou o apoio social como a estratégia defensiva mais adotada, não apenas o apoio social do grupo, mas principalmente o apoio social familiar conforme demonstra sub-item 5.3 a seguir. 10 5.3.Terceiro Grupo: Outras Significações do trabalho e Apoio Social Familiar Este grupo de análise representa as simbologias e metáforas que foram evocados em maior intensidade pelos entrevistados e expressam, além das significações que o trabalho possui em suas vidas, a grande utilização do apoio social familiar como estratégia defensiva contra o estresse e suas conseqüências maléficas. Trata-se do grupo retratado no quadrante inferior esquerdo, com o ícone representando o apoio da família e o ambiente extra-trabalho. A investigação permitiu observar que o trabalho assume o importante papel social e de subsistência na vida dos entrevistados. Segundo mostram as entrevistas e as metáforas evocadas através dos desenhos, o trabalho é a ferramenta que permite a eles satisfazer as necessidades básicas como moradia e alimentação. É através do trabalho que a vida familiar dos entrevistados se torna realidade concreta e os objetivos e metas podem ser alcançados. Eu desenhei uma casa com algumas pessoas.Esta é a minha casa e da minha família. Eu acho que eu trabalho em prol da minha família e meu trabalho é importante porque é ele que vai manter minha família qui. (ENTREVISTADO G, 46 ANOS, 2006) Eu desenhei minha casa, eu e minha esposa. Então se eu consigo viver com ela, conseguir as coisas pra nossa casa, é devido ao trabalho, à oportunidade de trabalho que a gente tem. A casa é algo muito bom que a gente conseguiu, é muito importante. Então o trabalho pra mim está relacionado á isto, a gente conta com o trabalho para realizar o que a gente quer e precisa. (ENTREVISTADO H, 25 ANOS, 2006) Eu desenhei minha família, minha esposa e meus filhos. A relação do desenho e meu trabalho é que, antes de trabalhar nas fábricas de fogos, eu viajava muito, tinha pouco tempo para ficar com minha família. O trabalho na fábrica de fogos me proporcionou mais estabilidade financeira e mais segurança pra minha família. (ENTREVISTADO I, 36 ANOS, 2006) Quando eu to com minha família eu paro de pensar no serviço e esqueço o risco que tô correndo todo dia. Quando eu tô no meio da minha família eu tenho um pouco de paz. (ENTREVISTADA K, 19 ANOS, 2006) Como demonstrado nos trechos acima, a significação do trabalho como forma de satisfazer as necessidades básicas assume um importante papel na vida dos entrevistados e, de tão importante, diminui ou até suprime os aspectos negativos da atividade e os sentimentos de medo, insegurança e ansiedade gerados pelo estresse do dia-a-dia. Encontra-se, nesse caso, uma justificativa válida que, associada ao apoio e satisfação obtidos com a convivência familiar – estratégia defensiva de apoio social familiar – lhes garante a energia vital para continuar seu trabalho e superar os desafios. Os desenhos e metáforas mais usados pelos entrevistados deste grupo de análise se relacionaram com as suas famílias, suas casas e as suas posses materiais. A casa assumiu o significado de paz, alegria os entrevistados declaram ter como principal objetivo diário poder voltar para a casa e para a família sãos e salvos. Este grupo de análise, assim como o grupo descrito no ítem 5.2., apresentaram os menores traços de conseqüências maléficas do estresse como doenças psicossomáticas, ansiedade, agressividade, sofrimento psíquico e outros. Este fato pode ser explicado pelo alto nível de eficácia das estratégias defensivas de apoio social dos grupos informais e da família e pela significação dada ao trabalho. 11 5.4.Quarto Grupo: Sofrimento Psíquico Neste grupo de análise estão inseridas as simbologias e metáforas que evocaram e demonstraram o grande sofrimento psíquico existente apesar da grande gama de estratégias defensivas adotadas com o intuito de o encobrir e mascarar. Trata-se do grupo retratado no quadrante inferior direito, com o ícone representando a necessidade de elaborar (organizar psiquicamente) o sofrimento gerado pelo trabalho de alto risco. Várias estratégias defensivas foram identificadas, tais como a agressividade e os vícios em cigarros, cafeína e álcool, mas a estratégia defensiva identificada em maior intensidade neste grupo foi a de negação. Esta negação é, normalmente direcionada tanto para o risco existente na atividade quanto para o estresse por ele gerado e para os demais sentimentos desagradáveis tais como o medo, a ansiedade e a insegurança. A presença das estratégias defensivas indica um alto nível de estresse presente. Um ponto interessante a ser ressaltado é o fato de que os entrevistados deste grupo de análise desempenham atividades consideradas por todos como as mais arriscadas e apesar de terem consciência deste risco, alguns deles, em seu discurso, negam qualquer tipo de sentimento despertado por esta situação a qual são submetidos diariamente: Lá tem muito risco. Não pode arrastar nada, não pode bater nada. Todo cuidado que tem é pouco. Tem que rezar para Deus ajudar sempre porque se pegar fogo explode tudo e não sobra nada. (...) Não me provoca nenhum sentimento, nem de insegurança. (ENTREVISTADO J, 44 ANOS, 2006) Apesar de a negação ter permeado todas as falas dos entrevistados, foi justamente através dos desenhos – nos quais foram utilizados símbolos subjetivos dos sentimentos de insegurança que os acompanham – e das metáforas a eles associadas que se pôde identificar o grande nível de estresse e de sofrimento psíquico por eles vivenciados: Eu fiz uma pomba que significa paz, né? Esse desenho ta relacionado com o meu serviço porque enquanto eu to lá ocupada com as tarefas eu não penso muito no risco que to correndo, mas quando eu saio de lá (da fábrica) eu não tenho paz, fico pensando que se pudesse eu nem voltava lá. Eu queria ter paz aqui fora também. (ENTREVISTADA K, 19 ANOS, 2006) Eu desenhei um extintor. Não sei porque desenhei, foi a primeira coisa que veio na minha cabeça. Acho que é engraçado porque o extintor é até importante, ele fica lá do lado de fora do meu barracão, mas ele não pode me ajudar em nada se acontecer algum acidente. Ele não vai salvar minha vida. Porque se acontecer algum acidente, não dá tempo de apagar fogo porque explode tudo. Então, o extintor pode até ajudar em outros casos, mas não me ajuda em nada. (ENTREVISTADO J, 44 ANOS, 2006) Neste grupo de análise pôde-se perceber que as estratégias defensivas adotadas pelos entrevistados não são eficientes nem suficientes para aliviar ou suprimir o estresse e o sofrimento psíquico por eles sentido, servindo, apenas para os mascarar e ocultar momentaneamente. Os riscos elevados com os quais convivem pode ser um dos fatores que explica esta ineficácia das estratégias defensivas, já que o nível de estresse também se apresentou mais intenso. Todos os entrevistados demonstraram um certo grau de estresse pós-traumático conseqüente de acidentes industriais que já presenciaram, estiveram envolvidos ou simplesmente tiveram informações, conforme demonstram seguintes trechos das entrevistas: 12 Eu acho que cada vez que a gente fica sabendo de um acidente muda um pouco a gente. Faz a gente pensar mais e lidar mais seguro. E nos dias que acontece, o receio é muito maior da gente voltar pra onde a gente trabalha. Quando aconteceu um acidente que matou uma pessoa, a gente não tava tendo nem coragem de voltar prá onde a gente tava trabalhando. (ENTREVISTADO A, 45 ANOS, 2006) Depois que a gente vê um acidente muda tudo, com certeza. Depois de um acidente é que você vê o risco que ta correndo e o tanto que de ter cuidado. Aumenta o medo. Você não imagina o que pode acontecer com você até ver um acidente de perto. (ENTREVISTADO G, 46 ANOS, 2006) 6. CONCLUSÃO Toda a economia de Santo Antônio do Monte parte, direta ou indiretamente da indústria pirotécnica, principal fonte de emprego e geradora de alta demanda de serviços e de insumos (FIEMG, IEL, 2003). Apesar do reconhecimento da importância do setor por parte da população, está presente no discurso das pessoas o receio e até mesmo um certo grau de ressentimento em relação às indústrias de fogos de artifício. Ao mesmo tempo em que são fonte de renda para o município, dinamizando a economia local, geram sofrimento pelos acidentes associados com vítimas fatais pertencentes à comunidade local. O nível de estresse e o impacto na subjetividade dos pesquisados pôde ser observado direta e indiretamente nos dados provenientes do estudo. Nesse sentido, a condução da presente investigação e os resultados obtidos corroboram a escolha de uma metodologia voltada para a noção de pesquisa qualitativa contextualizada, a qual permitiu visualizar os aspectos mais subjetivos do relacionamento do indivíduo com o trabalho na indústria pirotécnica de Santo Antônio do Monte, o nível de estresse presente na atividade, suas possíveis causas, suas conseqüências e as estratégias defensivas adotadas. Foi possível concluir que a atividade, fortemente caracterizada pelo risco à saúde física, mental e à vida é fonte de um alto nível de estresse e de sofrimento psíquico para os trabalhadores, os quais, como forma de se proteger e se resguardar, adotam estratégias defensivas em larga escala. Pôde-se perceber também que algumas destas estratégias defensivas não se mostram eficazes contra o estresse e suas conseqüências funcionam apenas como um mascaramento de tais questões. A compreensão de tais aspectos é de fundamental importância, não apenas para a comunidade acadêmica como fonte de maiores conhecimentos acerca do estresse organizacional, mas também para que os gestores de tais organizações possam elaborar ações de apoio que aumentem a qualidade de vida de seus funcionários. Dos aspectos associados às estratégias defensivas, a família pôde ser identificada como um dos fortes fatores primordiais para o processo de defesa, o que pode dar pistas sobre ações necessárias para conduzir a gestão do grupo de trabalho em face aos riscos. Acredita-se na alta probabilidade de encontrar menor risco nas ações dos trabalhadores considerando-se o ambiente no qual estes estejam inseridos em nível das relações extra-trabalho. Ações que envolvem desde a seleção de pessoas provenientes de lares com uma dinâmica estruturada, até apoio social à constituição de ambientes familiares estáveis, podem vir a ser úteis na estruturação de estratégias de minimização de riscos. O próprio ambiente organizacional pode ser foco de desenvolvimento, considerandose que os trabalhadores avaliam que seus pares constituem fonte de maior tranqüilidade face à ansiedade no desenvolvimento das atividades. Ações de fomento à interação e discussão dos aspectos associados ao risco do trabalho podem também se tornar interessantes em tal contexto. 13 Um dos fatores apontados aos gestores como necessário, considerando-se o resultado da pesquisa, é avaliar a possibilidade de construir espaços de diálogo sobre questões penosas para o grupo, como os acidentes com vítimas fatais, avaliando-se a dificuldade de lidar com tais questões quando tais sentimentos são reprimidos e pouco discutidos pelos colaboradores. As sugestões de modificação dos aspectos de gestão partem de uma visão que agrega ganho para a organização e para o sujeito. À organização é propiciado um ambiente com menor número de acidentes, e ao trabalhador, a sua integridade física e mental. Tais aspectos, acredita-se, podem ser inferidos a partir dos resultados de estudos como este realizado. É importante, entretanto, registrar as limitações desta investigação tendo em vista ter sido este um estudo de caso, fator que ressalta a importância de um estudo futuro no qual a amostra seja ampliada com o objetivo de averiguar se os resultados observados podem ser generalizados para todo o setor, nesse sentido, encontra-se um espaço aberto para o desenvolvimento da área. 7. Bibliografia ALBRECHT, K. O Gerente e o Estresse: Faça o estresse Trabalhar para Você. 2ª Ed. Jorge Zahar Editor. – Rio de Janeiro – 1990. ARAÚJO, T. Trabalho e distúrbios psíquicos em mulheres trabalhadoras. Tese de Doutorado. Salvador: Instituto de Saúde Coletiva – UFBA, 1999. BRITO, M. J. Mudança e cultura organizacional: A construção social de novo modelo de gestão de P&D na EMBRAPA. São Paulo, FEA/USP, 2000 (Tese de Doutorado em Administração). BRYMAN, A. BURGUES, R. G. Analyzing qualitative data. 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