Ministério da Justiça
Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE
Gabinete do Conselheiro Luiz Alberto Esteves Scaloppe
Ato de Concentração n° 08012.000206/2003-63
Requerentes: Coats Corrente Ltda.
Vicunha Têxtil S/A
Advogados: Gilmar Valera Nabanete, Gavin Brittain Mcquarrie, Onofre
Carlos de Arruda Sampaio e outros.
Conselheiro-Relator: Luiz Alberto Esteves Scaloppe
RELATÓRIO
Trata-se da alienação do negócio de linhas de costura da Vicunha
Têxtil S/A (“vicunha”) para a Coats Corrente Ltda. (“Coats”) previsto no não
vinculativo “Memorando de Entendimentos”.
A Coats é uma empresa brasileira pertencente ao Grupo britânico
Coats Plc, Essa empresa atua na produção e comercialização de linhas de
costura para indústrias de confecção, para a indústria de calçados e artefatos
de couro, para crochê, para uso doméstico e acessórios de confecção. Os
acionistas da Coats detentores de mais de 5% do seu capital social são: a J. &
P. Coats Ltd. (83,80%) e a Coats Canadá Inc. (14,07). É importante destacar
que o faturamento da Coats foi de aproximadamente US$85,3 milhões no
Brasil, US$93,4 milhões no Mercosul, e de US$1,8 bilhões no mundo (fls. 04,
09 e 10 - autos cópia).
A Vicunha é uma empresa de origem brasileira, fabricante e
comerciante de tecidos, mais especificamente, de linhas de costura para
indústrias de confecção e para indústrias de calçados e artefatos de couro.
Essa empresa integra o Grupo Vicunha que por sua vez, além do setor têxtil,
possui atividades nos setores de aço e mineração. Os acionistas detentores de
mais de 5% do seu capital social são: a Textília S/A (62,55%), Eliezer
Steinbruch (8,78%) e Dorothéa Steinbruch (9,24%). O faturamento da
Requerente possui caráter confidencial (fls. 04/06 e 11/13-autos cópia).
A operação data do dia 20 de dezembro de 2002, quando as
Requerentes assinaram o “Memorando de Entendimentos” e considerados por
elas como um documento não vinculativo, visando a alienação do negócio de
linhas de costura da Vicunha pela Coats. Tal documento foi apresentado ao
Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência - SBDC em 14 de janeiro de
2003 (SDE, fls. 341).
Segundo as informações das Requerentes (fls. 07-autos cópia), a
Vicunha se retira do negócio de linhas de costura com o intuito de concentrar
suas atividades em seu core business, ou seja, na fabricação de tecidos. Para
a Coats, a aquisição do negócio de linhas de costura direcionado às indústrias
de confecção, de calçados e de artefatos de couro, representa um aumento
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em sua economia de escala1, propiciando melhores níveis de eficiência
produtiva.
No que diz respeito ao mercado relevante da operação, na ótica do
produto os mercados envolvidos são: os de produção e comercialização de
linhas de costura para indústria de confecção; os de linhas de costura para a
indústria de calçados e artefatos de couro.
As requerentes são concorrentes diretas no mercado relevante
mencionado e, portanto, observa-se a ocorrência de concentração horizontal
nas linhas produtivas demonstradas no quadro abaixo:
Produtos / Serviços Ofertados no Brasil
Grupo
Coats
Vicunha
(negócio
Adquirido)
X
X
X
X
Linha de costura para confecção e para uso
doméstico:
*Linha fiada 100% poliéster
*Linha fiada 100% algodão
*Linha de filamento texturizado de poliéster
*Linha mista
Linhas de costura para indústria de artefatos de
couro produzidas a partir do filamento de nylon
Linhas de bordar para indústria de confecção
Linhas para bordar para uso doméstico
Linhas para crochê para uso doméstico
Agulhas para costura de uso doméstico
Zíper para indústria de confecção e para uso doméstico
X
X
X
X
X
Fonte: Parecer SEAE (fls. 332)/ Requerentes.
É importante destacar que esse é um mercado cuja tecnologia de
produção é amplamente conhecida e empregada em outros ramos industriais.
Acrescenta-se ainda que o sistema de equipamentos utilizados para a
produção de linhas para costura e para a produção de fios utilizados pela
indústria têxtil permite que, com simples ajustes, seja possível produzir um ou
outro produto (fls. 07).
Além disso, salienta-se que as importações participam do mercado
nacional de linhas de costura em aproximadamente 25%, sendo 5% por
produtos finais (acabados), e 20% por linha crua, necessitando ser enrolada e
tingida (fls. 07).
1
Economia de escala: Propriedade pela qual o custo total médio no longo prazo cai com os aumentos de
produção. É a economia que o produtor obtém em seus custos de produção com o aumento da sua
produção.
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O mercado relevante, na dimensão geográfica, não foi exposto pelas
Requerentes, ficando a cargo da Secretaria de Acompanhamento Econômico
– SEAE/MF a delimitação do território nacional como sendo a área de
abrangência desse mercado.
Os pareceres da SEAE/MF (fls. 330/339), da Secretaria de Direito
Econômico - SDE/MJ (fls. 340/343), assim como os da Procuradoria Geral
do CADE - ProCADE (fls. 354/356) e do Ministério Público Federal - MPF
(fls. 359/368), opinam pela aprovação da operação sem restrições.
A SEAE estabeleceu o mercado relevante do produto como sendo: (i) o
negócio de linha de costura para indústria de confecção e doméstica; (ii) linha
de costura para a indústria de artefatos de couro. A esse respeito, a SEAE
identificou uma sobreposição horizontal para o mercado relevante em
questão. A análise apresentada pela Secretaria a esse respeito mostrou que
as linhas de confecção para indústria e uso doméstico são substitutas pelo
lado da demanda e da oferta, pois é pouca a diferença entre as duas e o custo
da adaptação do maquinário de uma linha para a outra não é elevado. Já as
linhas produzidas a partir de filamentos de nylon utilizadas na confecção de
artefatos de couro não são substitutas pelo lado da demanda nem pelo lado da
oferta, pois esses materiais não são utilizados na costura de tecidos e, além
da fabricação da linha de artefato de couro ser diferente da fabricação das
linhas fiadas, mistas, e de filamento texturizado, é necessário também uma
plastificadora para a sua confecção.
O mercado relevante delimitado acima é ofertado por empresas
estabelecidas no país e por importações, porém, há vários fatores como
logística, cor, prazo de entrega, preço, dentre outros que dificultam tais
importações, sendo assim, a SEAE restringiu a dimensão geográfica como
sendo o território nacional.
Para a delimitação da participação do mercado relevante geográfico, a
SEAE apresentou às fls. 250 do seu parecer, a estrutura de oferta das
Requerentes e concorrentes no mercado nacional de linhas de costura:
1. Participação sobre o faturamento no Mercado Nacional das
linhas de costura para indústria e para o uso doméstico
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Participação (%)
Empresas
Coats
Vicunha
Bonduki
Linhas Setta
Sancris
Vera Cruz(*)
Polycron
Linhanyl
Guterman
Trichet
Resistente
WG Ind. e Com.
Globo
Mundial
Marte
OUTROS
TOTAL
2000
2001
2002
39,56
38,81
38,81
10,74
11,66
12,26
8,73
9,03
9,71
4,42
4,63
4,84
3,14
4,7
5,09
4,17
4,55
4
2,24
2,84
3,64
2,86
3,64
4,16
2,03
1,75
1,03
1,61
1,21
0,09
1,7
2,21
2,22
0,79
0,76
0,91
0,77
1,45
2,04
0,34
0,28
0,39
0,85
16,05
100
0,77
11,72
100
0,2
10,6
100
*Fonte: Estimativas das Requerentes e Concorrentes
(*) A empresa Vera Cruz parou de atuar neste mercado.
2. Mercado Nacional de linhas de artefato de couro
Empresas
Participação (%)
2000
2001
2002
Coats
Vicunha
Linhasita
Linhanyl
Cifa Textil
Stta
Tecnolinhas
4,49
7,72
5,52
7,21
6,94
5,32
TOTAL
100
39,34
38,63
35,70
27,64
13,97
27,40
13,62
28,79
13,01
6,70
5,97
5,87
0,14
1,66
4,35
100
100
Fonte: Parecer SEAE/ Estimativa das Requerentes e Concorrentes
De acordo com o quadro (1) e com o parecer da SEAE, verificou-se que
as Requerentes possuem juntas 51,07% do mercado nacional. A presente
operação não possibilita o exercício coordenado de poder de mercado, pois o
C4 (concentração das quatro maiores empresas do setor), antes da operação
era de 65,78% e passou para 70,71%. O quadro (2) demonstrou que a
participação conjunta das requerentes não viabiliza o exercício de poder de
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mercado, visto que a Coats e a Vicunha somam 12,26% da parcela do
mercado de linhas para artefatos de couro. O C4 desse mercado variou de
84,44% para 89,76%, o que significou para a SEAE que a operação não
proporcionará o exercício coordenado de poder de mercado.
Considerando todos os pontos acima, a SEAE concluiu que a operação
em análise não gera integração vertical e que a concentração horizontal é
incapaz de gerar danos à concorrência vigente devido à acirrada concorrência
no referido setor, o que torna baixa a probabilidade de exercício de poder de
mercado.
A SDE informou que em 15 de janeiro de 2003 foram encaminhadas
cópias à Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE/MF para a
elaboração do parecer técnico comentado acima e que foi protocolizado nesta
Secretaria em 02 de fevereiro de 2004. Cabe ressaltar que as Requerentes
solicitaram sigilo de informações.
O primeiro documento vinculativo da operação foi o “Memorando de
Entendimentos” firmado em 20 de dezembro de 2002 e apresentado ao
Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC em 14 de janeiro de
2003, estando, portanto, dentro do prazo de 15 dias úteis previstos em Lei, o
que caracteriza sua tempestividade.
Posteriormente ao Memorando de Entendimentos, em 10 de janeiro de
2003, a Vicunha e a Coats firmaram um Contrato, mediante o qual a Coats
adquiriu da Vicunha seus negócios de industrialização e comercialização de
linhas de costuras industriais, que envolve os processos de fiação, de
fabricação de linhas de costuras cruas, seu beneficiamento por tingimento e
acabamento, bem como sua embalagem e comercialização.
Com relação aos aspectos concorrenciais, a SDE destacou que a
concentração horizontal no setor de linhas para artefatos de couro resultante
da operação representou uma variação de 5,32% do mercado, o que não
viabiliza o exercício unilateral de poder econômico. Acrescentou ainda que não
há nexo causal entre esta operação e um eventual exercício de poder
coordenado, visto que o C4 desse mercado já era de 84,44%, passando para
89,76% após a operação.
No mercado de linhas de costura para a indústria e para o uso
doméstico, a concentração foi da ordem de 51,07% e o C4 variando de 65,78%
para 70,71%. Porém, a SDE em concordância com a SEAE afirmou que a
rivalidade existente no setor inviabiliza o exercício de poder de mercado.
Um ponto importante destacado pela SDE é que as concorrentes
possuem uma capacidade ociosa de produção maior que a das Requerentes,
o que reforça a possibilidade de aumento de produção e abastecimento do
mercado em uma eventual redução da oferta das Requerentes.
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A ProCADE se utilizou da delimitação do mercado relevante posta pela
SEAE para concordar com as análises das Secretarias no que se refere aos
aspectos concorrenciais.
A ProCADE salientou ainda que a apreciação jurídica do feito se deu
com base nas informações trazidas pelas Requerentes, bem como, após a
análise da documentação juntada aos autos. Porém, sugeriu a juntada do
Acordo de Confidencialidade, datado de 21/12/2001, mencionado na cláusula
7 do Memorando de Entendimentos, para uma avaliação preventiva em defesa
da concorrência, bem como do caráter vinculativo do documento.
As Requerentes providenciaram a juntada do referido Acordo de
Confidencialidade, acostado às fls. 409/423 dos autos.
A ProCADE identificou também a necessidade do atendimento ao art.
1°, II c/c o art. 3° da Resolução/CADE n° 25/2002, visto que foram
apresentadas apenas cópias autenticadas das guias de recolhimento das
Taxas Processuais.
No entanto, verifica-se que as Requerentes, em atendimento à referida
Resolução, disponibilizou os comprovantes das taxas processuais originais, os
quais foram juntados às fls. 404/406 dos autos originais.
Quanto à tempestividade, a Procuradoria concordou com o
posicionamento da SDE e, portanto, reafirmou o caráter tempestivo do ato.
Para isso, a ProCADE considerou o Memorando de Entendimentos firmado em
20/12/2002 e apresentado em 14/01/1003, como primeiro documento
vinculativo da operação, se comprovado que não houve documento vinculativo
anterior a este entre as partes.
Por fim o MPF, considerou que “no segmento dos produtos envolvendo
os mercados relevantes existe ampla rivalidade entre as concorrentes, com
pouca possibilidade de exercício de poder de mercado decorrente do ato de
concentração”, razão pela qual opinou pela aprovação do ato, sem restrições
(fls. 368).
É o Relatório.
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