Marcelo SILVEIRA
(Univ. Est. de Londrina)
ABSTRACI': The aim of this of this paper is to show that the dichotomy of the
formal/informal speech is possible to take plm:e, by ma/dng use of more varied
contexts thtm those used by DeCal (1984) and not using Chafe's extreme comparisons
(apud DeCal, op.cit.). What can be concluded is that the aim can be reached by
analysing speeches of the same informant in more distinct contexts, and respecting
speakers limitations.
KEY WORDS: idiolect, speech, dichotomy, context, comparison.
Muito se tem estudado sobre as varia¢es que a lingua portuguesa oferece em
seus contextos geografico e social, e tambem diacronica e estilisticamente. Tratadas,
respectivamente, pela dialetologia, sociolingiiistica, gramatica hist6rica e estilistica,
essa area do estudo das variacoes e vastissima e, apesar de muitas pesquisas, trabalhos
e considera¢es feitas, M ainda muitos campos a serem desenvolvidos e aprofundados.
A variacio diafasica e considerada do dominio da estilistica, pois tem como objetos de estudo a si~o
em que 0 discurso ocorre, 0 interlocutor eo tema do discurso.
Contudo, M om outro tipo de variacio diafasica, que e aquele em que 0 interlocutor
produz discursos (idioleto) em contextos sociais diferentes, teDdenda estes a serem
diferentes tambem com relacao ao grau de formalidade, como diz Gregory (1978: 25):
"As change occurs at the social level it will be reflected in the way the individual
chooses to express himself. "
Decat (1984), em trabalho realizado na area, utilizou para a analise om corpus
consistindode dados obtidos em grav~oes de aulas ministradas por quatro professores
universitarios e em grav~s
da fala desses mesmos professores em conversas espontineas. Atraves da analise dos dados obtidos, Decat observa que nio se pode deixar de reconhecer que existem diferen~ entre esses discursos, mas que essas difere~as devem somente estabelecer uma gradac80 entre os diversos estilos de fala e nio
servir para coloca-Ios em pontos opostos, como estava sendo sugerido.
o autor acredita tanto terem sido poucos os contextos utilizados pot Decat, como
tambem terem sido pouco diferentes, pois a situaelo de sala de aula universitaria, ao
menos aqui no Brasil, Dio diferiu muito da conversa espontinea, mesmo que esta teDba se realizado entre professores e alunos. Surgiu daf a necessidade de se idealizar
urn trabalho que.contivesse em seu corpus contextos e interlocutores mais diferenciados do que aqueles utilizados pela autora referida.
Sem usar de compar~oes extremas, como 0 fez Chafe (apud Decat, op.cit) ao
confrontar 1inguagem coloquial oral (as vezes a~ a linguagem infantil) e a escrita
formal, gravaram-se os discursos produzidos por urn Unico informante,em quatro si~s
diferentes, para que se pudesse seguir 0 que fllra idealizado no pmgrafo an-.
terior. As situaeOessao as seguintes: conversa espontinea em casa,conversa espontAnea com urn pedreiro em uma cons~,
sala de aula e pregacao em urn culto de
igreja evangelica, e foram escolhidas por abranger vmos tipos de contextes, assim
como Greenfield, "em pesquisa com os porto-riquenhos da cidade de Nova Iorque,
generalizou cinco dominios das inlimeras situaeOes que ele encontrou: 'family' ,
'friendship', 'religion', 'education' e 'employment'" (Fishman (apud Pride, 1972». 0
elemento coincidente e 0 pedreiro, que ocupa 'friendship' e 'employment'.
As grav~oes foram feitas sem que 0 informante soubesse delas, jA'qwf Labov
(apud Pride, 1972: 181) diz que "the aim of linguistic research in the community must
be to fmci out how people talk when they are not being systematically observed."
Assim, foi trabalhada a anAlisede alguns aspectos da lingua oral - coorde~o
e subordinacio, mecanismos de coesao textual, construe1o passiva, indete~o
de
agente, concordincia verbal e nominal, m~a
napronUncia, gfrias, .grau de
formalidade dos itens lexicais -, utilizando-se como base 0 exemplo dado por Decat
(1984), pois ela se utiliza das caracteristicas arroladas por Oehs (1979) e Givon
(1979), e vAriosoutros autores.
PMe-se verificar, ao fim da pesquisa, que realmente hA.dife~
de grada~o,
mas tambem que e possivel estabelecer para os tipos de discursos examinados 'em
portugues a dicotomia formal/informal, bastando apenas analisarem-se realiza9<ies
orais em contextos mais distantes para 0 mesmo informante, respeitando-se naturalmente as limi~s
de cada falante.
o objetivo da pesquisa foi atingido atraves do trabalho de leitura de urn
arcabo~o teOrico e de anAlise da coleta de dados, da qual constam 65 minutes de
grava~o, assim distribuidos: 9 minutes de conversa em casa, 12 minutos de conversa
na construe1o (5 com filho e 7 com 0 pedreiro), 17 minutos de aula no seminmo (6
de conversa com alunos e 11 fazendo exposi~o) e 27 minutos de preg~ao na igreja.
Neste parAgrafo terao lugar algumas info~s
necessarias sobre 0 informante
e sobre os interlocutores com quem se relaciona na grava~o e suas si~s
socioeconllmicas.
- 0 informante escolhido tem SO anos de idade, e formado em teologia e
filosofia, exerce 0 pastorado em uma igreja presbiteriana independente (Jardim
Bandeirantes - Londrina) e leciona em um seminario teol6gico da mesma
denomina~o.
- Alguns conbecidos ha apenas algumas semanas, outros ha 10 anos, os membros
da igreja vio desde a classe baixa (carroceiro), pas sando pela mewa-baixa (microempresanos) e indo ate a classe media (banc3rios).
- Os alunos do seminario, cujo relacionamento com 0 informante varia de 3 a 4
anos, alem de provirem das mesmas classes listadas para os membros da igreja, sio
oriundos de todas as regioes do Brasil.
- 0 pedreiro e mestre-de-obras autOnomo, presbitero da igreja mencionada, primario incompleto e amigo do informante ha 8 anos.
- Na conversa em casa, a esposa tem 2° grau completo e 48 anos; um dos filhos
e universitario do curso de Biologia e tem 19 anos; os outros dais sao graduados em
Letras e Educacao Fisica e tem, respectivamente, 23 e 26 anos; e 0 amigo da familia
estava graduando em Comunica~io Social - JOmalismo, na epoca das grava~s,
e se
relaciona com a familia ha 8 anos.
Com relacao
coleta dos dados, tomou-se 0 cuidado de 0 informante nao saber
que seu discurso estava sendo gravado, para que assim houvesse menos possibilidades
de 0 informante se policiar em sua fala. Isso cola bora na medida em que LaboV (apud
Pride, 1972: 181) define vernacular como sendo"the
style in which the minimum
attention is given to the monitoring of speech" e continua dizendo que ••any systematic
observation of a speaker defines a formal context in which more than the minimum
attention is paid to speech .••, Ilio se esquecendo de que a aMlise e em termos de for. malidade/informalidade.
Para a analise dos dados, foram utilizados como base alguns dos aspectos apontados pelos autores relacionados na bibliografia:
Assim, no discurso informal haveria predominio do modo pragmatico, estruturas
de coordena~
frouxa; sente~
curtas e gramaticalmente simples salientado a voz
ativa, ha emprego simples e repetitivo de conjunc6es tais como: assim, entia, porque;
ha pouco uso de or~oes subordinadas, incapacidade de sustentar um tema formal
atraves de uma seqUencia na fala, adjetivos e adverbios tem uso rigido e limitado, 0
uso de pronomes impessoais como sujeito de or~oes condicionais e infreqiiente, e
freqfiente 0 uso de declar~oes em que razao e conclusao se confundem, ha um grande
ntimero de declar~s/frases
que assinalam uma necessidade de refo~
a sequencia
da fala anterior: "Nio e? Esta vendo? Sabe?", etc. A este processo Bernstein chama
de "circularidade simpatica", a sel~o
individual dentre urn grupo de seqii!ncias ou
frases idiomaticas ocorrerio com freqii!ncia, e uma linguagem de significado implicito
11, 0 diSCllT80 formal caracterlza-se pelo predominio do modo sintatico,
predominAncia da subor~o
compacta, ora~s
relativas, coesao textual e
elementos de transi~o (por exemplo, isto e, alem disso, por outro lado, digamos),
cons~o
passiva (com ou sem agente ou auxiliar), a sintaxe e a ordem gramatical
sao precisas e regulam 0 que se diz; as modific~Oc;s 16gicas e a tonicidade sao
a
medidas por uma cons~ao
sentencial gramaticalmente complexa, especialmente
atraves do usa de uma serie de conjun~s e de or~s
subordinadas, Ita usa
freqQente de preposi~oes que indicam rel~oes logicas, bem como de preposi~oes que
indicam contigiiidade temporal e espacial, Ita sel~
discriminativa dentre uma serie
de adjetivos e adverbios, e um usa de linguagem que assinala as possibilidades
inerentes a uma complexa hierarquia conceitual para a organjz~
da experiencia.
Outros fatores que diferenciam 0 grau de formalidade do discurso sao a difere~a
no nUmero de ocorrencias de concordancia verbal e nominal, mudan~a na pronUncia,
gfrias, grau de formalidade dos iteus lexicais.
Um fator que Dio foi utilizado, por Dio ter havido nenhuma ocorrencia, mas que
assim mesmo merece destaque e a ocorrencia do quefsmo e do dequefsmo que sao
afetados "pelo contexto formal e pela alta consciencia sobre a propria linguagem".
Um exemplo coletado posteriormente do prOprio informante durante a mensagem de
um culto dominical foi: "A comunidade esperava de que fosse ajudada", que mostra
nitidamente 0 cuidado excessive com a lingua, causando a hipercorr~o.
A partir desses aspectos explicitados na Metodologia da Pesquisa procedeu-se a
anAlise comparativa dos discursos produzidos nessas quatro si~oes,
a fun de
verificar eui que medida existe, au Dio, uma oposi~o entre eles em termos de
dicotomias como formal/informal, ou na terminologia de Oehs (apud Decat, op.cit)
planejado/Dio-planejado.
E certo que somente 0 fato de 0 informante ter estado em contextos bastante
diferentes intluenciou a sua maneira de produzir discurso, reproduzindo com exatidlo
o que Labov (apud Pride, op.cit.: 180) diz: "every speaker (... ) shows a shift of some
linguistic variables as the social context and topic change" e como provam os
discursos, analisando-se unicamente seu grau de formalidade lexical - Imelhorzinhal,
IfininhaI, /clde/, IpocuI, /tava/, Ibaxul, IjOiall, do lado familiar e da cons~o;
IpediriaI, /hal, Imetodologicul, /argumentul, ICnfase/, ldiscipuladul, linovador/, lem
exercfciul, ldiriamus/, linovador/, do lado da aula e da preg~o.
Contudo, somente saber que 0 contexto e capaz de incitar 0 falante a mudar a
maneira de se expressar Dio ajudara na dis~o
lticida entre formal e Dlo-formal.
Enlio, para 0 desenvolvimento da anAlise.,tomaram-se como ponto de partida as
postul~s
de Ochs e de Givon (apud Decat), segundo as quais um discurso sera
relativamente formal conforme apresente esttuturas caracteristicas de modo sint4tico e
onde aparecem estruturas mais complexas.
Partiu-se primeiramente para a compara~o das realiza~oes de concordAncias
verbais e nominais e notou-se a gritante diferen~a entre os contextos tidos como mais
formais (aula e preg~o) em rela~o aos menos formais (na cons~o
e em casa).
Na cons~o,
somente 15% das real~s
somadas foi de concordAncia nominal
(CN) e 85% de concordAnciaverbal (CV); na conversa em casa, 0 nUmero foi ainda
Menor: 9,5% para a CN e 90,5% para a CV; no semitWio, obteve-se urn pouco mais
de equiUbrio: 28% de CN e 72% de CV; na igreja, obteve-se 32% de CN e 68% de
CV.
Ao se fazer a compar~o entre as coordenadas e as subordinadas, ficou not6ria a
diferen~a entre os contextos fonnais e os informais, segundo as postul~s
de Oehs e
Givan (apud Decat, 1984). No sermio, as coordenadas tiveram 41 % contra 59% das
subordinadas; na aula, 38% de coordenadas e 62% de subordinadas; em casa e na
cons~o
as coordenadas tiveram 65% e as subordinadas 35%.
Outra analise feita foi a compar~ao entre verbos no indicativo e no subjuntivo.
Na constru~o, somente 5% das ora¢es foram realizadas com verbos no subjuntivo e
89,5% com verbos no indicativo. Junto com a famflia, as realiza¢es foram: 88,5%
DOindicativo e 6,8% no subjuntivo. No semitWio, 89% no indicativo e 4% no
subjuntivo. Na igreja obteve-se 5% DOsubjuntivo e 83,8% no indicativo.
Para fmalizar cssa pequena analise, compararam-se as pronUncias nos quatro
discursos e obteve-se 0 seguinte resultado: DOtoU-se0 esfo~ do informante para a
provavel pronUncia de prestigio de certas palavras, causando a hipercorr~o, como
/pessouas/, /igreija/, pronunciadas no semitWio e na igreja; e, por outro lado, a
"desaten~o" para com outras como /puqui/ (porque), /homins/ (homens), /queremu/
(queremos), pronunciadas em casa e na constru~o. Esses resultados v~m confmnar
postu1a~Oesde Labov (1968), respeitantes ao uso da pronUncia de prestigio em
si~
formais.
Por tudo 0 que foi discutido ate aqui - a compar~o entre os discursos de sala
de aula, 0 sermao, 0 de uma conversa familiar e 0 de uma conversa ordinaria com urn
pedreiro - chegou-se a conclusao de que Ilio se pode fazer uma caracte~o
nitida
desses dois discursos em termos de dicotomias como formal/informal, mas que e
passivel nitidamente discernir 0 mais formal do menos formal, estabelecendo-se uma
"gr~o"
(Decat, op.cit.), e, no caso de os contextos serem distantes comoserrnao
e cons~o,
Ilio ha como negar que aquele e formal e este informal.
Por ter sido esta pesquisa questio de idioleto, Gregory (1978: 25) acha que "It
would be difficult to describe an idiolect on the basis of a single text or even from
texts taken from a single period of a person's life. In a sense we possess several styles
over the course of a lifetime, each one a typical reflection of our individuality." Mas,
a tarefa aqui Ilio foi descrevcr urn idioleto, e, sim, discutir urn pouco mais 0 problema
formal/informal com mais contextos para compar~o, inclusive, contextos diferentes.
RESUMO: 0 objetivo deste trabalho e demonstrar a possibilidade de haver a
dicotomia d4 linguagem formal/informal do ponugues, utilizando contextos mais
variados do que aqueles usados por Deeat (1984) e sem utilizar as comparafoes
extremtlS de Chafe (apud DeCal, op.cit.). Concluiu-se que 0 objetivo pode ser
alc~ado analisando-se os discursos de um mesmo informanre em COMextOSmais
distantes, respeitando as limit~iJes de cadilfalante.
PALA VRAS-CHAVE: idioleto, discurso, dicotomia, contexto, compara~o
DECAT, M. B. N. (1984). Discurso planejado e discurso nio-plaDejado: amUse contrastiva de alguns
aspectos do pol'lUgU!s oral. Ensaios de Ungiilstica. Belo HorizoDte: Faculdade de Letras da UFMG. ,
(11), dez.
FISHMAN. J. A. The Relationship between Micro- and Macro-Sociolinguistics in die Study of Who Speaks
What LarJauage to Whom and When. PRIDE. J. B. & HOLMES. J. (1972). Sociolinguistics. Ena1and:
Penguin, pp.lS-32.
GREGORY, M. and CARROL. S. (1978) Ltmguagt and Situation. London: Routledge & Kegan Paul Ltd.
LABOV, W •• COHEN. P., ROBINS, C. & LEWIS, J. (1968). A StIIdy of 1M non-stQlll/Qrd English of
Ntgro and Pwno Rican SptaUTS in Ntw Yon City. Washington D.C.: OffICe of Education.
ROBINSON, W. P. (1977). Unguagtm t comporttlmtnto sociol. Trad. Jamir Martins, Sio Paulo: CUltrix,
p. lSl.
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