XLIII CONGRESSO DA SOBER
“Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial”
Na casa e na rua: expressões de participação/recuo, resistência/acomodação das
mulheres nos assentamentos rurais de Araraquara-SP.
Aline Vieira Poletine
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UNESP – Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho
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Thauana Paiva de Souza Gomes
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UNIARA – Centro Universitário de Araraquara
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Valéria Aparecida Bastos
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Vera Lúcia Silveira Botta Ferrante
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Sociologia Rural
Categoria de apresentação: Pôster
Grupo 7 - Agricultura Familiar
Ribeirão Preto, 24 a 27 de Julho de 2005
Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural
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“Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial”
Na casa e na rua: expressões de participação/recuo, resistência/acomodação das
mulheres nos assentamentos rurais de Araraquara-SP.
Resumo:
Este trabalho busca compreender e analisar a participação das mulheres assentadas da
região de Araraquara, na vida política, na comunidade e na casa. Questões relacionadas a
preconceito, políticas públicas, à Reforma Agrária, família e educação são fundamentais para
compreensão do movimento de participação/recuo, resistência/acomodação dessas agentes na
construção de uma vida melhor nos assentamentos rurais.
Palavras- Chaves: Mulheres; Participação; Assentamentos Rurais.
Introdução
Mas é preciso ter força, é preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria, mistura a dor e a alegria
Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania de ter fé na vida
Milton Nascimento
Foto de Thomas Edson Suzuki
Este artigo parte das pesquisas desenvolvidas pelo Núcleo de Pesquisa e Documentação
Rural/NUPEDOR (Unesp/Uniara – Araraquara/SP), através do projeto de pesquisa intitulado
“Poder Local e Assentamentos Rurais: expressões de conflito, de acomodação e de resistência”,
financiado pelo CNPq. Dentro das pesquisas realizadas nos projetos desenvolvidos com os
assentamentos da região registramos, analisamos e avaliamos os passos dessa trajetória de luta
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pela terra. A conquista e reconstrução desse novo modo de vida vem sendo objeto de reflexões
registradas na coleção Retratos de Assentamentos, em artigos, livros e discutidas nos principais
fóruns da comunidade científica.
A análise na qual nos debruçamos pretende discutir questões que envolvem mulheres
assentadas, no que diz respeito aos conflitos de gênero, trajetórias, expectativas de vida e
aspirações. Durante estes dezoito anos de pesquisas do Núcleo nos assentamentos de Araraquara,
mais especificamente nas Fazendas Monte Alegre e Bela Vista do Chibarro, as discussões sobre o
papel das mulheres estiveram sempre presentes nos diferentes momentos instituintes do processo
de experiências concretas com estes assentamentos rurais.
É importante tratarmos das questões femininas, pois elas são uma categoria essencial
para tratarmos de assuntos como educação, saúde, orientação dos jovens, divisão do trabalho, etc.
Mas é preciso ter atenção, o Brasil possui uma grande diversidade de cenários de luta dentro da
Reforma Agrária, portanto é preciso deixar claro que as configurações dessa luta podem se dar de
formas completamente distintas, dependendo do caso.
Assistimos, nos assentamentos da região de Araraquara a um processo de politização
dos espaços cotidianos, nos quais as mulheres estão presentes. Elas conquistaram espaço em lutas
coletivas, mas, mesmo assim, os padrões culturais ainda influenciam muito na divisão sexual do
trabalho, nas tomadas de decisões e nas esferas do poder. Neste artigo, procuraremos
compreender e analisar como as mulheres estão inseridas, ou não, nos novos espaços públicos,
nos quais chegaram a exercer poderes deliberativos, garantindo melhorias para a comunidade
assentada.
Considerações preliminares
Ao nos debruçarmos nas pesquisas sobre assentamentos locais, considerando-os como
espaços de atuação públicos/privados, coletivos/individuais, estamos lidando com esferas de
significação social importante, repletos de diversas realidades particulares e de diferentes
sentidos que nos permitem identificar determinados comportamentos por possuírem
características próprias.
DaMatta (1997), em seu livro A Casa & a Rua, nos fala da peculiaridade
comportamental brasileira, que se mostra inclusiva e complementar em espaços sociais como a
casa, a rua e o outro mundo, ou seja, um evento qualquer pode ser interpretado pelo código da
casa (familiar, particular, estável), da rua (legalista, mercadológico, público) e por um código do
outro mundo, onde prevalece a renúncia às ilusões e dores causadas pelos outros dois, numa
tentativa de sintetizá-los.
Apesar de não serem hegemônicos, em determinadas situações sociais um deles pode
prevalecer e, isto de fato acontece quando consideramos as desigualdades que permeiam as
relações de classe e de gênero. As camadas populares tendem a apresentar um discurso
politicamente “alienado”, ingênuo, enquanto as camadas dominantes que se valem do código da
rua mostram uma articulação impessoal e legalista. Assim, conflitos decorrentes da mistura
dessas duas instâncias são iminentes e, no caso dos assentamentos, notáveis no cotidiano dessas
comunidades. Não apenas os conflitos, mas expressões de acomodação e de resistência.
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Estudar esses espaços nos permite lançar luz sobre aspectos importantes do percurso
feminino, podendo articular essas expressões manifestadas tanto na casa como na rua.
Observamos a trajetória construída por estas mulheres, que estabelecem uma relação íntima de
cuidados com trabalho e com a casa, ligada, geralmente, à saída de determinado local e à chegada
a outro. Ou seja, a vida destas mulheres seria bem explicada por uma seqüência de
acontecimentos, em sua maioria bem parecidos entre si: desde crianças realizavam trabalhos
familiares de cuidados com a casa, com irmãos e na relação com a terra. Existe posteriormente,
após o casamento, uma transferência, não de modalidades de serviços, pois continuam com as
mesmas funções, mas sim, de localidades, uma vez que devem acompanhar o marido.
Esta chegada à outra região, no caso os assentamentos citados, sempre esteve ligada à
idéia de reconstrução de suas vidas, ou seja: “Ir para o assentamento tem o significado de uma
efetiva melhoria nas condições de vida [...] na situação de assentamento muitos vêem realizado o
sonho da fartura” (SANTOS; FERRANTE, 2003, p.48), ou ainda: “a terra como canal de acesso a
um ‘tempo melhor’, identificado no plano da possibilidade de defender a comida, de poder ter
criação e de poder cuidar dos filhos com maior tranqüilidade”(FERRANTE, 1999). Na fala de
uma assentada, por nós acompanhada, expressa a íntima relação com a terra: “Aqui é muito bom,
n/é? Se a gente trabalha nós ‘come’, se não trabalha nós ‘come’ também”.
Apesar desta dura trajetória, é através “destes conflitos fora e dentro de cada uma destas
mulheres que suas experiências são produzidas”(MORAIS, 1999, p.270). Chegar ao
assentamento pode também significar uma saída da casa para a rua, no sentido diferenciado de
que a casa corresponde ao âmbito familiar e aos afazeres domésticos, enquanto que a rua passa a
ter sentido público de se reconhecer como agente produtor de sua história, tomar consciência de
si. Ou seja, as mulheres passam a atuar “na construção de espaços de sociabilidade, mesmo
através de códigos sociais tradicionais” (FERRANTE, 1999).
Para isso é preciso sensibilidade na percepção de características próprias das mulheres
envolvidas nessa luta que simboliza a Reforma Agrária no Brasil. Muito desse significado só
pode ser encontrado em aspectos subjetivos dessa realidade. Nas falas e depoimentos
encontramos a missão e a vocação dessas mulheres para exercer determinadas lideranças,
participar e intervir nesses espaços.
A linguagem oral nos permite reconstruir, através da análise dos depoimentos, uma
representação da realidade. No caso das mulheres, essa opção metodológica é ainda mais
importante pela riqueza de informações contida na subjetividade das falas, ora ocultadas pela
“invisibilidade” à qual elas estão sujeitas. Privilegiar aspectos subjetivos significa estar atento
para a característica afetiva do ser humano, permitindo através da lembrança do passado, de certa
forma revivê-lo e, a partir disso, refletir e aprender/reaprender com as experiências passadas
(HALBWACHS, 1990).
O diálogo que enriquece as soluções nos diferentes âmbitos da vida no campo é
possível, pois a partir do problema busca-se a reflexão coerente com a realidade vivida, daí a
importância da sistematização dos conhecimentos constituídos a partir do cotidiano, e da
capacidade de reconhecer o diálogo com o tradicional. Esse tipo de participação é um exercício
delicado de ser realizado, pela complexidade que envolve essas dimensões que são
indissociáveis, constituindo assim a razão das mudanças sociais reais.
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Para realizar essa participação efetivamente, seja ela em forma de militância ou
liderança, por muitas vezes as mulheres se expõem à opinião das pessoas envolvidas
(comunidade, homens, poder público) sofrendo críticas muitas vezes preconceituosas. Segundo
Ferrante (1999):
“[...] a ação política ameaça a ‘moral’ da mulher: muitas delas, quando
assumiam a posição de líder ou representante tinham que falar com muita
gente, ir sempre à cidade, sozinhas ou com um grupo do qual o marido
muitas vezes não participava. Qualquer descontentamento com as
opiniões das mulheres abria margem para uma série de difamações, no
bar, nas ruas da agrovila, no campo de futebol. Logo os maridos
pressionavam para que suas mulheres não mais participassem das
reuniões e – se fossem líderes – abdicassem dos cargos assumidos”.
Culturalmente o homem detém o poder de fala e de representação em espaços públicos.
Apesar da mulher estar presente em todas as etapas do processo de discussão e decisão,
determinados cargos são na maioria das vezes ocupados pelos homens, sendo a mulher conivente
a esse tipo de situação.
A seguir, tentaremos identificar expressões de acomodação/resistência, participação/recuo
que emergem no universo das mulheres engajadas nessas teias de relações, tendo em vista seu
papel fundamental na função de articular a comunidade, o seu comprometimento com a
educação, com outras instâncias instituídas pelo poder local e no próprio ambiente familiar,
buscando analisar também algumas aspirações e perspectivas em relação aos filhos e ao futuro
dos assentamentos.
A participação das mulheres no movimento da educação
Um espaço no qual encontramos majoritariamente a presença feminina é a escola. No
corpo docente, na direção, nos funcionários e nas reuniões de pais as mulheres têm participação
predominante e ativa. São elas que se envolvem com a educação dos filhos e estão, neste espaço
pesquisado, adquirindo significativas conquistas.
A escola localizada no centro da agrovila do Assentamento Bela Vista possui um
projeto político-pedagógico que foi discutido coletivamente e envolveu, na constituição de suas
diretrizes gerais, outras duas escolas “do campo” pertencentes ao município. Estas últimas, estão
localizadas no Assentamento Monte Alegre (Núcleo 6) e no distrito de Bueno de Andrade 1 .
Destacamos a expressão “do campo” ressaltando a importância da luta nacional “Por
uma Educação do Campo” que está envolvendo diversos movimentos sociais do campo na busca
por uma educação diferenciada para os povos do campo. Esta procura re-significar e valorizar os
saberes, a cultura e o resgate da identidade desses povos e construir uma educação em que os
educandos percebam o campo como um lugar produtivo, de diversidade e que, portanto, rompa
com as históricas dicotomias de moderno/atrasado, rural/urbano, entre outras (BASTOS;
1
Ver os passos dessa trajetória de construção do projeto político-pedagógico das escolas do campo de Araraquara
nos artigos de Freitas (2004a e 2004b) e Bastos e Oliveira (2004).
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OLIVEIRA, 2004). Também contribui para refletir qual o sentido atual do trabalho camponês e
das lutas sociais e culturais dos grupos que hoje tentam garantir a sobrevivência desse trabalho
(KOLLING; NERY; MOLINA, 1999).
Ser “do” e não “para o” caracteriza a construção dessa educação por protagonistas que
vêm dessa realidade e que, neste sentido, rejeitam os pacotes educacionais vindos “de cima pra
baixo” e também somam na luta pela volta das escolas “no” campo, o que vai se chocar com o
aumento do faturamento das empresas de transportes que levam os alunos do campo para estudar
na cidade. Este círculo vicioso fortalece a lógica de sair do campo para estudar e estudar para sair
do campo. Como afirmam Silva, Moraes e Bof (2003):
[...] uma transformação da educação rural requer mais do que melhorar
fisicamente as escolas ou a qualificação dos professores. Implica,
necessariamente, a presença de um currículo baseado na vida e valores
da população do campo para que o aprendizado escolar também possa
ser um instrumento para o desenvolvimento sócio-cultural e econômico
do campo.
Na construção dessa nova proposta local de educação, assim como na sua efetivação, a
participação das mulheres tem sido significativa, contribuindo, portanto, no movimento dessa
proposta pedagógica. Movimento, pois a educação não é algo estático e à medida em que os
sujeitos nela estão envolvidos, eles vão participando nas suas transformações e se transformando
com ela (Caldart, 2001, 2002).
Foto de Thomas Edson Suzuki tirada durante o I Seminário Estadual Por uma Educação do
Campo, em maio de 2003. Escola Hermínio Pagôtto, localizada no assentamento Bela Vista do Chibarro
Na escola do Assentamento Bela Vista podemos partir da própria direção da escola para
salientar a contribuição da presença significativa de uma diretora que muito tem feito para a
construção dessa educação diferenciada e para a vivência e fortalecimento de uma gestão
democrática. A., desde que chegou nesta escola procurou envolver a comunidade na melhoria do
prédio, na limpeza dos espaços da escola, na participação nas reuniões, na constituição do
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Conselho de Escola, do Grêmio Estudantil e nas festividades promovidas na escola e na
comunidade, como a tradicional festa junina.
Aos poucos, os moradores do assentamento começaram a estar mais presentes na escola,
principalmente as mães que, em sua maioria, acompanham o desenvolvimento educacional dos
filhos. Dona S. nos relatou essa diferença no aumento da participação quando A. chegou na
escola:
“[...]quando eu cheguei pra aqui que tinha outra diretora, então era a
coisa mais difícil você ir na escola, participar de alguma coisa, não
tinha muita assim, reunião sabe? E agora não, se vê que quase todo mês,
quase não, todo mês tem reunião e você vê que a gente tá ali dentro da
escola todo o dia, quase todo dia. Então a gente tá ali tendo contato com
os professores, a gente já conhece bem, a gente já sabe qual é bom, qual
é o que não tá bem, n/é?(risos)” (Entrevista realizada em set/2004).
Mesmo enfrentando resistências por parte dos professores que vinham da cidade
lecionar na escola, a comunidade, assim como os alunos, foram participando da gestão da escola.
Depois de várias idas a campo nas quais se privilegiou as observações no interior da escola,
percebemos o quanto as mães estão presentes, algumas vêm diariamente na escola, trazer os
filhos, participar da acolhida inicial que acontece todos os dias antes de iniciar as aulas, conversar
com os professores e/ou com a diretora. Nas reuniões de pais, elas são a grande maioria, uns
95%. Quando estão com alguma dificuldade com os filhos, ou com algum professor, encontram
sempre aberta a porta da diretoria para expor suas dúvidas, questionamentos, denúncias, etc., no
intuito de compreender essa educação diferenciada e contribuir para sua melhoria.
Nas entrevistas realizadas com algumas dessas mães que estão mais presentes na escola,
elas nos relataram a importância dessa participação e do maior envolvimento da comunidade.
Questionadas sobre como elas poderiam contribuir para melhorar a qualidade da escola elas
relataram:
“Como que contribui?... Participando, n/é?Participando, ajudando
em qualquer coisa que tiver na escola” (Entrevista com dona S.,
set/2004);
“Acho que eu só não, acho que se juntar todo mundo acho que sim,
mas uma pessoa só, acho que não [...]é legal todo mundo reunir, decidir
direitinho qual é o melhor, n/é?”(Entrevista com D., set/2004);
“Só se for colaborando como voluntária [...] Eu pretendo fazer
pedagogia do campo [a pedagogia da terra é atualmente oferecida pelo
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra/MST], se eu puder
ajudar também, colaborar, que eu não tenho essa, não sou profissional,
mas pretendo ser e ver uma melhor forma de tá colaborando e tá
chamando a comunidade pra tá ajudando, apesar que eles, tem bastante
que colabora e vem com amor, com carinho, por causa das crianças,
n/é?” (Entrevista com M., out/2004).
Mesmo com essa significativa participação, ainda falta muito para ser conquistado, para
a melhoria dessa educação diferenciada. Ainda temos conflitos que se configuram em outras
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instâncias, como nas relações com a Secretaria Municipal de Educação, com a própria prefeitura
e com os órgãos que administram essas terras, como Incra e Itesp. Dentro desse “pacote” de
reivindicações temos o pedido da participação contínua de psicólogos, fonoaudiólogos, de
formação continuada dos professores do campo, a ampliação do nível de escolaridade na qual se
almeja a construção de uma escola técnico-agrícola, entre outras.
É a partir do aumento dessa participação, desencadeada por uma gestão democrática da
escola, que tem se imposto como um dos eixos analíticos da presente pesquisa a compreensão do
processo formador desse movimento educacional, que ao mesmo tempo em que transforma a
rotina da escola, transforma também os sujeitos que ali estão inseridos, que estão envolvidos
nessa nova dinâmica de fazer educação. Nesse processo, que não acontece sem conflitos, as
mulheres estão se destacando e mudando concepções do que antes achavam que não podiam
mudar e que hoje se fortalecem, observando todas as conquistas já alcançadas, das quais se
alimentam para continuar vislumbrando e lutando pelas melhorias para a comunidade. A crença
da agente M. vai nesse sentido:
“[...]eu acredito que essas crianças não sairão do assentamento. Se elas
tiverem também aí um subsídio, depois de sair da escola, de toda uma
formação agrícola; de ser engenheiro; de ele mesmo ser o veterinário
que vai cuidar do seu lote, n/é, ele ser agrônomo, é isso que temos que
incentivar, que esses jovens possam ser agrônomos, para que eles não
tenham que depender do Estado para cuidar do seu lote[...] (Entrevista
com M., out/2004)”
Outras instâncias participativas instituídas pelo poder local
Além da abertura conseguida junto com o atual prefeito na sua gestão anterior, referente
à construção do projeto político-pedagógico para as escolas do campo, temos que acrescentar
outras instâncias de participação, instituídas pela sua administração que beneficiaram uma maior
integração dos assentados locais.
Destacam-se, dentre outros, o Centro de Desenvolvimento Comunitário(CDC) Bela
Vista do Chibarro e o Centro de Desenvolvimento e Integração Rural(CEDIR), que abrangem os
moradores do assentamento Monte Alegre e do distrito de Bueno de Andrade. Há também o
projeto político de Orçamento Participativo, que envolve assentamentos, pequenos produtores
rurais a Região 8 2 e toda a cidade.
Além disso, iniciativas como a Feira do Produtor, que acontece na praça Pedro de
Toledo e as barracas Direto do Campo que ficam no terminal de integração dos ônibus,
contribuem para o contato e aproximação campo-cidade.
Em relação à Feira do Produtor, observamos a presença das mulheres que, na maioria
das vezes, acompanham seus companheiros. Realizadas todos os sábados de manhã, a prefeitura
disponibiliza um caminhão para levar os produtos e um ônibus para levar os agricultores.
2
No OP os bairros da cidade estão divididos em 8 Regiões, nas quais acontecem as plenárias regionais onde se elege
os delegados que irão defender as benfeitoras que são prioridades em cada região.
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Observamos que algumas mulheres ajudam preparação dos produtos para levar à feira, na
armação das barracas, na efetivação das vendas dos diferenciados produtos, e na arrumação das
caixas e das barracas para retornar ao assentamento.
Podemos destacar nesta feira a barraca dos pães e bolos. Até o momento, são duas
mulheres do assentamento Bela Vista que se reúnem para produzir diferenciados pães e bolos.
Através de recursos do governo do Estado, elas conseguiram adquirir formas, utensílios de
cozinha e um grande forno para assar os pães. Como não possuem um espaço para a produção
desses produtos, elas utilizam a cozinha da escola do assentamento. Como nos disse dona S.: “o
meu sonho é ter uma panificadora aqui na vila[agrovila] do assentamento”. Por não possuírem
esse espaço, elas só se reúnem duas vezes por semana na escola para confeccionar os pães, um
dia elas vendem na agrovila, saindo de rua em rua oferecendo os produtos, e no outro dia para
vender na Feira.
Dona S. e a D. nos disseram que estão reivindicando junto ao INCRA um espaço (uma
casa não utilizada) na agrovila para montar a padaria, mas até o momento não tiveram nenhum
retorno. Segundo elas, a aquisição desse espaço poderia gerar outros empregos no assentamento,
pois só as duas não conseguiriam dar conta da demanda. Também relataram que se conseguissem
este espaço, elas poderiam pegar um financiamento no banco para estruturar a padaria, pois
certamente teriam um retorno das vendas dos pães, bolos, doces, etc., e poderiam pagar o
empréstimo.
Este ano, T. montou sua barraquinha de pastel na Feira do Produtor, segundo ela é um
dinheirinho que entra para aumentar a renda familiar. Ela também é uma pessoa articuladora das
mulheres da comunidade, atualmente se preocupa com a educação dos filhos e com o retorno do
cursinho pré-vestibular que foi desligado dos assentamentos. Nas suas aspirações futuras, ela nos
relatou sua grande vontade de fazer o curso de Pedagogia. Numa conversa que tivemos, ela disse
que este ano perdeu a data para conseguir a bolsa do ProUni 3 , mas que no próximo ano tentaria
novamente.
O Orçamento Participativo (O.P.) foi criado em 2001. Nas reuniões que acompanhamos
e nas entrevistas que realizamos, podemos destacar a presença feminina, não apenas na
participação nestas reuniões, como também na sua disposição para se eleger como delegada, ou
seja, representante da sua Região nas demais reuniões que se sucedem para definir os repasses de
investimento do orçamento da prefeitura 4 . Nestas instâncias deliberativas, muito se aprende sobre
a distribuição dos recursos da prefeitura, as carências da cidade, o poder decisório, a luta pelos
direitos, os conflitos que emergem nestes espaços, pois ao se decidir prioridades acaba-se
deixando de lado outras melhorias que também não deixam de ser necessárias.
Os projetos do Centro de Desenvolvimento Comunitário permanecem como uma
promessa de aglutinação, tendo dado, no caso do Bela Vista, alguns passos sob articulação da
escola. No Orçamento Participativo, ressalta-se que as delegadas escolhidas pelos assentados são
em sua quase totalidade mulheres – o que reedita a prática anterior de ser a mulher a porta voz
das reivindicações junto aos poderes – o que lhes rendem uma ampliação no poder de decisão e
3
Programa do governo federal para aquisição de bolsas parciais ou totais em instituições privadas de ensino superior
Nas reuniões que tiverem um número maior de representantes/delegados terão maior possibilidade de conseguir o
recurso para a melhoria da sua região.
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uma certa descrença por parte dos homens da “eficácia” deste instrumento de gestão
participativa.
Atualmente evidenciamos uma relação de participação/recuo da mulher nas reuniões do
O.P. Nas plenárias do Orçamento Participativo do município elas têm uma significativa
participação, apesar de não se destacarem nos momentos de discurso. Em uma entrevista
realizada com uma representante do OP da prefeitura, ela nos relata:
“[...] no assentamento a mulher acaba participando mais do Orçamento
Participativo e sendo delegada, porque o homem ele tá em qual
discussão? Ele tá na discussão com o INCRA, ele é que vai pra São
Paulo, ele é que vai pra Brasília, é ele que cuida dessa relação enquanto
terra, não é?Então, eu homem invado a terra, então, eu homem discuto
com esses ai... e a mulher por conta de ser responsável lá pelo lote,
pelos afazeres do lote, ela acaba indo pras reuniões do OP, não é?
Porque o homem já está em outra discussão, ele já tem uma outra
discussão [...]No assentamento tem outros espaços que são essas
discussões com o Itesp, com o INCRA, são as discussões com o
Desenvolvimento Agrário, que o homem acaba despontando, não é?
(Entrevista com R., mar/2005)”
A partir disso, notamos uma maior engajamento dessas agentes nas reuniões do OP, elas
passam a participar ativamente dos processos de elaboração das políticas voltadas para o
assentamento, resultando no preconceito claro no depoimento acima, em que há nitidamente uma
demarcação entre espaços masculino e feminino. Enquanto isso, os homens se envolvem mais
com os âmbitos das políticas nacionais, da Reforma Agrária como um todo, como assuntos
ligados ao financiamento do governo ou regras para regularização das terras. A representante do
OP também acrescenta:
“Uma vez nós tivemos uma reunião em São Paulo com o INCRA, que
nós chamamos todos, só foi homens, não foi mulheres. Olha que são
mulheres do Pontal, mulheres que são mais organizadas, mesmo assim
não foram. Então é essa a relação, não significa que os homens do Bela
Vista e do Monte Alegre não tenham a... não são machistas, são, são... é
que eles não vêem os espaços do Orçamento Participativo é... sei lá...
com tanto poder... ” (Entrevista com R., mar/2005).
A história de submissão aos homens fez com que elas entendessem a importância da união
das mulheres para a conquista de melhoras para a comunidade e espaço nas instâncias políticas.
Elas enfrentam muitas barreiras e apesar das dificuldades cotidianas, na educação, na saúde, se
destacam por sua pré-disposição natural, por seu maior envolvimento com questões como a
educação dos filhos e a saúde da família.
Outra instância de poder deliberativo são as reuniões temáticas, direcionadas a um público
especifico como jovens, idosos, afros-descendentes e mulheres. Aqui são discutidos prioridades
com temas indicativos de geração de trabalho e renda, educação, lazer entre outros. Nestas
reuniões, geralmente as prioridades votadas são aquelas ligadas à geração de trabalho e renda.
Entre outras também se destacam: programa de saúde da mulher, restaurante popular e um espaço
diferenciado para deixar seus filhos.
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Na última votação da Plenária Temática da Juventude, uma das prioridades votadas pelos
jovens foi à construção de uma quadra poliesportiva. O que nos mostra a busca de lazer não só
para esta categoria, mas para todos do assentamento.
Vale acrescentar que existe uma preocupação especial das mulheres com o lazer, com a
educação e a falta de diversão no sentido de ocupar do tempo ocioso, justamente pelo fato de seus
filhos buscarem isto fora do assentamento, basta destacarmos a quantidade de jovens que saem
deste local para morar na cidade, buscando oportunidades não encontradas no assentamento.
Em todas as entrevistas realizadas percebemos o quanto este ponto é marcante para
homens e mulheres, idosos e jovens. O depoimento da assentada N. nos mostra este vazio:
“Antigamente tinha um bailinho, mas aí começou a dar muita briga, e então acabou... hoje em
dia não tem nada para fazer é tudo muito parado, e quando alguém aparece aqui a gente
gosta...” (Nota de Campo, dia 12/03/2005).
A Festa Junina é considerada por todos como principal evento social do assentamento,
alguns até ousavam dizer que é a única organização que todos se envolvem. Não é difícil
entender porque as pessoas gostam tanto deste evento em especial as mulheres. As relações estão
muito além do divertimento ou da centralidade destas na promoção da festa, já que elas também
ajudam na arrecadação dos alimentos, na produção dos doces e na própria estrutura da festa,
podendo chegar ao embate com o poder público, no sentido de poder cobrar dos representantes da
prefeitura ou do próprio prefeito as promessas feitas. Assim, elas não são julgadas por deixarem
suas casas para se envolverem com os assuntos da rua, com o que não é doméstico e sofrerem
algum tipo de violência.
As poucas oportunidades que os assentados têm para comemorar, como na época da Festa
Junina eles comemoram pra valer. De acordo com Brandão: “[...] a festa instaura uma
transformação não só na rotina de vida da sociedade local, como na própria vida de seus
participantes” (1978, p. 49). É como se os comprometidos com a festa se tornassem um corpo
único, que só possui valor na situação da festa e nos rituais que ela contém. Em sentido mais
amplo “investe-se um capital emocional em ocasiões festivas e nos dias de festivais especiais.
Muitos dias de trabalho e dieta escassa eram compensados pela expectativa (ou lembranças)
dessas ocasiões, quando a comida e a bebida eram abundantes, floresciam os namoros e todo o
tipo de relação social e esquecia-se a dureza da vida” (THOMPSON, 1998, p. 52).
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“Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial”
Foto de Thomas Edson Suzuki. Preparação da Festa Junina, jun/2003
A resistência na casa
Falar da relação acomodação/resistência no assentamento requer uma idéia livre de
preconceitos, pois quando falamos do embate de gênero, não basta olhar as mulheres que
resistem a esta forma dominação. E sim podermos compreender o que tem por trás da opção da
acomodação. Ou seja, existem mulheres que estão na casa e que não se destacam como agentes
públicos, mas que a todo o momento estão fazendo uma revolução silenciosa, seja na luta pela
educação de boa qualidade para seus filhos, seja pela conscientização dos filhos na Reforma
Agrária, ou até mesmo na luta do pão de cada dia. De acordo com Ferrante: “a mulher é
distribuidora do principal bem que a população assentada dispõe: o alimento. Sua capacidade
administradora e de ação é inquestionável. A mulher, desde que esteja numa posição de
dificuldade assume todas as tarefas de um chefe de família. No entanto, não encontram espaço
para terem, no assentamento, reconhecidos seus direitos” (FERRANTE, 1999).
Isto ainda é constatado por órgãos públicos como no Orçamento Participativo, que uma
das coordenadoras explica:
“a mulher assentada ela por conta de..., até mesmo dessa..., do
preconceito, ela acaba se prendendo muito no lote n/é, por além da terra
ela tem os filhos, ela tem a comida, os afazeres da casa, e ela também
vai para terra, que é uma diferença do homem. Porque o homem vai
para terra, mas ele não tem o jantar para preparar, não tem o almoço,
as crianças, n/é?... não tem que se preocupar com a educação dos
filhos... com certeza ela carrega uma carga horária bem maior que o
homem, mas é menos valorizada” (Entrevista com R., mar/2005).
Toda mulher assentada já é resistente às violências do conflito de gênero. Estar na terra
significa lutar contra as políticas dominadoras do Estado e das próprias condições estabelecidas.
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“Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial”
A expressão de acomodação é uma concepção preconceituosa, já que para conquistar seu espaço
e ser respeitada deve sair de casa e ir para rua.
Assim as diversas responsabilidades que as mulheres têm renderam bons frutos.
Antigamente uma mulher não podia nem ser titular de um lote de reforma agrária, hoje elas não
só podem como já tem financiamentos especiais para elas, como PRONAF Mulher. A partir do
momento em que elas se organizam com disposição e coragem para fazer valer direitos como
educação e cidadania, as conquistas acontecem. Apesar dos avanços, traços de patriarcalismo
permanecem.
O fato é que a desigualdade entre os gêneros ainda é forte em nossa sociedade, mesmo
nos financiamentos do PRONAF, o valor do financiamento para os homens é maior do que para
as mulheres, assim muitas famílias preferem pegar o destinado ao “chefe” da casa, que na prática
pouco tem de chefe. Muitos vão trabalhar na cidade para aumentar a renda da família, deixando a
“chefia” do lote, dos filhos, da casa para suas esposas. Conforme depoimento da representante do
OP da prefeitura:
“[...] até foi uma experiência do governo federal, que o PRONAF
Mulher sairia menos do que se fosse um no nome do homem, no nome do
homem seria R$ 9.900,00, no nome da mulher R$ 6.000,00 e muitas
delas desistiram de pegar o PRONAF Mulher...” (Entrevista com R.,
mar/2005).
E preciso lembrar que o mercado de trabalho para esses trabalhadores se restringe a
empregos de pedreiros, guardas e ocupações desse gênero, além de nenhum ter carteira assinada,
pois o Incra não permite esse tipo de situação, considera-se obrigação do assentado se dedicar
somente ao lote, contudo, diante da falta de alternativas, não é possível condenar nenhuma de
suas práticas de sobrevivência sem que haja uma reflexão cuidadosa.
A opção de viver no campo num projeto de assentamento é só o primeiro desafio de
muitos que se enfrentam ao longo das trajetórias. Para as mulheres, a história de submissão ao
homem é apenas mais um obstáculo a ser encarado. O paternalismo econômico e político
combinado com o liberalismo que assume diferentes roupagens, mas não sai de cena criam, de
fato, discriminações.
No Brasil o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais ficou autônomo apenas a partir
de 1989, quando as mulheres se frustraram com sua participação nos sindicatos (espaços
tipicamente masculinos). A autonomia conquistada viabilizou uma ideologia baseada nas relações
de gênero, e abriu espaço para discussões como sexualidade, saúde, etc. O MMTR apesar de
articulado não se subordina a outros movimentos como o MST, por exemplo.
Assistimos nos assentamentos da região de Araraquara a um processo de politização dos
espaços cotidianos onde as mulheres estão presentes. Elas conquistaram espaço em lutas
coletivas, mas mesmo assim os padrões culturais ainda influenciam muito na divisão sexual do
trabalho, nas tomadas de decisões e nas esferas do poder.
O universo dos assentamentos rurais de Araraquara mostra-se passível de múltiplas
dimensões, exigindo um olhar poliocular em eventuais interpretações e análises. A relação de
integração entre a região como um todo abre novas perspectivas de desenvolvimento tanto para o
meio rural como para todo seu entorno urbano.
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O poder municipal tem em seu programa de governo uma perspectiva de abertura
democrática. O papel que os assentamentos têm na agenda municipal do poder e como as
mulheres participam do mesmo são preocupações desta pesquisa voltada à análise da trama de
tensões locais na qual diferentes agentes sociais se fazem presentes.
Bibliografia:
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Ribeirão Preto, 24 a 27 de Julho de 2005
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