ALTERAÇÕES DO PENSAMENTO
Elementos constitutivos do pensamento:
- conceito
- juízo
- raciocínio
São elementos propriamente intelectivos do pensamento.
Diferentes dimensões do processo de pensamento:
- curso
- forma
- conteúdo
Elementos constitutivos do pensamento:
1. Conceitos: formam-se a partir das representações. Ao contrário das percepções, o
conceito não possui elementos de sensorialidade, não sendo possível contemplá-lo nem imaginálo. O conceito é um elemento puramente cognitivo, intelectivo, não tendo qualquer resquício
sensorial. Não é possível visualizar um conceito, ouvi-lo ou senti-lo. Nos conceitos se exprimem
apenas os caracteres mais gerais dos objetos e fenômenos. O conceito é o elemento estrutural
básico do pensamento. Se expressa por palavras.
Para formação dos conceitos são necessários:
- Eliminação dos caracteres de sensorialidade que ainda apresentam as representações.
Cadeira - Imagem: cadeira preta, bonita etc. Conceito: objeto de 4 pés, para sentar etc.
- Generalização - conceito resulta da síntese de um número considerável de fenômenos
singulares.
2. Juízos: consistem na afirmação de uma relação entre dois conceitos. “Cadeira” e
“utilidade”: a cadeira é útil. O juízo tem como função básica formular uma relação unívoca entre
um sujeito e um predicado. O juízo se expressa por frases ou proposições.
3. Raciocínio: é a função que relaciona os juízos. Assim como a ligação entre conceitos
permite formar juízos, a ligação entre juízos forma novos juízos e, assim, o raciocínio e o
pensamento se desenvolvem.
Alterações dos conceitos:
1. Desintegração dos conceitos: perda de seu significado original. Uma mesma palavra
passa a ter significados mais diversos. Na desintegração dos conceitos, o sujeito utiliza as
palavras de forma totalmente pessoal.
Ex: de Isaías Paim: ateu = descrente de Deus
↓
↓ inverte o significado
a teu comando = a comando de Deus
Surgem os neologismos de palavras conhecidas recebendo significados novos. Ocorre nas
esquizofrenias e síndromes demenciais.
2. Condensação dos conceitos: dois ou mais conceitos são fundidos, condensando duas ou
mais idéias em um único conceito que se expressa por uma nova palavra. Surgem os neologismos
de palavras novas.
Alterações dos juízos:
1. Juízo deficiente ou prejudicado: ocorre pela deficiência intelectual e pobreza cognitiva do
indivíduo. Juízos simplistas, concretos e sujeitos à grande influência do meio social.
2- Alteração do juízo de realidade ou delírio: segundo Karl Jaspers, as idéias delirantes ou
delírio são juízos patologicamente falseados. O delírio é um erro do ajuizar que tem origem na
doença mental. Sua base é mórbida e ele é motivado por fatores patológicos. Segundo Jaspers, o
delírio tem 3 características essenciais:
1. O paciente apresenta uma convicção extraordinária, uma certeza subjetiva praticamente
absoluta. A sua crença é total, para ele não se pode colocar em dúvida a veracidade de seu
delírio.
2. É impossível a modificação do delírio pela experiência objetiva, por provas explícitas da
realidade, por argumentos lógicos, plausíveis e aparentemente convincentes. O delírio é
irremovível, é inabalável.
3. O delírio é um juízo falso, seu conteúdo é da ordem do impossível. Alguns doentes
podem delirar e seu delírio ser verídico: alcoolista crônico com delírio de ciúmes, cuja mulher o
trai realmente; líder político com delírio de perseguição, sendo que há pessoas que querem
prejudicá-lo ou matá-lo.
Para ele, contudo, seu juízo é delirante e foi determinado por fatores
mórbidos.
Acrescente-se um quarta característica às 3 descritas por Jaspers:
4. O delírio é uma produção associal, idiossincrática em relação ao grupo cultural do
doente. O delírio, na maioria das vezes, não é produzido, nem compartilhado por um grupo
religioso, político ou científico.
Indicadores de gravidade do delírio:
Kendler e colaboradores propuseram 7 dimensões ou vetores da atividade delirante:
1. Convicção – até que ponto o paciente está convencido da realidade de suas idéias
delirantes. A crença delirante é muito arraigada.
2. Extensão – em que extensão as idéias delirantes envolvem diferentes áreas da vida do
paciente.
3. Bizarrice – o quanto seu delírio se distancia da realidade consensual.
4. Desorganização – até que ponto as idéias delirantes são consistentes internamente, têm
uma lógica própria e em que grau são sistematizadas.
5. Pressão – o quanto o paciente está preocupado e envolvido com suas crenças delirantes.
6. Resposta afetiva – o quanto as suas crenças delirantes abalam ou tocam afetivamente o
paciente.
7. Comportamento desviante – o quanto o paciente age em função de seu delírio – as
idéias passam a reger toda a conduta do paciente.
Delírio primário ou idéias delirantes verdadeiras:
Segundo Jaspes, o verdadeiro delírio é um fenômeno primário. Logo, é psicologicamente
incompreensível, pois não apresenta raízes na experiência psíquica do homem normal. É
impenetrável e é algo inteiramente novo, uma transformação qualitativa em toda a existência do
paciente.
Delírio secundário ou idéias deliróides:
Assemelha-se externamente ao primário, mas é diferente dele, pois não se origina de uma
alteração primária do pensamento, mas sim de alterações profundas em outras áreas da atividade
mental (afetividade, consciência etc.) que, indiretamente, fazem com que se produzam falsos
juízos. São produtos de condições psicologicamente rastreáveis e compreensíveis.
Ex. 1: o delírio de ruína ou culpa de um paciente depressivo grave é compreensível e
derivável de um estado de humor profundamente alterado: constitui mais um aspecto, mais uma
dimensão que o humor depressivo toma.
Ex. 2: delírio de grandeza de um paciente em estado maníaco franco.
Classificação dos delírios:
Segundo a estrutura, os delírios são classificados em:
- simples ou complexos.
- não-sistematizados ou sistematizados.
1. Delírios simples: são constituídos de idéias que se desenvolvem em torno de um só
conteúdo, de um tema único, geralmente de um único tipo – religioso, persecutório etc.
2. Delírios complexos: englobam vários temas ao mesmo tempo, com múltiplas facetas,
conteúdos de perseguição, místico-religioso, de ciúmes, de reivindicação etc.
3. Delírios não-sistematizados: são delírios sem uma concatenação consistente. Os
conteúdos e detalhes variam de um momento a outro.
4. Delírios sistematizados: são delírios bem organizados, com histórias ricas e consistentes,
e que preservam ao longo do tempo os seus conteúdos e detalhes. Ocorrem nas paranóias
(transtornos delirantes).
Surgimento e evolução do delírio - estados pré-delirantes:
Os delírios surgem, em geral, após um período denominado de humor delirante (Jaspers)
ou trema (Konrad). Nesse período, o paciente experimenta aflição e angústia, sente como se
alguma coisa terrível estivesse para acontecer, mas ele não sabe exatamente por quê. Predomina
uma sensação de perplexidade, uma sensação de fim do mundo, e, essencialmente, de radical
estranheza.
Este estado pode durar dias. O chamado humor delirante cessa quando o paciente
configura o delírio, quando “descobre”, como se fosse por uma revelação inexplicável, “o que está,
de fato, acontecendo”: “Ah, então é isso, os vizinhos organizaram um complô para me matar”.
Ou: “Já entendi, a minha esposa está tendo relações com todos esses homens”.
Após essa revelação do delírio, o paciente muitas vezes se acalma, como se tivesse
encontrado uma explicação plausível para aquela perplexidade inexplicável anterior.
Observação psicanalítica:
Com Lacan, podemos entender este momento de apaziguamento como aquele em que o
sujeito consegue dar sentido (imaginário) ao não senso da experiência traumática do real.
I
-------- >
Sentido
Em relação ao curso, os delírios podem ser:
- agudos
- crônicos
R
Não-sentido
Delírios agudos – surgem rapidamente e podem desaparecer também rapidamente. Podem
ser passageiros e fugazes.
Delírios crônicos – são persistentes, contínuos, de longa duração, se modificam pouco ao
longo do tempo.
MECANISMOS CONSTITUTIVOS DO DELÍRIO:
O delírio deve ser pensado como uma construção. Essa construção está inserida num
processo de tentativa de reorganização do funcionamento mental; o esforço que o aparelho
psíquico do paciente empreende no sentido de lidar com a desorganização que a doença produz.
Esta é a original visão freudiana do delírio, apresentada no Caso Schreber em 1911, que mostra
que o delírio é uma tentativa de reconstrução empreendida pelo sujeito psicótico. (Uma excelente
obra sobre o tema é o recente livro de Jean-Claude Maleval, Logique du délire, Paris, Masson,
2000)
Interpretação: a interpretação delirante está na base constituinte de todos os delírios, mas
em alguns delírios vemos que sua formação se deve quase exclusivamente a uma distorção
radical na interpretação de fatos e vivências.
Intuição: o paciente tem uma intuição delirante e capta, de repente, um novo sentido nas
coisas – como uma “revelação delirante”.
Imaginação: está presente na constituição da maior parte dos delírios, acompanhando a
atividade interpretativa lado a lado. O paciente imagina determinado episódio e, a partir disso,
pela interpretação, vai construindo seu delírio.
Afetividade: em estados afetivos intensos, como depressões graves e manias, o paciente
passa a viver em um mundo fortemente marcado por esse estado afetivo. É nesse contexto que
se desenvolvem os delírios catatímicos.
Obs: Catatimia: Bleuler nomeou de catatimia a importante influência que a vida afetiva, o
estado de humor, as emoções, sentimentos e paixões exercem sobre as demais funções
psíquicas: sobre a atenção, a memória, a senso-percepção etc. Assim, em um estado de
profunda depressão, o sujeito reorganiza o mundo e o seu eu com um delírio de conteúdo
depressivo; o maníaco desenvolve um delírio de grandeza.
Memória: delírio mnêmico - recordação delirante. Elementos da memória ganham uma
dimensão delirante. São utilizadas as recordações verdadeiras e as falsificações da memória. Ex:
paciente foi raptado quando criança, foi criado por pais milionários e é herdeiro de grande fortuna
etc.
Alterações da consciência: delírio onírico. O delírio se desenvolve devido principalmente à
crítica insuficiente relacionada às vivências oníricas. Os delírios podem ocorrer durante ou após
passada a turvação da consciência.
Alterações
da
senso-percepção:
o
delírio
é
constituído
a
partir
de
experiências
alucinatórias, como alucinações auditivas de conteúdo persecutório ou alucinações visuais muito
vívidas. A experiência alucinatória é tão marcante que o paciente a integra em sua vida por meio
de uma interpretação delirante.
Percepção delirante: uma percepção normal recebe uma significação delirante – é a
atribuição de uma significação delirante a uma percepção normal: o paciente vê um lenço amarelo
na mesa e ao vê-lo “entende” que se trata de uma conspiração contra ele.
MECANISMOS DA MANUTENÇÃO DO DELÍRIO:
A questão que se coloca aqui é: por que um delírio se estabiliza e permanece ao longo do
tempo? Sims (1995) destaca alguns fatores ligados a esta estabilização do delírio:
1. inércia em mudar às próprias idéias.
2. pobreza na comunicação interpessoal – falta de contatos pessoais, isolamento, exclusão
da vida social.
3. círculo vicioso: delírio persecutório  comportamento agressivo  rejeição do meio
social  sentimentos paranóides, rejeição, hostilidade.
4. diminuição do respeito das pessoas à volta do paciente  novas interpretações
delirantes para manter auto-estima.
Tipos mais freqüentes de delírio:
1. Delírio de perseguição ou persecutório – é o tema mais freqüente dos delírios; o
paciente é semore alvo de uma perseguição.
2. Delírio de referência – de alusão ou auto-referência – tudo se refere ao sujeito, as
pessoas estão falando dele, dizendo que ele é ladrão ou homossexual etc. Paciente ouve o próprio
nome e o xingam (alucinação associada ao delírio de referência). Deduz que uma conversa é
sobre ele (interpretação associada ao delírio de referência). Ocorre nas psicoses em geral,
especialmente na esquizofrenia paranóide.
3. Delírio de relação – o paciente constrói conexões significativas entre os fatos
normalmente percebidos.
4. Delírio de influência – o paciente vivencia que está sendo controlado, comandado,
influenciado por uma força externa – antena, computador, ser extraterrestre, demônio.
São
freqüentes na esquizofrenia.
5. Delírio de grandeza – o paciente acredita ter poderes de origem superior, geralmente
místicos e outros. Ocorre nos quadros maníacos.
6. Delírio de reivindicação ou querelância – o paciente é sempre vítima de injustiças
terríveis e se envolve em querelas legais. Ocorre na paranóia.
7. Delírio de invenção ou descoberta – paciente acredita ter descoberto a cura de uma
doença grave ou coisas que vão mudar o destino do mundo.
8. Delírio de reforma ou salvacionismo – paciente desenvolve sistema religioso ou político
que acredita ser o único capaz de salvar a humanidade.
9. Delírio místico ou religioso – paciente é um novo messias, um deus, um santo poderoso.
É freqüente no nosso meio cultural.
10. Delírio de ciúmes e de infidelidade – ocorre em todas as psicoses, especialmente no
alcoolismo crônico e na paranóia (transtorno delirante crônico atual).
11. Erotomania – ocorre também na paranóia e foi descrita por Clérambault. O paciente
crê que uma pessoa (em geral famosa) está totalmente apaixonada por ele.
Os delírios de conteúdo depressivo se dividem em:
12- Delírio de ruína ou niilista – paciente se sente condenado à miséria, ao sofrimento, ao
fracasso.
13. Delírio de culpa e de auto-acusação – o paciente se sente culpado de tudo de ruim que
acontece no mundo e com as pessoas a sua volta – ocorre nas formas graves de depressão.
14. Delírio de negação de órgãos – o paciente experimenta profundas alterações corporais:
o corpo está destruído ou morto, não tem um ou vários órgãos, as veias estão secas, o corpo
secou, as pernas estão se esfarelando. Síndrome de Cottard: quando o delírio de negação de
órgãos vem acompanhado de delírio de imortalidade: “não vou morrer nunca, vou sofrer
eternamente”. Ambos ocorrem nas depressões graves e na esquizofrenia.
15. Delírio hipocondríaco – o paciente crê que tem uma doença grave. Às vezes é difícil de
diferenciar das idéias hipocondríacas não-delirantes; para fazê-lo: intensidade da crença, total
ausência de crítica, grande envolvimento com as idéias hipocondríacas. Ocorre nas depressões
graves, paranóia, esquizofrenia.
16.
Delírio cenestopático – paciente crê que existem animais (cobra, rato) ou objeto
(laranja podre no crânio) dentro do próprio corpo. É uma interpretação delirante de sensações
corporais vividas pelo paciente, mas sem a idéia da doença. Esquizofrenia e paranóia.
17. Delírio de infestação – Síndrome de Ekbon – paciente crê que o corpo está infestado
por pequenos (mas macroscópicos) organismos: bichinhos embaixo da pele, insetos nos cabelos,
vermes, aranhas etc. Ocorre na esquizofrenia, nas depressões, especialmente no delirium
tremens.
18- Delírio fantástico ou mitomaníaco – narrativas fabulosas, totalmente irreais, contadas
com plena convicção e sem qualquer espécie de crítica. Ocorre tipicamente na parafrenia
(Kraepelin a chamou de parafrenia fantástica). É diferente da mitomania: tendência patológica a
mentir, sabendo que o que está relatando é falso.
personalidade - sociopatia.
A mitomania corre nos transtornos de
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