CONTRIBUIÇÃO DA SANTO ANTÔNIO ENERGIA S. A.
À AUDIÊNCIA PÚBLICA ANEEL Nº 032/2015
São Paulo, 23/06/15
Com o intuito de contribuir para o aprimoramento e desenvolvimento do Setor Elétrico
Brasileiro, em especial às regras que norteiam a aplicação “Generation Scaling Factor” (GSF),
seguem as contribuições da Santo Antônio Energia S.A. para a Audiência Pública AP-32/2015.
1- Introdução
A Santo Antônio Energia S.A. – SAESA sagrou-se vencedora do Leilão ANEEL nº 05/2007 para
outorga de geração e de compra e venda de energia elétrica da UHE Santo Antônio e encontra-se
vinculada às disposições do instrumento convocatório editado pela ANEEL, sendo esta agência
responsável pela manutenção das condições efetivas da proposta do referido Leilão.
As condições precedentes ao Leilão, bem como o teor da minuta do Contrato de Concessão, são
parâmetros que foram observados pela SAESA na formulação da sua proposta. Os riscos
extraordinários imputados pelo GSF comprometem o equilíbrio econômico-financeiro da
Concessão não foram precificados na proposta. Entende-se que, pela natureza extraordinária,
tais riscos receberão tratamento específico por parte da União Federal/Poder Concedente com
garantia da manutenção do referido equilíbrio econômico-financeiro.
Destaca-se como condição precedente ao Leilão ANEEL nº 05/2007, e, portanto observada pela
SAESA na formulação da proposta editalícia, a aprovação pela ANEEL das Curvas de Aversão aos
Riscos bianuais, ilustrada na Resolução Autorizativa nº 3.787/2012, que prevê antes do
atingimento da Curva de Aversão ao Risco, a operação pelo Operador Nacional do Sistema –
ONS, através da lógica do despacho pela ordem de mérito das usinas, favorecendo o uso do
recurso energético mais barato, no caso, as hidrelétricas.
Cabe mencionar que a administração do risco hidrológico das usinas hidroelétricas participantes
do Mecanismo de Realocação de Energia – MRE, caso da UHE Santo Antônio, é regulamentado
por meio do Decreto nº 2.655/1998, onde o compartilhamento do risco hidrológico ocorre em
condições operacionais normais do sistema. Tais condições estão previstas na concepção do
MRE, através do “Relatório Principal – Consolidado Etapa VII – Volume II” no âmbito do Projeto
de Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro – RESEB em 1997, com destaque o seguinte texto:
“Recomendação 2.5: Tratamento de risco hidrológico decorrente da
otimização do sistema. Um Mecanismo de Realocação de Energia
(MRE) multilateral será introduzido para administrar o risco com que
se defrontam os geradores hidrelétricos. O MRE garantirá que, sob
condições normais de operação, os geradores hidrelétricos recebam
a receita associada à sua energia garantida através da realocação da
geração das usinas superavitárias para as deficitárias. Para garantir
justiça e transparência, as regras do MRE serão parte do MAE.
2.42 O tratamento da exposição dos geradores ao risco hidrológico é
crucial para a viabilidade financeira do setor e será um fator-chave na
privatização e atração de novos participantes. Simulações realizadas
pela Eletrobrás em relação a ativos existentes indicam que, sob as
atuais condições, o impacto da exposição ao preço do MAE sobre
qualquer gerador específico em decorrência de condições hidrológicas
severas seria suficiente para levá-lo à falência.
2.43 Cremos que a escala e a natureza dos riscos envolvidos são tais
que, no momento, os geradores hidrelétricos seriam incapazes de
gerir de maneira eficaz este risco através apenas de contratos
bilaterais negociados. Portanto, recomendamos que seja empregado
um mecanismo multilateral para administrar os efeitos da exposição
a esta "otimização".
2.44 O mecanismo garantiria que, sob condições normais de
operação, os geradores hidrelétricos recebessem a receita associada
à sua energia firme. Delineamos, abaixo, tal mecanismo (o
Mecanismo de Realocação de Energia - MRE). Enfatizamos que, em
nossa opinião, este deveria ser um mecanismo provisório. Deve se
manter em vigor somente até que o risco hidrológico possa ser
administrado de maneira mais comercial. Indicamos que o MRE
estaria aberto a geradores hidrelétricos existentes e novos”.
2 – Garantia Física da UHE Santo Antônio e o Risco de Déficit do SIN
A Garantia Física da UHE Santo Antônio, declarada no do item 3.5 do Edital, foi definida, nos
termos do art. 2º, §2º do Decreto nº 5.163/2004, pela Portaria MME nº 293/2007 como
2.218,0MWmed e calculada de acordo com a metodologia constante da Portaria MME nº
303/2004.
Em termos globais, a Garantia Física constitui o lastro físico da energia que é comercializada via
contratos ou utilizada para consumo próprio. Seu cálculo está pautado no critério de expansão
do sistema elétrico e parte dos pressupostos dos critérios de suprimento.
Neste sentido, é importante destacar a competência do CNPE para propor os critérios gerais de
garantia de suprimento, com vistas a assegurar o adequado equilíbrio entre a confiabilidade do
fornecimento e a modicidade das tarifas e preços, tal qual preconizado no inciso X, do art.1º da
Lei nº 10.848/04 e no art. 4º do Decreto nº 5.163/2004.
Assim, por meio da Resolução CNPE nº01/2004, restou definido o critério de suprimento
baseado no risco explícito de insuficiência da oferta de energia que pautou o cálculo da Garantia
Física da UHE Santo Antônio. Além disso, definiu-se que o risco do déficit (insuficiência da oferta)
não poderá exceder a 5%. Vejamos:
Art. 1o Estabelecer que o critério geral de garantia de
suprimento seja baseado no risco explícito da insuficiência
da oferta de energia nesse sistema, o qual deverá ser
considerado:
I - nos estudos do planejamento da expansão da oferta e
da operação do sistema elétrico interligado nacional; e
II - no cálculo das garantias físicas de energia e potência
de um empreendimento de geração de energia elétrica.
Art. 2o Estabelecer que o risco de insuficiência da oferta
de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional não
poderá exceder a 5% (cinco por cento) em cada um dos
subsistemas que o compõem.
Como define a própria Lei nº 10.848/04 (art.1º, X), a limitação do risco de déficit do sistema em
5% tem dois objetivos: zelar (i) pela confiabilidade do sistema e (ii) pela modicidade de preços e
tarifas. É que riscos ilimitados são precificados e acrescidos nas propostas impactando os preços
e tarifas. Assim, a limitação dos riscos a serem assumidos pelos empreendedores afeta as
propostas de modo a favorecer a modicidade de tarifas e preços.
A metodologia de cálculo da Garantia Física da UHE Santo Antônio partiu da premissa de o risco
anual de déficit de energia não ultrapassar 5%, conforme destacado expressamente no Anexo I
da Portaria MME nº 303/2004. Por outro lado, a referida metodologia revela a adoção de cenário
bastante conservador em relação ao regime hidrológico. Noutras palavras, o risco hidrológico
ordinário já se encontra embutido na Garantia Física fixada para a UHE Santo Antônio.
Resta claro, portanto, que o risco de déficit de energia de no máximo 5% constitui uma condição
efetiva da proposta. Além disso, qualquer risco de déficit de energia superior a 5% passa a ser
entendido como um risco extraordinário, cujas consequências devem ser tratadas à luz da Teoria
da Imprevisão.
Por outro lado, a criação do conceito de Garantia Física pautada no risco máximo de déficit de
energia, não elimina o risco hidrológico. Como a geração efetiva da UHE depende da vazão do
Rio Madeira e da hidrologia do SIN, eventualmente poderá ocorrer situações em que a produção
de energia seja inferior à Garantia Física. Nestes momentos o gerador deveria comprar energia
de terceiros no mercado para honrar o contrato de venda.
Para mitigar os riscos hidrológicos ordinários, instituiu-se o MRE, que em linhas gerais, é um
mecanismo financeiro que visa o compartilhamento/minimização dos riscos hidrológicos entre as
usinas hidrelétricas do SIN, que encontra respaldo legal no art. 1º, inciso VIII, da Lei nº
10.848/2004 e no Decreto nº 2.655/98.
Conforme destaca o art. 23 do Decreto nº 2.655/98, o MRE permite a alocação, entre seus
membros, da energia efetivamente gerada levando em consideração a energia assegurada (ou a
Garantia Física) de cada usina. Compartilhando as diferenças entre geração efetiva e garantia
física, o MRE busca possibilitar que todas as usinas participantes possam obter os seus níveis de
Garantia Física desde que a geração efetiva total do sistema seja superior à Garantia Física total
das usinas participantes do MRE.
No caso esporádico da aplicação do Fator GSF, com a redução da Garantia Física de cada usina,
os vendedores ficam sem lastro físico para suas vendas e consequentemente expostos ao
Mercado de Curto Prazo, ou seja, são obrigados a comprar energia no Mercado de Curto Prazo,
valorada ao PLD, para honrar com suas vendas.
O Fator GSF de ajustes da Garantia Física é um risco ordinário aceitável para empreendimentos
comuns quando compatível com risco máximo de déficit de energia do Sistema de 5%, usado
para cálculo da Garantia Física das usinas. Considerando-se a operação e o planejamento do SIN
pautados pelo risco máximo de déficit de 5%, pode-se simular o funcionamento do MRE. Neste
sentido, a SAESA simulou, com apoio de especialistas, 2000 séries hidrológicas e concluiu que em
85% das séries não haveria aplicação do Fator GSF e sem sobra de energia secundária. Em 15%
das séries, haveria aplicação do GSF em 96%. Logo a expectativa de risco ordinário do negócio
envolve uma redução média de 4% da Garantia Física da UHE por aplicação do GSF, em apenas
15% das séries hidrológicas.
Portanto, é inaceitável a redução da Garantia Física que extrapola 4% por tanto tempo como
ocorreu em 2014 e 2015, já que produz consequências incalculáveis e excessivamente onerosas.
Ademais, o limite legal de redução da Garantia Física é de 5%, nos termos do Decreto nº
2655/98. Como a Garantia Física é fator de viabilidade econômica de qualquer Usina, nem
mesmo sua revisão pode ser abrupta ou muito elevada. A revisão da Garantia Física (chamada no
referido diploma de “energia assegurada”), sofreu duas limitações: (i) um requisito temporal (a
cada 5 anos) e (ii) outro material (no máximo 5% de redução em relação à última revisão). É o
que decorre do art. 21 do Decreto nº 2.655/98.
Se até mesmo as revisões das Garantias Físicas das usinas não podem implicar redução superior
a 5% em relação à última revisão (que só pode ocorrer a cada 5 anos) ou até no máximo 10% do
valor base, para não afetar o equilíbrio dos contratos, o que se dizer de ajustes mensais por
aplicação do Fator GSF, que por natureza está concatenado com o risco máximo de déficit de
energia (5%)? Qualquer ajuste superior a este valor deve ser tratado no âmbito da Teoria da
Imprevisão.
3 - Dos Eventos Extraordinários Supervenientes à Proposta do Leilão
Conforme mencionado anteriormente, no momento do Leilão da UHE Santo Antônio foram
definidas as condições específicas para garantir a atratividade de investimentos para um projeto
de alta complexidade técnica e financeira, bem como para assegurar a modicidade das tarifas
dos consumidores finais. Entre essas condições foram asseguradas Política e Regras Operativas
que garantem a otimização do uso dos recursos energéticos na ordem de mérito de seus custos,
privilegiando a geração hidrelétrica por ser mais barata, com a complementariedade da geração
termelétrica, por ser mais cara.
Ocorre que o Governo Federal adotou medidas extraordinárias, imprevisíveis e de consequências
incalculáveis, todas elas alheias ao risco hidrológico ordinário assumidos pelos agentes e que
levaram à redução do total de geração hidrelétrica e à ampliação dos efeitos do Fator GSF.
Inverteu-se a política operativa de modo que as usinas termelétricas passaram a ser despachadas
na integralidade e as hidrelétricas assumiram o papel complementar. Ademais, a elevação
extraordinária das tarifas dos consumidores finais, aliada às campanhas pela redução do
consumo, ampliaram ainda mais esses efeitos.
3.1 – Despacho Fora da Ordem de Mérito
A parir de 2013, o Governo Federal passou a adotar medidas excepcionais não previstas
nas regras de operação do Sistema Interligado Nacional - SIN através de decisões do Comitê de
Monitoramento do Setor Elétrico - CMSE. O CMSE passou a despachar usinas termelétricas fora
da ordem de mérito prevista na política operativa do Operador Nacional do Sistema Elétrico
(ONS) de forma a aumentar a segurança e confiabilidade do SIN independentemente da Curva de
Aversão ao Risco.
Assim, as termelétricas, que seriam despachadas de modo complementar à geração
hidrelétrica, passaram a ser acionadas a toda a carga ininterruptamente. Logo, as termelétricas
passaram a ser a base da operação e o uso das hidrelétricas passou a complementar à
necessidade de atendimento da demanda, com foco racionalização do uso da água. Subverteu-se
assim uma condição efetiva da proposta da SAESA no Leilão da UHE Santo Antônio.
Essa subversão da lógica operativa do SIN ocasionou o atendimento da demanda nacional
com o máximo possível de geração termelétrica e redução da participação da geração
hidrelétrica no despacho centralizado do ONS.
Dessa forma, o total da geração efetiva de hidrelétricas passou a ser sistematicamente
inferior à Garantia Física total das usinas participantes do Mecanismo de Realocação de Energia
(MRE) aumentando drasticamente a exposição dos geradores hidrelétricos ao Mercado de Curto
Prazo pela aplicação do Fator GSF de ajuste da Garantia Física Individual de cada usina.
3.2 – Controle do Risco de Défict por meio da racionalização sem racionamento
Conforme previsto na Medida Provisória nº 2.198-2/2001 (art.28) e na Lei nº 10.438/2002
(art.4º), as medidas excepcionais de mitigação do risco de racionamento deveriam vir
acompanhadas da redução das obrigações dos geradores de modo a tornar menos oneroso o
cumprimento dos contratos. É o que ocorre na hipótese de decretação de racionamento em que
a redução do consumo é acompanhada da redução dos contratos na mesma proporção.
Neste sentido, destaca-se que durante os meses de 2014 e 2015, existiram custos
marginais de operação tão elevados que o modelo DECOMP, utilizado no cálculo do Preço de
Liquidação do Curto Prazo – PLD, indicou a necessidade de corte de carga no SIN.
Como é do conhecimento de todos, apesar da indicação do modelo DECOMP, não houve
decretação do racionamento em 2014, como consequência observou-se uma utilização
acentuada dos reservatórios, fazendo com que ao final do período seco de 2014, os reservatórios
do SIN atingissem apenas 19,5% do volume máximo, situação essa, pior do que a de novembro
de 2000, véspera do racionamento decretado a época.
A racionalização de energia foi a medida adota pelo Governo Federal para controlar o
risco de racionamento sem ter de assumir os ônus de decretação de um Racionamento formal.
Neste sentido, vale destacar as campanhas em Rádio e Televisão da ANEEL e ABRADEE
recomendando a redução do consumo.
Ocorre que a redução do consumo acompanhada do aumento dos despachos das
térmicas prejudica ainda mais o risco imposto ao gerador no Mercado de Curto Prazo, porque
aumenta a proporção da demanda nacional atendida pelo parque térmico e não hidrelétrico.
Logo, aumentam os ônus financeiros impostos aos geradores no Mercado de Curto Prazo. Em
outras palavras, as obrigações contratuais dos geradores hidráulicos estão mantidas, a geração
termelétrica está mantida no máximo, a geração efetiva total das usinas foi reduzida. Logo, a
proporção do atendimento da carga total por geração efetiva hidrelétrica é ainda menor.
Esse deslocamento da geração efetiva hidrelétrica por geração termelétrica foi acentuado
por outro fato da Administração, a Revisão Tarifária Extraordinária das distribuidoras que elevou
a tarifa e induziu a redução da carga.
4 – Conclusão
Com base no acima exposto, os riscos extraordinários supracitados e a não observância da
limitação legal do Fator GSF ao limite do déficit de energia (5%), vem onerando de forma
excessiva os geradores hidráulicos, e em especial a SAESA, na medida em que provocam níveis de
GSF extremamente elevados e muito acima do limite do risco de déficit estabelecido na
legislação vigente.
Visando garantir as condições precedentes ao Leilão ANEEL nº 05/2007, e, portanto observadas
pela SAESA na formulação da sua proposta, sugerimos: (i) que o cálculo do Fator GSF observe
como o limite normativo de redução máxima da Garantia Física, constante do Decreto nº
2655/98 (5%), (ii) que os efeitos dos riscos extraordinários que comprometem o suprimento e
são impossíveis de serem precificados sejam expurgados do cálculo do Fator de Ajuste do MRE,
de forma a assegurar durante toda a vigência do contrato de concessão, as condições efetivas
das propostas vencedoras nos leilões de energia mantendo assim a equilíbrio contratual e (iii)
que todos os custos extraordinários provocados pelos riscos não hidrológicos, mas sim por
decisões do Poder Concedente, listados anteriormente, sejam alocados ao consumidor final por
ser este o real beneficiário.
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