XLIII CONGRESSO DA SOBER
“Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial”
Práticas Agroecológicas em Terras de Assentamentos Rurais
Henrique Carmona Duval
CPF: 290.894.758-77
NUPEDOR – Núcleo de Pesquisa e Documentação Rural
Universidade Estadual Paulista – UNESP
Rua Humaitá, 2003 – CEP 14.801-385 – Araraquara – São Paulo
[email protected]
Vera Lúcia Silveira Botta Ferrante
CPF: 026.243.118-15
Centro Universitário de Araraquara - UNIARA
Rua Dr. Arlindo Soares de Azevedo, 82 – CEP 14.810-415 – Araraquara – São Paulo
[email protected]
Sociologia Rural
Apresentação com presidente e presença de debatedor
Grupo 6: Agricultura e Meio Ambiente
Ribeirão Preto, 24 a 27 de Julho de 2005
Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural
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XLIII CONGRESSO DA SOBER
“Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial”
Práticas Agroecológicas em Terras de Assentamentos Rurais
Resumo: Fruto de monografia apresentada para conclusão do bacharelado em Ciências Sociais
na Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, campus de Araraquara, este artigo analisa uma
proposta de produção feita a um grupo de assentados para a prática da agricultura natural nos
lotes de Reforma Agrária na região. Diante de uma estrutura agrícola regional fortemente voltada
à produção agroindustrial da cana de açúcar, a existência de espaços potencialmente
diversificados como os assentamentos sugerem possibilidades de preservação do meio ambiente.
Em nossos trabalhos de campo nos lotes, freqüentemente encontramos traços do rural tradicional
que resiste à submissão às usinas de cana, conservando a diversidade de culturas agricultadas, a
subsistência, o trabalho familiar na terra e a consciência ambiental e social. No entanto,
procuramos discutir as dificuldades de permanência na terra através de alternativas que não sejam
aquelas favorecidas pelo poder local e congruentes com o tipo de agricultura predominante,
levando a maioria das pessoas a acreditarem que qualidade de vida só existe dentro de lógicas
capitalistas e sobre bens materiais.
Palavras Chaves: Reforma Agrária, Agricultura Sustentável, Consciência Ambiental.
Apresentação
O presente artigo é resultado do trabalho de monografia de conclusão do curso de
Ciências Sociais na FCL/UNESP de Araraquara apresentado em janeiro de 2005. A partir da
experiência de pesquisa que vivencio desde 2001 no NUPEDOR (núcleo de pesquisa e
documentação rural) 1 como integrante do grupo de bolsistas ligado ao projeto de pesquisa
auxílio-integrado/CNPq “Inserção de Assentamentos Rurais às Economias Regionais:
indicadores de qualidade de vida e de integração ao meio ambiente. Araraquara e o Pontal do
Paranapanema”(1999 – 2003), acompanho o desenvolvimento de assentados que têm posto em
prática experiências de agriculturas sustentáveis em seus lotes, independente de terem qualquer
orientação técnica continuada. Concomitante às discussões do grupo em torno das questões
ambientais nos assentamentos, surge em 2001 uma proposta de associação para a produção com
base na agricultura natural que acenou positivamente aos nossos anseios empíricos, dando
sustentação à discussão dos eixos privilegiados neste trabalho.
Neste período nos deparamos com duas possibilidades de produção nos assentamentos, a
indicar rumos diferentes para o futuro da Reforma Agrária na região. Por um lado, a agricultura
natural, uma alternativa condizente com a sustentabilidade do lugar e de um projeto familiar na
relação com o trabalho e com as preocupações ambientais; de outro, o quadro de arrendamentos
dos lotes para culturas agroindustriais. Trata-se de propostas que respondem diferentemente às
necessidades dos produtores, que também desenvolvem perspectivas diferentes de permanência
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Coordenado pelas profas. Dras. Vera Lúcia S. Botta Ferrante e Dulce Consuelo A. Whitaker.
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na terra. Enquanto o histórico de diversificação da produção e a realidade da estrutura agrícola da
região sugerem submissão ao complexo agroindustrial da cana de açúcar como única alternativa
financeira nos lotes, a proposta de agricultura sustentável desnuda fatores de degradação
ambiental e da vida humana que o “dinheiro fácil” pode ocasionar. Em torno dessas controvérsias
que se refletem na discussão sobre qualidade de vida nos assentamentos estão centradas as
preocupações dessa comunicação de pesquisa.
Entrevistas e depoimentos coletados através de idas a campo nos forneceram idéias
diferentes sobre o bem-estar nos lotes. Juntamente ao interesse de obter renda pode existir a
necessidade de ser independente das usinas locais, bem como a preocupação com o equilíbrio do
ecossistema através da relação do homem com a natureza. Outro tipo de bem-estar pode ser
relacionado à alternativa de produção que ofereça maiores facilidades ou nenhum trabalho na
terra, que possibilite ao assentado ter outros empregos na cidade aumentando sua renda,
necessidades exclusivamente econômicas. Ao analisar o que pode ser a vida nos assentamentos e
os tipos de atividades agrícolas exercidas nesses espaços, temos em vista a influência de diversos
atores sociais que se fazem presentes nas relações de poder determinantes do futuro dos
assentados. É com essa proposta que iniciamos o novo projeto financiado pelo CNPq 2 a partir de
março de 2003.
Este artigo analisa a entrada da proposta de agricultura natural e seus desdobramentos nos
assentamentos. Para iniciar o contexto faço a seguir uma breve historização das terras dos
assentamentos e das pessoas que lá estão assentadas.
Introdução
O cenário histórico-econômico na região de Araraquara é composto principalmente pela
exploração monocultora do solo com as culturas da cana-de-açúcar e da laranja. Essas duas
culturas concentram altos índices econômicos bons para o capitalismo nacional e internacional,
que vão da maior parte da geração de divisas municipais aos ganhos brasileiros em exportações.
Os conhecidos complexos agroindustriais são também os maiores concentradores fundiários e
empregadores rurais do Estado, dominando economicamente a terra e os trabalhadores. A região
pode ser considerada um exemplo da estrutura fundiária do Brasil, com relação à organização
produtiva latifundiária, desde o período da colonização.
O surgimento dos assentamentos nesta região sugere possibilidades de diversificação de
produção frente às monoculturas dos complexos agroindustriais, além de estilos de vida recriados
pela volta dessa população ao meio rural (Whitaker e Fiamengue, 2000). No entanto, estes
assentamentos rurais se fazem em áreas desgastadas e completamente cercadas por complexos
agroindustriais. A proposta do governo era tornar os assentamentos da região de Araraquara em
unidades de produção familiar produtoras de grãos. As famílias assentadas, algumas delas vindas
de ex-colônias de trabalhadores de usinas falidas, muitas de trabalhadores ex-bóias-frias, provêm
em grande parte da própria região de Araraquara, já acostumadas com a estrutura agrícola
predominante da agroindústria da cana.
Assentamento Monte Alegre
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“Assentamentos Rurais e Poder Local: expressões de conflito, de acomodação e de resistência”.
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Os dois primeiros núcleos de assentamento na região são os da fazenda Monte Alegre I e
II, localizados no município de Motuca, que foram criados em 1985 após luta dos trabalhadores
volantes por melhores salários e condições de trabalho na violenta greve de Guariba (Barone,
1999). Eram mão de obra temporária nas usinas da região, trabalho marcado pela sazonalidade
das colheitas cuja renumeração não lhes permitia tranqüilidade econômica, e vinham sofrendo um
processo de precarização de seus trabalhos ocasionado pela crescente tecnológica nas lavouras
agroindustriais. O trabalho rural já havia se transformado para eles, bem como para a sociedade,
no trabalho da produção agrícola empresarial, aonde os grandes contingentes de homens
trabalham apenas sazonalmente em colheitas.
Grande parte dos assentados pioneiros em assentamentos da região vem dessa luta contra
a precarização do trabalho. Mas foram assentados em meio ao mar de cana, e por conta da
presença do complexo agroindustrial muitos até hoje são funcionários permanentes e temporários
de usinas locais. A fazenda, na época propriedade da FEPASA (Ferrovia Paulista S. A.) e
administrada pela CAIC (Companhia Agrícola Imobiliária e Colonizadora), foi por quarenta anos
uma monocultura de eucalipto utilizada como insumo para a empresa. Era uma terra pública já
não tanto utilizada pela FEPASA, que enfrentava dificuldades em ser mantida pelo Estado (tanto
que fora privatizada), e foi reivindicada por não cumprir função social. A madeira da fazenda
estava sendo utilizada para produção de celulose para empresas privadas.
O assentamento foi criado e é de responsabilidade da Fundação ITESP, antigo DAF
(Departamento de Assuntos Fundiários do Estado de São Paulo), que posteriormente criou outros
núcleos de assentamento na fazenda, estendendo sua área por mais dois municípios, Araraquara e
Matão. Hoje o assentamento Monte Alegre conta com seis núcleos, onde vivem
aproximadamente quatrocentas famílias. Ele foi crescendo a partir de ocupações nas outras áreas
da fazenda ainda repletas de eucaliptos que não serviam mais ao Estado. Os trabalhadores que
ocuparam são, na maioria, ex-trabalhadores volantes de complexos agroindustriais cadastrados na
Reforma Agrária pelo Sindicato dos Trabalhadores de Usinas, oriundos de cidades desta região
mesmo.
Os assentados recebem forte influência econômica dos complexos agroindustriais locais.
Além do poder econômico desses há histórias de famílias inteiras que sempre trabalharam para os
mesmos, que dependem até hoje do trabalho nas colheitas das usinas para se manterem no
assentamento. A dependência dos trabalhadores com relação às usinas perpassa a relação de
trabalho que eles e seus familiares têm com elas. Existem nesta região municípios inteiros
completamente dependentes do funcionamento das usinas no que se refere à geração de emprego
e renda à população 3 . Mesmo os assentados que não trabalham em usinas, que lutam por
autonomia em seus lotes, podem sofrer a influência econômica delas e ter dificuldades na
convivência social no assentamento 4 .
A terra da fazenda Monte Alegre, devastada pela monocultura intensiva de eucalipto,
necessita constantemente de correções de acidez e de controle de pragas para produção familiar.
O eucalipto é uma cultura 5 que praticamente seca o solo, suas raízes puxam muita água
3
Cidades-dormitório expressam bem essa idéia, mas os municípios grandes, como Araraquara, também giram suas
economias em torno das usinas de cana-de-açúcar.
4
Já registramos casos de incêndios criminosos, roubo ou matança de criações, brigas com lesões físicas, ameaças de
morte e outros contratempos devido à divisão entre assentados “amigados” ou não de usinas.
5
É uma cultura exótica no Brasil, originária da Austrália. Devido à boa adaptação aos solos tropicais brasileiros
encontramos a cultura plantada em grandes áreas, monoculturas, existindo até a idéia de reflorestamento com
eucaliptos, o que antes de reflorestamento é uma quebra de elos do ecossistema.
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desequilibrando-o, e por isso o deixam ácido. O fato de que foi uma monocultura desestruturou a
microvida existente, portanto cupins e formigas tornaram-se pragas já que seus inimigos naturais
foram exterminados e estes insetos tornaram-se resistentes pelos defensivos agrícolas aplicados
constantemente.
Segundo o que comprovei nas idas a campo, a maioria dos lotes de produção ainda não
tem todas áreas destocadas. Os tocos de eucaliptos que estão no solo são empecilhos à produção
de qualquer outra cultura, além de serem focos de cupins e formigas. Todo ano agrícola deve
começar com a calcarização dos solos para corrigir a acidez, mas tem um elevado custo para os
produtores assentados. O solo ainda passa por uma “desintoxicação” dos insumos químicos
utilizados nos eucaliptos, ou seja, ainda contém resíduos tóxicos daquela época (que são passados
para as produções de subsistência). Essas são algumas dificuldades que os assentados enfrentam
com relação ao solo dos lotes.
Nota-se ainda hoje forte presença de árvores de eucalipto, inclusive em áreas de reserva
permanente da fazenda, como indicativo de uma exploração intensiva e desgastante no local, já
que nem áreas protegidas por lei foram poupadas da monocultura. Para começar a trabalhar numa
área desgastada pela monocultura de eucalipto tem-se que investir muito dinheiro, fator que
inviabiliza o início e a continuidade dos trabalhadores na terra, e que é praticamente
negligenciado pelos órgãos de assistência técnica do Estado ao avaliarem o desenvolvimento dos
produtores.
Assentamento Bela Vista do Chibarro
O assentamento foi implementado pelo INCRA em 1989 após luta dos ex-trabalhadores
da usina Tamoio, que no final da década de setenta enfrentou séria crise financeira, deixou de
pagar salários e entrou em concordata. Em julho de 1980 a usina faz empréstimo na Caixa
Econômica Estadual pelo qual se não pagasse teria que dar parte do patrimônio; e não pagou. No
ano de 1988 o DAF e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais acionam o Programa de Valorização
de Terras Públicas, alegando que esta terra pública deveria ser produtiva e cumprir função social.
Na época, a seção da usina que foi destinada para o assentamento estava abandonada, o mato
tomava conta, não tinha ruas e iluminação, a mina estava comprometida. Em algumas áreas a
usina ainda mantinha cana plantada.
Dos trabalhadores que moravam na colônia da fazenda poucos se interessaram em lutar
pela terra ao invés dos salários. O INCRA (órgão federal) comprou a briga, já que o DAF
implementara e fiscalizava o assentamento Monte Alegre e passou a dívida para a Caixa
Econômica Federal. Assim, ao final do mesmo ano (1988), apenas quinze famílias de extrabalhadores da usina tornam-se assentadas, sem receber os salários atrasados, e juntamente com
doze famílias que vieram do Monte Alegre iniciaram o projeto de assentamento. Em 1989 entram
as demais famílias, vindas de vários lugares como: Vale do Ribeira, Paraná, Minas Gerais, de
acampamentos do MST (principalmente de Promissão-SP), da cidade de São Paulo, de diversos
Estados do nordeste brasileiro. Muitos desses trabalhadores também foram cadastrados na
Reforma Agrária através do Sindicato dos Trabalhadores de Usinas, portanto já tinham algum
envolvimento com o trabalho em usinas. Outras trinta e sete famílias que estavam acampadas na
cidade queriam entrar, mas eram impedidas pelas famílias que já estavam assentadas. Elas
tiveram que ocupar o casarão da fazenda, totalizando 176 famílias na área. Estas foram as
famílias que ficaram, e como na ex-colônia (hoje chamada de agrovila) só existem cento e vinte
casas, cinqüenta e seis famílias tiveram que ir morar no lote de produção.
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Então, além de muitas famílias serem de ex-trabalhadores da usina Tamoio, algumas
trabalhavam para usinas em outras regiões. Foram assentadas numa terra antes utilizada pela
monocultura de cana e ainda envolta pela mesma cultura, de fazendas de outras usinas locais, já
percebendo-se de início a potencialidade de influência que o complexo canavieiro pode exercer
nesse assentamento. Apesar de também terem sido ocupadas por monocultura, não são terras tão
desgastadas como no Monte Alegre já que a cultura da cana é menos danosa, em relação ao
eucalipto, aos solos tropicais 6 . Uma característica comum na formação dos dois assentamentos é
o não envolvimento com o MST por parte da maioria das pessoas. São áreas conquistadas através
de outro movimento, principalmente de ex-trabalhadores volantes locais e sob coordenação do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais local.
A vida nos assentamentos: o rural finca raízes?
Percebe-se que na região de Araraquara a presença dos complexos agroindustriais é
marcante e influi, direta e indiretamente, nas condições objetivas de vida da população local. Até
para novos espaços em construção, com pessoas que se reconstroem juntamente com seu espaço
buscando suas subsistências (no caso dos assentamentos), as alternativas de produção se
relacionam com o poder econômico regional 7 .
Mesmo assim, para a subsistência dos assentados, a diversidade agrícola nos
assentamentos estudados é uma realidade. A análise desse dado leva em consideração a
diversidade de trajetórias de vida de cada um. A origem rural é um fator predominante nessa
população, pois a maioria nasceu no meio rural. Também enquadro a origem no enfoque da
diversificação, já que, em cada assentamento, podemos encontrar pessoas dos mais variados
Estados brasileiros. Em função de pessoas tão diferentes serem assentadas no mesmo local
coexistem culturas, práticas agrícolas, costumes, hábitos alimentares dos mais diversos, e há uma
constante troca desses “saberes” entre eles. A diversidade de produções agrícolas encontrada nos
lotes é considerada uma expressão dessas culturas. Os sujeitos provêm de inúmeras localidades.
O trabalho rural e a luta pela terra ainda acrescem à trajetória de vida deles passagens por outras
inúmeras, sendo que eles, ao serem assentados, contam com forte conhecimento sobre a terra,
culturas e a vida dessas inúmeras localidades. A bagagem de vida adquirida é transmitida pelo
viver deles nos assentamentos, nas relações de vizinhança, amizades, em participação em
cooperativas e parcerias.
A possibilidade da agricultura natural nos lotes é favorecida pelo amplo conhecimento das
pessoas sobre a terra, porém não é uma alternativa viável pelo incerto êxito econômico. Suas
práticas a todos interessam no que se refere aos anseios ambientais e culturais, mas não do ponto
de vista econômico comparando-se com a renda obtida através do arrendamento do lote para
cana.
Um dado interessante, que favorece a produção natural, é a preocupação alimentar e
ambiental dos assentados. Muitos têm hortas ou outras produções livres de insumos químicos
para subsistência das famílias. Esse dado indica consciência ambiental dos assentados, mas
6
Destaco que o grande mal ambiental em ambas as áreas foram as monoculturas (da cana e do eucalipto). São
culturas nobres, pois desempenham importantes papéis no ecossistema, principalmente para os homens, mas são
utilizadas de forma a desequilibra-lo.
7
Idéias expressas nos trabalhos: Whitaker, 1994, Whitaker e Fiamengue, 1995, Ferrante, 1994 e 1999, entre outros
trabalhos do NUPEDOR.
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também um nível de descapitalização para usar corriqueiramente tais insumos, porém muitos
deles vão contra sua utilização pelas razões anteriormente apontadas. Eles têm consciência de que
produções com insumos químicos melhoram o aspecto dos alimentos e facilitam sua
comercialização, ao passo que aumentam os níveis de contaminação no solo e intoxicação nas
pessoas. Constantemente vemos nos lotes visitados espaços de produção de subsistência
diversificados e livres de insumos químicos, garantindo assim a sanidade desses solos, dos frutos
e a saúde das pessoas e dos animais que se alimentam dos mesmos. Voltando à terra, o
trabalhador assentado volta a viver uma interação profunda com a natureza (Baraona, 1994),
garantindo em parte sua preservação, já que é dela que se extrai a sobrevivência e a
complementaridade.
Entretanto, o tipo de trabalho na terra que exerceram durante longos períodos antes de
entrarem para o assentamento foi o trabalho em usinas de diferentes complexos agroindustriais.
Por mais fortes que sejam suas raízes e memórias rurais, o trabalho a que estavam submetidos é
aquele oferecido em tais complexos. Isso muda toda a característica e o estilo de vida dos
trabalhadores rurais. Eles não eram posseiros, arrendatários ou proprietários em sua maioria, mas
empregados temporários nas colheitas em monoculturas. Quase não existe espaço para a
produção de subsistência, um local de fixação e para agricultura familiar nesse modelo. O estilo
de vida com esse tipo de trabalho não é considerado aqui como rural. Sendo o rural um espaço
onde a família está fixada e tem um cotidiano de trabalho complexo (que envolve várias
atividades), no qual se produz para subsistência e para comercialização/trocas e existe
diversidade, chamo de agrícola o tipo de vida que existe a partir do trabalho em usinas. É agrícola
devido à utilização em larga escala de novas tecnologias, como insumos químicos, mecânicos e
genéticos, a fim de superar os números de safras anteriores e aumentar em quantidade os frutos.
O cotidiano do trabalhador nesse modelo é um trabalho mecânico e repetitivo (como apenas
cortar ruas de cana ou colher laranjas). O trabalhador é assalariado, mas só tem trabalho nos
períodos de colheitas. Eu a chamo de agrícola por que esta é a característica da agricultura hoje, é
um espaço para produção monocultora e utilização de tecnologias de ponta, de geração de
capital 8 , não de moradia.
Em contrapartida, de acordo com as condições específicas de cada família, o meio rural é
possibilitado a eles nos assentamentos. Por mais que as alternativas de permanência na terra
estejam ligadas às usinas da região, sempre sobra espaço para desenvolverem as produções de
subsistência. Essa sim uma prática que evidencia seus hábitus (Bourdieu, 1989), de suas vidas em
tempos anteriores ao trabalho em usinas, culturas ligadas às suas origens e trajetórias. Percebe-se
em muitos lotes que os alimentos plantados para subsistência são aqueles relacionados com as
vivências anteriores dos assentados, com seus locais de origem e por onde já passaram, num
tempo de suas vidas em que exerciam atividades agrícolas sem grande impacto ambiental (não
desestruturavam gravemente o ecossistema, como por exemplo contaminações do lençol
freático). São culturas geralmente bem conhecidas pelos trabalhadores, aquelas que sempre
plantaram, comeram e comercializaram. Sabem de qualquer utilidade que o alimento possa ter, de
suas relações com o solo ao seu efeito terapêutico nos homens, de sua importância para a boa
8
Como expresso na revista VEJA, edição especial agronegócio, abril de 2004, cuja frase de capa é “Retratos de um
Brasil que dá lucros”.
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alimentação das criações à reutilização de seus restos vegetais em outras plantações. E mesmo
das condições climáticas e espaciais para seus bons desenvolvimentos 9 .
O espaço do lote que não é ocupado pela produção essencialmente comercializável – em
geral especializada 10 - é destinado a este tipo de agricultura. É o motivo de relacionar a agricultura
natural com a agricultura já praticada nos lotes, excluindo-se evidentemente qualquer certificação
que a produção de subsistência possa ter (natural, orgânica, biodinâmica, etc.). Importante
ressaltar aqui o fato de que nem todos assentados mantêm produções nos lotes. Como explicitado
acima, as condições específicas de cada família podem levá-los a não possuir nenhuma plantação
no lote, seja para subsistência ou comercialização. Um fator também plausível de alterações em
curtos períodos de tempo analisando-se as mudanças na vida de cada família 11 . Ainda no que toca
às especificidades da vida nos assentamentos, optei por enquanto em expor as especificidades em
torno da agricultura natural, fatores que facilitam a aceitação dos produtores para este tipo de
agricultura e também fatores inerentes dos assentamentos que dificultam ou inviabilizam uma
produção certificadamente sustentável.
A proposta e alguns conceitos da agricultura natural para os assentados
A proposta surgiu em 2001 através de uma associação de produtores e consumidores
(REGAR) que já produzia e/ou consumia alimentos “naturais”. Consistia na incorporação de
parceiros assentados na associação, para aumentar sua capacidade empreendedora. A REGAR
(Associação para o Desenvolvimento da Agricultura Regenerativa da Região de Araraquara)
conta com diversos parceiros, entre eles a Fundação Mokiti Okada, produtores, comerciantes,
consumidores, prefeitura de Araraquara e o SEBRAE. A associação envolve produtores que
trabalham com diversos tipos de agriculturas regenerativas, não apenas a agricultura natural. Por
isso me refiro aqui aos alimentos naturais entre aspas.
Num primeiro momento foi organizado um seminário no assentamento Bela Vista com
um dos produtores associados, que explicou aos assentados conceitos da agricultura que pratica
em suas terras e sua participação na associação. Este encontro ocorreu na escola do assentamento
no dia 19 de abril do mesmo ano, e a proposta foi feita na forma de uma alternativa de produção
em associação. Aproximadamente trinta assentados compareceram, inclusive alguns do núcleo
Monte Alegre. No dia seguinte (20 de abril) houve uma visita em suas terras para ele mostrar aos
assentados como vem desenvolvendo a agricultura orgânica, juntando a teoria do dia anterior
com amostragens práticas.
9
Assim, alguns assentados sabem o que pode ser plantado nos lotes desses assentamentos para um melhor
desempenho econômico, optando ou não por determinada cultura.
10
Para se comercializar de forma mais fácil, quase todo tipo de produção, ela deve ser em grande quantidade. Como
os lotes têm em média seis alqueires, não chega a um espaço tão grande da mesma cultura e pode variar de uma a
cinco culturas por lote para que o assentado comercialize. O que é para subsistência, plantado em bem menor
quantidade e maior diversidade e seu excedente, vende-se ou troca-se. A maioria dos assentados possui dois lotes,
um é chamado lote de moradia, localizado na agrovila do assentamento e menor que o outro, o de produção (que
possui os seis alqueires). Ocorre em muitos casos que nas moradias existe a diversidade para subsistência e nos lotes
de produção (também chamado de sítio ou agrícola) têm as culturas especializadas para comercialização. Em muitos
casos a utilização de agrotóxicos se restringe ao segundo caso.
11
Existem famílias que vivem de renda (como aposentadorias ou aluguéis), e mudanças em suas organizações
familiares são caracterizadas por filhos que se casam, mudam para o assentamento ou para outras cidades, pais que
adoecem e envelhecem, a presença de agregados da família, alternativas de produção criadas, novos empregos etc.
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Marcelo Sambiase (na época um grande produtor de orgânicos em Araraquara), explicou
que hoje esquecemos como se plantava e trocamos conhecimentos sobre a terra por insumos,
ocasionando o ciclo vicioso da sua utilização. A atividade agrícola declarou guerra à vida
(microbiota, microvida existente nos solos), pois quer exterminar os insetos que se tornaram
pragas devido aos desmatamentos. Ele disse que não tem como eliminá-los, apenas evitá-los, e
que a natureza é sempre mais forte que nossos métodos. Então passou a observar como é nossa
terra.
As agriculturas ecológicas têm como princípio o conhecimento da vida do ecossistema:
como são as matas, os rios, animais, as estações. Saber tudo isso é necessário para a produção.
Falou, por exemplo, que o sol em excesso dos países tropicais mata os microorganismos, e que
temos que protegê-los pois são eles que animam a vida nos solos. Também que o mato que
combatemos com mata-mato tem importante função regenerativa, pois não é daninho ou invasor,
mas antes é nativo. Crescer o mato é um processo natural, deve-se deixar crescer e cortá-lo,
deixando seus restos vegetais superficialmente no solo para protegê-lo do sol, segurar umidade e
alimentar a microvida. Como no ciclo natural das folhas, que caem no solo e desencadeiam um
processo juntamente com os microorganismos disponibilizando novamente às árvores nutrientes
para seus desenvolvimentos, alimentando toda a vida existente.
A agricultura convencional, como quase todas as outras agriculturas, é uma intervenção
do homem na natureza, mas esta não é a favor da regeneração. Máquinas e insumos traduzem
bem a idéia. Máquinas compactam o solo e impedem a existência de poros nos quais entram ar.
Quanto mais se revira uma terra (função de tratores arados) mais ela é desestruturada e
compactada. Na agricultura convencional o solo fica totalmente exposto ao sol e constantemente
é revirado, justamente quando a camada imediatamente sob a superfície começava a se estruturar.
Produtos como o nitrogênio, nitrato e uréia foram desenvolvidos e utilizados na fabricação de
bombas desde a primeira guerra mundial. As indústrias químicas geradoras desses produtos
criaram grandes excedentes, que foram reaproveitados na agricultura. O lixo da guerra acaba no
prato sem as pessoas saberem: produtores, pois acreditam se tratar de fertilizantes e consumidores
pela falta de informação 12 .
Segundo Sambiase, ao conhecer a vida do lugar devemos alimentá-la para ser a mais
diversificada possível. Quem determina a diversificação ideal para cada região, no entanto, não é
o homem. Atividades humanas podem e devem favorecer a diversidade e “alimentar” a vida no
lugar, mas é a própria natureza, ou seja, todos os elementos naturais que se programam e se
combinam, constituindo eles mesmos o equilíbrio ecológico segundo as leis naturais locais. Para
a agricultura natural os agrotóxicos estão longe de equilibrar as substâncias químicas existentes
no solo, como acham os defensores da convencional (que acreditam que o equilíbrio químico do
solo é resultado da disponibilização dessas substâncias pelo homem, e não dos processos
químico-biológicos que as disponibilizam naturalmente). O palestrante colocou que só o fato de
não usar tóxico já melhorou a saúde do solo, já que ela é dada pela existência dos
microorganismos e seu complexo dinamismo.
Este raciocínio põe por terra o ideário construído sobre a Revolução Verde, a qual tem
como diretrizes a agricultura convencional e as perspectivas de avanço produtivo. Lembro que a
introdução desse pacote agrícola nada tem de verde. Depois de denominado como uma revolução
nos métodos de produção de alimentos, pesquisadores continuam a utilizar um conceito que
12
Ainda na reflexão desse fato, os insumos que não mataram na guerra continuam a intoxicar e matar pessoas pela
alimentação, bem como causam desastres ambientais e matam outras formas de vida.
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expressa idéias opostas a uma revolução do verde. Vê-se nessa apropriação uma inversão de
valores e uma demonstração clara de que a ciência não caminha independente de relações de
poder e de controles. Sob o rótulo de Revolução Verde vêm sendo ratificadas práticas de
apropriação da agricultura pela sociedade industrial. Ainda mais, busca-se idealizar o tipo de
manejo do solo utilizado em países do hemisfério norte, estigmatizando-se a adoção de outras
alternativas mais apropriadas aos equilíbrios ecossistêmicos locais. Ou se adota tais tecnologias
ou fica-se na atribuição de atraso, culpando-se o meio rural por não acabar com a fome no mundo
e de não ser uma atividade lucrativa. Felizmente há exceções na comunidade científica que
despontam perspectivas de um outro saber agronômico.
Quase que no mesmo dia da apresentação da associação aos assentados, uma especialista
em manejo de solos tropicais veio a São Carlos fazer uma vivência no campo e uma palestra
sobre agroecologia 13 . Nesta ocasião tive o privilégio de conhecer pessoalmente a professora Ana
Primavesi e vê-la andar por uma propriedade, explicando conceitos da agricultura sustentável.
Conversei com ela sobre agricultura orgânica e mostrando grande sabedoria me falou: “É
essencial que as pessoas se conscientizem sobre a necessidade de produzir e consumir
preocupados com o meio ambiente, mas o que tem acontecido é uma total inversão dos valores da
agricultura orgânica. Ela tem servido para atender as necessidades dos ricos, que puderam se
conscientizar, e tem dinheiro para pagar um produto muito mais caro”. Sua mensagem foi que a
ecologia nas sociedades está deturpada pela lógica capitalista. Segundo ela, se não tivermos um
manejo ecológico nos solos hoje em larga escala, logo não teremos nenhuma solução para os
problemas ambientais e alimentares no futuro. Isso ela colocou depois de breve relato de sua
vivência na África.
A “nova” consciência ambiental sob impacto do consumo
Tomo como referência um exemplo possível para compreensão da necessidade da
consciência ambiental. Pensemos num grande proprietário de terra preocupado com a saúde sua e
da família. Talvez ele seja um consumidor de produtos orgânicos, passe esse valor para seus
filhos, sem que aja com consciência ambiental. Devido às atividades desenvolvidas em suas
terras, que acontecem para obtenção de renda, desgasta e prejudica o meio ambiente. Este é
apenas um exemplo, e não apenas grandes proprietários ou os ricos, mas qualquer consumidor de
orgânicos pode não ter práticas conscientes da ecologia do ecossistema, mesmo aquela dos
centros urbanos em que moram. Não se pode afirmar que é uma pessoa consciente ou que ajuda o
meio ambiente, mas que é uma consumidora seguindo uma opção que acredita ser boa (para sua
saúde e o meio ambiente), sem que ela perceba os interesses maiores por trás do conceito da
venda de orgânicos. Ou seja, ajuda no aumento de áreas plantadas com orgânicos (que só
existirão se houver consumidores) e atende aos interesses desse mercado específico. A ação da
produção orgânica pode ser melhor para o ecossistema, mas situações de consciência ambiental
são necessidades de pensamentos e práticas urgentes das pessoas para diminuir seus impactos
negativos no meio ambiente, não uma nova modalidade de consumo.
Seria mais aceitável se fosse considerada apenas uma preocupação pessoal alimentar,
possivelmente transmitida através da educação. Sabendo que é bom para sua saúde, este interesse
no modo de se alimentar “orgânico” traduz o que Morin chama de “o ‘egoísta’ que produz a
‘generosidade’”. As ações de necessidades individuais, mesmo que egoístas e egocêntricas,
13
No dia 22 de abril de 2001.
Ribeirão Preto, 24 a 27 de Julho de 2005
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ajudam a regular as sociedades (e os ecossistemas) que as pessoas fazem parte. Influenciam
grandes áreas distantes dos locais do consumo, transformando-se em ações solidárias também em
relação ao meio ambiente por se tratar de uma agricultura preocupada com a preservação, o que
pode gerar benefícios na qualidade da vida dessa pessoa além da segurança alimentar 14 . Como
discutir consciência ambiental em consumidores e produtores de orgânicos se temos, na verdade,
um conceito de ecologia que considera o bem-estar do consumo dos homens antes da ecologia do
ecossistema? É muito mais um tipo de consciência alimentar. As sociedades humanas sempre
fizeram parte dos ecossistemas, as cidades estão imbricadas em ecossistemas que elas degradam.
São territórios onde as pessoas consomem alguns itens da natureza – “domesticados”, ou
controlados, indo seu itinerário dos laboratórios ao prato dos consumidores. Suas práticas apenas
lhes interessam comercial e economicamente, nunca ecologicamente. O meio agrícola que produz
orgânico também faz parte da malha urbana, pois existe para utilização de tecnologias e para
suprir o mercado consumidor urbano. O interesse é para a alimentação de um determinado grupo
de pessoas e a existência de outros seres é mensurada economicamente. É um interesse individual
em detrimento ao coletivo.
As monoculturas continuam a existir e plantações de orgânicos seguem na mesma linha,
como estas, distinguindo-se por práticas (tecnologias 15 ) acordadas em determinações
internacionais (pois só daquela maneira temos produtos orgânicos) e mercados consumidores
específicos. A partir do momento que se tornou um modismo consumir produtos orgânicos,
movimento notadamente criado na Europa, Japão e EUA, muitas pessoas se motivaram a
consumi-los. Os conceitos da agricultura ecológica não estão presentes na face comercial da
vertente orgânica, pois seus produtores e consumidores continuam alheios à existência do
ecossistema ao observarmos o restante de suas práticas habituais e cotidianas. A vida continua a
mesma, porém a alimentação é a base do consumo de produtos que “ajudam” o meio ambiente,
sem perceber que o caráter comercial de quem os produz já pressupõe uma prioridade mais
importante do que ele (o meio ambiente). É justamente em função da sociedade do consumo, do
lucro e de seus mecanismos que a questão ambiental está tão em voga hoje, porém
negativamente.
Algumas pessoas pensam que por consumir produtos orgânicos possuem consciência
ambiental, mas essa não se dá apenas pelo fato de comprar e consumir tais produtos. Esse modo
de possuir consciência ambiental é apenas a face da apropriação do conceito pelo sistema
capitalista, que por sua vez continua a produzir um produto pelo qual se apresenta uma demanda
cada vez maior. Quem produz continua a fazê-lo pelo lucro auferido da produção e pelas
vantagens que um marketing ecológico lhe oferece para aumentá-lo, fantasiando uma suposta
melhoria de relacionamento dos homens com o meio ambiente. Os estilos de vida desses
consumidores não vêm mudando em nada no que toca ao consumo ou padrões de vida da
sociedade moderna. As prioridades ainda são produzir para geração de lucro e consumo para a
segurança alimentar, não tem rigor (maior comprometimento) na recuperação e preservação
ambiental, ou seja, não basta produzir orgânicos para exercer consciência ambiental.
14
“A exigência do outro é a dependência de si não só em relação ao outro mas também ao processo ecoorganizacional (...)” (1980, p.46).
15
Que são inclusive arcaicas, modelos de agricultura sem grande impacto ambiental utilizadas há milênios, e agora
reutilizadas como nova consciência ambiental.
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Erros e sinais de alerta para as produções sustentáveis
Retomando a palestra ministrada pela professora Ana Primavesi, ela nos falou que hoje
agricultores acham que podemos criar, através da tecnologia, condições para o desenvolvimento
da agricultura. Mas que de tanto aplicar insumo químico e mecânico o solo se tornou
impermeável (compactado), não permite a penetração da água e só a faz escorrer. É como nas
cidades: devido ao asfalto e ao concreto, os homens quebram o ciclo natural da água, que por não
ser absorvida pelos solos geram alagamentos, enchentes, matam a vida na terra. A alteração
climática agravada pela poluição cria grandes desequilíbrios, as chuvas irregulares e as secas são
exemplos que vêm crescendo em quantidade, e em conseqüência o plâncton morre, as matas
desaparecem, falta oxigênio, a biodiversidade tende a ser secundada.
A terra também faz parte do ecossistema e os insumos químicos ajudam a acabar a
biodiversidade de sua microvida. Como em cada parte do mundo tem um ecossistema
característico, também a terra requer um manejo diferente em cada lugar. Quem tem quatorze
graus de temperatura no solo, para a agricultura, vai expor para o sol aquecê-lo, para captar mais
calor e quem tem setenta graus vai protegê-lo para não pegar excesso. Isso explica em parte
porque não temos condições de produzir orgânicos da mesma forma que outros países, copiando
práticas agrícolas como se fossem receituários do decreto internacional. Por outro lado, há de fato
normas internacionais (dos países desenvolvidos) que estipulam exatamente como deve ser uma
produção orgânica. Fora delas não há obtenção do selo que certifica e garante ao consumidor que
o produto é orgânico, certificação inserida em um circuito caro e burocrático, como se fosse a
licença para usar uma patente. Esse é um dos maiores entraves para manejos dos solos
sustentáveis em grande escala e para que agricultores possam viver de produções orgânicas
comercializando-as como tais. As agências certificadoras ganham muito dinheiro às custas da
consciência ambiental dos consumidores no mundo todo, enquanto cada local teria que buscar
seus meios para as práticas sustentáveis e conscientização ambiental de produtores e
consumidores. Isso facilitaria o acesso das populações ao conceito de segurança alimentar.
Como dito por Sambiase, agriculturas importadas não são boas para utilização no Brasil.
Temos que trabalhar na terra de acordo com as especificidades do ecossistema. O solo tropical
funciona com as bactérias que são dele, bem diferente de solos do hemisfério norte. Sobre o
caráter puramente orgânico ou natural das agriculturas sustentáveis o decreto internacional nem é
tão rígido, permitindo várias práticas que não podem ser consideradas sustentáveis. Muitas delas
indicam uma importância maior à aparência da produção do que a própria sustentabilidade do
ecossistema.
Um desses equívocos consiste em achar que máquinas podem agregar a terra. Segundo
Primavesi, agregação é um processo químico-biológico. Não tem que capinar para agregar,
apenas colocar os materiais orgânicos sobre o solo que os microorganismos vão decompor.
Quando se revira constantemente o solo põe uma terra “morta” na superfície que não resiste à
chuva e logo vai compactar. Outro erro é achar que o papel da matéria orgânica pode ser feito
pelo adubo orgânico. A matéria é o alimento natural para a vida do solo. Esses adubos são
compostos de matéria orgânica semi-decomposta, mas que em excesso provocam doenças. São
casos comuns em solos super irrigados, que provavelmente adotam grandes pacotes agrícolas
mesmo na agricultura orgânica.
Da mesma forma, colocou também alguns erros de interpretação dos conceitos por parte
de quem tem optado praticar a agricultura orgânica para entrar no mercado: a orgânica dá receitas
ao invés de conceitos (e cada lugar é cheio de especificidades); continua no enfoque fatorial para
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tratar de doenças nas plantas (ao invés do cíclico ou holístico), permitindo corriqueiramente o uso
de defensivos químicos; utiliza apenas compostos como nutrientes das plantas (eles são
condicionadores do solo, diferentes da matéria orgânica); continuam mantendo o solo
desprotegido do sol e do vento causando erosão e perda da saúde do solo e perda da massa
vegetal das plantas; usa variedades de outros países e solos ao invés de adaptar solo/clima e
acredita que todo nitrogênio para as plantas vem do composto, quando na verdade vem também
do aumento do sistema radicular. Na sua avaliação, há produtores investindo neste mercado mais
em função da sua expansão global e futuro do que pela agroecologia, seguindo apenas os decretos
internacionais sem conhecer as condições de produção locais.
A agricultura natural nos assentamentos
Após a apresentação da associação aos assentados alguns deles se interessaram em
participar. Principalmente por que haveria assistência técnica inicial pela Fundação Mokiti Okada
e por existirem pontos de venda direta aos consumidores em parceria com a prefeitura. Foram dez
assentados ao todo, seis do Bela Vista e quatro do Monte Alegre.
A Fundação Mokiti Okada, por sua vez, não teria condições de manter um corpo técnico
permanentemente em Araraquara, mas deu um impulso inicial. A intenção era de organizar
cursos de capacitação de técnicos em agricultura natural na cidade para continuarem o trabalho,
mas o resultado não foi muito expressivo. Alguns associados fizeram esse papel por algum tempo
e se colocaram à disposição dos produtores para orientações quando necessário. Ainda hoje a
Fundação oferece pouca assistência aos associados da Regar através de convênio.
Os pontos de venda que a prefeitura disponibilizou fazem parte do projeto Direto do
Campo, oportunidade de venda da produção dos assentamentos no terminal de ônibus da cidade
de Araraquara todos os dias da semana. Dois dias são reservados para bancas de produtores
assentados associados da Regar. Ainda há uma feira aos sábados, também exclusiva para
assentados, onde os associados contam com uma banca específica (da Regar) para venda de
produções orgânicas. Em ambos os pontos a prefeitura disponibiliza o transporte de ida e volta e
as bancas para exposição, o que em muito favorece os assentados pela carência deles com
transporte e pontos de comercialização.
A associação não fornece certificação das produções, embora sejam reconhecidamente
orgânicas pela prefeitura e consumidores. A facilidade na associação para os assentados está
justamente na assistência técnica e nos pontos de comercialização, além do ganho ambiental e
nutricional que tem para eles e seus lotes. O produto diferenciado oferece condições de cobrar um
preço também diferenciado, vantajoso na medida em que cresce o interesse de consumidores
pelos orgânicos. Oferece também oportunidade de vender na feira, pois nem todos conseguem
espaço nela, e através do espaço diferenciado da Regar garantem a participação. Ao contrário do
que muitos pensam sobre os custos dessa produção natural/orgânica, que acreditam ser mais
barata pela não utilização de insumos químicos, falam os produtores que muitas medidas devem
ser tomadas para iniciar a produção e têm um elevado custo. E ainda que devem prever uma alta
perda na produção (muito maior do que na convencional), por isso a dificuldade em produzir em
escala para atender o mercado. No entanto, a produção no longo prazo barateia os custos, já que
as medidas já estarão disponibilizadas e os materiais são reciclados, enquanto insumos químicos
sugerem cada vez maior aplicação.
Para Carlos Adami, presidente da Regar, muitos assentados ficam na associação pela
conveniência que ela oferece através de seus convênios, principalmente com a prefeitura. Ao
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contrário dele, que também é produtor orgânico, a falta de compromisso com a opção pela
produção “regenerativa” é um dos maiores entraves que vê nos assentamentos. Até a produção
garantir renda suficiente, os assentados não têm condições de pagar alguém para ajudá-los com
nada do que precisam, já que a propriedade agroecológica deve passar por um processo e
depende da vontade do produtor em transformá-la. Na sua ótica, o assentado não é autosuficiente, pelo contrário, totalmente dependente dos subsídios da prefeitura e ainda mais se
quiser produzir orgânicos, o que põe em questão o lugar dos assentamentos na agenda política
municipal.
Talvez seja mesmo um problema financeiro e de estrutura que dificulte essa opção em
assentamentos. Apesar das manifestações de consciência ambiental de alguns assentados, sua
produção não garante abastecimento de mercado. Servem para eles e ainda contabilizam muitas
perdas. A transição para este tipo de agricultura fica em torno de dois anos, dependendo da
cultura. Se o assentado optar por ela, seu lote todo deverá produzir nessa base e os ganhos no
período de transição serão mínimos.
A situação atual da agricultura natural nos assentamentos, em números, é a seguinte: um
produtor no Bela Vista e três no Monte Alegre, quantia que não pode ser dimensionada apenas
pelos parcos números, mas pela significação em termos da relação com os recursos naturais. Eles
continuam vendendo nos pontos da prefeitura, principalmente aos sábados. Para o presidente da
associação ainda falta maior opção pelo conceito de propriedade e produção orgânica. Para os
assentados que desistiram faltou assistência técnica, garantia de sobrevivência econômica apenas
com a produção natural, além das dificuldades inerentes à vida nos assentamentos: proximidade
com vizinhos que não fizeram essa opção e usinas, comprometendo suas produções, poucos
recursos financeiros iniciais, dificuldade no transporte (para venda em outros espaços), carência
em recursos naturais do lote em alguns casos. A mensalidade cobrada pela associação também é
um entrave, ela varia entre dez e vinte reais para cada produtor assentado.
O lugar incerto dos assentamentos no desenvolvimento local
Será que assentamentos poderiam se tornar unidades de produção orgânica para atender os
mercados regionais? Quais são os benefícios ambientais no ecossistema; de sustentabilidade dos
produtores; com relação às prefeituras (subsídio menos complicado); de saúde pública e
educacionais (merenda escolar e educação ambiental)?
Espontaneamente, a agricultura praticada em cada lote, em muitos dos casos
acompanhados, são práticas agrícolas limpas e regenerativas. Não são usados insumos químicos
corriqueiramente, mas ao invés disso usa-se cobertura vegetal, todo tipo de resto orgânico,
reciclando-se os materiais existentes nos próprios lotes. As terras, antes ocupadas com
monoculturas e manejadas com muitos agrotóxicos, passam, com a agricultura dos assentados,
por uma regeneração de estrutura do solo e limpeza de resíduos químicos. Pelo menos ao que se
refere às produções de subsistência e não considerando que ocorra em todos os casos, os
assentados praticam algum tipo de agricultura sustentável.
No entanto, identifico essa característica muito mais em função da descapitalização da
população do que por opção. Eles têm que ser criativos para aproveitar ao máximo os recursos
naturais já existentes nos lotes, na sua (re)aplicação em atividades agrícolas a fim de diminuir
gastos com outros insumos, e por tentar baratear o custo da produção exercem práticas de
agricultura sustentável. Claro que há muito conhecimento tradicional envolvido a isso, já que a
maioria possui um acervo de práticas riquíssimo oriundo de suas origens e vida na terra. Apesar
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disso, um trabalho de conscientização e capacitação das pessoas voltado às questões ambientais
melhoraria em muito o processo ocupação humana-preservação ambiental em assentamentos.
Mesmo porque as culturas para comercialização, aquelas denominadas anteriormente
especializadas, na grande maioria dos lotes são cultivadas com algum tipo de agrotóxico. Há uso
de insumos químicos, evidentemente, mas há perspectivas de uma produção ficar fora desse
circuito.
Porém, a incerteza da permanência na terra, seja subsistência ou economicamente ou
ambos, praticando a agricultura natural, se deve a uma série de fatores. A primeira é que foram
assentados em terras desgastadas por monoculturas, o que os obrigam a investir muito dinheiro
para corrigirem o solo e até aplicarem muitos praguicidas para combater as pragas que surgiram
na monocultura. Para certificação dessa produção, o tempo médio de preparo do solo até criarem
as condições necessárias fica em torno de dois anos, dificultando os ganhos financeiros nesse
período. Outro fator, mais complexo, é a proximidade de suas produções com a de vizinhos
dentro e fora do assentamento. Talvez um vizinho assentado utilize corriqueiramente agrotóxicos
em seu lote e eles passem para a produção natural, complicando ainda mais a certificação dos
produtos. Outros vizinhos maiores, as usinas de cana e laranja da região, constantemente passam
agrotóxicos em suas produções, inclusive com aviões, levando-os também para os lotes nos
assentamentos 16 .
Outro fator se deve ao fato de que a região é um “mar de cana”, sendo os assentamentos
pequenas ilhas de produção potencialmente diversificadas. Na ótica dos usineiros, quanto mais
cana estiver plantada na região melhor, e eles pressionam os assentados desde o início da década
de noventa para que sejam fornecedores de cana para o complexo agroindustrial. É uma cultura
que, se plantada pelos assentados, certamente terá compradores interessados, configurando-se
numa das melhores alternativas de ganhos financeiros para pequenos produtores da região. A
influência dos usineiros é traduzida pelo sonho de muitos assentados em poderem plantar a cana,
pois “apenas” esta ofereceria um bom lucro para eles, conforme alguns depoimentos. Sonho que
se choca à demorada sementeira da opção por uma outra agricultura.
A regularização do Projeto Cana: as marcas do poder local
A insistência foi tamanha, de ambos os lados (assentados, prefeitura de Motuca, usinas),
que a Fundação ITESP criou em 2002 uma portaria que regulamenta a parceria entre assentados e
agroindústrias (Portaria n° 075-24/10/02). Desde então alguns dos assentados do Monte Alegre
assinaram contratos com a usina Santa Luzia S.A. (do município de Motuca) que os torna
parceiros e a cultura da cana para a usina entrou em 50% desses lotes. Do primeiro contrato até
agora o número de assentados que aderem à parceria tem aumentado bastante. Por outro lado, os
assentados do Bela Vista têm plantado cana há bem mais tempo para outras usinas sob forma de
arrendamento, o que é irregular para o INCRA e objeto de rupturas dentro do assentamento.
A prática do arrendamento para esta e outras culturas agroindustriais, mesmo que ilegal,
tem sido uma constante nos assentamentos. A principal cultura é a cana, mas o milho, a soja e o
16
Em algumas idas a campo obtive depoimentos que atestam o despejo de agrotóxicos por avião “na cabeça” dos
assentados, nas suas moradias, e relatam uma série de doenças possivelmente originadas por isso: problemas
respiratórios, gastrointestinais e hipertensão. Outras doenças relacionadas ao contato com agrotóxicos são: problemas
neurológicos, no aparelho locomotor, dermatológicos e cardiovasculares. Ainda constata-se o fato de que são
acumulativos no corpo.
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algodão também são plantados nos lotes desta forma. É expressão das dificuldades em obter
renda com outros tipos de produções, em contraposição às “facilidades” da alternativa criada em
parcerias com as agroindústrias. A influência exercida pela monocultura, mostrando-se para
assentados (e para a sociedade através dos meios de comunicação) como única alternativa é
também expressão do abandono do Estado com relação aos pequenos produtores no que diz
respeito aos incentivos governamentais, créditos e projetos para os mesmos.
É através da parceria com instituições e empresas privadas que produtores de
assentamentos de Reforma Agrária têm conquistado parte da renda que viabiliza sua permanência
na terra. Encontramos hoje inúmeros casos de parcerias, alguns completamente irregulares como
as que se caracterizam como arrendamento, não gerando emprego para a população e
funcionando apenas como aluguel da terra. Há casos que nem o trabalho do assentado é
necessário, pois funcionários das empresas são quem o fazem. Muitas delas não levam em conta
nem mesmo o bem estar da população, como no caso do Projeto Cana: a possibilidade de
queimadas ocorrerem bem próximo às moradias, áreas de preservação e criações está em aberto.
Cada um decide o que fazer na hora da colheita e se queimarem, um vizinho terá que conviver
com os transtornos da queimada, colocando em risco sua saúde, produção, estruturas do lote, etc.
Impasses no futuro dos assentamentos
O arrendamento da terra disfarçado de parcerias com agroindústria impõe aos assentados
controles e formas de ocupação dos espaços que acabam por comprometer a diversidade agrícola,
a subsistência e outras fontes de renda. Deste prisma, o crescimento da produção da cana reafirma
a exclusão dos assentados, pondo em questão a perspectiva de sua autonomia sobre sua
reprodução social. Não se trata de julgar a cana em si, mas de avaliar as conseqüências do sistema
de poderes e de controles a ela ligado. O ex-bóia-fria, que lutou pela terra e teve um ganho de
vida no assentamento, consegue manter esse ganho ou volta a ser bóia-fria assentado ao ceder o
seu lote ao complexo canavieiro? Tal questão não pode ser mensurada do ponto de vista material,
mas exige um olhar diferenciado sobre a avaliação da qualidade de vida antes e depois do
assentamento, o que nos remete a pensá-la através das estratégias familiares, das suas
possibilidades de interação com a natureza e de sua preservação.
Certamente, qualquer discussão sobre a sustentabilidade dos assentamentos rurais não
pode descartar a influência política do setor canavieiro e seu potencial de intervenção regional. A
própria portaria do ITESP não exerce qualquer empecilho ao que a usina pretende nos lotes do
Monte Alegre, que são terras públicas. O tripé, mundialmente necessário, eficiência econômica justiça social - sustentabilidade ambiental não ocorre por uma expressa falta de vontade política
do setor agroindustrial. Diante desse quadro, credibilidades e ceticismos se mostram na discussão
do futuro da Reforma Agrária.
As vantagens que a produção da cana está apresentando no assentamento Monte Alegre,
além do êxito econômico de alguns assentados na primeira safra, são diluídas se considerarmos o
vazio de investimento dos órgãos gestores de modificar o estado ácido do solo e da ineficiência
do programa de destoca do ITESP.
As parcerias entre instituições públicas e privadas para viabilizar os assentamentos
poderiam trazer vantagens para os assentados e para o meio ambiente. A Regar, como já
salientado, oferece através de sua proposta um manejo do solo que favorece a sustentabilidade
dos recursos naturais, portanto a permanência no assentamento com relação à disponibilidade dos
recursos fica por mais tempo assegurada. Favorece também a segurança alimentar das pessoas
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que consomem os alimentos produzidos dessa forma. Entretanto outras parcerias não conjugam
desse “ideal”, continuando o manejo do solo convencional com produção em monocultura e
pacote tecnológico. Neste campo de forças, os poderes municipais não criam efetivamente
contrapartidas à política do “bom patrão” encenada pelos usineiros.
Permanecem desafios no sentido da possibilidade de redirecionar os investimentos
municipais através de políticas públicas expressas em programas de apoio efetivo aos
assentamentos. Araraquara tem dado um passo importante para viabilizar os assentados ao criar
programas que proporcionam a eles transporte e pontos de comercialização, como já citados e
ainda conta com um programa do governo federal chamado Programa de Aquisição de
Alimentos. Tal programa, um investimento federal para a compra, através dos municípios, de
alimentos produzidos pela agricultura familiar para repassá-los às diversas instituições
assistencialistas, bem como para a merenda escolar, ainda dá seus primeiros passos no cenário
local, podendo se configurar como uma alternativa para o futuro. Ganha destaque o incentivo à
agricultura ecológica no Brasil através do pagamento, por este programa, de até 30% a mais por
alimentos orgânicos.
Ainda no incentivo da produção orgânica, destaco uma linha do PRONAF que oferece
50% a mais do que o normal para investimentos em agriculturas ecológicas e uma experiência em
Curitiba-PR, em convênio entre Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o governo
estadual, para a criação em supermercados de gôndolas especiais de produtos da agricultura
familiar. O Estado mapeia as organizações de produtores com problemas financeiros e os prepara
para a gestão da gôndola. Esta pode ser uma alternativa para outros assentamentos que produzem
alimentos em cidades de pequeno e médio porte se inserirem nas redes de supermercado locais.
Há retorno garantido para os produtores, que contam também com financiamento do PRONAF
para isso.
Apesar dos desafios representados pela produção natural em assentamentos, da falta de
incentivos governamentais e da inexistência de políticas ambientais, não se pode negar que as
práticas dessa agricultura são potencializadoras da recuperação e preservação dos recursos
naturais, o que é absolutamente indispensável para se discutir o futuro da Reforma Agrária. Após
um primeiro momento de limpeza de resíduos deixados pelas monoculturas, a tendência é que o
solo volte a apresentar suas características naturais. A qualidade dos frutos que ele produz
também se reflete na saúde pública, o que provavelmente reduziria a longo prazo gastos do
Estado e da população com tratamentos de doenças que derivam do consumo de alimentos e das
águas que contêm todo tipo de agrotóxicos.
A permanência dos assentados no local, no que diz respeito aos recursos naturais que
possuem nos lotes, também ficaria garantida por mais tempo. Isso por que suas terras não
estariam contaminadas com toxinas provenientes dos insumos químicos, que acabam nos rios, no
lençol freático, e o solo estaria menos desgastado. A agricultura natural serviria, deste modo,
como um ideal de sustentabilidade no sentido de sustentar por mais tempo, por mais gerações, as
famílias e o próprio ecossistema ao seu redor. Até animais nativos foram citados por alguns
assentados, o que ajudaria na preservação da diversidade da fauna local. Está é uma expressão da
percepção de ecossistema que os homens devem buscar: quando ele opta por não utilizar os
agrotóxicos, quando não desmata ou queima em função de monoculturas, favorece uma vasta
gama de seres vivos, preserva a diversidade que dá equilíbrio ao todo no qual ele está inserido.
Na contramão dessa alternativa, usineiros estão alugando terras públicas vizinhas às suas,
buscando ampliar seu domínio sobre as terras e as pessoas dos assentamentos. Entretanto, tais
controles não extinguem sonhos e tentativas de alguns assentados de recriar estratégias, pautados
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pela convicção de que há outros caminhos de sobreviver na terra. Possibilidades essas expressas
na educação dada aos filhos, na diferenciada concepção de fartura associada à segurança
alimentar, no valor do autoconsumo como elemento de saúde e de reprodução social, na
importância do equilíbrio ecológico e do exercício da consciência ambiental e social. Os nichos e
possibilidades de recuperação e preservação ambiental encontrados no pólo da agricultura mais
avançada e produtiva do Estado de São Paulo, as perspectivas que poderiam se abrir se as
políticas públicas absorvessem efetivamente a proteção da agricultura sustentável, o que poderia
ser potencializado através da junção de órgãos tais como Ministérios da Justiça e Cidadania, do
Desenvolvimento Agrário, do Meio Ambiente e secretarias municipais são pontos de inflexão a
serem levados em conta na discussão dos rumos da Reforma Agrária. Desafios que não são
evidentemente apenas de âmbito acadêmico, mas estão no centro da definição dos poderes de
assumir ou não compromissos com políticas que possam trazer mais bem-estar para populações
rurais e urbanas.
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