Rev. Medicina Desportiva informa, 2013, 4 (2), p.p. 2–4 moderna com projeção no visor adjacente. Assim, avançou o diagnóstico direto, dando lugar também à possibilidade operatória, mais rápida e segura, com tempo de recuperação do doente em muita brevidade. Entrevista Certamente que sem TAC e Ressonância que os diagnósticos eram mais difíceis e até impossíveis. Como é que os faziam? Dr. Camacho Vieira Medicina Desportiva Ex-médico da seleção nacional A de futebol O Sr. Dr. Camacho Vieira é um médico da medicina desportiva (MD) e da ortopedia com muitos anos de experiência. Há quantos anos tem dedicado a sua vida a estas causas? Formei-me em Coimbra no ano de 53. Nos anos 60 a 75 tive o previlégio de travar conhecimento e amizade com o pioneiro da MD do nosso País, um cirurgião geral dos HCL e que operava numa Clínica de Lisboa. Convidou-me para o ajudar no apoio aos jogadores de futebol nas seleções nacionais juvenis e juniores, quando ele estava ocupado com os séniores na seleção nacional, e também com a equipa de futebol “Os Belenenses”. Pediu-me também ajuda nas cirurgias que efetuava naquela clínica. Guardo os seus 5 livros com a dedicatória no Volume III de “Medicina Desportiva Traumatologia – Parte Especial”, Lisboa, 1972. Após o seu desaparecimento por morte súbita, fui convidado para 2 · Março 2013 www.revdesportiva.pt médico efetivo da F.P.F. para as respetivas seleções e para o Clube de Futebol “Os Belenenses”. Foram 53 anos de trabalho, sendo 38 como efetivo e mais cerca de 15 anos como auxiliar do Dr. João da Silva Rocha. Graças a si, e também a outros médicos, nós, os mais novos e os menos novos, caminhamos num caminho que ajudou a construir. Como era medicina e a traumatologia desportiva há 30-40 anos atrás? Há 30 anos já surgiam novas técnicas para a avaliação das lesões mais sérias, nomeadamente os exames complementares que vieram enriquecer os diagnósticos provisórios, diferenciais e definitivos, e assim facilitar os tratamentos clínicos e cirúrgicos. Há 40 anos o exame do joelho era completado com a artropneumografia, técnica dolorosa e aleatória, que consistia em injetar ar dentro da articulação. Na área da cirurgia surge a artroscopia, em que inicialmente a técnica visual era direta, espreitando-se pela objetiva. Recordo ter feito com o Dr. Coelho essa cirurgia a um jogador do Benfica, o Padinha, que já vinha da Suécia, mas que continuava com dor. Verificámos que trazia um rasgão condral do côndilo femoral, que pensámos ser um acidente cirúrgico do trocater no ato da introdução durante a artroscopia a que tinha sido sujeito naquele país. Rapidamente esse aparelho artroscópio foi substituido pela nova aparelhagem Os diagnósticos provisórios eram efetuados através da propedêutica e da semiologia, sintomatologia clínica, bem assim, dos sinais clínicos. Era corrente, nomeadamente no joelho, proceder à pesquisa das lesões das estruturas nobres articulares: meniscos, ligamentos cruzados anterior e posterior, e colaterais interno e externo, com a ajuda dos sinais clínicos mais em voga: Grito de Oudard, o Lindemann, Apley, Généty, Mc Murray, Gaveta anterior e posterior e mobilizações ou fugas laterais. A rótula era explorada na mobilidade articular no sentido vertical e lateral. Finalmente, solicitava-se a ajuda do RX nos vários planos perpendiculares e tangenciais, com os joelhos fletidos a 30, 60 e 90º, como também hoje é usual. … não se diagnosticava, por exemplo, a rotura do ligamento cruzado anterior… A rotura do LCA era, e continua a ser, sempre diagnosticada pela gaveta anterior de fácil execução. Para o LCP basta fletir o joelho e reparar na fuga posterior da tíbia, que obriga a uma curvatura do tendão rotuliano em caso de rotura, comparando-se com o joelho oposto colocado também em flexão. A cirurgia do joelho, por exemplo, evoluiu muito. Nesta evolução, diganos o que mais o maravilhou, o que de mais extraordinário evoluiu. A evolução extraordinária foi a TAC, a RM e a ecografia que identificam qualquer lesão severa dessa estrutura articular. Na cirurgia é sem dúvida a descoberta Japonesa do artroscópio, já referido, e no avanço técnico desta aparelhagem, não só para o diagnóstico auxiliar doutros exames complementares, mas também para determinadas cirurgias. Independentemente do artroscópio, observou-se a evolução de técnicas cirúrgicas e de equipamentos extraordinários para aplicação de próteses do joelho e da anca. Lembro ainda a evolução constante da ergometria desportiva, com o auxílio dos gabinetes de esforço, onde os atletas de máximo rendimento são avaliados em testes estáticos ao mínimo pormenor cardiorrespiratório, com indicadores de parâmetros consequentes da fadiga. Os testes dinámicos também beneficiaram VÃO DEIXAR SAUDADES. com os computadores, que avaliam a velocidade na corrida em zig-zag por entre as bandeirolas. Na fisioterapia e na reabilitação biomecânica e funcional surgem aparelhos extraordinários para curas rápidas, surgindo o Biotron, o TENS, o Edit “Endosin e Endodine”, que quer dizer anti-inflamatório e anti-doloroso, a laseroterapia e tantos outros que facilitam o trabalho do fisiatra e do fisioterapeuta. Foi médico da seleção nacional de futebol. Foi fácil sê-lo? Não foi fácil, mas as minhas condições relativas à minha preparação foram ricas e facilitaram a minha integração nos trabalhos que me eram confiados. Essa preparação iniciou-se em 1953 com o Dr. Azevedo Rua, diretor do Sanatório Marítimo Dr. José de Almeida, e a seguir o meu Concurso para as 40 vagas a que concorriam 500 médicos aos HCL Era a época das carreiras médicas que nos obrigavam a esses concursos, iniciados pelo Internato Geral, a que se seguiam o Intermediário, o Complementar e o Graduado. Este último foi o mais difícil, pois havia 16 concorrentes para 2 vagas. Alcancei a 2.ª, que me deu direito a inscrever-me na Ordem dos Médicos como Especialista de Ortopedia Traumatológica, com o n.º 4417 e na SPOT com o n.º 413. Na prática da nossa vida profissional as dificuldades são ultrapassadas, mas não basta só a vocação e a arte, são indispensáveis os apoios diretivos e a solidariedade ética, envolvendo o coordenador, os técnicos, o treinador e os adjuntos, o médico, os enfermeiros e os massagistas e a tal convivência fraternal e sádia com os nossos jogadores. A partir daí tudo é mais fácil para se poder consolidar a competência. Formação pós-graduada no estrangeiro: · Hospital Ortopédico da Cidade Universitária de Hamburgo, na Alemanha – Mittelmeyer; · Hospital Saint Marys na Cidade Wurbury, EUA – Dr. Angelo, Dr. Kiggert, Dr. Mazda · Hospital Italiano de Buenos Aires – Prof. Carlos Orttolenhgi · Hospital Middlesex, Londres, Inglaterra · Hospital Sacré Coeur, em Roma Qual foi o momento mais feliz que viveu ao serviço da seleção nacional? Entre várias situações desse género, recordo o golo magistral, do “meio rua”, como se costuma dizer, do Carlos Manuel em Estugarda, a entrar pelo cantinho direito da baliza, que nos deu o passaporte para o Mundial do México e desencadeou um enfarte de miocárdio a um jornalista do Diário de Notícias (Almeida Santos), o qual foi de imediato transportado para a enfermaria. Foi necessário um desfibrilhador, que tivemos o cuidado de levar e que não havia nesse campo. Assim, foi tratado de emergência e depois levado para o Hospital, tendo tido Alta no dia seguinte e entregue aos cuidados do Dr. Telles Martins à chegada ao aeroporto. … e o mais desagradável? Infelizmente o drama no México, que envolveu um escândalo e que abalou o Mundo do Futebol. Refira-nos três situações clínicas com envolvência urgente. Entre vários casos, que demonstram as situações emergentes a que o médico desportivo está sujeito, pondo à prova os conhecimentos da propedêutica e dos sinais clínicos, refiro os seguintes: 1. Ortotraumatologia O Rui Rodrigues, após uma queda numa cova na relva, no jogo contra a Polónia, ficou em choque traumático. Retirei-o e já na cabine batia com o pé no solo – “Dr! Não é preciso nenhum exame. Estou bem”, dizia ele. “Não Rui, estiveste em choque”, respondi. Levei-o no meu carro à Urgência do Hospital S. José, onde 4 · Março 2013 www.revdesportiva.pt eu exercia também funções. – RX p/p – negativos, obliquos e tangenciais – fratura completa vertical dum cuneiforme. 2. Apêndicite aguda Num Hotel em Barcelona, na véspera do jogo de futebol com o Barcelona, jogo da Intertoto. À noite, após o jantar, o Gonzalez tinha uma dor na barriga. Palpar um ventre agudo aparentemente fácil tem a sua ciência. Disse-lhe: “Tens uma apendicite aguda ou o diabo por ela”. Fomos a um belissimo Hospital dos Serviços Médico-sociais e os meus colegas, após a observação e uma análise ao sangue, levaram-no ao Bloco Operatório e lá estava o apêndice prestes a desencadear uma peritonite. 3. A Morte Súbita do Jaló O Jaló, jogador dos juniores do Belenenses, acabava os treinos com fadiga, deitado na relva e ofegante. Estava dado como apto, mas fiquei alarmado e levei-o ao Hospital de Sta. Marta. Entreguei-o aos cuidados dos Drs. Maldonado Simões e Telles Martins. À noite telefonaram-me: “O Jaló não pode praticar qualquer desporto, tem risco de morte súbita por ter uma patologia grave cardíaca”. Deixou de jogar, mas acabou por morrer: ia jogar à noite a um clube de bairro sem ninguém saber. O que aconselha aos jovens médicos que se dedicam à medicina desportiva? Penso, em 1.º lugar, que esta ciência da MD, que é aliciante sem dúvida, deverá ser encarada como uma profissão que exige, como toda a Medicina, vocação e a seguir de estudo através da vastíssima literatura que ela tem lançado no Mundo inteiro. O médico desportivo, além da sua arte, terá de ser um companheiro amigo de todos os participantes e dos seus jogadores, atuando dentro dos seus conhecimentos como orientador competente e bom conselheiro. Fora disso, deverá colocar-se no seu lugar e participar em tudo que esteja ligado aos afazeres duma equipa, incluindo na ajuda da metodologia do treino, e solicitar tudo que entenda para a completa preparação dum campeão. Chamo a atenção de que se torna indispensável que, além da vocação e interesse por esta ciência, a MD exige que os seus colaboradores procurem a sua experência nos serviços hospitalares e nas urgências, para adquirirem o mínimo necessário para enfrentarem as situações de risco que surgem a qualquer momento. Assim, o médico desportivo tem sempre o recurso do Hospital, mas a sua experiência indicará a melhor atitude pela qualidade da sua observação e diagnóstico provisório correto, mercê do resumo dos sinais clínicos do seu exame. Finalmente, o médico desportivo deverá apoiar-se num grupo de trabalho que envolva o ortopedista traumatologista, o cardiologista e o fisiologista se possível. Com esse apoio à sua prestação, ficarão asseguradas todas as eventualidades. Eu constituí o meu grupo de trabalho quando assumi com a seleção nacional a responsabilidade do Campeonato Europeu de França. O grupo era constituido pelos seguintes elementos: · Prof. Carlos Silveira, Professor Catedrático da Faculdade de Farmácia de Lisboa e Diretor do Instituto Toxicológico da Marinha; · Prof. Carlos Rendas, Médico Doutorado em Fisiologia do Esforço; · Dr. Maldonado Simões e Prof. Dr. Telles Martins, ambos diretores do Hospital da Marinha e da Cardiologia de Sta. Marta; · Joseph Wilsom, professor de Educação Física, primo do Mário Wilson. Finalizo com o meu conselho: estudo e boa avaliação dum jogador são indispensáveis, atitudes que eu considero emergentes. A experiência e a formação são indispensáveis.