Aproveitamento escolar em sextos anos: um estudo interno à escola Resumo Estudos voltados à percepção e análise de problemas relacionados com a passagem das séries iniciais para as séries finais do Ensino Fundamental, embora não recentes, têm se tornado mais frequentes. Esta pesquisa terá como pano de fundo esta problemática, ou seja, questões relacionadas com aproveitamento escolar insatisfatório quando da transposição dos educandos do quinto para o sexto ano. Busca, neste momento, indicar e discutir elementos geradores para baixo rendimento escolar em sextos anos, partindo de coleta de dados em Escola Pública Estadual, localizada no município de Pelotas/RS. Esses dados foram recolhidos via acompanhamento de três turmas de sextos anos, utilizando‐se questionário e diário de campo como ferramentas de coleta. A descrição e interpretação desses dados permitiram, além da constatação de grande número de repetentes, apontar aspectos relevantes para compreensão da gênese desse fenômeno: migração escolar; passagem da unidocência para pluridocência; déficits educacionais (alfabetização); desarticulação entre séries iniciais e séries finais; desconhecimento ou despreparo docente; anacronismo entre as demandas contemporâneas e a Escola Moderna; carência de envolvimento familiar. Palavras‐chave: Aproveitamento escolar. Escola Pública. Sextos anos. Érico Lopes Ança IFSul‐Pelotas [email protected] Cristhianny Bento Barreiro IFSUL [email protected] X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.1
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Aproveitamento escolar em sextos anos: um estudo interno à escola Érico Lopes Ança ‐ Cristhianny Bento Barreiro Introdução Há alguns anos tenho desempenhado trabalho docente, como professor da disciplina de História, em séries finais do Ensino Fundamental, em Escolas Públicas municipais e estaduais da cidade de Pelotas e do estado do Rio Grande do Sul. Com certo romantismo e engolfado a muitas paixões, tenho presenciado situações as mais diversas, desde as que me tiram o sono, literalmente, como algumas que considero triunfantes, e que me induzem a sair do repouso naqueles momentos, em busca de reflexões pertinentes. Entre práticas e vivências escolares que me conduzem muitas vezes à “flor da pele”, encontrei, no Programa de Mestrado espaço para desenvolvimento desta pesquisa, local em que se entrecruzam e se atravessam as inquietações, as reflexões, as angústias intelectuais e, por que não, as potencialidades destes aprendizados, sempre inacabados, porém pontuais circunstancialmente. Já nos primeiros anos como professor provocou‐me estranhamento as quintas séries, hoje sextos anos, o que pouco a pouco fui sistematizando em meu pensar em termos de problematização, possibilidades, e não parei mais. O que encontrei ali, desde o começo de minha docência, impingia‐me a buscar soluções, a agir e a pensar, ou então a camuflar, encobrir, não fazer ou fazer que fazia. Se mais maduro hoje em relação aos limites de minhas soluções possíveis, sinto‐me convicto, por outro lado, da importância de meu pensar e de meu agir. As questões relacionadas aos sextos anos possibilitam – ou exigem – pensar e pesquisar as várias dimensões da escola e da educação, possam ser elas históricas, econômicas, políticas, sociais, culturais, coletivas e/ou individuais. Que questões são essas? Reside ai a importância de encontrar‐me dentro da sala de aula, no trânsito entre o tirocínio docente e os enfrentamentos inevitáveis inerentes ao exercício responsável desta profissão. Tenho encontrado escolas “recheadas” de sextos anos, algumas com mais turmas de sextos anos do que sétimos, oitavos e nonos anos somadas. Turmas de sextos anos com número de alunos sempre superior aos demais anos. Estudantes com diferenças X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.2
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Aproveitamento escolar em sextos anos: um estudo interno à escola Érico Lopes Ança ‐ Cristhianny Bento Barreiro idade/série, desestimulados e beirando o abandono da escola – tive pouca oportunidade de conversar com ex‐estudantes, com aqueles que já abandonaram a escola, para tentar compreender suas (des)motivações –. Professores em “queixas” e “fugas” constantes de sextos anos fazem parte também de meu cotidiano. Passo, então, a partir do ingresso a este Programa de Mestrado, à pesquisa e sistematização de reflexões resultantes desses exames, na ousada busca de tentar captar o que possa estar ocorrendo para que encontremos, internamente à estrutura de Ensino Fundamental no Brasil, essa possível barreira, que há apartado as séries iniciais das séries finais, localizando‐se no sexto ano. E que, à medida que essa barreira possa ser realmente diagnosticada, reconhecida como um problema a ser enfrentado, contribuam estas pesquisas para compreensão acerca de sua gênese, constituição e efeitos, preferencialmente podendo contribuir também para superação desse possível obstáculo. O problema, mais objetivamente falando, o alto índice de reprovação nos sextos anos. Os objetivos, compreender as dimensões sócio‐histórico‐educativas que possam ter relação com a constituição da passagem do currículo para área enquanto um obstáculo na estrutura de Ensino Fundamental no Brasil; captar os elementos da cultura escolar contemporânea que possam estar contribuindo para manutenção desta dicotomia séries iniciais/séries finais, ou seja, para sustentação dessa barreira, desse obstáculo, ou colaborando na conservação desta dualidade; descrever efeitos perceptíveis quando desta passagem, internamente à Escola, à classe, aos estudantes que vivenciam dadas circunstâncias e profissionais da educação que, conscientes ou não, atuam naquele momento. Metodologia Para pensar essas questões, far‐se‐á uma investigação qualitativa, termo genérico segundo Bogdan e Biklen (1994), mas que agrupa algumas estratégias de inquérito que compartilham certas característica, tais como: (1) os dados recolhidos são designados por qualitativos por serem ricos em pormenores descritivos; (2) opta por investigar questões que não se estabelecem com a operacionalização de variáveis (de X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.3
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Aproveitamento escolar em sextos anos: um estudo interno à escola Érico Lopes Ança ‐ Cristhianny Bento Barreiro forma quântica), mas que busca investigar os fenômenos em toda sua complexidade e em contexto natural; (3) a abordagem à investigação não é feita de forma a responder questões prévias ou testar hipóteses; (4) busca compreender os comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos da investigação; (5) causas exteriores são consideradas secundárias; (6) recolhem informações em contato aprofundado com os indivíduos, em seus contextos. Começara as investigações por um viés histórico – já tendo levantado dados quantitativos que permitiam ver que há altos índices de reprovação em sextos anos tanto a nível local, como nacional –, buscando identificar, ao longo da História da Educação no Brasil, mediante exame de documentos, Leis e revisão bibliográfica, se e como possa ter se constituído uma dicotomia entre séries iniciais e séries finais no Ensino Fundamental. Essas inquirições resultaram em trabalhos, apresentados em sessões de comunicação e publicados em Anais de eventos. Nesses trabalhos privilegiamos a análise de aspectos históricos, que contribuíssem para compreensão sobre como havia se constituído esta estrutura que chamamos hoje de Ensino Fundamental, resultado, ao que temos concluído, de um longo processo histórico, em que se entrecruzaram aspectos da economia, da política e da cultura brasileira, desde a educação colonial jesuítica, passando pelas políticas Pombalinas do final do século XVIII, tomando um caminho que distanciaria uma educação elementar – oferecida em um âmbito mais amplo – e uma educação mais sofisticada – reservada às elites. Caminho este que parece intensificar‐se no decorrer do período Monárquico da História do Brasil e que deixará marcas que permanecerão mesmo quando da chegada da educação secular, com suas propostas de universalização e gratuidade na primeira metade do século XX, ou mesmo quando das propostas mais críticas da Nova Escola, ou da regulamentação via Leis de Diretrizes e Base da Educação, estas já na segunda metade do século XX. Nesta linha de conclusões, que indicariam que a constituição histórica da cultura escolar brasileira haveria produzido uma dicotomia entre educação elementar – o que considero as séries iniciais atualmente – e um segundo nível – hoje séries finais do Ensino Fundamental – conduzindo a uma bipartição, descontinuidade, impondo obstáculos ao X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.4
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Aproveitamento escolar em sextos anos: um estudo interno à escola Érico Lopes Ança ‐ Cristhianny Bento Barreiro que seria o trânsito ou evolução linear dos estudantes, foram importantes os estudos de Rosa Fátima de Souza: Em relação ao primário, a descontinuidade verifica‐se em termos pedagógicos, nos planos de estudos e na sequenciação. A exigência da conclusão do ensino elementar como requisito para entrada no secundário foi adotada na legislação de alguns estados, mas não se constitui em uma prática institucional consolidada e disseminada. O exame de admissão à 1ª série do curso ginasial prevaleceu como o requisito mais importante de comprovação do conhecimento e maturidade do estudante para ingresso no secundário. O distanciamento em relação ao ensino técnico‐profissional devia‐se às barreiras sociais que historicamente diferenciavam esses dois tipos de ensino no país. (2008, p. 108). Outras indicações importantes são efetuadas por Souza, contribuindo para avanço das discussões no sentido da percepção de uma dicotomia histórica entre currículo e área no Ensino fundamental. Em relação ao início do século XX, a autora coloca: (...) Num tempo em que não havia articulação entre o curso primário e o secundário, era dado como certo que a maioria das crianças que cursavam as escolas elementares não prosseguiriam os estudos, inserindo‐se rapidamente no mundo do trabalho. (SOUZA, 2008, p. 64). Os estudos de Otaíza de Oliveira Romanelli, clássicos em se tratando da História da Educação no Brasil, ainda que caminhando por vertente teórica diversa deste último citado, também contribuíram nesta linha de compreensão: A lei não escapou à influência da velha tradição escolar brasileira, por causa da presença das Letras, de certa forma ainda relevante, no currículo, e do caráter propedêutico do ciclo complementar. O funcionamento deste último, como anexo aos cursos superiores, para os quais preparavam, conforme dita o parágrafo 1º do artigo 12, do Decreto 19.890 e 1º do artigo 11, do Decreto 21.241, é bem a demonstração de que sobrevive a velha estrutura. (ROMANELLI, 2012, p. 141) Esta autora diz ainda que: (...) A nosso ver a legislação em questão nada mais fez do que tratar separadamente de cada ramo do ensino, com o que se dava continuidade à tradição de não se visualizar o sistema educacional como um todo que deve possuir diretrizes gerais comuns a todos os ramos e níveis do ensino. (ROMANELLI, 2012, p. 174). X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.5
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Aproveitamento escolar em sextos anos: um estudo interno à escola Érico Lopes Ança ‐ Cristhianny Bento Barreiro Embora os direcionamentos das investigações bibliográficas e documentais apontem para a percepção do problema de altos índices de reprovação em sextos anos enquanto questão não apenas circunstancial, mas como uma cultura historicamente constituída, repousará, neste momento, esta perspectiva até aqui desenvolvida, que privilegiava a compreensão da constituição histórica desta possível barreira existente entre currículo e área na Estrutura de Ensino Fundamental no Brasil. Atentarei, neste momento, às vivências e potencialidades reflexivas que possam elas instigar. Ou seja, transitarei para o hoje, para observação e exame de material já coletado, neste primeiro terço letivo do ano de 2014, em meio a três sextos anos de Escola Pública da rede estadual gaúcha, localizada na cidade de Pelotas. O caminho – ou estratégia de investigação qualitativa – que me parece pertinente para encontrar rastros que me deem suporte a um aperfeiçoamento do olhar sobre a transição das séries iniciais paras as séries finais é a observação participante. Segundo Bogdan e Biklen (1994, p. 16) aqui “O investigador introduz‐se no mundo das pessoas que pretende estudar.” De forma a poder avaliar mais densamente o que possa estar gerando aproveitamento escolar insuficiente, quando da passagem dos anos iniciais para os anos finais do Ensino fundamental, está sendo realizado este acompanhamento a turmas sextos anos, em Escola Pública de Pelotas. Os acontecimentos de sala de aula só podem ser entendidos no contexto em que ocorrem e são permeados por uma multiplicidade de significados que, por sua vez, fazem parte de um universo cultural que devem ser estudado pelo pesquisador. (GATTI e ANDRÉ, 2012, p. 32). Penso que considerar neste momento o potencial oferecido por esta via, através da coleta de dados diretamente no ambiente em que toda essa complexidade se articula e se faz inteira e espontânea poderá satisfazer percepções que de outro modo, não vejo como captar. É importante considerar que se trata aqui de um investigador que também exerce a função docente em escola pública e atendendo séries finais, função que proporcionou circunstâncias que conduziram a problematização que se investiga aqui. Tenho convicção, neste momento de debate em termos de modelos e perspectivas para produção de conhecimento, que, neste caso – nesta seção da pesquisa –, a aproximação proporcionará mais lucidez do que o distanciamento. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.6
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Aproveitamento escolar em sextos anos: um estudo interno à escola Érico Lopes Ança ‐ Cristhianny Bento Barreiro A observação direta permite também que o observador chegue mais perto da “perspectiva dos sujeitos”, um importante alvo nas abordagens qualitativas. Na medida em que o observador acompanha in loco as experiências diárias dos sujeitos, pode tentar apreender a sua visão de mundo, isto é, o significado que eles atribuem à realidade que os cerca e às suas próprias ações. (LUDKE e ANDRÉ, 1986, p. 26). A coleta tem sido realizada através de diário de campo, com registros, anotações e descrições de passagens ocorridas em sala de aula, naqueles três sextos anos, à medida que ministro a disciplina de História naquela Escola. Foi a metodologia encontrada, mediante o debate com outros cinco pesquisadores da área da educação, envolvidos com avaliação e orientação desta pesquisa. A opção se deu principalmente em virtude da riqueza reflexiva potencial da experiência docente direta em meio ao objeto de pesquisa. Subverte‐se, de alguma maneira, as prerrogativas metódicas da ciência moderna para privilegiar o que possa resultar do contado direto entre investigador e objeto de investigação. Mergulhado na docência e trabalhando sempre com séries finais de Ensino Fundamental, inclusive sextos anos, e imerso também a esta pesquisa, tenho buscado, já há algum tempo, aproveitar este contato direto, este fazer parte, este estar envolvido, para desenvolvimento desta pesquisa. Observamos que o diário de campo possibilitará o aproveitamento de material “vivo” acerca desta problemática que apresentei acima, resultante de experiência direta em tempo e espaço com o objeto de estudo. Os estudantes destas três turmas de sextos anos de Escola Pública da Rede Estadual do Município de Pelotas/RS responderam também a um questionário prévio, em que busquei a coleta de algumas informações consideradas pertinentes para avaliação, como idade, migração escolar, número de reprovações ou não, em que anos ocorreram as reprovações, história de vida escolar desses educandos, expectativas e experiências escolares. Indiretamente este instrumento permitiu‐me captar ainda aspectos acerca do nível de alfabetização desses estudantes de sextos anos, percepções que também fazem “acender alerta”. Neste artigo restringir‐me‐ei a descrição e interpretação desses dados coletados, com o diário de campo e com o questionário, procurando desenvolver algumas reflexões X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.7
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Aproveitamento escolar em sextos anos: um estudo interno à escola Érico Lopes Ança ‐ Cristhianny Bento Barreiro pertinentes, buscando introduzir ou desenvolver caminhos para responder as questões que propunha como objetivos acima. Compreender dimensões sócio‐histórico‐educativas que gerem dificuldades na passagem para sextos anos; apreender elementos da cultura escolar contemporânea que possam estar contribuindo para manutenção dessas dificuldades; e delinear efeitos perceptíveis quando desta passagem, são as finalidades buscadas aqui e que se tentará alcançar ao menos parcialmente e sob o olhar não neutro de quem desenvolve esta investigação. Descrição e interpretação de dados As três turmas de sextos anos acompanhadas possuem 25, 35 e 34 alunos cada, totalizando 94 alunos matriculados. Destes, responderam ao questionário 22, 27 e 25 estudantes, respectivamente, somando 74 questionários preenchidos. Em relação à idade que completaram ou completarão em 2013, 28 estudantes possuem até 12 anos e 40 estudantes possuem 13 anos ou mais, seis ainda não conseguiram ou não souberam informar. Chamo atenção que, com avanço linear e matrícula na idade correta, conforme legislação nacional, estariam completando, os estudantes de sextos anos, 11 anos de idade até 31 de março, ou 12 anos até o final do ano letivo correspondente. Já de início percebe‐se que há diferença idade/série em, no mínimo, 40 estudantes, dos 74 que responderam ao questionário. Questionados sobre migração escolar, apenas 11 estudantes responderam que sempre estudaram nesta escola, sendo que 13 não souberam responder. Outros 26 estudantes vieram de duas Escolas de Ensino Fundamental Incompleto, que atendem somente até o 5º ano, localizadas no mesmo bairro ou região da cidade onde se localiza a Escola em que se desenvolve esta pesquisa. É importante frisar que 30 dos 74 estudantes que responderam ao questionário, migraram para esta Escola para cursar 6º ano. A direção da Escola já havia me relatado, informalmente, que o alto índice de reprovação em sextos anos, poderia ter relação, entre outras coisas, com a migração escolar, que alargaria o estranhamento provocado pela passagem da unidocência para pluridocência, em virtude de uma mudança radical de ambiente escolar. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.8
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Aproveitamento escolar em sextos anos: um estudo interno à escola Érico Lopes Ança ‐ Cristhianny Bento Barreiro Quando questionados sobre o avanço escolar, 46 dos 74 estudantes, responderam que já haviam reprovado ao menos uma vez, seis não souberam responder. Do total, 31 estudantes informaram que reprovaram uma única vez, sete estudantes informaram duas reprovações, também sete alunos informaram três reprovações e um único estudante informou que já havia reprovado quatro vezes. Somadas as reprovações dos estudantes, totalizaram 70. Observando a distribuição destas reprovações – alguns ainda não souberam responder em que anos reprovaram – chegamos aos seguintes números: houveram 32 reprovações em 6º ano, três reprovações em 5º ano, 10 reprovações em 4º ano, quatro reprovações em 3º ano, nove reprovações em 2º ano e 4 reprovações em 1º ano. Estes números evidenciam um maior índice de repetência nesta Escola em sextos anos. Antes de passar para observação e descrição da coleta via diário de campo, chamo atenção para o panorama identificado com estes dados quantitativos, que ilustram bem o que tenho encontrado nas Escolas Públicas de Pelotas e em pesquisas acadêmicas em nível nacional. Trata‐se de índice de reprovação em sextos anos bem acima de índices de reprovação em outros anos do Ensino Fundamental, o que já justificaria a importância de estudos deste tipo, da tentativa de identificação de causas e efeitos para tal problema diagnosticado. Outro aspecto perceptível através do questionário, e que possivelmente terá relação com o não avanço a partir dos sextos anos, é o nível de alfabetização. Em vários questionários, verifica‐se a dificuldade que os estudantes têm para escrever o próprio nome, escritos com falta de letras, começando com letra minúscula ou com grafia quase incompreensível. Muitos não conseguiram responder alguma(s) questão(s) adequadamente em virtude de não se encontrarem adequadamente alfabetizados, o que produziu dificuldades e insegurança, levando‐os a preferir deixar em branco. Na leitura e interpretação das perguntas do questionário essa percepção também foi possível, à medida que alguns, apontando dúvida sobre alguma questão, visivelmente demonstraram que não se encontravam devidamente alfabetizados. Neste caso, os problemas passam pela leitura, escrita e interpretação, alguns apresentando dificuldades nos três níveis. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.9
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Aproveitamento escolar em sextos anos: um estudo interno à escola Érico Lopes Ança ‐ Cristhianny Bento Barreiro Em relação ao diário de campo, são muitas as informações coletadas que possam ter relação com dificuldades que vão aparecer a partir do ingresso nos sextos anos. Começamos apontando algumas questões de ordem estrutural. Há uma turma com 35 e outra com 34 alunos matriculados. Ainda que não fuja à legalidade, torna‐se inviável o desenvolvimento de um trabalho adequado. Estavam adaptados a um atendimento individualizado, efetuado por um só professor, dentro de turmas com número menor de alunos; passam então a serem atendidos por um professor para cada disciplina, sendo que este professor atenderá obrigatoriamente outras tantas turmas conforme sua carga horária, que variará entre 20 e 60 horas semanais; provocará estranhamento em muitos educandos essa nova realidade, em que não os será dada a mesma atenção – como anteriormente ocorria no currículo –, em que o nível de autonomia para evolução satisfatória terá que ser desenvolvido, sob pena do não avanço. Essa autonomia talvez possa ser interessante, a questão é que acaba tornando‐se uma exigência estabelecida arbitrariamente e não constituída no processo escolar, através de um procedimento dialógico. O desenvolvimento desta pesquisa tem levado a uma prática muito articulada com esta problemática. Tenho conversado bastante com as turmas de sextos anos, dividindo com eles essa realidade em relação à passagem das séries iniciais para séries finais. Ocorre que a boa parte dos estudantes que ali encontro já reprovou alguma vez, provavelmente naquele ano (6º), não tendo acesso às informações como aquelas que acabo passando a eles, procedimento que considero pertinente. Ou seja, aliado a falta de tempo dos professores e ao grande número de estudantes nas turmas, está a falta de diálogo e informação acerca da realidade que encontrarão os estudantes a partir daquela etapa de sua educação escolar. Este aspecto pode ter relação também com o desconhecimento docente ou mesmo com o despreparo ou acomodação. Duas das turmas apresentam grande número de estudantes com reprovações em seus históricos. A desmotivação é visível e conseguir mover com estas emoções tem sido bastante difícil. Mesmo quando com esta percepção e objetivo há muita dificuldade. E efetivamente nem todos os professores possuem essa “percepção e objetivo”. A questão da desmotivação, agravada por reprovações e diferença idade/série, remete‐me a uma X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.10
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Aproveitamento escolar em sextos anos: um estudo interno à escola Érico Lopes Ança ‐ Cristhianny Bento Barreiro questão que subvete a problemática dos sextos anos. As quatro paredes da sala de aula da Escola Moderna tem sido um limitador. Quando fora da rotina de sala de aula consigo perceber maior motivação e consequentemente maior disposição por parte dos estudantes, o que acaba potencializando o processo de ensino/aprendizagem. Em uma reflexão sobre as emoções e linguagem humana, relacionadas à educação, Humberto Maturana diz que: As emoções não são o que corretamente chamamos de sentimento. Do ponto de vista biológico, o que conotamos quando falamos de emoções são disposições corporais dinâmicas que definem os diferentes domínios de ação em que nos movemos. Quando mudamos de emoção, mudamos de domínio de ação. Na verdade, todos sabemos isso na práxis da vida cotidiana, mas o negamos porque insistimos que o que define nossas condutas como humanas é elas serem racionais. Ao mesmo tempo todos sabemos que, quando estamos sob determinada emoção, há coisas que podemos fazer e coisas que não podemos fazer, e que aceitamos como válidos certos argumentos que não aceitaríamos sob outra emoção. (2009, p. 15). Ao articular reflexivamente o pensamento de Maturana com o trabalho desenvolvido nessas turmas de sextos anos que leciono e pesquiso, percebo que a possibilidade de um trabalho satisfatoriamente desenvolvido tem relação com algo que está para além da razão pura e simples que normalmente lançamos mão. Em uma das três turmas – a que possui maior número de repetentes e estudantes com um maior grau de diferença idade/série – o diálogo franco e um desabafo “desesperado” nos primeiros encontros letivos de 2014, parecem ter produzido uma sensibilização por parte dos educandos, que há contribuído sobremaneira para nossa produção escolar. O diálogo franco e o reconhecimento de aspectos positivos na personalidade desses jovens, no lugar do rótulo pejorativo que normalmente recebem, parecem mover com essa dimensão do humano de que nos fala o autor acima citado, conduzindo‐nos – professor e alunos – a uma prática mais produtiva. Outros registros que considero significativos, anotados no diário de campo, referem‐se às ausências de muitos alunos nas aulas. As faltas evidentemente provocarão déficits, em muitos casos intransponíveis, com relação às variadas atividades desenvolvidas em sala de aula, que os alunos ausentes acabarão perdendo, sejam essas X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.11
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Aproveitamento escolar em sextos anos: um estudo interno à escola Érico Lopes Ança ‐ Cristhianny Bento Barreiro atividades expositivas, trabalhos interpretativos, leituras com diálogo, recurso a materiais didáticos variados como mapas, vídeos, slides, ou mesmo provas. Esta constatação inicial conduz a outra – que possivelmente tenha relação com aproveitamento não satisfatório nessa etapa da educação escolar. Porque faltariam tantas aulas muitos desses educandos? Teriam relação essas ausências com questões familiares? A percepção e ação familiar, no que tange ao desenvolvimento dos jovens quando da chegada a esta etapa – pré‐adolescência/adolescência – pode ter relação com a oferta de uma maior autonomia a esses jovens, o que poderá, consequentemente, estar repercutindo na forma como eles passam a encarar a educação escolar, com a maneira como eles definirão suas prioridades, com a configuração que darão a suas necessidades, potencializando com que deixem a educação escolar em um segundo plano. Outro registro do diário de campo, acerca dos estudantes de sextos anos que tenho obervado, que parece pertinente – principalmente na turma em que são mais novos –, é que demonstram uma preocupação excessiva com o que darei para que copiem no caderno. Mesmo procurando chamar atenção para que se preocupem com a compreensão, que temos ótimos textos explicativos no livro, que deixem para fazer anotações após a exposição e entendimento, muitos mantêm a rotina de copiar tudo no caderno, privilegiando este aspecto. Esta verificação também remete à questão potencialmente significativa no que se refere à constituição da dicotomia possível entre séries iniciais e séries finais do Ensino Fundamental. As rotinas e dimensões didático‐
pedagógicas curriculares podem estar desarticuladas dos processos que seguirão com o advento das séries finais? Não há afinidade ou coerência, perceptível, entre o trabalho realizado no currículo e o trabalho dos professores de áreas. A ausência de lógica ou mesmo coerência nessa sequência pode estar provocando estranhamento a muitos jovens, quando dessa passagem. De fato em nossa rotina docente parece não haver articulação alguma entre as práticas curriculares e o trabalho dos professores de área. Até mesmo na sala de X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.12
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Aproveitamento escolar em sextos anos: um estudo interno à escola Érico Lopes Ança ‐ Cristhianny Bento Barreiro professores o encontro é difícil, entre docentes de séries iniciais e docentes de séries finais. Os conselhos de classe, embora não tenha ocorrido ainda no ano 2014, também são realizados separadamente. A rotina diária, se observarmos com cuidado, é completamente independente e isolada uma da outra. A escola é organizada espaço/temporal para atendimento separado: em determinado momento os pequenos (currículo) e, em outra ocasião espaço/temporal, as séries finais. Até mesmo as atividades extraclasses são realizadas separadamente. Já na formação docente há essa dicotomia. Normalmente, ou somos preparados e formados para atender séries iniciais, ou a formação será voltada ao atendimento de séries finais de Ensino Fundamental e Ensino Médio. Acabamos, em nossas práticas escolares, reproduzindo essa fragmentação, o que poderá ter relação também com o estranhamento dos jovens quando da passagem do currículo para área, potencializando aproveitamento não satisfatório. Não há sequer uma reunião pedagógica para que possa haver articulação e diálogo entre professores curriculares e professores de área, com finalidade de dar coerência a um trabalho em sequência. Consideração finais Ao confrontar a abordagem efetuada aqui com os objetivos que havia proposto, vejo que não foram contemplados integralmente. Foram apontados vários aspectos dentre o material coletado que possibilitam reflexões pertinentes acerca das dimensões sócio‐histórico‐educativas que possam estar produzindo dificuldades na passagem para sextos anos; aspectos também que indicam elementos da cultura escolar contemporânea que possam estar contribuindo para manutenção dessas dificuldades; e que esboçam efeitos perceptíveis quando desta passagem. Porém, percebo o potencial resultado a que chegaria com a aplicação de alguma técnica de análise, como Análise de Conteúdo1 ou Análise Textual Discursiva2. Avalio que o próximo passo desta pesquisa, além de dar continuidade à coleta de dados, via diário de campo e observação de outras atividades escolares – conselhos de 1
Técnica detalhada nos trabalhos de Bardin (1977) e Moraes (1999). Esta desenvolvida por Moraes e Galliazzi (2011). 2
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Aproveitamento escolar em sextos anos: um estudo interno à escola Érico Lopes Ança ‐ Cristhianny Bento Barreiro classe, reuniões, atividades extraclasse, dentre outras –, deverá ser a aplicação dessas técnicas de análise, não com intuito de justificar ou provar alguma hipótese, visto que se trata de uma pesquisa de tipo qualitativo, mas com o objetivo de aprofundamento teórico‐metodológico, ou de encontrar achados pertinentes ao debate aqui proposto. Ainda pretendo confrontar o que tenho encontrado com o Estado da Arte3, já efetuado e encaminhado à publicação, de forma a potencializar o arranjo, articulação e debate entre as pesquisas que venho encontrando, sobre reprovação em sextos anos, e esta pesquisa que desenvolvo. Admiti‐se, então, a não linearidade na produção do conhecimento e a sua constituição respeitando etapas, dialogando com práticas, com dado coletados e com outras imagens possivelmente já constituídas acerca de dado objeto de estudo. No entanto, ainda que não completamente satisfatórios, os resultados prévios desta pesquisa apontam para identificação de alto índice de reprovação escolar em sextos anos, em Escola Pública Estadual da cidade de Pelotas/RS, indicando possibilidades investigativas para avanço na compreensão sobre este fenômeno. Esse alto índice de reprovação ou esse baixo aproveitamento em sextos anos, nessa escola, pode, como constatado nesta pesquisa, estar relacionado com aspectos como: a migração escolar4; passagem da unidocência para pluridocência; déficits educacionais que emergirão de forma tangente quanto da chegada a essa etapa5; desarticulação entre séries iniciais e séries finais6; desconhecimento ou despreparo docente para o trato com esta realidade; anacronismo entre as demandas contemporâneas desenvolvidas pelos jovens e o Escola Moderna; desarticulação familiar no que se refere à constituição de uma perspectiva que indique o processo escolar como fundamental para o desenvolvimento. 3
“Estados da arte podem significar uma contribuição importante na constituição do campo teórico de uma área de conhecimento, pois procuram identificar os aportes significativos da construção da teoria e prática pedagógica, apontar as restrições sobre o campo em que se move a pesquisa, as suas lacunas de disseminação, identificar experiências inovadoras investigadas que apontem alternativas de solução para os problemas da prática e reconhecer as contribuições da pesquisa na constituição de propostas na área focalizada”. (ROMANOWSKI e ENS, 2006, p. 39). 4
Comum nesta fase escolar, visto que encontramos diversas escolas que atendem somente até o quinto ano, ocasionando, necessariamente, a migração quando da passagem para as séries finais do Ensino fundamental. 5
Neste caso, observados a partir da constatação de problemas relacionados à alfabetização. 6
Aqui com relação à falta de coerência no planejamento e estratégias para sequência do processo ensino/aprendizagem quando da passagem do currículo para área. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.14
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Aproveitamento escolar em sextos anos: um estudo interno à escola Érico Lopes Ança ‐ Cristhianny Bento Barreiro Esta pesquisa parte da integração entre o exercício da docência com a produção de conhecimento voltado à educação. “É preciso, portanto, que a pesquisa universitária se apoie nos saberes dos professores a fim de compor um repertório de conhecimentos para formação de professores” (Tardif, 2012, p. 258). Neste sentido desenvolve‐se este trabalho, buscando contemplar, ainda, a(s) perspectiva(s) dos estudantes, na tentativa de constituição de arcabouço investigativo sólido, que possa servir para que pensemos e atuemos sobre nossa realidade. Referências Bibliográficas BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Portugal: 70, 1977. BOGDAN, R. C.; BLIKEN, S. K. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto, 1994. GATTI, B.; ANDRÉ, M. A relevância dos métodos de pesquisa qualitativa em Educação no Brasil. In: WELLER, W. e PFAFF, N. Metodologias da pesquisa qualitativa em educação. Teoria e prática. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2011. LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. MATURANA, H. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte: Editora. UFMG, 2009. MORAES, R. e GALLIAZZI, M.C. Análise Textual Discursiva. Ijuí: Ed. Unijuí, 2011. MORAES, R. Análise de conteúdo. Revista Educação. Porto Alegre, v. 22, n. 37, p. 7‐32, 1999. ROMANELLI, O. de O. História da Educação no Brasil (1930/1973). Petrópolis: Vozes, 37 ed. 2012. ROMANOWSKI, J. P. ENS, R. T. As pesquisas denominadas do tipo "estado da arte" em Educação. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v 6, n 19, p. 37‐50 sept.‐dic, 2006. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.15
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