A DETERMINAÇÃO DO TEMPO GEOLÓGICO E ARQUEOLÓGICO POR 14C E
LUMINESCÊNCIA
Sonia Hatsue Tatumi*
Resumo
A datação do Quaternário, que cobre
aproximadamente os últimos 2 milhões de anos é
importante pois este período tem presenciado
grandes mudanças ambientais e o advento do genus
“Homo”. O aperfeiçoamento na área instrumental,
como o avanço na tecnologia de aparelhos com alta
sensibilidade, viabilizaram o uso de diversas
técnicas físicas e químicas na área da datação. Os
cientistas que estudam o Quaternário têm uma
variedade de métodos de datação que podem ser
utilizados, isto tem como conseqüência uma
constelação de trabalhos multidisciplinares que
podem ser bem sucedidos quando os cientistas
possuem conhecimento e entendimento do
problema
e
habilidade
para
transpô-lo
metodologicamente. Por outro lado, apesar do
conhecimento da técnica de datação para um
material específico, o pesquisador deve interpretar
os resultados criticamente.
Devido às inúmeras dúvidas sobre a
metodologia de coleta de material para datação e
interpretação dos resultados obtidos este trabalho
tem o objetivo de tentar esclarecer e ajudar os
pesquisadores envolvidos na área.
O Método de Datação por 14C
O Carbono é um componente básico em todos os
organismos terrestres, um dos seus isótopos é o 14C
e é radioativo, é chamado também de radiocarbono.
O carbono natural recente consiste em 03 isótopos.
Eles são isótopos estáveis 12C (98,89%) e 13C
(1,11%), e em traços menores (ca. 10-12 ) de 14C
radioativo, que decai (t1/2 = 5.730 anos) emitindo ßË
.
14
O
C é produzido predominantemente na
estratosfera em uma altitude de 12-15 km através da
interação de nêutrons de raios cósmicos secundários
com átomos de nitrogênio, de acordo com a reação
nuclear 14N(n, p)14C. A média global de 14C da taxa
de produção é 7,5 kg/anos, mas é sujeita a variações
temporais e dependência com a latitude. A
quantidade de 14C presente na Terra é
aproximadamente 75 toneladas. A produção in situ
nas rochas da superfície da Terra é desprezível.
Desta forma ele é cosmogenicamente reabastecido
na atmosfera, de tal forma que é mantido um nível
de equilíbrio. Da atmosfera ele é transmitido para a
biosfera e a hidrosfera. Quando a troca é
interrompida, a concentração de radiocarbono
começa a declinar. Este fato viabiliza a datação de
vários restos orgânicos, como a madeira e osso, bem
* Professor Pleno da FATEC-SP, PhD.em ciências pelo IFUSP.
como o gelo, água do subterrâneo, água do oceano,
papel, artigos têxteis, solos, depósitos calcáreos,
conchas, corais, foraminíferos, cerâmicas e etc, no
intervalo de 300 a 50kanos, aproximadamente. Em
respeito a mensagem cronológica das idades de 14C,
nós podemos observar que um período significante
de tempo pode ter passado entre o tempo datado da
formação do material orgânico e o seu uso pelo
Homem ou o tempo em que ficou soterrado no solo.
Em outras palavras, a idade do 14C usualmente
representa o término, a morte, i.e., o limite
superior, para um evento de interesse atual.
A concentração de 14C pode ser detectada
por um contador ou por um espectrômetro de massa
com acelerador (AMS). Usando a técnica com
contador os resultados podem atingir até 40kanos
dependendo da quantidade de amostra ou o grau de
contaminação por carbonos mais novos. Para
amostras antigas a atividade não pode ser
discriminada da atividade da radiação de fundo.
Esta técnica requer uma quantidade grande de
amostra para uma análise mais precisa, que
geralmente não está disponível em sítios
arqueológicos. Quando a técnica AMS, que mede
diretamente a concentração de 14C, foi introduzida
aos cientistas esperavam que o limite superior seria
estendido para 75kanos, apesar disto ser possível
teoricamente, os limites de contaminação
inseparável do 14C não permitiu, mas em condições
favoráveis pode-se atingir até 60kanos. As
vantagens do AMS consiste na diminuição do
tempo de medidas e a quantidade necessária para a
medida é bem menor, de forma que um simples
grãos de cereal já é o suficiente. As amostras que
contêm componentes de carbonos com idades
diferentes podem ser divididas e analisadas por
AMS
As ocorrências cosmogênicas possíveis do
radiocarbono na natureza já eram discutidas desde a
década de 30, mas em 1947 ela foi
experimentalmente comprovada por Anderson et al,
1947. A observação das disparidades nas idades
levou a instalação de um procedimento de uma
calibração das idades de 14C. Entre os métodos
físicos de datação aplicados na arqueologia,
geologia do Quaternário e paleobotânica, o
radiocarbono é o mais conhecido e comum. As
complicações geofísicas e geoquímicas do sistema
14
C, que têm repetidamente causado confusões e
incompreensões durante as quatro décadas passadas,
estão atualmente, na sua maioria, controlados e
entendidos. A precisão e a versatilidade, acoplada a
calibração dendrocronologica, faz o método do
5
radiocarbono indispensável para a determinação da
idade. Ele vem revolucionando a cronologia préhistórica na arqueologia.
O Método de Datação Luminescente
Quando um cristal iônico é exposto à
radiação ionizante (partícula-α, partículae
radiação-γ), oriundas de isótopos como 238U, 235U,
232
Th,40K e seus filhos encontrados no solo e nos
raios cósmicos, são criados defeitos em sua rede
cristalina. Além disso, elétrons e/ou íons positivos
são liberados pela ionização, se estes forem
aprisionados nos defeitos, temos a formação de
estados
metaestáveis
dentro
do
cristal.
Posteriormente se o cristal for aquecido essas cargas
podem se liberar e se recombinar emitindo luz, esta
luz é denominada Termoluminescência (TL).
No entanto se o cristal ao invés de ser
aquecido for estimulado opticamente, por uma luz
com
comprimento
de
onda
préviamente
estabelecido, ele também emitirá luz e ela é
chamada luminescência opticamente estimulada
(LOE). A intensidade da TL /LOE é proporcional à
quantidade de estados metaestáveis criados na rede
e este será, por sua vez, proporcional ao tempo em
que o cristal ficou submetido às radiações
ionizantes e este tempo é denominado Idade. A
idade (I) é determinada através da equação:
I=
DA
(1)
D + Dγ + Dr .c.
onde DA é a dose acumulada pela incidência da
radiação ionizante no cristal, D é a dose anual da
radiação beta, gama e dos raios cósmicos,
respectivamente.
A idade “zero” dos cristais pode ocorrer
quando este é submetido a uma queima, como é o
caso de cinzas de fogueira, lavas vulcânicas,
fragmentos de cerâmica, tijolo, artefatos líticos,
estátuas de terracota, etc...
A intensidade da TL/LOE pode decair
também com a incidência de luz solar no cristal, a
intensidade da TL decai até um nível, que
chamamos de residual, e este é atingido após 16
horas de exposição, enquanto que a intensidade da
LOE decai rapidamente em alguns minutos. Devido
a esta diferença de tempos de exposição à luz solar
a TL é apropriada para ser usada na datação de
sedimentos de origem eólica ou loess, no entanto a
LOE pode ser usada no caso de colúvio, depósitos
marinhos, cordões litorâneos e solo em geral.
As formações secundárias de carbonatos
também podem ser datadas por TL, neste caso a
idade zero do cristal ocorre no instante de sua
formação. Outro fator que pode diminuir a TL é a
pressão, desta forma, áreas que sofreram
cisalhamento também podem se datadas.
Os cristais mais usados nestas técnicas são
o quartzo, feldspato e carbonatos. Estes métodos
abrangem um intervalo de datação de algumas
centenas até 106 anos. A coleta das amostras deve
ser feita sem a presença da luz solar, os sedimentos
são coletados em tubos de PVC ou alumínio, quanto
a cerâmica a coleta pode ser feita na presença de
luz, mas deve ser enviada junto com o solo do local,
para que as concentrações dos radioisótopos como
238
U, 235U, 232Th e 40K, possam ser determinadas.
Um dos primeiros trabalhos de TL com
resultados intensivos de idades de cerâmicas
ocorreu em 1958 (Grögler,1958) e a LOE foi
aplicada inicialmente por Huntley, 1985. Esta
última em especial é uma técnica recente que teve
uma evolução rápida e atualmente é usada com
bastante êxito (Aitken, 1998). A seguir estão
listadas alguns resultados de idades comparativas
entre TL e 14C obtidos através de projetos
multidisciplinares (Barreto, 1999, Martins et al,
1999, Alves et al, 2002) efetuados no país.
Tabela 1.: Algumas idades obtidas pelos métodos
de TL e 14C de amostras brasileiras..
Informações
amostra
sobre
a
Turfa arenosa – UMB
IFUSP
Areia em contato com
turfa SAQ 340cm
IFUSP
Carvão sítio Ilha Água
Limpa 1 (MS-PR-64)Gif-100039
Cerâmica – 194 FATEC
Carvão sítio Bataguaçu 4
(MS-PD-06)-Gif- 10038.
Cerâmica sítio Rio Pardo
7 (MS-PD-07)– 188
FATEC
Carvão sítio Maracaju 1 –
Gif 8330
Cerâmica – 1 IFUSP
C-14-GIF- Sítio silva
Serrote
Cerâmica, Sítio Silva
Serrote-TL-FATEC/SP
C-14- CENA/USP- Sítio
Rezende, Município de
Centralina
Cerâmica, Sítio Rezende,
Município de Centralina,
TL-FATEC/SP
Idade TL
(anos)
Idade 14C
(anos antes
do presente)
1.900
2.190
10.700
10.990
1.250 ± 100
1015 ± 75
275 ± 20
240 ± 30
830 ± 80
610 ± 50
790±120
760±50
1.108±166
1.190±60
6
A Tabela 2 mostra um perfil datado por TL
e 14C de sítio arqueológico Lagoa do Custódio 1
(MS-IV-08), localizado no Estado do Mato Grosso
do Sul, neste caso as técnicas foram usadas de
forma complementares (Martins et al, 1999).
Tabela 2.: Resultados de idades determinados por
TL e 14C.
Amostra
Profundidade
TL
(anos)
Cerâmica
–
163
FATEC
Cerâmica
–
164
FATEC
Cerâmica
–
148
FATEC
Carvão
Gif11076
Carvão
Gif-11075
20 a 30cm
950 ±
115
40 a 50cm
1170 ±
140
40 a 50 cm
1200 ±
150
14
C
(anos
antes do
presente)
nucleari, 5a. Rass. Internazion Eletrc. Nucl Sezione
Nucleare Roma, 5-15.
Huntley D.J., 1985, On the zeroing of the
thermoluminescence of sediments, Physics and
Chemistry of Mineral, 12, 122-127.
Martins G.R., Kashimoto E.M., Tatumi S.H., 1999,
Datações Arqueológicas em Mato Grosso do Sul,
Rev.do Museu de Arqueologia e Etnologia, 9, 7393.
Aitken M.J.,1998, An Introduction to Optical
Dating, Oxford University Press.
Alves M.A., tatumi S.H., Vasconcellos L.A.F.,
Costa A.A., Momose E.F., 2002 Horticultoresceramistas do vale do Paranaíba, Minas gerais:
Padrões de assentamentos, estratigrafia, cultura
material e cronologia, Canindé Revista do museu de
Arqueologia do Xingo, UFSE, N0.2,139-159.
95cm
2.810 ± 45
130 cm
3.580 ± 50
Barreto,
A.M.F.
(1996).
Interpretação
Paleoambiental do Sistema de Dunas Fixadas do
Médio Rio São Francisco, Bahia. São Paulo: 174p.
Tese de doutorado, Instituto de Geociências-USP
(Inédita).
Conclusão
Ainda são escassos os resultados
comparativos entre os métodos no país, este
trabalho tenta mostrar os primeiros resultados
obtidos até o presente momento por nosso
laboratório. Mas podemos observar que existe
probabilidade de se trabalhar com estes métodos
para confirmar um resultado ou usá-lo de uma
forma complementar, no caso de haver escassez de
determinado tipo de amostra. Devemos sempre
levar em conta que todos os métodos de datação são
construídos sobre hipóteses que nem sempre se
efetivam, desta forma um trabalho com resultados
obtidos por diferentes métodos sempre enriquecem
o projeto, ajudando o pesquisador tanto no
entendimento de sua cronologia como também no
esclarecimento de determinados eventos.
Bibliografia
Anderson E.C., Libby W.F., Weinhouse S., Reid
A.F., Kirshenbaum A.D., Grosse A.V., 1947,
Natural radiocarbon from cosmic radiation .
Phys.Rev.72, 931-936.
Grögler N., Houtermans E.G., Stauffer H., 1958,
radiation damage as a research tool for geology and
prehistoric. Convegno sulle dotazioni con metodi
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