Uma Política de Informação para a Vigilância Sanitária Frederico Carelli Brito1 1 Gerência-Geral de Informação (GGINF), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Brasil Resumo - Este artigo apresenta uma análise exploratória dos fatores que levaram à adoção do formato atual da área de informação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), à luz da literatura sobre ‘políticas de informação’. Em particular, focaliza a criação e a forma de funcionamento do Comitê de Informação da Agência. Palavras-chave: ANVISA, Sistema de Informações em Vigilância Sanitária, Políticas de Informação. Abstract - This article presents an explanatory analysis of the factors that lead to the adoption of the current arrangement of the information area at the Brazilian Sanitary Surveillance Agency (ANVISA), in light of the literature on ‘information policies’. In particular, it focuses on the creation and operation of the Agency’s Information Committee. Key-words: ANVISA, Sanitary Surveillance Information System, Information Policies. Introdução Este trabalho tem por objetivo analisar os fatores que levaram à adoção do formato atual da área de informação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) à luz da literatura sobre ‘políticas de informação’. Em particular, focaliza a criação e a forma de funcionamento do Comitê de Informação da Agência. A ANVISA foi criada pela Lei n.º 9.782, de 26 de janeiro de 1999. É uma autarquia sob regime especial, ou seja, uma agência reguladora caracterizada pela independência administrativa, estabilidade de seus dirigentes durante o período de mandato e autonomia financeira. Sua gestão é responsabilidade de uma Diretoria Colegiada, composta por cinco membros. A finalidade institucional da ANVISA é promover a proteção da saúde da população por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária. A Agência incorporou as competências da extinta Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, adicionadas a novas missões, dentre as quais se destacam a coordenação do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) e a criação e manutenção de um Sistema de Informações em Vigilância Sanitária, em cooperação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. A importância do recurso informação está na base das ações realizadas pela ANVISA. Informações são o principal insumo e, na maioria das situações, o principal produto da Agência. Por exemplo, para poder informar à sociedade que um determinado medicamento teve seu registro aprovado (informação como produto) a Agência tem que analisar uma grande massa de informações fornecidas pela empresa que produzirá o medicamento (informação como insumo). Por isso, o desenvolvimento do Sistema de Informações em Vigilância Sanitária tem sido considerado um fator estratégico para o aperfeiçoamento constante da atuação da Agência. Para que um sistema desse porte e complexidade seja implementado, é necessário não apenas fortalecer a gestão dos recursos de informática - mas, especialmente, reestruturar o processo de tomada de decisões relacionadas à informação e informática. Os fatores que conduziram a essa reestruturação e o formato decisório dela decorrente podem ser analisados e melhor compreendidos por meio dos conceitos da literatura sobre ‘políticas de informação’. Políticas de Informação e Arenas Políticas Em uma obra de referência sobre estratégia competitiva, Hamel e Prahalad (1995) afirmam que toda organização possui uma arquitetura de informação, formal ou informal, que define quem se comunica com quem, sobre o que, com que freqüência e de que forma. Esta arquitetura fundamenta-se nas informações existentes que precisam ser gerenciadas de forma a desenvolver as competências essenciais da organização, entendidas como “competências nucleares”. O gerenciamento da informação levou Davenport, Eccles e Prusak (1992) a proporem cinco modelos de políticas de utilização da informação: Utopia Tecnocrática, Anarquia, Feudalismo, Monarquia e Federalismo. Segundo esses autores, embora a TI supostamente viesse estimular o fluxo de informação e eliminasse a hierarquia, teve de fato o efeito exatamente oposto. Como a informação se tornou uma “moeda” (meio de troca) organizacional chave, tornou-se muito valiosa para a maioria dos gerentes simplesmente deixála fluir. Para alcançar o sucesso em organizações baseadas em informações, as empresas precisariam levar em consideração o poder da política – ou seja, permitir aos colaboradores que eles negociem o uso e a definição da informação, assim como eles negociam o intercâmbio de outras moedas (meios de troca). Os autores descrevem os modelos de política de informação e discutem como as empresas podem mover-se dos modelos menos eficazes, como o feudalismo e a utopia tecnocrática, para os modelos mais eficazes, como a monarquia e o federalismo. O modelo Utopia Tecnocrática ocorre naquelas organizações que buscam planejar a infra-estrutura tecnológica de modo que possam fornecer as informações adequadas para cada indivíduo a partir de uns bancos de dados perfeitos. Quando o método tecnológico para informar predomina, a informação em si mesma recebe pouca atenção. Neste caso a preocupação está voltada para as tecnologias usadas para manipular as informações. Resultado: gerenciamento da informação fortemente baseado na tecnologia; O modelo Anarquia geralmente emerge quando um método centralizado de gerenciar as informações deixa de existir ou quando nenhum gerente percebe a importância das informações em comum. Este modelo, comum em organizações que tiveram um rápido crescimento no uso de computadores pessoais sem prévio planejamento, leva a existência de, praticamente, uma base de dados para cada elemento, com um número elevado de redundâncias e discrepâncias. Resultado: ausência de algum tipo de política de gerenciamento de informações, levando à obtenção e gerenciamento individual das informações; O Feudalismo, o modelo mais facilmente encontrado, caracteriza-se pela existência de gerentes que geralmente controlam as informações de seus departamentos (aquisição, armazenamento, distribuição, análise), determinando quais delas são importantes e como devem ser interpretadas. No entanto, cada gerente possui sua interpretação a respeito do nível de importância das informações, criando diferentes significados que podem comprometer a interpretação geral da informação para a organização. Resultado: o gerenciamento das informações é realizado por unidades de negócios ou funções, onde cada uma define suas próprias necessidades de informações, fornecendo às demais as informações estritamente necessárias; A Monarquia vem como a solução mais prática para o modelo Feudalismo. Por meio da centralização exercida pelo responsável geral da organização, regras de como a informação deve ser gerenciada são ditadas. O maior benefício deste modelo é a possibilidade em permitir mais facilmente o acesso às informações e também a distribuição de informações chaves que podem racionalizar e padronizar parâmetros da organização. Seu maior problema é que a continuidade deste estado depende do responsável, ao qual está associada toda a autoridade deste modelo. Resultado: um líder é o responsável pela definição de categorias de informação e estruturas de informações que poderão ou não ser compartilhadas; O Federalismo, nos dias atuais, é o melhor modelo na maioria das circunstâncias. Sua característica principal é o uso da negociação na união de componentes que usualmente não seriam cooperativos entre si, reconhecendo explicitamente a importância da política, em contraste com os modelos anteriores. Resultado: método de gerenciamento da informação baseado no consenso e na negociação das informações chaves da organização. Por outro lado, o formato de apresentação de demandas pelas áreas finalísticas da instituição à área de informática e a maneira pela qual esta área recebe/ordena/atende estas demandas pode ser entendido por meio de analogia com uma das tipologias clássicas de políticas públicas. Em um ensaio clássico, Theodore Lowi (1964) demonstrou que existem três tipos fundamentais de políticas (e arenas decisórias): distributivas, redistributivas e regulatórias. Esses tipos são distinguíveis principalmente de acordo com o grau de desagregação do tratamento que a política em questão permite àqueles grupos que ela afeta, conforme o grau de divisibilidade possível nos respectivos objetos de decisão. Cada uma dessas arenas tenderia a se estruturar de uma maneira distinta, no que se refere à forma de controle sobre os processos decisórios e à atuação dos interessados – indivíduos, grupos e organizações. Além disso, é possível identificar um tipo de seqüência evolutiva, que ocorre num sistema tecnicamente sofisticado, das políticas distributivas para as regulatórias. Posteriormente, Alan Cawson (1985) viria acrescentar que o grau de divisibilidade verificado em diferentes objetos de decisão, ou no mesmo objeto em períodos históricos ou contextos nacionais distintos, variaria basicamente de acordo com o formato institucional utilizado na conformação da arena em que são disputados os objetos de decisão. Assim, a arena distributiva seria aquela em que se transacionam interesses altamente divisíveis, chegando ao nível individual. Sua característica essencial é não colocar em confrontação direta os ganhadores e perdedores, os beneficiados e os lesados. São exemplos as políticas “clientelistas” de “bica d’água”, em que alguns demandantes podem ser seletivamente atendidos às expensas dos demais. A arena regulatória é também caracterizada pela possibilidade de desagregação, porém em muito menor grau do que a distributiva. Exemplos típicos de regulamentação seriam a concessão de serviços públicos, as normas de controle sanitário em atividades privadas, etc. Ela pode certamente basear-se em normas jurídicas gerais, mas a decisão adquire caráter individualizado, identificando, às vezes claramente, o ganhador e o perdedor. A configuração política correspondente pode ser ainda, embora certamente em menor grau do que a da arena distributiva, bastante mutável, baseando-se em alianças relativamente tangenciais. A arena redistributiva refere-se, finalmente, a uma categoria de decisões cujo impacto é imensamente agregado, abrangendo vastas categoria sociais, não raro através de linhas de classe no sentido sócio-econômico mais preciso. Seus objetos são fundamentalmente a distribuição de renda e da propriedade. Outros exemplos seriam a política salarial e a legislação tributária. A configuração política desta arena tenderia, por hipótese, a apresentar coalizões relativamente estáveis, diferenciadas em termos sócio-econômicos de maior amplitude, e formando, cada uma, concepções ideológicas relativamente sistemáticas sobre a estrutura da sociedade nacional. Destarte, seria possível divisar uma gradação entre as políticas distributivas (altamente desagregáveis), em que os atores interessados não têm como saber se seus pares potencialmente concorrentes tiveram suas demandas atendidas ou não, e as políticas redistributivas (cujo impacto é fortemente agregado) em que os atores interessados têm ampla noção de quais demandas foram atendidas, postergadas ou relegadas (não atendidas). Analogamente, uma área meio como a área de informática, que tem como missão atender às demandas e prover soluções para as áreas finalísticas de uma organização, pode encontrar-se numa arena em que vigorem formas de pressão na apresentação de demandas que variam entre uma alta desagregação de demandantes (e demandas) e uma agregação formalmente consolidada por serviços e soluções. Nessa analogia, a arena distributiva seria exemplificada pela situação em que um setor de informática, face a alta desagregação de uma multiplicidade de demandas, atende pontualmente a algumas demandas estrategicamente selecionadas distribuindo recursos de informática (sejam microcomputadores ou software demandados) de maneira desagregada e freqüentemente utilizando essa distribuição como ‘troca de favores’ clientelista com as demais áreas da organização. Por suas características, essa arena guarda uma afinidade eletiva com o modelo feudalista de política de gerenciamento da informação. Quando os recursos de informação são distribuídos pontualmente, sem que as áreas tomem conhecimento das demandas umas das outras, torna-se mais fácil aos gerentes adotar uma forma de gerenciamento feudal dos recursos de informação com baixíssimo grau de integração das informações no nível da organização. A arena regulatória corresponderia à situação em que, devido à maior agregação das áreas demandantes (motivada pela premência em cumprir um objetivo que abrange certas áreas da organização, p.ex.) algumas regras conhecidas por todos – normas gerais – foram adotadas pela área de informática para regular sua relação com as demais áreas da organização, embora isso não venha implicar um conhecimento amplo das demandas das diversas áreas. Tais normas gerais podem traduzir-se em regras de priorização de demandas (first in - first out, p.ex.), regras de atendimento (uso de equipes com número variável de membros e prazos específicos para demandas determinadas, p.ex.) ou regras de relacionamento com os demandantes (emissão de ordem de serviço por etapas de atendimento, p.ex.). Por meio delas deverá ser claramente estabelecido quem será atendido, em que ordem e de que forma será feito o atendimento. Por sua vez, a arena redistributiva poderia ser identificada sempre que, em resposta a uma alta agregação das áreas demandantes (visando alcançar os objetivos gerais definidos em um planejamento estratégico, p.ex.), a área de informática, além de recorrer à normatização de suas atividades, é premida a contar com a participação de todas as áreas da organização na discussão e definição das prioridades e padrões de atendimento necessários para que os objetivos gerais da organização sejam de fato alcançados. Nessa tarefa, muitas normas utilizadas na fase regulatória poderão (ou deverão) ser quebradas ou revistas pelo conjunto das áreas - aí incluída a própria área de informática - tendo em vista uma forma consensual de alcançar os objetivos da organização. Naturalmente, isso implica uma redistribuição de recursos, na medida que prioridades são revistas ou confirmadas, ficando claro para cada área a posição de todas na alocação geral dos recursos de informática. Por essas características, a arena redistributiva apresenta afinidade eletiva com o modelo federalista de política de gerenciamento da informação. A ampla participação, que propicia a agregação das áreas demandantes, é fundamental para o uso da negociação na busca do consenso, uma vez que as demandas e interesses são claramente explicitados. Utilizando os conceitos apresentados acima, analisaremos os resultados alcançados na ANVISA, a partir de alterações no arranjo institucional, que demonstram as transições do padrão feudal para o federativo, quanto à política de informação; e do formato distributivo para o redistributivo, quanto ao modo de atendimento de demandas. Entre as alterações realizadas no arranjo institucional que possibilitaram as referidas transições, destacaremos a criação do Comitê de Gestão do Sistema de Informações em Vigilância Sanitária (COSIS), que caracterizaremos como ‘fórum federativo’, e da Gerência-Geral de Informação (GGINF), unidade organizacional executora das decisões do Comitê. Resultados A ANVISA não incorporou somente as competências da extinta Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. Seu corpo funcional foi inicialmente formado pelos profissionais que atuavam na SVS-MS e a própria Diretoria Colegiada foi de início composta, em sua maioria, pelo escalão superior (secretário e diretores) da extinta Secretaria. Além disso, a própria estrutura institucional da nova Agência espelhava em grande parte as divisões por áreas antes existente na Secretaria. Com a exceção da Diretoria de Administração e Finanças, criada para prover as funções de área meio que antes eram da responsabilidade do Ministério, as Diretorias de Medicamentos e Produtos, Alimentos e Toxicologia, Serviços e Correlatos e Portos, Aeroportos e Fronteiras repetiam, com poucas alterações, a divisão de tarefas existente nas funções finalísticas da SVS-MS. Esse efeito de continuidade na criação de órgãos públicos é confirmado e examinado pela análise de Sikkink (1991) que considera o peso da “herança das políticas anteriores” nos formatos institucionais e nos padrões de interação entre atores sociais verificados em novas policies (e nos novos órgãos públicos responsáveis por sua execução) em relação às políticas e órgão que os antecederam. Nesse sentido, assim como consideramos ‘sistemas legados’ na tarefa de desenvolvimento de um novo sistema de informação, devemos considerar também a existência de ‘políticas de gerenciamento da informação legadas’ em um novo órgão público, fruto da herança das políticas anteriores. É com esta política de gerenciamento de informação que será necessário lidar na construção de um sistema de informação. Em termos de política de gerenciamento da informação, a SVS-MS caracterizava-se por um forte feudalismo, originado principalmente de iniciativas anárquicas na adoção dos recursos de informática. Nos poucos microcomputadores existentes em cada área (nível de gerência) eram utilizados sistemas gerados internamente por profissionais contratados como especialistas em informática, sem que houvesse um responsável, no nível da secretaria, que buscasse coordenar as diversas iniciativas. Em conseqüência, esses sistemas e os dados neles contidos não interagiam nem no nível das diretorias. Foi essa a política de gerenciamento da informação legada para a ANVISA. Em um levantamento preliminar da Gerência-Geral de Desenvolvimento (novembro de 1999) foram detectados 20 sistemas em uso nos processos de trabalho das diversas áreas da Agência, sem nenhuma conexão entre si.1 Seria desnecessário dizer que não existiam bases de dados corporativas. Tal fragmentação feudal refletia-se também no padrão altamente desagregado das demandas que eram feitas à área de informática. Esta as atendia, dentro de suas possibilidades, de modo nitidamente distributivo. Nessa etapa inicial, na ANVISA, o assunto informática era responsabilidade da Gerência de Informação e Sistemas (GIS), integrante da Gerência-Geral de Desenvolvimento (GGDES), a qual constituía uma unidade da Diretoria de Administração e Finanças. Tendo em vista o desenvolvimento de um Sistema de Informação em Vigilância Sanitária que operasse de forma integrada os dados produzidos pelos processos de trabalho da Agência e contemplasse os demais atores do SNVS2, foi criado no âmbito da GGDES um Grupo de Trabalho com a tarefa de especificar as características e definir os requisitos que este sistema deveria responder. Isso foi feito com base em um levantamento inicial dos processos e fluxos de informações existentes. Como resultado desse trabalho, foi produzido um documento (ANVISA, 2000) que teve por objetivo balizar o 1 Uma certa conectividade sistêmica foi alcançada nas áreas de medicamentos (Gerência-Geral de Medicamentos) e alimentos (Gerência-Geral de Alimentos), onde a maior parte das gerências fazia uso do SIVS (Sistema de Informações em Vigilância Sanitária) para cadastrar e controlar as empresas autorizadas a funcionar pela ANVISA e registrar seus produtos. Esse sistema, contudo, até então não contemplava entre outras - as áreas de Cosméticos e Saneantes (Produtos), da própria Diretoria de Medicamentos e Produtos, que usavam outro sistema. 2 A elaboração desse sistema constava do primeiro contrato de gestão firmado entre o Ministério da Saúde e a ANVISA (para o período 1999 - 2001), que estabeleceu como ação do Plano Anual de Ação e Metas, na área de estruturação, o desenvolvimento de um Sistema de Informações (operacionais, gerenciais e nacional de vigilância sanitária). processo de modelagem do novo Sistema de Informação, fornecendo um “caderno de encargos” a ser atendido quando da sua elaboração. Esse documento destacava que, em face da alta complexidade do sistema de informação abordado, seria necessário estruturar, também, “um sistema de tomada e implementação de decisões relacionadas à sua gestão’’. Propunha, nesse sentido, a criação do “Grupo de Gestão do Sistema de Informações em Vigilância Sanitária”, que seria formado por, no mínimo, um representante de cada uma das Diretorias então existentes e procurava refletir a necessidade de compartilhamento centralizado de decisões inerentes ao sistema. Propunha também a criação de uma unidade organizacional que seria a executora das decisões do grupo de gestão. Estas propostas vieram somar-se a debates que estavam em curso na Diretoria Colegiada da ANVISA, quanto à forma mais adequada de promover a gestão da informação na Agência. Assim, partir de março de 2000, o Comitê de Informação (como ficou conhecido) passou a se reunir informalmente sob a coordenação do Diretor Ricardo Oliva. Em 25 de agosto de 2000 foi oficialmente institucionalizado o Comitê de Gestão do Sistema de Informações em Vigilância Sanitária (COSIS), quando, por meio da Portaria 593, foram redefinidos o Regimento Interno e a estrutura da ANVISA. Outra mudança importante ocorrida em agosto de 2000 foi a criação da Gerência-Geral de Informação (GGINF), com o papel de executar e implementar as decisões e demandas do Comitê. Para realizar essa função executiva, todos os recursos de tratamento automatizado de informações (coleta, tratamento, armazenamento e disponibilização) estão sob sua responsabilidade direta. Por meio do COSIS, buscou-se criar um espaço privilegiado de discussão e decisão, onde os diferentes interesses das áreas finalísticas pudessem ser atendidos segundo uma perspectiva corporativa - ou seja, a ANVISA como uma única organização federativa, ao invés de ser o somatório de diferentes visões departamentais feudalistas. Assim, o Comitê de Informação tornou-se o "fórum federativo" para discutir a gestão da informação e informática na Agência. Inicialmente, os membros do COSIS eram representantes das diretorias, encarregados de trazer as prioridades das áreas finalísticas em termos de informação e informática. Eram interlocutores privilegiados que, por conhecerem o "negócio" das áreas finalísticas, mostravam-se capazes de orientar as escolhas e as decisões relacionadas à informação e à informática. Em muitos casos, esses “analistas de negócio” eram os mesmos “especialistas em informática” que atuavam no modelo feudalista. Também compõem o Comitê representantes das unidades da Presidência, o Gerente - Geral de Informação e um Diretor, indicado pela Diretoria Colegiada da Agência para coordenar suas atividades. Três mudanças importantes marcaram a transição do modelo feudalista/distributivo para o modelo federalista/redistributivo de gerenciar as questões de informação e informática, constituindo pontos de ruptura com as ‘políticas de gerenciamento da informação legadas’ pela SVS-MS. Por um lado, com a criação do COSIS, as áreas técnicas passaram a orientar em conjunto, de fato, a condução dos assuntos de informação e informática, definindo as prioridades da Agência neste campo. Isso reduziu drasticamente o espaço da troca clientelista vigente na arena distributiva. Por outro lado, ao adquirir um real poder de decisão, aquelas áreas passam a ser, também, co-responsáveis pela superação dos problemas relacionados à informação e à informática, ‘cobrando’ umas das outras, como efeito do vínculo federativo, um posicionamento mais adequado à solução dos problemas. Além disso, o estabelecimento da Gerência-Geral de Informação, ligada à Diretoria Colegiada, situou as escolhas relacionadas à informação e à informática em um nível decisório mais estratégico (e mais visível) dentro da organização. Esse arranjo proporcionou maior efetividade na implementação da política de informação da Agência do que se esse núcleo executivo estivesse vinculado a uma área específica. Nesse sentido, com a criação do COSIS e da GGINF, foi alterada a inserção organizacional do tema Tecnologia da Informação, aproximando-o do nível de gestão estratégica da ANVISA. Como evidência do caráter federalista/redistributivo do modo de gerenciamento da informação e dos recursos de informática implantado por meio do COSIS, podemos citar dois tipos de discussão que vieram marcar a trajetória deste fórum federativo: a aquisição e distribuição de microcomputadores e a definição de prioridades para desenvolvimento de sistemas. Adquirir novos microcomputadores foi uma demanda que se colocou de pronto no COSIS. Muitas áreas estavam deficitariamente equipadas de recursos de informática desde o tempo da SVS-MS3. Antes que uma compra de grande porte, permitindo uma distribuição mais equânime, fosse realizada por meio dos Projetos UNESCO/PNUD, diversas aquisições menores foram distribuídas com base na negociação entre 3 Cabe destacar que talvez seja esse o objeto que mais se preste à troca clientelista quando se trata do gerenciamento da informação e dos recursos de informática em um contexto feudalista/distributivista. os representantes das áreas, em que alguns deles ‘abriram mão’ de ser imediatamente atendidos em prol de outros que mostravam maior urgência no atendimento4. Esta forma de decidir ‘por consenso’ tornou-se uma das principais características do COSIS, fazendo parte do seu ‘código de prática’ o procedimento de se recorrer à decisão da Diretoria Colegiada quando o consenso não consegue ser alcançado. Da mesma forma, a definição de prioridades para desenvolvimento de sistemas constituiu um dos principais pontos de pauta das reuniões do COSIS5. Inicialmente, o Coordenador do Comitê solicitou aos analistas de negócio das Diretorias que ordenassem as demandas apresentadas segundo uma distinção entre 'ajustar o que já existe', e o desenvolvimento de produtos novos. Essa distinção tinha o objetivo de estabelecer parâmetros de hierarquização das demandas. Além disso, visando reduzir a pressão sobre a área executora, ficou estabelecido que quaisquer demandas das áreas finalísticas deveriam ser encaminhadas pelos analistas de negócio diretamente à Coordenação do Comitê de Informações, e não à Gerência de Desenvolvimento da GGINF. Cumpridas estas tarefas, verificou-se que a GGINF não dispunha dos recursos necessários para atender à demanda, dado seu montante – até então não dimensionado detalhadamente. Focalizou-se então o debate nos meios mais apropriados para desenvolver os sistemas solicitados. Entre diversas propostas, optou-se pela reestruturação e ampliação da área de desenvolvimento da GGINF, que passou a funcionar com base em ‘líderes de projeto’ responsáveis pelo desenvolvimento de sistemas demandados por conjuntos de áreas técnicas da Agência. O trabalho dos líderes seria guiado por padrões de integração dos sistemas existentes e criação de bases de dados corporativas. Nesse caso, as demandas levantadas e os meios para seu atendimento debatidos no âmbito do Comitê levaram a alterações na organização, funcionamento e gerenciamento da área executora, permitindo um melhor atendimento das demandas da ANVISA por desenvolvimento de sistemas. Conclusões A partir dos exemplos apresentados, podemos destacar as principais características do COSIS como fórum federativo. São estas a 4 Memórias das Reuniões do Comitê de Gestão do Sistema de Informações em Vigilância Sanitária (COSIS). Reuniões de 07/06/00, 20 e 21/09/00 e 04/10/00. As memórias das reuniões do Comitê de Informação estão disponibilizadas na Intravisa, a Intranet da ANVISA: http://intravisa/intra/s_agencia/areas/comite/memoria.htm. 5 Memórias das Reuniões do COSIS. Reuniões de 07/06/00, 12/07/00 e 25/10/00. representatividade, a importância do debate centrado ‘no que é comum’ e a tomada de decisão por consenso. Um alto grau de representatividade em relação às áreas componentes da ANVISA é a base do êxito do COSIS como fórum federativo. Nele devem estar representadas todas as áreas da Agência. Na medida que dele emanam todas as diretrizes que norteiam a atividade da GGINF pois esta exerce as funções de secretariaexecutiva, coordenando a implementação de suas decisões - é nele que as áreas devem se fazer representar para apresentar e defender suas demandas por recursos de informática. É importante que estejam representadas no Comitê as necessidades de negócio e de informação de todas as áreas. É a partir do conhecimento mútuo daí resultante que pode ser fortalecido o objetivo comum de desenhar a base do Sistema de Informação da ANVISA. Assim, o debate no fórum federativo pode alcançar seu ponto mais relevante em termos de decisão acerca dos rumos que serão dados à gestão da informação na organização – o debate centrado ‘no que é comum a todos’, ou seja, no institucional, abrangendo toda a Agência. Desta forma, cabe ao Comitê definir todos os aspectos relativos ao Sistema de Informação da ANVISA, tornando-se o instrumento institucional para estabelecer diretrizes para o desenvolvimento desse sistema. Certamente, tais definições institucionais implicarão em decisões típicas das arenas redistributivas que, para serem implementadas com êxito, deverão contar com o patrocínio de todas as áreas. Para tanto, é necessário que estas decidam por consenso. A decisão por consenso é fundamental não apenas para se obter um apoio meramente formal das áreas às definições alcançadas, mas especialmente para que se possa contar, de fato, com sua firme aderência (e mesmo engajamento) na implementação do que foi acordado. Isso ocorre na medida que os participantes se tornem (e se percebam como) atores do processo de tomada de decisão, e não apenas platéia. Desta forma, assim como o Comitê de Informação (fórum) se responsabiliza perante a ANVISA pelas suas decisões; cada área, por seu representante, se compromete conjuntamente com a decisão. As decisões obtidas por consenso são assumidas pela Diretoria Colegiada. Por outro lado, quando o consenso não é possível, o Comitê encaminha o assunto para que a Diretoria Colegiada decida. Cabe destacar que a Diretoria Colegiada é a principal patrocinadora de todo o processo de informatização, sendo que o Comitê de Informação a representa nessa tarefa. Assim, a qualidade do Comitê de Informação é proporcional ao empenho da Diretoria Colegiada em fortalecê-lo. Os principais problemas enfrentados pelo COSIS têm-se centrado na questão da representatividade. A mesma Portaria 593, que o instituiu no âmbito de uma redefinição regimental, teve como mudança de maior impacto, em termos de estrutura, a adoção da Gerência-Geral como a unidade organizacional básica da Agência. Anteriormente, tal figura correspondia às cinco Diretorias, que deixaram de existir na reestruturação; sendo que cada Diretor passou a ter a atribuição de supervisionar um determinado conjunto de Gerências-Gerais. Como atualmente existem 17 Gerências-Gerais na ANVISA, a representação das áreas no Comitê - que correspondia às Diretorias - encontrava-se em déficit de representatividade. Para sanar esse problema, a partir de março de 2001 o COSIS passou a ser composto por “representantes dos gerentes-gerais das áreas técnicas da Agência”, possibilitando assim maior representatividade do fórum federativo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Referências Agência Nacional de Vigilância Sanitária (2000) “Documento Sistema de Informações em Vigilância Sanitária”. Versão aprovada pela Diretoria Colegiada em 1º de março de 2000. Disponibilizado na Intravisa em jan. de 2000: http://intravisa/intra/s_agencia/areas/comite/si stema_info.pdf Cawson, A. (1985), “Introduction. Varieties of corporatism: the importance of the meso-level of interest intermediation”. In: Cawson, A. (ed.) Organized Interests and the State: Studies in Meso-Corporatism. London: Sage. Davenport, T. H., Eccles, R. G., Prusak, L. (1992), “Information Politics”, Sloan Management Review, v. 34, n. 1 (Fall), p. 53-63. Hamel, G., Prahalad, C. K. (1995), Competindo pelo Futuro. Rio de Janeiro: Campus. Lowi, Theodore J. (1964), “American Business, Public Policy, Case Studies and Political Theory”, World Politics, XVI (July). Sikkink, Kathryn (1991) Ideas and Institutions: Developmentalism in Brazil and Argentina. Ithaca, NY: Cornell University Press. Contato Frederico Carelli Brito é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental desde 1996 e está em exercício na ANVISA desde julho de 1999. Atualmente é assessor na Gerência-Geral de Informação. SEPN 515, Bloco B, Ed. Ômega, 1º ss, BrasíliaDF 70770-502 Fone: (61) 448.1398/1333 Fax: (61) 448.1362 [email protected]