GOVERNO DO BRASIL SECRETARIA DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS POSICIONAMENTO SOBRE A PEC 171/93 A Comissão Nacional de População e Desenvolvimento, no exercício de suas atribuições de contribuir para a formulação de políticas e implementação de ações integradas relativas à população e ao desenvolvimento, levando em consideração as demandas nacionais e as discussões em âmbito internacional, vem manifestar seu posicionamento contrário às propostas apresentadas na PEC 171 de 1993, que propõe reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos de idade, no caso de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte, mediante alteração do texto do art. 228 da Constituição Federal. A proposição – PEC 171/93 - consubstancia inadmissível retrocesso nas políticas públicas para efetivação dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes brasileiros, que lhes devem ser assegurados com absoluta prioridade, conforme prevê o art. 227, caput, da Carta da República. É sabido que todos os Estados e famílias devem dar à criança e ao adolescente a mais alta prioridade possível, em atenção aos seus melhores interesses, assegurando-lhes o direito de serem cuidados e orientados por pais, famílias e sociedade, bem como de serem protegidos por adequadas medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais, contra toda forma de violência física ou mental, agressão ou brutalidade, descaso ou tratamento negligente, conforme princípios consagrados na Conferência Desenvolvimento (Plataforma de Cairo). Internacional sobre População e As Nações Unidas no Brasil1, igualmente, se posicionou em documento oficial, no qual afirma que a PEC 171/93 fere acordos de direitos humanos e compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e não é a solução para a diminuição da violência: A redução da maioridade penal opera em sentido contrário à normativa internacional e às medidas necessárias para o fortalecimento das trajetórias de adolescentes e jovens, representando um retrocesso aos direitos humanos, à justiça social e ao desenvolvimento socioeconômico do país. Salienta-se, ainda, que se as infrações cometidas por adolescentes e jovens forem tratadas exclusivamente como uma questão de segurança pública e não como um indicador de restrição de acesso a direitos fundamentais, o problema da violência no Brasil poderá ser agravado, com graves consequências no presente e futuro (página 3). Condenamos qualquer forma de violência, incluindo aquela praticada por adolescentes e jovens. Assim sendo, ressaltamos a importância do fortalecimento do sistema de justiça especializado para adolescentes, que atenda tanto as particularidades dessa faixa etária, quanto permita a responsabilização plena de adolescentes por seus atos infracionais e sua ressocialização. Dessa forma, o Estatuto da Criança e do Adolescente, na esteira da Convenção das Nações Unidas sobre Direitos da Criança, estabelece, não por acaso, um sistema de medidas socioeducativas que propõe responsabilização ao adolescente autor de ato infracional, retirando a falsa premissa da impunidade. As medidas socioeducativas são aplicadas com o principal objetivo de responsabilizar o adolescente pela prática do ato infracional, com incentivo à reparação das consequências, e buscam a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento, conforme previsto pela Lei nº 12.594, de 2012, que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE. As medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente são a manifestação do Estado em resposta ao ato infracional, praticado 1 NAÇÕES UNIDADES NO BRASIL. Adolescência, Juventude e Redução da Maioridade Penal. Brasília: 2015. pelo adolescente, de natureza jurídica impositiva, sancionatória, proporcional ao ato infracional praticado, cuja aplicação objetiva inibir reincidência. Temos de levar em conta que o adolescente em conflito com a lei também é vítima, da falta de educação, desemprego, de oportunidades, desagregação familiar e de uma sociedade marcada pela exclusão. A inimputabilidade penal do adolescente, cláusula pétrea instituída no art. 228 da Constituição Federal, significa fundamentalmente a insubmissão do adolescente por seus atos às penalidades previstas na legislação penal, o que não o isenta de responsabilização e aplicação de sanção correspondente ao ato praticado. O Mapa da Violência2, referência em estudos sobre a sociedade brasileira e sua relação com o fenômeno da violência, em 2013, 2014 e 2015, aponta os jovens como as principais vítimas da violência no Brasil. E a sociedade brasileira tem sido conivente com o assassinato de crianças e adolescentes em conflito com a lei. A inserção de adolescentes, em fase final de formação, no ambiente de um sistema prisional destinado aos condenados adultos, superlotado e deficitário, além de ferir os princípios constitucionais, não se afigura medida justa e apropriada para o combate aos elevados índices de violência registrados no Brasil. Os argumentos dos que defendem e justificam a redução da maioridade penal como solução para a redução da criminalidade se mostram equivocados porque não encerram a discussão sobre a problemática das causas de violência no Brasil. Com efeito, a peculiar fase de desenvolvimento em que os adolescentes se encontram, com características de vulnerabilidade e instabilidade de personalidade, não pode ser desconsiderada, e quaisquer medidas que lhes sejam aplicadas devem ser pautadas, sobretudo, no resgate pessoal, familiar e social, mediante a indução de valores ético-sociais. Destacamos que a sociedade brasileira não pode abandonar as conquistas sociais positivadas na Constituição Federal de 1988 e reconhecidas a todo e qualquer cidadão. Não há, portanto, lei ou mecanismo subjacente à Constituição 2 AISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência. Rio de Janeiro: CEBELA/FLACSO. Federal que possa veicular decisões contrárias às conquistas históricas do povo brasileiro. Também não podemos abrir mão dos avanços promovidos pelo processo histórico de avanço e progresso civilizatório. Assim, especificamente sobre a redução da maioridade penal, a norma inscrita no artigo 228 do texto constitucional representa uma das garantias decorrentes dos direitos assegurados aos menores. E, nessa perspectiva, integra o núcleo imodificável da Constituição - cláusulas pétreas -, de modo que, qualquer tentativa do legislador infraconstitucional, ou mesmo Poder Constituinte Derivado, por meio de Emenda Constitucional ou plebiscito, que tenha por finalidade reduzir a idade inicial da maioridade penal é inconstitucional. A Comissão Nacional de População e Desenvolvimento posiciona-se pela rejeição desta proposição legislativa, pois considera que a PEC 171/93 reveste-se numa afronta à Carta Magna, por não estar em consonância com os princípios constitucionais da proteção integral e prioridade absoluta que devem ser asseguradas pelas políticas voltadas para promoção, proteção e defesa de direitos fundamentais dos adolescentes.