UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS COMO UMA
DAS DETERMINANTES DA CARREIRA CRIMINOSA DE
ADOLESCENTES SELECIONADOS COMO INFRATORES
Monografia apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de bacharel em Direito na
Universidade do Vale do Itajaí.
ACADÊMICA: DÉBORA MARIA DA SILVA
GOMES
São José (SC), junho de 2005.
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS COMO UMA
DAS DETERMINANTES DA CARREIRA CRIMINOSA DE
ADOLESCENTES SELECIONADOS COMO INFRATORES
Monografia apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de bacharel em Direito, sob
orientação do Prof. MSc. Rogerio Dultra dos Santos.
ACADÊMICA: DÉBORA MARIA DA SILVA
GOMES
São José (SC), junho de 2005.
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS COMO UMA
DAS DETERMINANTES DA CARREIRA CRIMINOSA DE
ADOLESCENTES SELECIONADOS COMO INFRATORES
DÉBORA MARIA DA SILVA GOMES
A presente monografia foi aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau
de Bacharel em Direito no Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
São José, junho de 2005.
Banca Examinadora:
_______________________________________________________
Prof. MSc. Rogerio Dultra dos Santos - Orientador
_______________________________________________________
Prof. MSc. Camila Cardoso de Mello Prando - Membro
_______________________________________________________
Prof. Esp. Giovani de Paula - Membro
4
Dedico este trabalho aos meus pais, Alfredo Ribeiro
Gomes e Maria José da Silva Gomes, pelo amor,
dedicação, apoio e por terem permitido a realização
deste sonho; aos quais devo tudo o que sou.
Aos meus avós, José Paulo da Silva e Maria Antônia
da Silva, pela força, carinho e exemplo de vida.
À memória de minha irmã, Helen Cristina Gomes
Teixeira, que precocemente nos deixou para viver ao
lado de Deus, acompanhado apenas o início da
minha trajetória acadêmica.
À minha irmã, Lara Regina da Silva Gomes e aos
meus sobrinhos, Thaís Gomes Teixeira, Jersey Diniz
e Pedro Diniz, por existirem em minha vida.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, por estar ao meu lado, permitindo à superação dos obstáculos da vida
e à realização de todos os meus sonhos;
Ao meu orientador, professor MSc. Rogerio Dultra dos Santos, pela paciência,
dedicação prestada desde a elaboração do projeto de monografia até a conclusão do presente
trabalho e principalmente, pelas palavras de incentivo nos momentos de desespero;
A todos aqueles que contribuíram para meu desenvolvimento acadêmico e
pessoal e especialmente ao Dr. Henrique da Rosa Ziesemer, pelo auxílio na coleta de
materiais para elaboração desta pesquisa, pelo incentivo no estágio e pelo exemplo de
persistência;
A todos os professores que tiveram fundamental importância nesta trajetória,
principalmente ao professor Márcio Roberto Harger, à professora Solange L. H. Kool e ao
professor Hélio Callado de Oliveira;
A todos os meus amigos, em especial àqueles que estiveram ao meu lado nos
últimos cinco anos: Catarina da Silva Matos Martins, Clarisse Wagner da Costa, Gustavo
Correia Santa Ritta, Magali Agnes Silva, Michelli Mattos da Silva, Gisele Rebello Mitidiero,
Francine Brügmann Wagner, Kédma de Souza e Jerusa Coelho.
A todos, meu sincero agradecimento.
DÉBORA
6
"Nunca perca a fé na humanidade, pois ela é como
um oceano. Só porque existem algumas gotas de
água suja nele, não quer dizer que ele esteja sujo por
completo."
Mahatma Ghandi
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SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE ABREVIATURAS
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................10
1 BREVE ANÁLISE DO SISTEMA PENAL ......................................................................12
1.1 A CONCEPÇÃO DAS ESCOLAS CLÁSSICA, POSITIVA E TÉCNICO-JURÍDICA
ACERCA DO FENÔMENO CRIMINAL..........................................................................15
1.2 AS CARACTERÍSTICAS E FUNÇÕES DO SISTEMA PENAL E O PROCESSO DE
CRIMINALIZAÇÃO..........................................................................................................19
2 O SISTEMA DE GARANTIAS DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES E A
ESTRUTURA REPRESSIVA DAS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS.........................25
2.1 BREVE ANÁLISE DOS DECRETOS E LEIS DE PROTEÇÃO ÀS CRIANÇAS E AOS
ADOLESCENTES..............................................................................................................25
2.2 MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS...................................................................................33
2.3 A APURAÇÃO DO ATO INFRACIONAL.......................................................................38
3
MEDIDAS
SÓCIO-EDUCATIVAS:
ESTÍMULO
VELADO
À
CARREIRA
CRIMINAL..............................................................................................................................44
3.1 A NÃO RESSOCIALIZAÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE INFRATOR....45
3.2 A REINCIDÊNCIA CRIMINAL........................................................................................50
3.3 A CONCRETIZAÇÃO DAS CARREIRAS CRIMINOSAS.............................................53
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................56
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................58
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RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo verificar a eficácia das medidas sócio-educativas,
em especial, a de internação, frente às carreiras criminosas de adolescentes, por serem as crianças
inimputáveis, não se sujeitando a aplicação dessas medidas, mas sim, das medidas protetivas.
Para isso foi realizada pesquisa documental e bibliográfica, a fim de analisar as características do
sistema penal, suas funções oficialmente declaradas pela dogmática jurídico-penal e as não
declaradas, a influência dessas no atendimento aos infantes e análise dos principais documentos
de proteção à criança e ao adolescente, desde o Código de Menores de “Mello Mattos” (Decreto
n° 17.943-A) até o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069/90). Posteriormente,
abordou-se as medidas sócio-educativas previstas no ECA e ainda, o procedimento adotado pela
respectiva legislação para apuração do ato infracional. Através disso, confirma-se a hipótese
levantada de que a concretização da carreira criminosa de adolescentes é conseqüência da
influência da atuação do sistema penal na execução das medidas sócio-educativas, salientando
nesse contexto, a medida de internação ou institucionalização, por se caracterizar como a mais
grave e a que menos atinge sua finalidade, qual seja: reeducar e ressocializar os adolescentes
infratores.
Palavras chave: Estatuto da Criança e do Adolescente. Adolescente infrator. Medidas sócioeducativas. Características do sistema penal. Reincidência. Carreiras Criminosas.
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ABSTRACT
The present work has for objective to verify the effectiveness of the partner-educative
measures, in special, of internment, front the criminal careers of adolescents, for being the
inimputáveis children, if not subjecting the application of these measures, but yes, of the
protetivas measures. For this documentary research was carried through bibliographical and, in
order to analyze the characteristics of the criminal system, its functions officially declared by the
legal-criminal dogmática and the not declared ones, the influence of these in the attendance to the
infants and analysis of main documents of protection to the child and the adolescent, since the
Code of Minors of "Mello Mattos" (Decree n° 17.943-A) until the Statute of the Child and the
Adolescent (Law n° 8,069/90).
Later, one still approached the foreseen partner-educative
measures in the ECA and, the procedure adopted for the respective legislation for verification of
the infracional act. Through this, it is confirmed raised hypothesis of that the concretion of the
criminal career of adolescents is consequence of the influence of the performance of the criminal
system in the execution of the partner-educative measures, pointing out in this context, the
measure of internment or institutionalization, for if characterizing as the most serious and the one
that less its purpose reaches, which is: to reeducar and to ressocializar the adolescent infractors.
Words key: Statute of the Child and the Adolescent. Adolescent infractor. Partner-educative
measures.
Characteristics of the criminal system.
Relapse.
Criminal Careers.
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LISTA DE ABREVIATURAS
CESL
Centro Educacional São Lucas
ECA
Estatuto da Criança e do Adolescente
FEBEN
Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor
FUNABEM Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
MP
Ministério Público
SAM
Serviço de Assistência a Menores
11
INTRODUÇÃO
A pesquisa pretende verificar as características do processo de institucionalização do
adolescente infrator, através de uma breve análise do sistema penal e do Estado como legitimado
para controlar a criminalidade. Abordará os procedimentos adotados pela legislação estatutária
para apuração do ato infracional, com intuito de determinar a eficácia das medidas sócioeducativas como meio para reeducação e ressocialização dos adolescentes infratores.
Visando um maior entendimento da realidade da infância e adolescência brasileira que
cometem ato infracional, será utilizada a pesquisa documental e bibliográfica, a fim de identificar
a eficácia da atuação do sistema penal na confirmação da carreira criminosa desses jovens.
Assim, o presente trabalho objetivará certificar acerca da concretização da carreira
criminosa de adolescentes selecionados como infratores e o papel do Estado como responsável
pela aplicação das medidas sócio-educativas, que visa, ou deveria visar, a reeducação e
ressocialização dos adolescentes.
Esses adolescentes que violam a lei necessitam de uma política de atendimento mais
eficaz, tendo em vista que a adotada pelo Estatuto da Criança do Adolescente (Lei n° 8.069/90)
não tem alcançado a finalidade desejada.
Desta forma, a operacionalização do sistema penal em face da criminalidade,
caracteriza-se por estimular a construção de carreiras criminosas em adolescentes devido as suas
formas de atuação, como a estigmatização, a seletividade, o etiquetamento, que acarretam a
reprodução das relações de exclusão social aos mesmos.
No primeiro capítulo, será analisado o sistema penal, que servirá de base para o
entendimento da concretização da carreira criminosa de adolescentes, abrangendo as concepções
das escolas clássicas, positiva e técnico-jurídica acerca do estudo do fenômeno criminal; as
características, funções, estrutura organizacional e formas de atuação do sistema repressor, bem
como, serão destacadas as funções declaradas pela ciência do direito penal, a sua inutilização e
seus reflexos no processo de criminalização, produzindo a seletividade, estigmatização e o
etiquetamento.
O segundo capítulo, será destinado a análise dos principais documentos de proteção aos
direitos das crianças e dos adolescentes, e ao estudo das medidas sócio-educativas previstas no
artigo 112, bem como, o procedimento para apuração do ato infracional praticado por
12
adolescentes, previsto na legislação vigente, ou seja, no Estatuto da Criança e do Adolescente,
destacando que a apuração do ato infracional deve respeitar os princípios constitucionais.
E, finalmente, no terceiro capítulo, será tratado acerca da medida sócio-educativa como
fator estimulante da carreira criminal, em virtude de não ressocializar o adolescente infrator,
ocasionando a reincidência criminal e por conseguinte a concretização da carreira criminosa,
tendo em vista a atuação do sistema repressor a ser estudado no primeiro capítulo. Salientar-se-ão
as semelhanças entre as penas aplicadas aos adultos que transgridem a norma penal e as medidas
sócio-educativas aplicados aos adolescentes.
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1 BREVE ANÁLISE DO SISTEMA PENAL
A Lei n° 7.209 de 11 de julho de 1984, que reformou a Parte Geral do Código Penal
tentou relegitimar o sistema. A necessidade da reforma surgiu em decorrência de que a legislação
penal era inadequada às exigências da sociedade. Os altos índices de criminalidade, a medida
repressiva como resposta básica ao delito, a reincidência, a sofisticação tecnológica, foram os
fatores que exigiram o aprimoramento dos instrumentos de contenção do crime1.
No entanto, não conseguindo atingir os objetivos desejados, essa modificação foi pouco
relevante, tendo em vista a expansão alarmante da mesma. Assim, a legislação penal continua
inadequada para a sociedade.
Essa criminalidade possui como mecanismo repressor o sistema penal, sendo definido
por ZAFFARONI e PIERANGELI como sendo:
controle social punitivo institucionalidado, que na prática abarca a partir de quando se
detecta ou supõe detectar-se uma suspeita de delito até que se impõe e executa uma
pena, pressupondo uma atividade normativa que cria a lei que institucionaliza o
procedimento, a atuação dos funcionários e define os casos e condições para esta
atuação. Está é a idéia geral de “sistema penal” em um sentido limitado, englobando a
atividade do legislador, do público, da polícia, dos juízes, promotores e funcionários e
da execução penal (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2002, p. 71).
Com base nesta definição, tem-se que esse sistema repressor é formado por diversos
segmentos, e acerca desta estrutura, comenta BISSOLI FILHO, que o sistema penal é composto
pelo aparato total de normas, instituições, saberes, ações e decisões diretas e indiretamente
ligadas ao fenômeno criminal. Abrangendo não somente as agências legislativas (responsáveis
pela criação das normas), as instituições policiais, o Ministério Público, o Poder Judiciário e o
Sistema Prisional (responsáveis pela imposição ou aplicação das normas), como também, as
inúmeras outras agências que concorrem para a aplicação das leis penais, dentre elas, os órgãos
públicos e os agentes financeiros e econômicos, que têm o dever de noticiar a prática de crimes e
ainda, àqueles responsáveis pela produção e reprodução dos saberes que envolvem o sistema
penal (Cf. BISSOLI FILHO, 1998, p. 55).
Neste sentido, SANTOS pondera que:
1
Exposição de motivos da Nova Parte Geral do Código Penal.
14
Os aparelhos de repressão criminal são a polícia, a justiça e a prisão, cuja conjugação
constitui o sistema punitivo, nos seus aspectos investigatório – detentivo (polícia), a
analítico – condenatório (justiça) e repressivo – punitivo (prisão). O estudo da violência
institucional produzida pelos aparelhos de repressão criminal, no processo geral de
criminalização deve destacar, na análise desses aparelhos, os seus objetivos aparentes,
explicitados nas formas legais que os constituem e regulam, e os seus objetivos ocultos,
disfarçados sob a aparência formalizada na lei. ( SANTOS 1984, p. 115)
Dessa forma, o funcionamento do sistema penal utiliza três mecanismos básicos: a
produção das normas (criminalização primária), a aplicação destas, que compreende a ação
integrada dos órgãos de investigação e jurisdicionais (criminalização secundária) e a execução
penal. Logo, a operacionalização se concretiza através da Polícia, da Justiça e do Sistema de
Execução da Pena (Cf. AZEVÊDO, 1999, p. 32), onde a prisão é utilizada principalmente como
meio de repressão à criminalidade, visando a ressocialização do apenado, por intermédio da pena
privativa de liberdade.
O Estado é o legitimado ativo para reprimir a criminalidade, pois por intermédio do
Direito Penal, dá início à operacionalização do sistema. No entanto, não pode deixar de atuar,
caracterizando sua atuação como repressiva, por ser um poder-dever de aplicar a sanção àqueles
que transgridem a norma penal.
Com relação ao poder-dever do Estado, REALE JÚNIOR comenta que:
O Estado não tem a liberdade de exercer ou não a aplicação e execução da lei penal.
Tem o Estado, por meio de seus órgãos dotados de autoridade, Ministério Público e
Judiciário, o poder e um dever público de agir contra aquele que deixou de se motivar
pela ameaça contida na lei penal. Não há um direito de executar o direito frente ao
infrator, mas um dever de exercitar o poder de punir (REALE JÚNIOR, 2002, p. 15).
No entanto, esse poder de punir que tem o Estado não é ilimitado. Primeiramente, é
necessária a consagração em lei daqueles fatos que se considera crime. Assim, cabe ao legislador
determinar quais fatos que devam ser considerados penalmente ilícitos e a respectiva cominação
da sanção penal (Cf. MARQUES, 1997, p. 20). Dessa forma, MARQUES define o delito como
sendo:
A violação de um bem jurídico penalmente tutelado. Essa violação, por outro lado, só
realiza através de condutas humanas que vêm definidas e configuradas no conceito
primário da norma penal, uma vez que o princípio da legalidade dos crimes e das penas
impede que existam ações ou comportamentos do homem, relevantes para o Direito
Penal, sem descrição legal (MARQUES, 1997, p. 25).
15
Da análise deste conceito, tem-se que nem todas as condutas humanas são consideradas
delito, apenas aquelas que o legislador resolveu tutelar, dispostas na parte Especial do Código
Penal e legislações especiais, onde estão descritas as condutas proibidas e a associação de uma
pena como sua conseqüência (Cf. ZAFFARONI; PIERANGELI, 2001, p. 388).
Assim, “quando uma conduta se ajusta a algum dos tipos legais, dizemos que se trata de
uma conduta típica ou, o que é o mesmo, que a conduta apresenta características de tipicidade”
(ZAFFARONI; PIERANGELI, 2001, p. 388).
Porém, nem toda conduta típica é um delito, uma vez que o Código Penal permite a
realização de condutas típicas, excluindo o caráter de delito, como nas hipóteses de estado de
necessidade, legitima defesa e estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular do direito
(Cf. ZAFFARONI; PIERANGELLI, 2001, p. 389).
No entanto, para que se considere um fato como punível, não basta a existência de
vínculo causal entre a ação e o resultado, nem que seu comportamento se enquadre num dos
artigos da lei penal. É necessário, a presença da culpabilidade do agente, ou seja, que tenha
havido a vontade livre e consciente para o cometimento do delito (Cf. HUNGRIA, 1983, p. 88).
Deste modo, tem-se que os elementos que caracterizam o delito são: o fato típico, que
compreende a conduta humana e o respectivo resultado, que a lei prevê como ato punível; a
antijuridicidade, que é a relação entre o fato típico e a ordem jurídica, lembrando que nem todo
fato típico é antijurídico, tendo em vista as excludentes de ilicitude; e, a culpabilidade, ou seja,
reprovabilidade do ato, agindo o autor livre e consciente (Cf. MARQUES, 1997, p. 28).
O juízo de culpabilidade indica a presença da responsabilidade, que pressupõe a
capacidade do agente de entender o caráter criminoso do fato e a capacidade de determinar-se de
acordo com esse entendimento (Cf. HUNGRIA, 1983, pp. 257/258).
Assim, a responsabilidade pode ser definida como a existência dos pressupostos
psíquicos pelos quais alguém é chamado a responder penalmente pelo crime que cometeu,
levando-se em consideração que nos casos das excludentes de culpabilidade (erro, coação,
obediência hierárquica), não há responsabilização devido a inexistência do crime ou isenção de
pena (Cf. HUNGRIA, 1983, pp. 257/258).
A responsabilidade só deixa de existir quando o agente no tempo da ação ou omissão,
não tem a capacidade de entendimento ético-jurídico, como nos casos de doença mental,
desenvolvimento mental incompleto ou retardado e embriaguez fortuita e completa. E ainda,
16
quando menores de 18 anos, pois nesta hipótese a causa biológica (imaturidade) basta para
excluir a responsabilidade penal (Cf. HUNGRIA, 1983, pp. 259/260).
Desta forma, “o resultado do fato típico, antijurídico e culposo, que é o delito surge a
punibilidade, ou direito de punir do Estado, que não constitui elemento integrante do delito, mas
tão-só conseqüência ou resultado deste” (MARQUES, 1997, p. 28).
Assim, as normas que compõem o Direito Penal delimitam o processo de
criminalização. A criminalização primária, no surgimento da norma, fixa limites máximos e
mínimos para cada conduta delituosa e se concretiza com a criminalização secundária, que abarca
todas as agências responsáveis pelo controle social, bem como as conseqüências desta
concretização (seletividade, estigmatização e etiquetamento).
A atividade do sistema penal surge a partir da atuação do controle social que define as
condutas desviantes das não desviantes. Estas condutas desviantes denominam-se delito, aos
quais se impõe uma punição e diante disto, nasce a necessidade do estudo acerca do crime, do
criminoso e da pena. Estes estudos foram marcados pelas Escolas Penais Clássica, Positiva e
Neoclássica ou Técnico–Jurídica. Cada uma delas com características diversas serão analisadas
no próximo subcapítulo.
Esse capítulo tratará ainda sobre as características e funções do sistema penal e o
processo de criminalização devido as funções não declaradas do sistema penal, a fim de que
posteriormente, vincule-se essas funções com os adolescentes selecionados como infratores,
analisando-se, por conseguinte, os primeiros documentos de proteção às crianças e aos
adolescentes.
1.1 A CONCEPÇÃO DAS ESCOLAS CLÁSSICA, POSITIVA E TÉCNICO-JURÍDICA
ACERCA DO FENÔMENO CRIMINAL
O saber penal contemporâneo foi influenciado pelo estudo acerca do fenômeno criminal.
Este foi marcado pelas Escolas Clássica, Positiva e Técnico-Jurídica, que tiveram fundamental
importância para a ideologia da defesa social.
17
Para Escola Clássica, o crime é uma violação “consciente e voluntária” da norma penal,
ou seja, o crime é a infração da lei penal (Cf. ANDRADE, 2003, p. 55). A infração à lei é
decorrente do princípio da legalidade, ou seja, só é crime o fato que transgride a lei (Cf. BISSOLI
FILHO, 1998, p. 30). O criminoso é aquele que, na posse do livre arbítrio, viola livre e
conscientemente a norma penal. (Cf. BISSOLI FILHO, 1998, p. 33).
Com relação à concepção da pena pela Escola Clássica, NORONHA explica que:
Esta é o meio de tutela jurídica. O crime é a violação de um direito e, portanto, a defesa
contra ele deve encontrar-se no próprio direito, sem o que ele não seria tal.
Conseqüentemente, ela não pode ser arbitrária, mas há de regular-se pelo dano sofrido
pelo direito. É retribuitiva. Deve importar também em coação moral que detenha os
possíveis violadores do direito. (NORONHA, 1998, p. 32)
Assim, de acordo com os postulados fundamentais desta escola, o delito consiste na
violação de um direito, sendo o criminoso considerado uma pessoa normal que apenas violou a
norma penal e, portanto, não era objeto de estudo desta escola. Para o classicismo, a pena
apresentava-se com características retribuitiva e utilitarista. Esta função da pena, denomina-se de
teoria relativa, que prevê na pena a prevenção do delito. Já, a função retribuitiva da pena,
denominada de teoria absoluta, compreende a pena como um castigo imposto a quem
conscientemente cometeu um ilícito penal (Cf. BISSOLI FILHO, 1998, p. 33).
Com relação a prevenção do delito, sustentam ZAFFARONI e PIERANGELI, que a
pena é a conseqüência penal para um delito. Ela visa a segurança jurídica, pois seu objetivo deve
ser a prevenção de futuras condutas delitivas. Essa prevenção pode ser alcançada através da
prevenção geral e da prevenção especial (Cf. ZAFFARONI e PIERANGELI, 2002, pp. 103/104).
A prevenção geral é aplicada através da retribuição que se dirige a todos os integrantes
da comunidade jurídica. Esta prevenção se inicia por meio da repressão intimidatória, chegando à
vingança. Para moderar o conteúdo vingativo, sustenta-se que a pena “justa” é a “retribuitiva” e
por isto deve obedecer a lei de talião, ou seja, a pena deve importar a mesma quantidade do mal
causado pelo delito. (Cf. ZAFFARONI e PIERANGELLI, 2002, p. 104). Desta forma, a
segurança jurídica é alcançada através da prevenção geral, por meio da sanção reparadora
(retributiva) (Cf. ZAFFARONI e PIERANGELLI, 2002, p. 107).
A prevenção penal especial que incide naqueles que transgrediram a norma, visa a
“reforma e a readaptação social do condenado”. Desta forma, a pena tem uma proporção com o
grau de afetação ao bem jurídico e o grau de culpabilidade, ou seja, de reprovabilidade que cabe
18
ao autor da conduta, em razão da maior ou menor possibilidade de ter agido de outra maneira (Cf.
ZAFFARONI e PIERANGELLI, 2002, pp.109 e 112).
A lei de talião estabelece “que a medida da pena, é aquela necessária para reparar o mal
causado pelo delito” (ZAFFARONI e PIERANGELLI, 2002, 263). Para o filósofo alemão
Emmanuel Kant, a pena é o meio correto para castigar quem praticou o delito, que para ser justa
tem sua medida na lex talionis, a única que pode indicar a quantidade e a qualidade do castigo
(Cf. REALE JÚNIOR, 2002, p. 47).
Segundo o também filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel, a pena era uma
necessidade lógica e também tinha caráter retribuitivo talional, por ser a sanção correspondente à
violação da norma. Porém, quando a pena era aplicada para aqueles que estavam excluídos da
comunidade jurídica, como os marginalizados, já não tinha sentido, uma vez que ela apenas
neutralizaria o seu perigo (Cf. ZAFFARONI e PIERANGELLI, 2002, p. 284).
O programa da Escola Clássica de combate à criminalidade se encontrava em crise,
“sendo acusado de não ter cumprido com suas promessas e de apenas ter diminuído as penas”
(ANDRADE, 2003, p. 60), surgindo então, a Escola Positiva que buscou o seu fundamento nas
razões que levaram a Escola Clássica ao declínio.
Acerca da percepção desta escola, comenta ANDRADE, que o crime é a concretização
de uma conduta legalmente definida como tal, não é decorrente do livre arbítrio humano, mas sim
do resultado previsível determinado por múltiplos fatores (biológicos, psicológicos, físicos e
sociais) que confirmam a personalidade de uma minoria de indivíduos como “socialmente
perigosa” (Cf. ANDRADE, 2003, p. 66).
Relacionando as Escolas Clássica e Positivista, analisa-se que o criminoso era deixado
de lado pelo classicismo, todavia, constituía o objeto de estudo do positivismo, que ao invés da
Escola Clássica estudava o criminoso.
O positivismo, que teve como figura proeminente o psiquiatra italiano Cesare
Lombroso, considerava o criminoso, psicologicamente, um ser anormal e dividiu o delinqüente
em cinco categorias características: o nato, que é aquele que apresenta características físicas e
morfológicas específicas, como por exemplo, assimetria craniana, face ampla e larga, barba
escassa etc; o louco, o portador de doença mental; o habitual, que é produto do meio social; o
ocasional, o indivíduo sem firmeza de caráter e versátil na prática do crime; e, o passional,
19
caracterizado como homem honesto, mas de temperamento nervoso e de sensibilidade exagerada
(Cf. MIRABETE, 2001, pp. 40/42).
Assim, enquanto a Escola Clássica desenvolveu uma dupla concepção acerca da pena,
atribuindo-lhe um papel retribucionista e outro utilitarista, a Escola Positiva concentrou-se neste
papel, considerando a pena, apenas como “meio de defesa social em face da periculosidade
criminal do criminoso”, o que levou a refutar o princípio da proporcionalidade penal e admitir as
medidas de segurança, inclusive por tempo indeterminado. Neste contexto, sustentou-se
necessária a individualização da pena, baseada na periculosidade do homem criminoso. Este
princípio da individualização da pena operou tanto na cominação, como na aplicação e na
execução da pena (Cf. BISSOLI FILHO, 1998, p. 42).
Ainda a respeito da escola mencionada, comenta BISSOLI FILHO que, ao contrário do
classicismo, o positivismo viu no homem criminoso o personagem de suas investigações, tendo-o
como um ser anômalo, do qual despreendeu os estigmas da criminalidade. Até então, o indivíduo
era tido apenas como detentor do livre arbítrio, sem ter merecido a devida atenção das Ciências
Criminais. Assim, o positivismo criminológico se deteve mais nos estudos acerca do homem
criminoso, precisamente nas teorias da tipologia e da periculosidade criminal, ou seja, no estudo
dos indivíduos mais propensos ao delito, bem como na possibilidade do cometimento do delito
(BISSOLI FILHO, 1998, p. 42).
O conflito entre as Escolas Clássica e Positiva mostrou o surgimento de uma terceira
escola. Esta, denominou-se Escola Técnico–jurídica ou Neoclássica, que adotou da Escola
Positiva as premissas acerca da gênese natural da criminalidade, com o propósito de utilizar os
dados da Antropologia e da Sociologia Criminal, colocando em maior relevo, o delinqüente
perante o crime, conservando, todavia, da Escola Clássica, o princípio da responsabilidade moral,
ou seja, da distinção entre delinqüentes “imputáveis” e “não imputáveis”, admitindo que a estes
se deve imputar a lei penal, porém com medidas que consistem em providências de segurança e
por isso mesmo, substancialmente diversas das penas, que representam o castigo proporcional à
culpa do ato praticado (Cf. BISSOLI FILHO, 1998, p. 42).
Um dos principais representantes desta Escola Penal é o jurista italiano Arturo Rocco,
destacando que a Ciência Penal tem por tarefa o estudo da disciplina jurídica daquele fato
humano e social que se chama “delito” e daquele fato social e político que se chama “pena”, ou
seja, o estudo das normas jurídicas que proíbem as ações humanas imputáveis, injustas e nocivas,
20
indiretamente geradoras e reveladoras de um perigo para existência da sociedade juridicamente
organizada, e, portanto, o estudo do direito e do dever jurídico e subjetivo, isto é, da relação
jurídica penal que nasce em virtude de tais normas. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 43).
Os juristas Luiz Régis Prado e Cezar Roberto Bitencourt, citados por BISSOLI FILHO,
sintetizaram da seguinte forma as características da Escola Técnico-jurídica: o delito é pura
relação jurídica, de conteúdo individual e social; a pena constitui uma reação e uma conseqüência
do crime (tutela jurídica), com função preventiva geral e especial, aplicável aos imputáveis; a
medida de segurança–preventiva, aplicável aos inimputáveis; responsabilidade moral (vontade
livre); método técnico-jurídico; e, refuta o emprego da filosofia no campo penal (Cf. BISSOLI
FILHO, 1998, pp. 43/44).
Desta forma, estas escolas desenvolveram percepções sobre a criminalidade e a pena,
contribuindo ao mecanismo do “controle social punitivo institucionalizado” a ideologia atual, de
que a aplicação da pena ao agente que praticou ato desviante não possui caráter coibidor da
criminalidade, e sim, a repressão constitui um fim protetivo ao apenado com intuito de
ressocializá-lo à ordem social vigente. É acerca do processo de criminalização que impõe uma
sanção e as conseqüências da atuação do sistema penal diante do delito que será estudado a
seguir.
1.2 AS CARACTERÍSTICAS E FUNÇÕES DO SISTEMA PENAL E O PROCESSO DE
CRIMINALIZAÇÃO
Como foi mencionado anteriormente, o Sistema Penal é composto por diversas agências
reguladoras que compreendem desde a atividade do legislador na elaboração da legislação penal
até a execução da pena. Desta forma, o Poder Judiciário, apoiado pelo Ministério Público, é o
encarregado da aplicação da pena.
Os estudos da pena e suas finalidades foram realizados pelas Escolas Clássica e
Positivista, até chegar a percepção dominante do moderno sistema repressor, elaborado pela
Escola Neoclássica ou Técnico-Jurídica. Esta ideologia da finalidade da pena é delimitada por
21
pretender ser protetiva ao apenado e objetivar, em princípio, a sua reabilitação ao convívio com a
comunidade.
A aplicação da pena como conseqüência da atuação do “controle social punitivo
institucionalizado”, deve, no entanto, obedecer as funções declaradas pela ciência do sistema
penal, mais conhecida como dogmática penal. As funções são a racionalização do poder punitivo
estatal e a segurança jurídica na administração da justiça penal. É com base nessas promessas que
funciona, ou que deveria funcionar, o mecanismo penal. É acerca das formas e dinâmicas do
exercício do controle repressor face à criminalidade, que se fará a abordagem.
As funções declaradas pelo Sistema Penal estabeleceram, com base no princípio da
legalidade penal, que ninguém poderá ser incriminado se não houver previsão legal do fato
delituoso, devendo para tanto, estar presente em tal conduta, a tipicidade, a antijuridicidade e a
culpabilidade. Com base neste preceito, o Direito Penal deverá ser aplicado de maneira igualitária
aos que não respeitarem a programação normativa, ocorrendo em conseqüência, o processamento
penal, o qual culminará numa sanção penal que tem por fim, além da punição, a prevenção (geral
e especial) e a recuperação daquele que foi considerado desviado. Objetiva-se com isto, através
da pena, excluir-se o “mal” da sociedade, ou seja, o crime. O criminoso deverá ser devolvido à
sociedade ressocializado (se possível), o que constitui a concretização do combate à
criminalidade (Cf. ANDRADE, 2002, p. 186).
As formas de atuação do sistema (seletividade, etiquetamento e estigmatização)
apresentam algumas conseqüências no tocante à eficácia do mecanismo repressor, pois nem todas
as pessoas que cometem um delito são criminalizadas, não podendo se ter certeza que certo
indivíduo realmente cometeu o crime. Isto consiste em uma falha do Sistema Penal.
A respeito do processo de criminalização, comenta CASTRO:
O processo de criminalização pode ser dar em três diferentes direções: 1) A
criminalização de condutas, que seria o ato ou o conjunto de atos dirigidos no sentido
de converter uma conduta que antes era ilícita mediante a criação de uma lei penal. 2) A
criminalização de indivíduos, que consiste nos procedimentos, situações, ritos ou
cerimônias que levam a marcar como delinqüentes, determinadas pessoas em vez de
outras, embora todas tenham praticado atos semelhantes, mediante um sistema de
seleção que não é sempre fácil de determinar em detalhe, mas que tem sido tentado em
vão por autores como Turk. 3) A criminalização do desviante que compreenderia o
processo psicológico e social mediante o qual quem não é mais do que um simples
desviante, se transforma em criminoso, quer dizer, o processo de formação de carreiras
criminosas. ( CASTRO, 1983, p. 103)
22
A criminalização primária é realizada pelo próprio ordenamento penal, sendo a
secundária, realizada pelos órgãos policiais, pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário, no
momento da deflagração da ação penal ou arquivamento de peças que informam delitos e ao
proferir sentenças condenatórias ou absolutórias, e ainda, no momento da execução da pena, haja
vista nem todas serem executadas.
De acordo com ANDRADE, a seleção que se opera no interior do processo de
criminalização pode ser classificada como quantitativa e qualitativa. Aquela caracteriza-se pelo
fato de que a criminalidade é um comportamento que atinge a maioria dos indivíduos,
diferentemente do que prega a Criminologia Positiva, estudada anteriormente, que afirma que a
conduta criminosa pertence a apenas alguns membros da sociedade, àqueles que apresentam
anomalias físicas ou devido a fatores ambientais e sociais (Cf. ANDRADE, 2003, pp. 263/269).
A seletividade ocorre qualitativamente, quando não se leva em consideração a operação
do sistema penal, mas sim, as infrações dos autores de conduta e das pessoas envolvidas. Para
BISSOLI FILHO, esta criminalização se opera tanto no campo das condutas como das pessoas. A
primeira privilegia as condutas mais comuns praticadas pelas classes baixas, imunizando as da
classe alta, como por exemplo, os crimes de colarinho branco. A última se opera sobre pessoas
estereotipadas e estigmatizadas, mais vulneráveis à ação do Sistema Penal (Cf. BISSOLI FILHO,
1998, p. 183).
No entanto, observa-se que nem todos que praticam condutas criminosas são passíveis
da aplicação de sanção penal. Uma das formas de atuação do sistema repressor é a de selecionar
aqueles indivíduos que responderão pelo ilícito penal praticado, notando, todavia, que geralmente
esses seres são os que compõem os setores mais vulneráveis da sociedade. Esta maneira de
funcionamento constitui uma das funções não declaradas pelo Sistema Penal, compreendendo,
portanto, nas quebras das promessas anteriormente declaradas.
Esta seleção se dá através de duas maneiras: a seleção de bens jurídicos a serem
tutelados e a seleção de pessoas a serem consideradas criminosas. A respeito disto, sustenta
ANDRADE, que o processo de criminalização opera-se “segundo a seleção dos bens jurídicos
penalmente protegidos e dos comportamentos ofensivos a estes bens, descritos nos tipos penais e
na seleção dos indivíduos estigmatizados entre todos aqueles que praticam tais comportamentos”
(ANDRADE, 2003, p. 218).
No dizer de BISSOLI FILHO, a respeito da seletividade, tem-se que:
23
A seleção ocorre, porque nem todas as condutas são passíveis de ser abstratamente
previstas e nem todas os infratores podem ser individualmente criminalizados. Além
disso, no que concerne ao processo de “criminalização primária”, pode -se dizer que não
há um consenso prévio em torno dos bens jurídicos que devam ser tutelados, nem quais
as condutas que merecem ser tipificadas. Por isso, o processo de criminalização, que à
luz do paradigma tradicional deveria tratar de todos os interesses e pessoas com
igualdade, acaba sendo desigual e seletivo. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 180)
Umas das conseqüências da seletividade como forma de atuação do “controle social
punitivo institucionalizado” é a denomin ada Teoria da Rotulação ou do Etiquetamento. Conforme
CASTRO, o desvio é produzido pela própria sociedade, sendo que suas causas encontram-se na
situação social dos agentes desviantes ou em fatores sociais que impulsionam a prática de sua
ação. Sob essa égide, os grupos sociais produzem os desvios ao criarem regras cuja infração
constitui o desvio. O desvio não é uma qualidade ou um ato que a pessoa realiza, mas sim, uma
conseqüência de que os outros apliquem regras e sanções a um transgressor. Assim, o desviante é
alguém a quem foi aplicado esse rótulo, ou seja, etiqueta (Cf. CASTRO, 1983, p. 99).
As etiquetas são rótulos colocados sobre o individuo. Elas podem ser tantos positivas
quanto negativas, como por exemplo inteligente, trabalhador, ex-presidiário, homossexual, etc. O
etiquetamento, também conhecido como labelling approach, consiste no processo em que a
etiqueta/rótulo é englobada pelo indivíduo. Diferentemente do processo de estigmatização, em
que a sociedade caracteriza a pessoa como ser criminoso, o etiquetamento é movido pelo próprio
estigmatizado, ao ponto do mesmo passar a se conhecer e se aceitar como um delinqüente.
Assim, as etiquetas escondem todas as outras características do indivíduo, além de criar as autoetiquetas. No entanto, a conseqüência disto, é que a própria pessoa se vê naquela característica
que a ela é atribuída, dificultando, portanto, a sua reabilitação. A respeito disto comenta BISSOLI
FILHO:
A etiqueta de desviado cria na mente da sociedade uma certa identidade para o
indivíduo, o qual a aceita (auto-etiqueta), pois a maioria das pessoas se apóia nos
antecedentes de sua própria audiência social para o conhecimento de sua autoidentidade. Há um laço indissolúvel entre a reputação que se adquiriu e a sua autoimagem. A pessoa se converte no que está representando, ou seja, percebe a si mesma
como os demais a vêem. A autopercepção encontra-se, assim, compelida a situar-se no
molde da percepção dos outros. Através de um processo de resignação, de vergonha ou
de sentimento de estranhamento, o indivíduo começa a percorrer o corredor que vai
conduzi-lo a um novo papel (BISSOLI FILHO, 1998, p.184).
24
Com base na citação acima, extrai-se, que o etiquetameno encontra estrita ligação com a
vida pregressa do estigmatizado pelo controle social. O indivíduo, portanto, se auto-etiqueta, pois
não consegue se ressocializar na comunidade onde vive, logo raciocina que, se dizem que “eu sou
um ser delinqüente, ao contrário dos demais e estes já criam um preconceito à minha
personalidade, o porque não ser o que eles afirmam que eu sou?” No tocante a este processo de
auto-rotulação, explica BISSOLI FILHO:
A criação de uma auto-imagem realiza-se através do seguinte processo: 1) reação social
em relação ao indivíduo (etiquetamento); 2) o indivíduo toma consciência e interpreta a
reação social, fazendo um exame introspectivo da auto-etiqueta para conformá-la às
percepções da etiqueta social. Assim consideradas, as etiquetas acabam por levar o
indivíduo etiquetado a se diferenciar mais ainda dos não etiquetados e a considerar-se
como alguém sem mérito, inferior e incompleto, fazendo com que na sua mente se
criem corredores ou passagens, que, em última instância, levam-no à perda da auto
confiança, diminuindo a possibilidade de reabilitação. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 184).
Conclui-se, portanto, que o mecanismo da criminalização e da coibição da
criminalidade, que por ora se mostra com base nas funções declaradas pela dogmática penal,
encontra-se ineficaz. Esta ineficácia é resultado da atividade exercida pelos diversos segmentos
de atuação do sistema penal, contando também para isso, com a colaboração da sociedade em
geral.
A ineficácia foi gerada pela não utilização das promessas do sistema penal, o que acabou
acarretando em outras formas de atuação do sistema repressor. Logo, a seletividade, a
estigmatização e o etiquetamento, são marcos deste novo “controle social punitivo
institucionalizado”.
Este controle social abarca todos os seres humanos que se encontram sujeitos à prática
do delito, incluindo a incidência às crianças e aos adolescentes autores de ato infracional. Como
estes não cometem crimes, gozam de prerrogativa e proteções especiais prevista no ordenamento
jurídico, tanto nacional como internacional. E, é a respeito destas normas e o enfoque histórico
das mesmas, que se atém o próximo capítulo.
Nesse capítulo, pudemos então conhecer as concepções das escolas Clássica, Positiva e
Técnico-jurídica acerca do crime, criminoso e da pena. Chegou-se a ideologia da finalidade da
pena, que deve obedecer as promessas declaradas pela dogmática penal. Analisou-se também, as
características do sistema penal, bem como suas funções declaradas e não declaradas.
25
O objetivo dessa abordagem é demonstrar a atuação do sistema penal sobre aqueles que
serão selecionados pelo mesmo para “responder” pelo delito praticado, em razão de que também,
os adolescentes autores de ato infracional estão sujeitos a esta atuação, tendo em vista que a pena
apresenta grande semelhança com as medidas sócio-educativas, estudadas a seguir.
26
2 O SISTEMA DE GARANTIAS DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES E A
ESTRUTURA REPRESSIVA DAS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS
Como fora abordado anteriormente, o sistema penal atua também na esfera que envolve
os infantes, todavia de maneira diferenciada por possuírem características de seres em peculiar
desenvolvimento, tornando necessário que existam leis protetivas especiais. Assim, este capítulo
traz um breve histórico acerca destas normas.
O processo de criminalização que se opera através da seletividade, rotulação e
estigmatização, tendo em vista que estas são as reais formas de atuação do sistema penal, também
é aplicado aos adolescentes infratores, principalmente àqueles que cumprem medida privativa de
liberdade, como a institucionalização, por exemplo, que já era prevista no Código de Menores de
1927 (conforme será analisado neste capítulo) continuando em vigência com a promulgação do
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Desta forma, serão estudadas também, nesse capítulo, as medidas sócio-educativas
previstas no ECA, dando maior ênfase à medida de internação, por ser ela a mais grave das
medidas e a que representa menor possibilidade de ressocialização do jovem infrator, devido a
sua semelhança com a prisão destinadas aos adultos. Será tratado também, acerca do
procedimento para apuração do ato infracional cometido por adolescentes, uma vez que as
crianças não são responsabilizadas.
2.1 BREVE ANÁLISE DOS DECRETOS E LEIS DE PROTEÇÃO ÀS CRIANÇAS E AOS
ADOLESCENTES
27
No ano de 1927 foi instituído o Decreto n° 17.943 –A, que consolidou as leis de
assistência e proteção à crianças e aos adolescentes, também conhecido por Código de Menores
“Mello Mattos 2”.
Com relação à infância e à juventude, este Código distinguia o indivíduo infrator, entre
a faixa etária maior ou menor de 14 anos de idade, instituindo medidas a serem aplicadas frente à
ocorrência de delito de natureza punitiva. Se o infrator era menor de 14 anos de idade, não
poderia ser submetido a processo penal. Porém, se seus pais, tutores ou responsáveis pela sua
guarda, não tivessem condições de assisti-lo, o Juiz poderia determinar a aplicação de medidas,
como internação em casa de educação até que ele completasse 18 anos de idade.
Se fosse maior de 14 anos, o delinqüente seria submetido a processo especial, todavia,
não sendo submetido à prisão em estabelecimento comum. A esta regra, há uma exceção, como
no caso de intensa gravidade ou de impossibilidade de interná-lo em instituições adequadas a sua
faixa etária, podendo desta forma, serem levados à prisão destinada a adultos (Cf. LIBERATI,
2003, p. 55). No tocante a esta situação comenta LIBERATI:
Mas grave, porém, era a situação do menor infrator que estivesse com idade entre 16 e
18 anos. Se o crime que ele praticara fosse considerado grave pelas circunstâncias do
fato e condições pessoais do agente, além de ficar provado que se tratava de indivíduo
perigoso pelo seu estado de perversão moral, o Juiz lhe aplicaria o art. 65 do Código
Penal e o remeteria a um estabelecimento para condenados de menoridade; ou, em falta
desse, a uma prisão comum, com separação dos condenados adultos, onde
permaneceria, até que se verificasse sua regeneração, sem que a duração da pena
pudesse exceder o seu máximo legal (art. 71). (LIBERATI, 2003, p. 55)
Nesta época, além da internação ao adolescente infrator, também se aplicava a medida
de liberdade vigiada, que consistia em permanecer o infante em companhia e sob a
responsabilidade dos pais, tutores, guardiões ou aos cuidados de um patronato e sob a vigilância
do Juiz. Esta medida poderia ser aplicada também como forma de “progressão 3”, como previsto
no Código de Menores de 1979 e persistindo no Estatuto da Criança e do Adolescente.
2
O Juiz de menores, José Cândido de Albuquerque Mello Mattos, apresentou ao Senado um projeto de sua autoria
que codificava as leis referente aos infantes, que foi aprovado e promulgado, o qual instituiu um sistema de proteção
e assistência à infância e adolescência, divididos estes em dois grupos: os abandonados e os delinqüentes. (Cf. Leal,
2001, p. 186)
3
De acordo com a Lei de Execução Penal (Lei n° 7.210/84), a progressão é a transferência para o regime menos
rigoroso.
28
Já naquela fase se notava o caráter punitivo nas medidas de liberdade vigiada e de
internação, uma vez que, desde o Código de Menores de 1927 até a vigência da Lei n. 8.069/90,
as medidas aplicadas aos infantes abandonados ou delinqüentes tinham caráter de castigo ou de
retribuição pelo mal causado à sociedade, sendo os mesmos colocados em entidades
“protetoras 4”, por períodos hoje, considerados inconstitucionais (mínimo de três anos e no
máximo sete anos). Estas medidas eram desprovidas das garantias prescritas na Carta Magna,
como o direito ao devido processo legal e à ampla defesa (Cf. LIBERATI, 2003, pp. 58/59).
Ainda na vigência do Código de Menores de 1927, foi criado o Serviço de Assistência a
Menores – SAM, por meio do Decreto-Lei n° 3.799/41. O SAM tinha como objetivo a assistência
de crianças e adolescentes com até 18 anos de idade, abandonados ou delinqüentes e funcionava
como uma espécie de sistema penitenciário, ou seja, de internação total, convertendo as
disfarçadas “internações” em verdadeiras penas de prisão (Cf. LIBERATI, 2003, p. 62).
Com o advento do Decreto-Lei n°. 3.914/41 – Lei de Introdução ao Código Penal,
alterou-se o artigo 715 do Código de Menores de 1927, introduzindo prazo limitado e definido
para a internação de infratores. O tempo estabelecido era de no mínimo três anos e ao completar
21 anos de idade, sem que tenha sido revogada a medida de internação, o adolescente seria
transferido para uma colônia agrícola, instituto de trabalho, reeducação ou de ensino profissional,
e ainda, seção especial de outro estabelecimento à disposição do Juiz criminal (Art. 7°, §§ 2° e 3°
do Decreto-Lei n° 3.914/41). O juiz só poderia liberar o infante quando cessasse sua
periculosidade, constatada através de perícia técnica.
Posteriormente, ainda na vigência do Código de Menores Mello Mattos, foi instituída a
Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor – FUNABEM ou FNBEM, pela Lei n. 4.513, de 1°
de dezembro de 1964. Foi criada, para substituir o SAM – Serviço de Assistência a Menores, que
não mais estava respondendo às necessidades de atendimento, passando a ser conhecido pela sua
metodologia como “universidade do crime” e “sucursal do inferno” (Cf. LIBERATI, 2003, p.
68).
4
As entidades protetoras eram os hospitais, asilos, orfanatos e outros lugares onde era prestado assistência ao
infante.
5
Decreto nº 17.943-A/1927: “Art. 71. Se for imputado crime, considerado grave pelas circunstâncias do fato e
condições pessoais do agente, a um menor que contar mais de 16 e menos de 18 anos de idade ao tempo da
perpetração, e ficar provado que se trata de indivíduo perigoso pelo seu estado e pervesão moral, o juiz lhe aplicará o
art. 65 do Código Penal e o remeterá a um estabelecimento para condenados de menoridade, ou, em falta desse, a
uma prisão comum, com separação dos condenados adultos, onde permanecerá, até que se verifique sua regeneração,
sem que, todavia, a duração da pena possa exceder o seu máximo legal.”
29
A medida de internação ou institucionalização, aplicada pela FUNABEM, era destinada
a todo comportamento desviado da criança e do adolescente, seja por “medida de segurança” ou
para “curar” o infante portador de uma patologia social 6, porém seu ideal de proteção e
assecuratório de seus interesses não foi alcançado.
Em 10 de outubro de 1979, foi promulgada a Lei n° 6.697 – o Código de Menores. Esse
Código implantou a doutrina da “situação irregular”, que foi definida sucintamente por
SARAIVA como “sendo aquela em que os menores passam a ser objeto da norma quando se
encontrarem em estado de patologia social”, ou seja, quando não se ajustarem aos padrões sociais
estabelecidos em determinada comunidade (SARAIVA, 2003, p. 44).
Este mesmo doutrinador afirma ainda, que a declaração da situação irregular tanto pode
derivar de sua conduta pessoal (caso de infrações por ele praticadas) ou de “desvio de conduta”,
como da família (maus-tratos) ou da própria sociedade (abandono) (SARAIVA, 2003, p. 44).
O artigo 2° deste Código previa as hipóteses em que o menor encontrava-se em situação
irregular:
Para efeito deste Código, considera-se, em situação irregular, o menor: I – privado de
condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que
eventualmente, em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais; b) manifesta
impossibilidade dos pais ou responsável, para provê-las; II – vítima de maus-tratos ou
castigos imoderados, impostos pelos pais ou responsável; III – em perigo moral, devido
a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b)
exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV – privado de representação ou
assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V – com desvio de
conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI – autor de
infração penal.
No artigo 147 da Lei supramencionada estavam disciplinadas as medidas aplicadas às
crianças e adolescentes em situação irregular, todavia, estas tinham caráter retribuitivo com a
intenção de proteger o infante e integrá-lo na sociedade e na família. Estas medidas não eram
diferenciadas, isto é, eram aplicadas a todos os que se encontravam em situação irregular,
misturando-se infratores, abandonados, vitimizados, etc.
6
Pobreza extrema, incapacidade familiar, etc (Cf. LIBERATI, 2003, p. 68).
“Art. 14. São medidas aplicáveis ao menor pela autoridade judiciária: I – advertência; II – entrega aos pais ou
responsável, ou a pessoa idônea, mediante termo de responsabilidade; II – colocação em lar substituto; IV –
imposição do regime de liberdade assistida; V – colocação em casa de semiliberdade; VI – internação em
estabelecimento educacional, ocupacional, psicopedagógico, hospitalar, psiquiátrico ou outro adequado”.
7
30
Cabe ressaltar, que nesta norma já estava previsto a medida de institucionalização do
adolescente infrator de forma excepcional, devendo somente ser imposta pela autoridade
judiciária, mediante sentença e após o devido processo legal.
No Código de Menores, a internação era considerada como meio educativo e curativo.
Educativo em virtude do estabelecimento escolhido ter como finalidade proporcionar a educação,
a profissionalização e a cultura ao adolescente. Curativo, quando o objetivo era curar o infante de
um desvio de sua conduta, sendo esta originada de alguma patologia.
Este Código determinava que o autor de infração penal poderia ser internado em
estabelecimento adequado até que a autoridade judiciária, em despacho fundamentado
determinasse o seu desligamento da instituição. Na falta de estabelecimento adequado, a
internação do menor poderia ser feita, excepcionalmente, em seção de estabelecimento destinados
a maiores, desde que isolada destes e com instalações apropriadas, de modo a garantir absoluta
incomunicabilidade.
No caso do adolescente que completasse 21 anos de idade, sem que tenha sido declarada
a cessão da medida, a competência da jurisdição passaria ao Juízo incumbido das Execuções
Penais. Desta forma, o infante seria removido para estabelecimento adequado, até que o juízo da
Execução Penal julgasse extinta a sua medida. (Artigo 41)
Percebe-se que, o Código de Menores de 1979 não determinava o tempo máximo para
cumprimento da medida, todavia, a lei previa o reexame do caso a cada dois anos para verificar a
necessidade de manutenção da medida. Esta estava condicionada à recuperação do autor da
infração, que seria avaliada pelo Juiz e pelo Ministério Público.
Com o advento da Lei n° 7.209/848, este preceito foi modificado, estabelecendo que no
caso em que a medida de internação ainda não estivesse sido declarada cessada ao infrator com
21 anos de idade, não poderia encaminhar mais o mesmo ao Juízo de Execução Penal, devendo
ser colocado em liberdade. Para esta regra, havia uma exceção, que era para o caso de ele ser
considerado inimputável ou semi-imputável, de acordo com o artigo 269 do Código Penal. Neste
caso, ele ficaria sujeito as determinações do Juízo das Execuções Penais.
8
Lei que altera dispositivos do Decreto-lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e dá outras
providências.
9
Art. 26 – É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado,
era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se
de acordo com esse entendimento.
31
Enquanto no Brasil, em 1979, editava-se o Código de Menores, expressão máxima da
“Doutrina da Situação Irregular”, a ONU (Organização das Nações Unidas) estabelecia aquele,
como o Ano Internacional da Criança. Diante disto, foi proposta a elaboração de uma Convenção
sobre os Direitos da Criança, a qual calcada na Declaração de Genebra de 1924, na Declaração
dos Direitos Humanos de 1948 e na Declaração dos Direitos da Criança em 1954, foi promulgada
em 1989 (SARAIVA, 2003, p. 51).
Esta convenção consagrou a “Doutrina da Proteção Integral” que foi adotada pelo Brasil
através da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227. Até então, presidia no Brasil o velho
Código de Menores, com a “doutrina da situação irregular”. (Cf. SARAIVA, 2003, p. 53)
Os dispositivos constitucionais foram regulamentados posteriormente por ordenamento
especial, através da Lei n° 8.069/90 que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA,
legislação em vigência até os dias atuais.
O Estatuto estabeleceu as medidas protetivas aplicadas às crianças, bem como as sócioeducativas aplicadas aos adolescentes autores de ato infracional, disciplinando, ainda, sobre
apuração do ato infracional, de acordo com as garantias constitucionais.
A Lei n° 8.069/90, de 13 de julho de 1990, visava regulamentar o artigo 227 da
Constituição Federal de 1988, que em seu caput, com base na “Doutrina de Proteção Integral”,
reconheceu a criança e o adolescente como titulares de interesse juridicamente protegidos,
podendo se subordinar à família, à sociedade e ao Estado. (Cf. GARRIDO, 2002, p. 20).
A partir daí, fundamentado na Declaração dos Direitos da Criança, deu origem a
elaboração de uma nova lei, o Estatuto da Criança e do Adolescente. A Lei n° 8.069/90 – Estatuto
da Criança e do Adolescente – revogou o Código de Menores, que vigeu até 1989. A base do
Estatuto é a “Doutrina de Proteção Integral”, reflexo da Constituição Federal de 1988.
Desta forma, a proteção integral está prevista no artigo 1° da lei: “esta lei dispõe sobre a
proteção integral a crianças e adolescentes.” CURY, GARRIDO e MARÇURA, ao comentarem
sobre a proteção integral dizem que
a proteção integral tem como fundamento a concepção de que crianças e adolescentes
são sujeitos de direitos, frente à família, à sociedade e ao Estado. Rompe com a idéia de
que sejam simples objetos comuns a toda e qualquer pessoa, bem como de direitos
Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde
mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter
ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
32
especiais decorrentes da condição peculiar de pessoas em processo de desenvolvimento
(CURY, GARRIDO e MARÇURA, 2002, p. 21).
Assim, elevados a condição de sujeitos de direito, crianças e adolescentes receberam
inúmeros novos direitos, como também deveres, que passaram a garantir-lhes um tratamento
diferenciado daquele dado até então (MARTINS, 2003, p. 35).
A prioridade absoluta prevista no artigo 4° do Estatuto, entende que a criança e o
adolescente devem estar em primeiro lugar nas prioridades da família, da comunidade, da
sociedade em geral e principalmente, do Poder Público.
Primeiramente, em relação ao ato infracional, o Estatuto trouxe a responsabilização do
adolescente pelas normas estatutárias, distinguindo em seu artigo 2°, a criança como sendo “a
pessoa até doze anos de idade incompletos” e adolescente “aquela entre doze e dezoito anos”, no
entanto, definiu a aplicação excepcional da norma às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de
idade, como no caso da internação, estabelecendo a liberação compulsória.
Em relação à conduta ilícita, o artigo 103 do Estatuto considera ato infracional a conduta
descrita como crime ou contravenção penal. Assim, mesmo diante da prática de ato infracional, o
Estatuto traz a responsabilização do adolescente pelo ato praticado, através da aplicação das
“medidas sócio -educativas”, tendo em vista a inimputabilidade dos menores de 18 anos, de
acordo com o que preceitua o artigo 104 do Estatuto, artigo 228 da Constituição Federal e artigo
26 do Código Penal, podendo apenas ser responsabilizado pelas normas estatutárias.
Desta forma, diante de um ato infracional, por ser o adolescente inimputável, as medidas
aplicadas ao mesmo são aquelas previstas no artigo 112 do Estatuto, cuja competência para
aplicação é exclusiva do Juiz, mediante representação do Ministério Público.
No caso de ato infracional praticado por criança serão aplicadas medidas de natureza
protetiva, previstas no artigo 101 do Estatuto, que são as seguintes: encaminhamento aos pais ou
responsável, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento
temporário; matrícula e freqüência obrigatória em estabelecimento de ensino fundamental;
inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, a criança e ao adolescente;
requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou
ambulatorial; inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a
alcoólatras e toxicômanos; abrigo em entidade; colocação em família substituta.
33
Essas medidas serão aplicadas pelo Conselho Tutelar (artigo 136, inciso I) e no caso de
colocação em família substituta, pela autoridade judiciária (artigo 148, inciso III e parágrafo
único, alínea “a”).
Nesta trilha, as crianças não são imunes da autoria de ato infracional, apenas não serão
responsabilizadas pela infração, conforme pondera LIBERATI:
É compreensível, nos dias de hoje, que a criança possa, perfeitamente, praticar um ato
infracional, inclusive utilizando-se de armas de fogo ou outros meios tecnológicos.
Mesmo nessas circunstâncias, é vedado conduzi-la à delegacia de polícia. A função da
autoridade policial, nesse caso, resume-se em apurar o fato criminoso e encaminhar os
documentos ao Conselho Tutelar ou à autoridade judiciária. A arma utilizada e o
produto do crime serão encaminhados à autoridade judiciária ou ao departamento de
segurança pública, para depósito. Todavia, em hipótese alguma, a criança poderá ser
conduzida à autoridade policial ou permanecer no recinto da delegacia de polícia ou ser
submetida a situações de enfrentamento com vítimas e testemunhas. (LIBERATI, 2003,
p. 97).
Disto deflui que, ao cometer um ato infracional, a criança não poderá ser conduzida à
delegacia, devendo ser encaminhada ao Conselho Tutelar que aplicará a medida de proteção
adequada, devendo a execução da medida ser acompanhada pelo Juiz da infância e juventude.
No entanto, com relação ao adolescente infrator, o artigo 112 do ECA determina que a
autoridade competente poderá aplicar as seguintes medidas: advertência; obrigação de reparar o
dano; prestação de serviço à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de
semiliberdade; internação em estabelecimento educacional; e outras medidas aplicadas às
crianças como protetivas10. Quando a medida protetiva é aplicada ao adolescente em conflito com
a lei, não visa a responsabilização do mesmo, conforme assinalaram VERONESE, PALMA
SOUZA e MIOTO:
As medidas de proteção não servem para responsabilizar o adolescente por seus atos,
mesmo se aplicadas ao fim da apuração de um ato infracional. Elas não trazem ônus ao
adolescente, algo que ele faça ou a quem se submeta para ser educado. Estão entre as
medidas sócio-educativas para que o Juiz possa, na sentença ou na remissão, subtrair o
adolescente do meio em que supostamente se “corrompeu”. (VERONESE, PALMA
SOUZA, MIOTO, 2001, p. 50)
10
Encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e
acompanhamento temporário; matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de estudo fundamental;
inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; requisição de
tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; e inclusão em programa
oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos.
34
Tem-se, entretanto, que a medida sócio-educativa aplicada ao adolescente autor de ilícito
penal, traz uma responsabilização ao mesmo pelo ato praticado, caracterizando assim, uma pena
imposta a ele, ao contrário da medida protetiva aplicada à criança, também autora de ato
infracional.
No dizer de REALE, “a pena constitui uma privação de direito s cominada pela lei penal
e aplicada pelo juiz ao condenado, que a ela deve-se submeter” (REALE JÚNIOR, 2002, p. 43).
No tocante a medida sócio-educativa, esta sanção estatutária tem uma carga retributiva,
constituindo um elemento pedagógico imprescindível para a “recuperação” do adolescente em
conflito com a lei (SARAIVA, 2003, p. 76).
No entanto, a diferença básica entre o sistema penal e o sócio-educativo é a
competência jurisdicional e neste último, ao contrário do Sistema Penal, não há uma delimitação
legal da medida correspondente ao fato praticado, ou seja, não há uma prévia correlação entre o
fato e a pena ou medida, o que fica a cargo do Juiz, de acordo com critérios um pouco mais
flexíveis, estabelecidos na Lei específica (ECA). (Cf. VIANNA, 2004, p. 331).
Desta forma, observa-se claramente a ligação da medida sócio-educativa, com o sistema
penal, tendo em vista até a natureza retribuitiva da medida, que para o Sistema Penal, conforme
análise no primeiro capítulo, a pena consiste em um castigo a quem cometeu um ilícito penal. A
norma infanto-juvenil estabelece a aplicação das medidas, aos adolescentes autores de ato
infracional, examinadas a seguir.
2.2 MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS
Verificada a prática de ato infracional poderão ser aplicadas aos adolescentes as
seguintes medidas: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviço à comunidade;
liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento
educacional, ou qualquer outra medida de proteção prevista no artigo 101, com exceção do abrigo
em entidade e colocação em família substituta (art. 112 do ECA). Compete à autoridade
judiciária a aplicação dessas medidas, após representação do Órgão Ministerial, garantindo ao
35
adolescente os princípios contemplados pela Constituição, depois da apuração da infração através
do devido processo legal.
A advertência, primeira das medidas prevista no artigo 11511, é a mais branda das
medidas sócio-educativas. É aplicada para adolescentes que cometem ato infracional
considerados leves desde, que não tenham histórico criminal.
Ela consiste na admoestação verbal, reduzida a termo e assinada, onde estarão presentes
a autoridade judiciária, o representante do Ministério Público, o adolescente e seu pai ou
responsável.
Desta forma, o artigo 114, parágrafo único, preceitua que “a advertência poderá ser
aplicada sempre que houver prova da materialidade e indícios suficientes da autoria”. Atenta -se
que, para aplicação das demais medidas, é necessário à existência de provas suficientes da autoria
e materialidade, conforme estabelece o caput do mesmo artigo.
A medida de obrigação de reparar o dano veio estabelecida no artigo 11612 do Estatuto.
No dizer de LEAL, “de conteúdo punitivo e pedagógico, a medida, substituível por outra
adequada se manifestamente impossível, pode ser aplicada pela autoridade quando o ato
infracional tiver reflexos patrimoniais. O adolescente poderá ser obrigado, se for o caso, a
restituir a coisa, promover o ressarcimento do dano ou, de outro modo, compensar o prejuízo da
vítima”. (LEAL, 2001, p. 193)
A esse respeito, ressaltar-se que o artigo 3° do novo Código Civil, estabelece a
incapacidade dos menores de 16 anos de idade para responderem pelos atos da vida civil. Assim,
caberia aos pais ou responsáveis a reparação do dano.
Disto deflui, que se o infrator for maior de 16 anos de idade e menor de 18 de idade,
responde solidariamente com os pais ou responsáveis, de acordo com o artigo 4° do Código Civil,
em relação ao ressarcimento dos danos causados, em virtude da prática de atos ilícitos.
Razão assiste, portanto, a LIBERATI, quando assinala que o Estatuto da Criança e do
Adolescente, ao fixar a idade de 12 anos para o início da responsabilidade do adolescente pelos
atos ilícitos que praticar e suas conseqüências, interfere na extensão do artigo 3° do novo Código
11
Art. 115. A advertência consistirá em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada.
Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o
caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo
da vítima.
Parágrafo único. Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra adequada.
12
36
Civil. Se a intenção do Estatuto era promover a responsabilização do adolescente infrator pelos
danos que causou a terceiro, obrigando-o a reparar o dano como medida sócio-educativa, com
seus próprios recursos, essa determinação ou fere o dispositivo acima ou revoga-o, pois pelos
atos que praticar e pelas conseqüências geradas por eles, o adolescente de 12 anos já é
responsável (LIBERATI, 2003, p. 105).
O citado autor continua ainda, dizendo que
tendo natureza sancionatório-punitiva, mas com conteúdo educativo, a medida sócioeducativa de reparação do dano visa impor ao adolescente infrator uma conduta pessoal
e intransferível, que deve ser, se possível, cumprida exclusivamente por ele. O próprio
Estatuto sugere, no parágrafo único do art. 116, a alternativa de cumprimento da
medida, quando houver manifesta impossibilidade de ser cumprida; a própria lei
autoriza sua substituição. O Estatuto foi firme neste aspecto, para expressar que o
objetivo da medida é a retribuição pessoal, de caráter punitivo e, ao mesmo tempo,
educativo ao adolescente que praticou um ilícito penal. (LIBERATI, 2003, p. 105-106)
Daí decorre que, não sendo possível o próprio adolescente reparar o dano, a medida
deverá ser substituída por outra que se mostrar mais adequada. Percebe-se aí, a natureza
sancionatória-punitiva das medidas, uma vez que busca conscientizar o infrator da ilicitude de
seu ato através de uma sanção-punição.
A prestação de serviço à comunidade, estabelecida no artigo 117 do Estatuto, consiste
“na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente à seis meses,
junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem
como em programas comunitários e governamentais. As tarefas serão atribuídas conforme as
aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais,
aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a freqüência à
escola ou a jornada normal de trabalho.”
Novamente, nota-se o caráter punitivo da medida, uma vez que impõe obrigações ao
infrator, que para LIBERATI
tendo natureza sancionatório-punitiva e, também, com grande apelo comunitário e
educativo, a medida sócio-educativa de prestação de serviços à comunidade constitui
medida de excelência tanto para o jovem infrator quanto para a comunidade. Esta
poderá responsabilizar-se pelo desenvolvimento integral do adolescente. Ao jovem
valerá como experiência de vida comunitária, de aprendizado de valores e
compromissos sociais (LIBERATI, 2003, pp. 107/108).
37
No entanto, a medida deve ser aplicada com a anuência do adolescente, pois caso
contrário constituirá trabalho forçado, o que é proibido. O objetivo da medida é desenvolver a
cidadania do infrator através da realização de trabalho na comunidade.
A execução desta medida será acompanhada através de relatório periódico da entidade
beneficiada, pela autoridade judiciária, levando-se em consideração a capacidade do adolescente
para cumprir as mesmas (Cf. VERONESE, QUANT, OLIVEIRA, 2001, p. 60).
A medida de liberdade assistida vem determinada no artigo 118 do ECA. No dizer de
LEAL, essa medida é “de grande valor educativo e preventivo, sua aplicação é sugerida a
reincidentes, a habituais em atos delituosos, e deve ser fixada pelo prazo máximo de seis meses,
sujeita a sofrer prorrogação e substituída por outra medida” (LEAL, 2001, p. 194).
Essa Medida conserva a característica de restrição de liberdade, no sentido em que
impõe condições ao estilo de vida do adolescente, redimensionando suas atividades, os seus
valores e sua convivência familiar (VIANNA, 2004, p. 385).
Para a execução da medida, o Juiz designará um orientador, que deverá acompanhar o
adolescente cabendo os encargos previsto no artigo 119 do Estatuto. A liberdade assistida poderá
ser desenvolvida por grupos comunitários, com orientadores designados pela comunidade, porém
o orientador deverá preencher os mesmos requisitos do artigo 119. Essa modalidade de execução
da medida de liberdade assistida é conhecida por LAC – Liberdade Assistida Comunitária (Cf.
LIBERATI, 2003, p. 111).
Disciplinada no artigo 120 do Estatuto, a medida de semiliberdade pode ser aplicada
desde o início, depois da apuração do ato infracional, observado o devido processo legal ou
poderá ser aplicada como forma de “progressão” do regime de internação para o de
semiliberdade.
São obrigatórias a escolarização e a profissionalização, devendo sempre que possível,
ser utilizados recursos existentes na comunidade (art. 120, § 1°). A medida não tem prazo
determinado, autorizando a lei que se apliquem, no que couber, as disposições referente a
internação, ou seja, a reavaliação periódica, o prazo máximo de três anos, a liberação
compulsória aos 21 anos de idade.
O regime de semiliberdade consiste na privação parcial da liberdade do adolescente,
uma vez que eles exercem atividades externas durante o dia (trabalho/ escola) recolhendo-se à
noite para uma entidade de atendimento. Sustenta LIBERATI que:
38
A privação parcial da liberdade do adolescente infrator decorre do objetivo da medida
em estudo: sua função é punir o adolescente que praticou um ato infracional. É verdade,
porém, que todas as medidas sócio-educativas – incluindo a inserção em regime de
semiliberdade – têm natureza sancionatório-punitiva, com verdadeiro sintoma de
retribuição ao ato praticado, executada com finalidade pedagógica. (LIBERATI, 2003,
p. 112)
Consiste, pois, numa medida restritiva de liberdade que visa a punição do adolescente,
mostrando-se novamente a natureza sancionatório-punitivo, assim, como as demais medidas
previstas na norma estatutária.
No momento em que o adolescente for recolhido à entidade de atendimento, os
orientadores o acompanharão, informando ao Juiz a evolução da medida e as dificuldades durante
a execução, a fim de que a autoridade judiciária avalie a necessidade da continuação da medida e
a eficácia da mesma.
A última medida prevista no Estatuto, a medida de internação, preceituada nos artigos
121 e seguintes, consiste numa medida privativa de liberdade, aplicada pelo Juiz em decisão
fundamentada, devendo respeitar três princípios básicos:
1 – brevidade - sem tempo determinado, sua manutenção é reavaliada no máximo a cada
seis meses e jamais excederá a três anos.
2 – excepcionalidade – a internação utilizada em última hipótese, se forem inviáveis as
demais medidas. Admite-se somente em três hipóteses: ato infracional cometido mediante grave
ameaça ou violência à pessoa; reiteração no cometimento de outras infrações graves;
descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. Alcançado o limite
máximo de três anos, deverá o adolescente ser liberado, posto em regime de semiliberdade ou de
liberdade assistida, sendo compulsória sua liberação aos 21 anos de idade.
3 – respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento – ao Estado compete
zelar por sua integridade física e moral, para isso adotando medidas apropriadas de contenção e
segurança13 (Cf. LEAL, 2001, pp. 195/196).
Essa medida não pode ultrapassar o prazo de três anos por ato infracional, devendo ser
reavaliada a cada seis meses. Ao completar 21 anos de idade, o adolescente será liberado
compulsoriamente. Deve ser aplicada a casos específicos, como crimes contra a pessoa,
reincidência e descumprimento da medida anterior (Cf. VIANNA, 2004, p. 386).
13
Esse princípio não é característica da medida de internação, mais sim de todo o Estatuto.
39
Como já mencionado, para a aplicação de qualquer das medidas sócio-educativas é
necessária a apuração do ato infracional, devendo existir prova da materialidade e indícios
suficientes da autoria para a aplicação da medida de advertência e provas suficientes da autoria e
materialidade para a aplicação das demais. O procedimento para a apuração do ato infracional,
que é de natureza processual penal, será estudado no item abaixo.
2.3 A APURAÇÃO DO ATO INFRACIONAL
O Estatuto da Criança e do Adolescente não estabeleceu o procedimento específico para
a apuração do ato infracional cometido por crianças. Disse apenas, que a criança autora de ato
infracional será aplicada medidas protetivas, prevista no artigo 101, que são as mesmas medidas
aplicadas para crianças não infratoras (Cf. VIANNA, 2004, pp. 363/364).
A competência para aplicação dessas medidas é do Conselho Tutelar (art. 136, inc. I),
porém, a execução da medida pode ser acompanhada pelo Juiz da infância e juventude. As
medidas aplicadas pelo Conselho Tutelar tem natureza administrativa, podendo ser revistas
judicialmente, no entanto a execução é judicial, não podendo, no entanto, a criança ser transferida
de abrigo sem autorização judicial (Cf. VIANNA, 2004, p. 364).
Destarte, com relação à apuração do ato infracional atribuído a adolescente, o Estatuto
trouxe um procedimento baseado nos princípios constitucionais do contraditório e da ampla
defesa, dentre outros assegurados no artigo 5° da Carta Política de 1988.
Como já referido anteriormente, o Estatuto tratou apenas da forma de apuração do ato
infracional atribuído ao adolescente. No que se refere à criança, a competência é do Conselho
Tutelar e na falta deste, da autoridade judiciária (LEAL, 2001, p. 196). Em relação ao
adolescente, na justiça da infância e juventude foram introduzidos o contraditório e a ampla
defesa, fazendo com que o adolescente seja considerado sujeito de direito, em vez de objeto de
apuração do Estado. Ele tem todos os direitos e prerrogativas inerentes a esta condição: defesa
técnica, inquirição de testemunhas, alegações finais, etc (Cf. VIANNA, 2004, p. 366)
As medidas sócio-educativas são destinadas a adolescentes em conflito com a lei, depois
de apurado o ato infracional, ouvido o Ministério Público, será aplicada pelo Juiz, a medida mais
40
adequada, que vise a ressocialização e a reintegração do adolescente. Porém, não se pode negar o
seu caráter punitivo.
Nesta trilha, ressalta VIANNA:
Incorporando a compreensão de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e
em condições peculiares de desenvolvimento, o Estatuto da Criança e do Adolescente,
no que diz respeito ao adolescente em conflito com a lei, traz um conjunto de princípios
por meio dos quais todo o Sistema de Garantia de Direitos deverá desenvolver ações de
ressocialização, de aplicar-lhe medidas sócio-educativas como forma em primeiro lugar
de não deixar impune o ato praticado e ao mesmo tempo entendê-lo diferentemente de
um adulto criminoso. Aliás, as medidas socioeducativas têm caráter punitivo, como
inclusive afirma o Ministro Ficher do STJ, no Hábeas-Corpus 2.642 (RESP 241477-SP)
absorvendo o escólio do Desembargador Amaral e Silva, de Santa Catarina: “a medida
socioeducativa já se disse tem seu aspecto de pena. Queira-se ou não denominá-la
assim; trata-se de uma solução, uma ordem imposta ao adolescente”. (VIANNA, 2004,
p. 328)
Dessa forma, para ser aplicada a medida sócio-educativa será observado todo o
procedimento legal, frisando-se novamente, que este é de natureza processual penal. Para
VIANNA, a estrutura básica para apuração do ato infracional estabelece três fases: a policial
(arts. 172/178), a fase de apresentação ao Ministério Público (arts. 179/182) e a fase judicial (arts.
183/190) (Cf. VIANNA, 2004, p. 366).
Em relação à fase policial, o adolescente só poderá ser privado de sua liberdade se for
preso em flagrante14, por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente ou
ainda, não se tratando de delito grave, se um dos pais ou responsáveis não comparecer à
delegacia. Se ele for preso por ordem do juiz, o período máximo de internação é de 45 dias.
No caso da prisão flagrancial, o adolescente será conduzido à autoridade policial,
devendo ser mantido em lugar separado daquele destinado a maiores, pelo prazo máximo de 24
horas. Se o ato infracional é cometido mediante grave ameaça à pessoa (ex: roubo, estupro), a
autoridade policial deverá lavar o auto de apreensão (ouvindo as testemunhas e o adolescente),
apreender os produtos e instrumentos da infração, requisitar os exames de perícias necessárias à
comprovação da materialidade e autoria da infração. Tratando-se de ato infracional de menor
gravidade15, o boletim de ocorrência circunstanciado poderá substituir a lavratura do auto (Cf.
LEAL, 2001, p. 197).
14
15
A prisão em flagrante vem disciplinada nos artigos 301 e seguintes do Código de Processo Penal.
O ato infracional considerado grave é aquele que na lei penal é punível com pena de reclusão.
41
Não sendo o ato infracional considerado grave e comparecer os pais ou responsáveis, o
adolescente deverá ser liberado provisoriamente, mediante termo de compromisso e
responsabilidade de apresentação ao representante do Ministério Público, no mesmo dia ou sendo
impossível, no primeiro dia imediato (VIANNA, 2004, pp. 367/368).
Permanecendo internado, a autoridade policial deverá encaminhá-lo ao representante do
Ministério Público, juntamente com a cópia do auto de apreensão ou boletim de ocorrência. Não
sendo possível a imediata apresentação do adolescente ao Órgão Ministerial, a autoridade policial
o encaminhará à entidade de atendimento16, sendo vedado a sua condução nos chamados
“camburões”, devendo o diretor da instituição apresentá -lo ao Parquet em 24 horas (Cf. LEAL,
2001, p. 198).
Não tendo sido o adolescente flagranciado na prática de ato infracional, a autoridade
policial fará chegar as mãos do representante do Ministério Público, o relatório das investigações
e os demais documentos (LEAL, 2001, p. 198).
Pondera VIANNA, que a apreensão por ordem escrita e fundamentada da autoridade
judiciária competente, pode ser de quatro espécies:
1 - internação provisória – está internação ocorre antes da sentença, com prazo máximo
de 45 dias, que é o tempo previsto para o término do procedimento. Para essa internação, além do
fumus boni iuris e periculum in mora17, é necessário que estejam presentes os demais requisitos
para a internação imposta pela sentença a ser proferida no final do procedimento;
2 - busca e apreensão do adolescente – quando este não for localizado para
comparecimento à audiência de apresentação;
3 - na condução coercitiva do adolescente – quando devidamente certificado e
notificado, não comparecer injustificadamente à audiência de apresentação; e,
4 - pela sentença – quando da aplicação da medida sócio-educativa (Cf. VIANNA, 2004,
pp. 370/371).
Na fase de apresentação do adolescente ao Ministério Público, o Promotor de Justiça
procederá imediatamente a oitiva do adolescente e se possível, de seus pais ou responsáveis,
vítimas e testemunhas. À vista do auto de apreensão, boletim de ocorrência ou relatório policial e
16
Não havendo entidade de atendimento a apresentação será feita pela própria autoridade policial, devendo os
adolescentes ficarem em lugar separado dos destinados a adultos.
17
Requisitos necessários para a medida cautelar.
42
com informações sobre os antecedentes do adolescente, o representante do Órgão Ministerial18
poderá promover o arquivamento dos autos, conceder a remissão ou ainda, representar à
autoridade judiciária para a aplicação da medida sócio-educativa (Cf. LEAL, 2001, pp. 198/199).
Com efeito, nem sempre diante de um ato infracional será aplicada a “medida sócio educativa”, tendo em vista qu e o artigo 126 e seguintes do Estatuto traz a possibilidade da
remissão, levando em consideração a gravidade da infração, ou seja, a exclusão, suspensão ou
extinção do processo sem exame do mérito, podendo esse perdão, ser concedido pelo Ministério
Público, acompanhado ou não da medida sócio-educativa, que não impliquem em restrição à
liberdade. (Cf. CURY, GARRIDO e MARÇURA, 2002, p. 117-118). Colhe-se da Jurisprudência:
ECA - Lei n° 8.069/90 – Instituto da remissão – Será concedida a remissão pelo
representante do Ministério público, como forma de exclusão do processo, antes da
instauração do procedimento judicial, desde que sopesadas as circunstancias e
conseqüências dos fatos, o contexto social em que vive o menor, a personalidade e a
maior ou menor participação no ato infracional – Inteligência do art. 126, do ECA – Tal
decisão deve ser submetida à homologação da autoridade judiciária que, discordando,
conforme estabelecido no art. 181, § 2°, do Estatuto, deverá fazer a remessa ao
Procurador-Geral de Justiça para que tome as medidas cabíveis – Se iniciado o
procedimento judicial, a remissão também poderá ser concedida pelo magistrado, como
forma de suspensão ou extinção do processo, ouvido previamente o representante do
MP (arts. 188 e 186, § 1°, do ECA). Deverá, na presente hipótese, ser observado pela
autoridade judiciária se o procedimento já atendeu a finalidade da lei, a reeducação do
menor – Remissão que, in casu, revelou-se como medida mais apropriada - Recurso
desprovido. (Apelação Criminal n° 98.007105-4 – Timbó – acórdão ago/98)
A remissão poderá ser concedida antes da instauração do processo judicial, pelo
Promotor de Justiça, devendo ser homologada pela autoridade judiciária, se esta assim entender
como procedimento mais indicado. Também poderá ser concedida pelo Juiz, depois de ouvido o
representante do Ministério Público, em qualquer momento do processo, antes da sentença.
O arquivamento será realizado quando inexistir o fato, não constituir ele ato infracional
ou não for o adolescente seu autor. No caso da remissão, será concedida como forma de exclusão
do processo, ou seja, não pode aplicar a medida. O que a lei permite é que a inclua como
condição do não-processar, como contrapartida da disponibilidade da ação sócio-educativa,
exceto em regime de semiliberdade e de internação (art.127 do ECA). Quando o representante do
Ministério Público inclui medida como condição para a disposição da ação sócio-educativa, não
está aplicando qualquer sanção. (Cf. CURY, GARRIDO e MARÇURA, 2002, pp.179/180)
18
O procedimento de apuração de ato infracional é sempre de iniciativa do Ministério Público
43
O arquivamento ou a remissão será homologado pelo Juiz, que caso não entenda
conveniente, remeterá ao Procurador-Geral de Justiça, que se entender que o procedimento
adotado (arquivamento ou remissão) não foi o adequado, oferecerá representação ou designará
outro membro do Ministério Público para fazê-lo.
No momento da remissão, quando esta é concedida na apresentação ao Promotor de
Justiça, pode-se observar que não é garantido ao adolescente a presença de seu defensor. Leciona
VIANNA, que a “ausência do me smo, no ato da apresentação do adolescente ao MP, retirar-lhe-á
na prática, com certeza, o seu direito de questionar a erronia ou injustiça da medida aplicada por
força de remissão” (VIANNA, 2004, p. 372).
Caso o procedimento não seja arquivado ou não seja concedida a remissão, o
representante do Ministério Público oferecerá a representação à autoridade judiciária, através do
qual inicia-se a ação sócio-educativa19.
A representação ministerial, independe de prova pré-constituída da autoria e
materialidade, proporá a instauração de procedimento para a aplicação da medida sócio-educativa
mais conveniente para o caso e será oferecida por petição, com breve resumo dos fatos e da
classificação do ato infracional e rol de testemunha. Na representação não será especificada a
medida sócio-educativa que será aplicada (Cf. LEAL, 2001, p. 199).
Após o recebimento da representação, o Juiz designará a audiência para apresentação do
adolescente, decidindo sobre a decretação ou manutenção da internação provisória, que como já
foi salientado, não pode exceder 45 dias, prazo máximo e improrrogável que se admite, nesse
caso, a conclusão do procedimento (Cf. LEAL, 2001, p. 200).
Na audiência em continuação, depois de ouvidas as testemunhas arroladas na
representação e na defesa prévia, será dada a palavra ao representante do MP e ao defensor e em
seguida, será proferida a decisão. Ficando provado a autoria, materialidade e se o fato constitui
ato infracional, será aplicada a medida sócio-educativa (Cf. LEAL, 2001, p. 202).
No entanto, se houver irresignação, quer por parte do Órgão Ministerial, quer por parte
do adolescente e de seu defensor, cabe recurso de apelação (art. 198 do ECA), sendo que o
19
Entende VIANNA, que apesar de não constar de forma explicita, o reconhecimento da existência de causas
justificantes que excluam o ato infracional – legitima defesa, estado de necessidade ou qualquer outra que isente a
pena, conforme consta no art. 386, V do CPP – também impede a cominação de medida sócio educativa, porém,
nada impede que a autoridade judiciária aplique uma das medidas especificas de proteção (art. 101), se vislumbrar a
existência de algumas das hipóteses previstas no art. 98 da mesma lei (VIANNA, 2004, p. 375).
44
sistema recursal adotado, mesmo para as decisões proferidas em sede infracional (ou criminal) no
ECA é o do Código de Processo Civil (Cf. VIANNA, 2004, pp. 373/374).
Neste momento, encerra-se a fase de apuração do ato infracional, dando início a
execução da medida sócio-educativa, com as mesmas características das penas previstas na
legislação penal, inclusive com as mesmas tipicidades do processo de criminalização
(seletividade, estigmatização e etiquetamento) aplicados aos imputáveis, assim considerados pela
Constituição Federal e também pelo Código Penal.
Após o estudo da operacionalização do sistema penal, suas funções declaradas e as
funções reais, bem como da análise dos documentos de proteção as crianças e adolescentes,
chegou-se ao estudo da doutrina da proteção integral consagrada pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente.
O Estatuto trouxe as medidas aplicadas aos adolescentes autores de ato infracional, uma
vez que as crianças não são responsabilizadas pelo ilícito cometido, determinando o
procedimento para apuração do ato, através do devido processo legal.
Concluiu-se que a medida de internação é a mais grave das medidas. Assim sendo, será
analisada no próximo capítulo a atuação do sistema penal nas medidas sócio-educativas, em
especial a internação, por causar conseqüências mais drásticas aos adolescentes em peculiar
condição de desenvolvimento.
45
3 MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS: ESTÍMULO VELADO À CARREIRA CRIMINAL
Esse capítulo visa mostrar a trajetória da infância desassistida sendo, o Estado como
principal responsável por esta trajetória de adolescentes institucionalizados, que desembocam
numa permanente reincidência institucional, passando o mundo do crime e indo dos
estabelecimentos de institucionalização à prisão (Cf. MARTINS, 2003, p. 38).
Conforme abordado no primeiro capítulo, o processo de criminalização é realizado no
momento da criação da norma, definindo aquelas condutas que caracterizarão o delito na
aplicação da pena correspondente ao crime e posteriormente, na execução da pena.
No entanto, o Sistema Penal não cumpre as suas funções declaradas, ocasionando a
seletividade, a estigmatização e o etiquetamento, também características da medida sócioeducativa, uma vez que a sanção estatutária tem uma grande ligação com àquela prevista na
legislação penal.
De acordo com o preceituado no Estatuto da Criança e do Adolescente, o ato infracional
é a conduta que para o Direito Penal constitui crime ou contravenção penal. Adolescente infrator
é aquela pessoa entre 12 e 18 anos de idade que comete um ato infracional.
Para SANTOS, a qualidade de infrator não constitui característica de adolescentes
específicos, mas rótulos atribuídos pelo sistema de controle social a determinados adolescentes.
Sustenta ainda, que a seleção desigual de adolescentes no processo de criminalização pode ser
explicada pela ação psíquica de esterótipos, preconceitos e outras formas de reações pessoais dos
agentes de controle social. A prisionalização do adolescente rotulado como infrator produz
reincidência e no curso do tempo, carreiras criminosas (SANTOS, 2002, p. 120). Esta carreira
será analisada a seguir.
46
3.1 A NÃO RESSOCIALIZAÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE INFRATOR
A política de proteção integral trazida pelo Estatuto responsabilizou, entre outros, o
Estado, no atendimento à crianças e aos adolescentes, com absoluta prioridade, através das
políticas para defesa de seus direitos. Ao Estado, com poder para legislar e aplicar o Direito, não
lhe cabe deixar de atuar, devendo punir, em síntese, aquele que transgride a norma.
Para REALE JÚNIOR, “o poder -dever de punir apresenta-se em três momentos: na
edição da norma penal incriminadora, na aplicação da norma por meio do processo e na execução
da pena concretizada na sentença condenatória” (REALE JÚNIOR, 2002, pp. 15/16).
Com relação ao direito infanto-juvenil, este processo se apresenta da mesma forma: na
criação da lei específica, no processo para apuração do ato infracional e na execução da medida
sócio-educativa depois da sentença que atribuiu a autoria do ato infracional a um adolescente.
Observa-se assim, que as diferenças entre o sistema penal e o sócio-educativo são muito
pequenas, sendo a diferença básica, como já foi explanado, que no direito infanto-juvenil não
existe uma correlação entre o delito (ou ato infracional) e a pena aplicada (ou medida sócioeducativa), ficando esta, a cargo do Juiz.
VIANNA assinala que “a aplicação da medida sócio -educativa na forma prevista, sem
dúvida é um eficaz instrumento de responsabilização dos adolescentes em conflito com a lei e
todos que o cercam” (VIANNA, 2004, p. 331). Porém, destaca que “o sistema sóc io educativo
precisa ser funcional, eficiente e capaz de ressocializar. As medidas têm que ter um alto
percentual de eficiência, uma vez que não sendo eficiente, será inútil sua aplicação” (VIANNA,
2004, p. 335).
Assim, VIANNA conclui:
A responsabilização e ressocialização das crianças e dos adolescentes infratores, é nesse
sentido, não um direito dos adultos e do Estado, mas um dever. Um dever em relação
aos próprios infratores. Como dever, está limitado pelo direito da criança e do
adolescente ao pleno desenvolvimento da sua personalidade. Assim, a
responsabilização legal se torna um dever do Estado de buscar, por intermédio da
aplicação da lei, possibilitar à criança o desenvolvimento de um superego capaz de
reprimir os impulsos de destruição e inseri-la num convívio pacífico. É a possibilidade
que o Estado e os adultos têm de suprir o corrigir suas próprias falhas e omissões que
impedem um adequado desenvolvimento da personalidade da criança e do adolescente,
levando-o a cometer atos infracionais. Portanto, não parecer haver outra forma
conseqüente de controle da violência e do envolvimento de jovens com o crime, que
47
não o modelo da proteção integral, que agrega educação e responsabilidade, conforme
estabelecido pelo ECA (VIANNA, 2004, p. 336).
Conforme estudado anteriormente, a responsabilização do agente surge quando este tem
capacidade de entender o caráter antijurídico de sua conduta. Assim, o Código Penal prevê que os
menores de 18 anos de idade não serão responsabilizados penalmente, porém os adolescentes
serão responsabilizados estatutariamente.
Neste contexto, quanto à responsabilização da criança e do adolescente, observa-se que
no que se refere à criança (até 12 anos de idade), o Estatuto não os responsabiliza pelo ato
cometido, pois as medidas aplicadas são mais flexíveis que àquelas aplicadas aos adolescentes.
Pode-se dizer, portanto, que os adolescentes são sim responsabilizados pelos ilícitos cometidos,
através da apuração do ato infracional, com o devido processo legal e posteriormente com a
aplicação da medida sócio-educativa, visando à retribuição, à prevenção e à reeducação do
adolescente.
Esta é a linha de VIANNA, como se transcreve infra:
Destarte, a imputabilidade infracional, que começa aos doze anos sujeita-se a uma
finalidade retribuitiva (pois impõe um mal – privação de um bem jurídico), preventiva
(porque visa evitar a prática de crimes, seja intimidando a todos pelo exemplo, seja
privando da liberdade o autor obstando a reincidência) e reeducativa – aqui o principal
aspecto diferenciador das penas criminais, pois interferem no processo de
desenvolvimento objetivando melhor compreensão da realidade e efetiva integração
social (VIANNA, 2004, 340).
A retribuição, conforme análise no primeiro capítulo, é um castigo para quem cometeu
uma infração penal. A prevenção é o meio pelo qual o sistema penal se utiliza para prevenir
novas condutas delitivas e a reeducação, objetiva a integração social do adolescente que cumpre
medida sócio-educativa.
No entanto, as medidas sócio-educativas, pouco contribuem para a finalidade de sócioeducar. As medidas não privativas de liberdade, como a advertência, a reparação do dano, a
prestação de serviço à comunidade, a liberdade assistida, mostram pouco eficiência em virtude da
falta de condições para a execução das mesmas, como por exemplo, orientadores despreparados.
As privativas de liberdade também apresentam pouco potencial ressocializador ou educador,
tendo em vista a atuação do sistema repressor, a precariedade das instituições, super lotação, etc.
Neste prisma, SANTOS pondera:
48
As medidas privativas de liberdade (arts. 120 e 121), podem ser qualquer coisa menos
sócio-educativas: a medida de semiliberdade seria um mal menor, ou, pelo menos,
evitaria o mal maior, mas não é aplicada porque não existem entidades suficientes e as
entidades não têm vagas ou são distantes da família, do trabalho e da escola (...) –
mesmo assim, a semiliberdade deve ser aplicada, porque é melhor do que a privação de
liberdade, e o poder público que crie as entidades e as vagas necessárias; por último, a
medida de internação representa a instituição da prisão para a juventude por força da
qual milhares de adolescentes entre 12 e 18 anos (podendo ir até 21) são encerrados em
instituições totais até 3 anos, com todas as conseqüências das prisionalizações das
penitenciárias comuns (SANTOS, 2002, p. 121).
Desta forma, as medidas sócio-educativas aplicadas aos adolescentes autores de ato
infracional tem pouca eficácia para prevenção de novos delitos. A falta de investimento do
Estado é um dos motivos para que a medida não atinja os fins desejados. Nota-se claramente, no
caso da internação, as condições precárias das poucos instituições destinadas ao internamento de
adolescentes.
Para a institucionalização do adolescente, o Estado de Santa Catarina conta com três
Centros Educacionais, entre eles o Centro Educacional São Lucas, localizado na BR 101, Km
202, Barreiros, São José/SC. O Centro tem capacidade para 46 adolescentes do sexo masculino e
8 do sexo feminino (Cf. VIEIRA, 1999, p. 75).
Em pesquisa realizada pelo Ministério Público sobre o perfil do adolescente infrator no
Estado, constatou-se que a maioria dos adolescentes infratores perseguidos para a apuração dos
atos infracionais são do sexo masculino (92,34%); quase todos estudavam em escolas públicas
estaduais (22,96%) ou municipais (9,69%), sendo nenhum afirmou estudar em escola particular,
porém quando praticaram o ato infracional não mais freqüentavam a escola. Ainda, 60,71%
afirmaram não estudar (Cf. VIEIRA, 1999, pp. 23/30).
Verificou-se que o ato infracional tem uma grande ligação com o envolvimento do
adolescente com drogas, que geralmente começam com pequenos furtos como meio de conseguir
a droga, partindo depois para ações mais ousadas e atos infracionais violentos, cruéis e bárbaros
cometido sob efeito de substâncias entorpecentes, sendo a maconha a preferida dos adolescentes.
No entanto, apesar de quase todas as infrações serem cometidas devido ao consumo de drogas,
poucos foram os internados para tratamento para dependência química (Cf. VIEIRA, 1999, pp.
30/34).
O problema das drogas vivido no São Lucas foi muito bem explanado por Maximiliano
Simas de Freitas Noronha, quando realizou pesquisa no CESL constatando que:
49
Outro grande problema vivido pelos centros de internações é a dependência química
dos adolescentes. Em dados fornecidos pela própria gerência do Centro Educacional
São Lucas, 82,69% (oitenta e dois vírgula sessenta e nove por cento) dos adolescentes
internados naquele centro se declaram usuários de drogas. Fato este que interfere
diretamente em todo o processo de internação. (NORONHA, 2004, p. 54)
Desta forma, não combatendo o motivo que conduziu o adolescente a transgredir a lei
penal, dificilmente se chegará a um resultado útil da aplicação da medida sócio-educativa de
internação, uma vez que ao saírem do estabelecimento retornarão ao mesmo ambiente que o
levou a cometer o ato infracional.
Nota-se que o Estatuto não vem sendo respeitado. Quando o adolescente foi apreendido
pela polícia, ao questionar-se sobre o local em que ficou preso, verifica-se que a grande maioria
disse ter permanecido em cela especial, embora um número razoável tenha respondido centro de
internação provisória e cadeia pública. Contudo, chega a ser preocupante o número de
adolescentes que afirmaram ter permanecido em cela comum, eis que, embora não seja uma
parcela muito grande, sabe-se que tal fato é extremamente prejudicial e viola os direitos e
garantias previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (VIEIRA, 1999, p. 41).
Ainda em relação à apreensão, o furto e envolvimento com drogas (uso, porte e tráfico)
foram as razões mais destacadas, seguidas de assaltos e brigas (lesão corporal). Também não se
pode desconsiderar o homicídio e tentativa de homicídio, estupro, desordem, direção de veículo
motorizado sem habilitação, porte de arma, descumprimento de medida sócio-educativa e estar
acompanhado de quem efetivamente cometeu o ato infracional. Preocupante também é o número
de adolescentes que relatam ter sofrido violência por parte de policiais (43,37%) (Cf. VIEIRA,
1999, p. 41).
A pesquisa mostrou ainda, que dentre as medidas sócio-educativas a mais aplicada é a
liberdade assistida (43,72%), seguida pela prestação de serviço à comunidade (39,35%),
internação (14,2%) e advertência (2,19%) (VIEIRA, 1999, p. 46).
Conclui-se, porém, que o problema de criminalidade infanto-juvenil começa pelo
sistema penal. A pesquisa aponta que praticamente todos os adolescentes são de famílias de baixa
renda. Não que só os socialmente desfavorecidos é que cometem ato infracional, mas somente
eles serão responsabilizados pelos atos cometidos ou pelo menos receberão a medida de
internação, caracterizando assim, aqueles que serão selecionados pelo sistema.
Quando um integrante de uma classe mais favorecida comete um ato infracional, não é
reconhecido como um “marginal”. Dizem os pais, os advogados e até mesmo os Juízes: mas esse
50
adolescente, que matou, não é um marginal. Ele tem família, estuda, trabalha. O tráfico de drogas
na vida dele é um ato isolado, afinal agora os pais vão tomar conta da vida dele (Cf. VIANNA,
2004, p. 333).
Conforme assinalou SANTOS, surge aí o problema da cifra negra da criminalidade:
O conhecimento de que atos infracionais próprios do adolescente representam
fenômeno normal do desenvolvimento psicossocial se completa com a noção de sua
ubiqüidade: pesquisas mostram que todo jovem comete pelo menos 1 ato infracional, e
que a maioria comete várias infrações – explicando-se a ausência de uma
criminalização em massa da juventude exclusivamente pela variação das malhas da rede
de controles de acordo com a posição social do adolescente, o que coloca em linha de
discurssão o problema da cifra negra da criminalidade. A pesquisa da cifra negra não
buscou corrigir distorções dos registros oficiais, que possuem realidade própria –
representam o desvio digerido pelo controle social como criminalidade -,mas revela o
processo de criminalização seletiva do comportamento desviante, porque o crime é
fenômeno social geral, mais a criminalização e fenômeno de minoria (SANTOS, 2002,
p. 122).
Continua SANTOS, que a cifra negra é um problema de aplicação da lei. Se todo
adolescente pratica ações criminosas (ou infrações), então por que somente algumas são
registradas e apenas alguns adolescentes são processados? Independente dos critérios que
determinam a filtragem da minoria criminalizada e não se tratam de exigir processos contra a
maioria não-criminalizada, mas de demonstrar o absurdo da seleção da minoria criminalizada,
parece óbvio que o processo seletivo de criminalização constitui injustiça institucionalizada que
infringe outro direito fundamental do ser humano: o direito constitucional da igualdade
(SANTOS, 2002, p. 123).
Conforme assinalou VIANNA, o Estado através dos mecanismos de controle social,
passa a reproduzir as categorias que serão criminalisadoras:
Desta forma, o Estado, que deveria ser responsável pela aplicação dos mecanismos
formais de controle social, em conformidade com a Lei e por intermédio dos meios de
coerção, passa a reproduzir os padrões generalisados socialmente. Com outras palavras,
o valor de cada homem e seu mérito dependerá da referência social. Seremos
criminosos ou homens de bens em função do estigma que o sistema nos imprimir, ainda
que estejamos cientes de que o bem e o mal não são valores absolutos, acabaremos
rotulados por essa regras ditadas pelo inconsciente coletivo. O resultado é um Estado
violento e arbitrário com aqueles a quem se atribuem a etiqueta de delinqüente e
excluídos moralmente e um Estado doce e cordial com os privilegiados, que se colocam
acima dos rigores da Lei (VIANNA, 2004, p. 334).
A idéia de ressocializar continua apenas com um caráter teórico, uma vez que a
crescente reincidência e o aumento da violência definida como criminosa, indicam a ineficácia da
51
medida de prevenção ao delito, principalmente às medidas privativas de liberdade que para
AZEVÊDO, não alcançam os objetivos desejados, a reeducação e a reinserção do condenado na
sociedade.
As prisões continuam a ser o momento culminante do mecanismo de marginalização
que produz a população criminal e a administra de modo a adaptá-la a funções próprias
que a qualificam, produzindo efeitos contrários à reeducação e reinserção do
condenado, e favoráveis à sua integração na população criminal (AZEVÊDO, 1999, p.
50).
Desta forma, nota-se a inutilidade das aplicações das medidas sócio-educativas, uma
vez que não cumprem com sua função “oficial”, ou seja, reeducar o adolescente autor de ato
infracional, permitindo que ele volte ao convívio social, devido à atuação do sistema de controle
social.
No caso das penas privativas de liberdade, o papel do Estado é apenas retirar os
indesejáveis da sociedade, não reduzindo o crime, tendo em vista também a atuação da cifra
oculta, que acoberta um número grande de infrações, sobretudo quando praticadas pelos
segmentos “imunes” ao processo de criminalização, porém produzindo a estigmatização, a
prisionalização e por conseqüência, a reincidência criminal, estudada a seguir (Cf. AZÊVEDO,
1999, p. 43).
3.2 A REINCIDÊNCIA CRIMINAL
Quando o adolescente comete o primeiro ato infracional cabe ao Estado, através da
polícia, Ministério Público e Judiciário, a apuração do ato praticado, aplicando a medida sócioeducativa. A execução da medida objetiva a integração do apenado e tendo a pena natureza
retribuitiva/ressocializadora, ou seja, a punição pelo ato praticado e por conseqüência a
prevenção de novos delitos.
No entanto, compete ao Estado zelar para que realmente esses objetivos sejam
alcançados, pois uma vez que não ocorre a ressocialização do adolescente, a medida acarretará a
reincidência criminal, tendo em vista a atuação do sistema repressor sobre os infratores.
52
A reincidência criminal, resultado dos rótulos atribuídos aos adolescentes infratores,
produz as carreiras criminosas dos mesmos, que é a repetição da prática de um ato infracional.
Sustenta SANTOS, que quanto maior for a repressão pelo Estado, maior é a
possibilidade de reincidência:
A produção social da criminalização se desdobra na conseqüência ainda mais grave da
reprodução social dessa criminalização: quanto maior a reação repressiva, maior a
probabilidade de reincidência, de modo que sanções aplicadas para reduzir a
criminalidade ampliam a reincidência criminal. A criminalização primária produz a
criminalização secundária, conforme o modelo seqüencial do labeling approach: a
rotulação como infrator produz carreiras criminosas pela ação de mecanismos pessoais
de adaptação psicológica à natureza do rótulo, combinada com a expectativa dos outros
de que o rotulado se comporte conforme a rotulação, praticando novos crimes
(SANTOS, 2002, p. 125).
Desta forma, quanto mais rigorosa a medida aplicada, como a institucionalização (ou
prisão), maior é a possibilidade da reincidência. Isto devido, as condições precárias das
instituições, bem como despreparo dos funcionários que lidam com os infratores caracterizando
assim, um “instrumento” falido para a ressocialização de pessoas em condição de peculiar
desenvolvimento.
No Centro Educacional São Lucas, NORONHA constatou a ineficácia da medida de
internação:
Pode-se constatar a ineficácia da medida de internação no CESL, visto a precária
situação pela qual o centro passa hoje, faltando desde materiais básicos até mesmo
profissionais capacitados para a aplicação da medida. Situação esta que inviabiliza a
obtenção dos resultados de socialização e educação previstas pelo ECA como meta
principal do processo de internação. (NORONHA, 2004, p. 56)
Um outro exemplo claro desta realidade é a situação da FEBEM, que ao invés de
ressocializarem os adolescentes, contribuem ainda mais para a reincidência criminal, devido a
falta de uma política de atendimento aos infratores (como já acontecia em 1941, quando da
criação do Serviços de Assistência a Menores – SAM). Na verdade, a FEBEM têm se
caracterizado como fábricas de criminosos, comprovadas pelas rebeliões que acontecem
constantemente, sendo praticamente impossível atingir seu objetivo declarado, qual seja, a
reabilitação do infrator.
Em relação ao Estado de Santa Catarina, pesquisas mostram índices de reincidência
preocupantes no Centro Educacional São Lucas, eis que significativo e em escala crescente. A
53
primeira vista, pode-se pensar que esses números traduzem falhas e deficiências na instituição
(VIEIRA, 1999, p. 89).
A título ilustrativo, a tabela a seguir indica o percentual de reincidência na referida
instituição nos anos de 1996, 1997 e 1998 (Cf. VIEIRA, 1999, p. 89):
CENTRO EDUCACIONAL SÃO LUCAS – REINCIDÊNCIA
1996
1997
1998
C. E. SÃO LUCAS
N°
%
N°
%
N°
%
Reincidências (total)
3
4,35%
11
12,79%
8
25,81%
4
4,65%
4
12,90%
Reincidências por
descumprimento de medidas 1
1.44%
Para a eficácia da medida sócio-educativa é necessário se perquirir os fatores que levam
o adolescente a cometer ato infracional, tendo em vista a natureza preventiva da medida.
Esperava-se uma maior atuação do Estado, pois com o princípio da proteção integral
disciplinada pelo ECA e também pela Constituição Federal, deveriam ser protegidos os interesses
fundamentais da criança ou adolescente, ou seja, à vida, à saúde, à educação, à liberdade, ao
lazer, à convivência familiar, à convivência comunitária, à integridade física, etc sendo, talvez a
forma mais eficaz de combater a criminalidade infanto-juvenil (Cf. GARRIDO DE PAULA,
2002, p. 24).
Deste modo, a reincidência criminal é conseqüência da não ressocialização. Por não
ressocializar, o sistema sócio-educativo precisa ser funcional e eficiente. O insucesso aparente da
medida é responsabilidade do Estado (responsabilidade subjetiva), uma vez que ele tem o dever
de aplicar a medida para sócio-educar. O sucesso oculto e perverso, de criminalização e
estigmatização, como estímulo à carreira criminal é plenamente perceptível.
Ao completarem 21 anos de idade, os adolescentes que estejam cumprido a medida de
internação serão liberados compulsoriamente e como não foram ressocializados pelo Estado,
através da instituição, a próxima infração cometida não mais estará sujeita as normas do juízo
infanto-juvenil, mas àquelas previstas na legislação penal. Seu destino agora, não mais será às
instituições para adolescentes e sim, as prisões destinadas aos adultos, concretizando assim, a
carreira criminosa a ser estuda em seguida.
54
3.3 A CONCRETIZAÇÃO DAS CARREIRAS CRIMINOSAS
A concretização das carreiras criminosas de adolescentes selecionados e estigmatizados
pelo sistema como infratores, nada mais é que a não ressocialização e por conseqüência a
reincidência criminal. Isto ocorre também devido as lacunas na lei referente à criança e ao
adolescente, pois a mesma não estabelece sobre a execução das medidas sócio-educativas,
trazendo sérios prejuízos aos jovens.
Verifica-se, portanto, que a aplicação da medida sócio educativa não atinge os fins
desejados, em virtude de os preceitos previstos no Estatuto não serem aplicados de forma
adequada. As pesquisas realizada pelo Ministério Público e por Maximiliano Simas de Freitas
Noronha mostraram que grande parte dos atos infracionais selecionados pelo sistema são
ocasionados devido ao uso de substâncias entorpecentes.
As pesquisas apresentaram, paradoxalmente, que adolescentes declarados usuários de
drogas não receberam tratamento para dependência química. Desta forma, como se pretende
recuperar o jovem sem combater a causa que o levou a transgredir a norma?
Assim, depois de punido pela sua conduta ilícita, ou melhor, por ser selecionado pelo
sistema repressivo, através das medidas sócio-educativas, ele retornará à sociedade da mesma
forma que saiu, ou seja, sem a recuperação e, no entanto, continuará cometendo infrações
consolidando a carreira criminosa, possibilitadas por condições mínimas de humanidade e
respeito.
De outro norte, VIANNA entende, que responsabilizando o adolescente infrator da
forma prevista no Estatuto é suficiente para reeducar o mesmo:
Responsabilizando o jovem em conflito com a Lei a partir dos 12 anos e, após o devido
processo legal, aplicando a ele medidas sócio educativas, que podem ser restritivas de
liberdade (internação, semiliberdade ou liberdade-assistida) ou alternativas à restrição
da liberdade (prestação de serviço à comunidade, reparação do dano, tratamento
antidrogas, psicológicos, dentre outras), todas acompanhadas de escolarização e
profissionalização, se necessária, com diversos mecanismos para coibir interferências
ilícitas e abusivas na administração da execução das medidas, o Estatuto da Criança e
do Adolescente, a despeito de algumas críticas, a maioria infundada, que sofre, é
suficiente para reprimir e educar e sua interpretação não está na ilusão da defesa social,
ante a serviço do arbítrio e da repressão pura e simples, mas sim a serviço da
restauração da legalidade inspirada na dignidade do homem (VIANNA, 2004, p. 356).
55
No entanto, percebe-se que isso é impossível. O problema maior é conseguir que o
Estatuto seja respeitado. Ao adolescente que seria necessário a medida de internação por ter
cometido o ato infracional mediante grave ameaça ou violência à pessoa, por reiteração no
cometimento de outras infrações graves ou ainda por descumprimento reiterado e injustificável
da medida anteriormente imposta (conforme estabelecido no artigo 122 da Lei), se o Estado não
oferece condições para a execução da medida, principalmente, em razão da superlotação das
poucas instituições destinadas a “ressocializar” o infrator.
LIBERATI salienta que, para que a medida tenha eficácia, ela deve ser cumprida em
estabelecimento especializado, de preferência de pequeno porte e contar com pessoal altamente
especializado nas áreas pedagógicas, psicológicas e até mesmo com conhecimentos de
criminologia (Cf. LIBERATI, 2003, p. 117). O citado autor adverte que:
A falta de critérios para o desenvolvimento da medida sócio-educativa de internação
deriva de reações plausivelmente esperadas, como aquelas exemplificadas pelas
rebeliões na FEBEM, nos Estados de São Paulo, Rio de Grande do Sul e Minas Gerais.
As internações ali processadas, por mais bem aplicadas pelos magistrados, são
cumpridas e executadas dentro de um modelo antigo, inadequado, impróprio, onde são
desenvolvidos “programas” que não s e preocupam com a integração do jovem em sua
família e em sua comunidade (LIBERATI, 2003, p. 117).
Assim, como já fora mencionado, a carreira criminosa se consolida através do processo
de criminalização, principalmente pela rotulação daqueles que serão considerados infratores pelo
sistema. Preconiza SANTOS, que:
A marginalização da juventude é a primeira e mais evidente conseqüência de relações
sociais desiguais e opressivas garantidas pelo poder político do Estado e legitimadas
pelo discurso jurídico de proteção de igualdade e da liberdade. A segunda conseqüência
é a desumanização da juventude marginalizada: relações sociais desumanas e violentas
produzem indivíduos desumanos e violentos como inevitável adequação pessoal às
condições existentes reais. A reação do adolescente, síntese bio-psíquico-social do
conjunto das relações sociais, contra a violência das relações estruturais, é previsível: o
crime parece ser resposta normal de jovens em situação social anormal. Milhões de
adolescentes das favelas e bairros pobres dos centros urbanos são obrigados a
sobreviver com meios ilegítimos pela simples razão de não existirem outros: vedem e
usam drogas, furtam, assaltam e matam – e sobre eles recai o poder repressivo do
Estado, iniciando a terceira e decisiva conseqüência da exclusão social, a
criminalização de marginalizados rotulados como infratores, prisionalizados no interior
de entidades de internação da FEBEM, que introduz os adolescentes em carreiras
criminosas definitivas (SANTOS, 2002, pp. 124/125).
Desta forma, as sanções privativas de liberdade do adolescente têm eficácia invertida,
produzindo estigmatização, prisionalização e por conseqüência, maior criminalidade e estão em
56
contradição com o principio constitucional de dignidade da pessoa humana (Cf. SANTOS, 2002,
p. 129).
Neste contexto, o caminho para se evitar as carreiras criminosas seria através de uma
política sócio-educativa mais eficiente, afastando-se as características do sistema penal imputado
aos adultos (seletividade, estigmatização e etiquetamento) e ainda, uma necessidade urgente de
criação de normativa para a execução da medida sócio-educativa, pois combatendo a
criminalização da adolescência, será combatido também, por conseqüência, a carreira criminosa
de adultos.
Porém, como afastar as características do sistema penal durante a execução da medida
sócio-educativa, e fazer com que a medida cumpra com suas funções declaradas? Talvez o
melhor (e mais fácil) caminho seja educar as crianças e adolescente, a fim de evitar as condutas
ilícitas, pois uma vez que cometem um ato infracional e recebem a sanção estatutária,
rapidamente a carreira criminal estará consolidada.
57
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Lei n° 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente, tentou substituir as penas que
eram aplicadas aos infantes que tinham caráter de retribuição, por medidas que visassem à
reeducação e à reintegração social do mesmo.
Desta forma, baseado na doutrina de proteção integral, eles foram considerados sujeitos
de direitos, devendo à família, à sociedade e ao Estado zelar para que esses direitos sejam
respeitados.
Atualmente, vive-se a preocupação com a trajetória de crianças e adolescentes que
desembocam numa constante reincidência criminal. Isso ocorre devido as falhas estruturais do
sistema penal, conforme abordado no primeiro capítulo. Assim, o funcionamento do sistema se
caracteriza por estimular a construção de carreiras criminosas, devido as suas funções estruturais
de seletividade, estigmatização e rotulação, que impedem a ressocialização/reeducação do
adolescente selecionado como infrator.
Observa-se que as características do sistema penal aplicado aos adultos são as mesmas
do processo de criminalização juvenil. As funções declaradas pelo sistema penal não condizem às
suas funções reais, ocasionando assim, reduzidas possibilidades de reabilitação.
Os primeiros documentos de proteção as crianças e aos adolescentes já previam a
internação de adolescentes, como no caso do Código de Menores de “Mello Mattos”,
estabelecendo até que estes poderiam ser levados às prisões destinadas aos adultos. Observou-se
também que, quanto maior for a repressão pelo Estado, menor e a possibilidade de reabilitação,
como, por exemplo, no caso da medida de internação.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, trouxe as medidas protetivas aplicadas as
crianças autoras de atos infracionais, porém não visa a responsabilização por serem elas
inimputáveis.
Quanto
aos
adolescentes
as
medidas
sócio-educativas
visam
sim
a
responsabilização, tendo caráter retributivo, visando, além da reeducação, reparar o mal causado.
Primeiramente, antes da aplicação da medida sócio-educativa é necessário a apuração
do ato infracional, observados os princípios do contraditório e da ampla defesa. Após, se
necessário, será aplicada uma das medidas previstas no Estatuto.
No entanto, as medidas sócio-educativa não privativas de liberdade, apresentam pouco
caráter ressocializador, mostrando-se assim, pouca eficácia. As privativas de liberdade, apontam-
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se pouco eficazes no combate à criminalidade. Isso devido a atuação do sistema repressor, bem
como as precárias condições dos centros de internações que são capazes apenas de reproduzir a
criminalidade.
Neste contexto, o Estado é o principal responsável pela lamentável trajetória de crianças
e adolescentes infratores, não disponibilizando recursos necessários para a fiel aplicação do que
determina o ECA, impossibilitando a reeducação e a ressocialização e principalmente devido a
presença das características do sistema repressor (seletividade, estigmatização e etiquetamento),
concretizando as carreiras criminosas.
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A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS