O universo apenas adquire propósito se nele existir vida. Vida consciente de si própria é a evolução das outras formas de vida. Até agora, somos a única espécie consciente conhecida. A nossa espécie deve sobreviver. Anarquia levaria à nossa autodestruição. Para a existência de um Estado, recursos são necessários. Os recursos extraídos de uma economia para uso do Estado são chamados impostos. Portanto, impostos são necessários. Encadeamentos lógicos, mesmo aqueles baseados em premissas pessoais, sempre me fizeram sentir melhor. Todos nós simplificamos a realidade, sintetizando ela em modelos que na nossa cabeça façam sentido e nos dêem propósito. Sob certa perspectiva, não existe realidade, apenas uma infinidade de modelos pessoais, distorcidos pelas nossas próprias esperanças, agonias e valores. “Ah............ eu me lembro de ter clicado em Modelo Tributário alguns segundos atrás!? Isso parece um daqueles episódios de Twilight Zone” pensa o nosso leitor. Bem, a verdade é que tudo isso é para dizer que a palavra do dia é Modelo. Modelos são sempre agradáveis, pois sempre podem ser construídos sobre qualquer hipótese que o autor queira usar, o que elimina o medo de se chegar a um resultado errado. Hoje iremos brincar de tributação. Todo Estado, em qualquer lugar do mundo e em qualquer período do tempo, se resume à Tributação. Isso nos leva a 4 perguntas: 1. 2. 3. 4. O que será tributado? Quanto será tributado? Como será tributado? Como serão utilizados esses recursos? Para mim não há dúvida que a pergunta mais difícil é a última. Justamente por isso não iremos entrar nessa questão, hoje pelo menos. O objetivo do nosso modelo tributário será mais simples, comparar uma economia com tributação apenas em seu mercado final* com uma economia com tributação em todos os mercados e determinar se teoricamente existe hierarquia entre as opções. * Mercado final: Mercado que dispõe seu produto/serviço ao consumidor final. Ex: Semente de café, inseticidas e máquinas de colheita não são produtos finais. O cafezinho que se compra na padaria é um produto final. Modelo Em todo modelo é necessário haver simplificações. Imaginemos que moremos em uma ilha que possui uma economia representada por esta figura: Uma economia formado por três níveis de mercado em esquema 4;2;1 que culminam em um mercado final apenas. O nível 2 possui dois mercados e o nível 1 possui quatro mercados. Cada mercado é representado por sua respectiva oferta e demanda que serão ambas representadas por retas. As retas de demanda serão do tipo f(x)= a + bx. E as retas de oferta por f(x) = dx. Cada mercado possuirá uma determinada quantidade Q de equilíbrio a preço de equilíbrio P, exemplificada apenas no mercado 3, mas existente para todos os mercados. As variáveis econômicas que serão utilizadas para comparação entre as opções de tributação serão: PIB, arrecadação tributária, carga tributária (%PIB) e bem-estar de mercado final*. * Bem-estar de mercado é de maneira simplificada a soma ,para todos os produtos comercializados dentro de um mercado, do prazer da obtenção de cada produto para o consumidor (precificado pela própria curva de demanda) menos o custo do produtor (reta de oferta) para produzir ele. Ou de maneira geométrica, a área à esquerda do ponto de equilíbrio entre a reta azul e a vermelha. Hipóteses do Modelo Demanda e oferta são retas. Toda a economia é representada por apenas uma cadeia. PIB = P3 x Q3 Não há desperdício nessa economia. O que se produz se consome. Por não haver desperdício, as quantidades de equilíbrio manterão suas proporções. Assim uma variação em Q será sentida em todos os mercados na mesma proporção. A curva de demanda do mercado 3 é fixa. A curva de oferta de qualquer mercado é função do preço dos seus mercados fornecedores (mantidas as outras variáveis constantes). A curva de oferta dos mercados de nível 1 é fixa. Mesma taxa de Markup (% de aumento no preço sobre o custo médio do produto) para todos os mercados na economia. Para comparar como a introdução da tributação em uma economia altera o seu comportamento, vamos primeiro construir um modelo não tributado. Modelo Não Tributado Os coeficientes d1.j (coeficiente angular da curva de oferta de mercado de nível 1) serão gerados aleatoriamente. Também serão geradas aleatoriamente as quantidades de equilíbrio de todos os mercados. Os preços de equilíbrio de nível 1 serão determinados pelo cruzamento da reta de oferta com a abscissa da quantidade de equilíbrio. Expresso por: Para a determinação dos preços de equilíbrio dos outros mercados será usado o conceito de precificação por markup (% de aumento no preço sobre o custo médio do produto). Será usado um markup comum em toda a economia, o que é equivalente a supor que esses mercados são tão competitivos que o preço se ajustou a reduzir o seu lucro econômico (lucro contábil – todos os custos de oportunidade) a um patamar similar, levando eles a ter um markup similar. Assim o preço P dos mercados de nível 2 e 3 será calculado por: M = markup. Modelo com tributação no mercado final Toda vez que se tributa um mercado a quantidade produzida se retrai. Supondo que não há desperdício na economia, esse mercado produzirá x% menos, o que demandará x% menos insumos, de maneira que os mercados fornecedores também produzem x% menos. Então a partir do momento que os mercados começam a ser tributados existe uma retração na economia que será denominada “R”. Assim todas as novas quantidades de equilíbrio se alteram por R. Os preços continuarão a serem formados da mesma maneira que no modelo não tributado, até que se chegue ao mercado final. Nesse mercado haverá uma diferença entre o preço pago pela demanda (consumidores) e aquele recebido pelo produtor, essa diferença é o imposto, denominado “i”, que é o percentual de imposto pago sobre cada produto. O preço pago pela demanda deve estar dentro de sua reta de demanda, assim o preço calculado pela soma do imposto ao preço de oferta deve ser igual à função da reta de demanda. P’3D = Preço pago pela demanda; P’3S = Preço recebido pela oferta. O coeficiente “R” deve ser ajustado por iteração até que se ajuste P’ 3D na sua reta de demanda, ou seja, até que P’ 3D= a3+b3*Q’3. A imagem a seguir ilustra o nosso modelo. Modelo com tributação distribuída na economia Este modelo terá suas variáveis calculadas de maneira muito similar ao modelo anterior. A diferença será que a cada nível de mercado nós teremos que introduzir tributação, separando de novo o preço que a demanda paga do preço que a oferta recebe, ajustados por . Esta economia também sofrerá retração por um coeficiente “R” próprio. Este coeficiente também deverá ser ajustado para que P’3D= a3+b3*Q’3. Resultados Os dois modelos serão comparados usando a mesma carga tributária para ambos. Para a mesma carga tributária serão comparados os resultados de PIB e Bem-estar de Mercado. As variáveis que mais influem no resultado dessa economia é o markup (que a longo prazo é função dos juros vigentes no país) e da carga tributária. Retração de PIB: Markup\ carga trib. 1.05 1.1 1.15 Tributação no mercado final 10% 20% 10% 15% 22% 27% 32% 36% 30% 21% 32% 41% Tributação distribuída 10% 20% 30% 10% 16% 22% 22% 27% 33% 32% 37% 43% Retração de Bem-Estar Markup\ carga trib. 1.05 1.1 1.15 Tributação no mercado final 10% 20% 3% 5% 10% 11% 15% 17% 30% 8% 14% 20% Tributação distribuída 10% 20% 30% 8% 14% 20% 14% 20% 26% 20% 26% 32% Os resultados são de fácil interpretação. Para qualquer valor de markup/carga tributária os resultados são melhores para o modelo de tributação em mercado final. Com essa opção se consegue obter um maior PIB, Arrecadação Tributária e Bem-Estar de Mercado, ou seja, as empresas ficam felizes, o governo fica feliz e a população fica feliz. Por que não se utiliza esse modelo no país então? Embora eu sempre goste de apontar o que o nosso genial governo faz de errado, nesse caso eu realmente não sei se a opção adotada está muito errada. Não me entenda mal, o nosso sistema tributário é patético, acho difícil que um grupo de crianças de primeira série poderia fazer pior. Mas a minha dúvida é se este sistema que apresenta ganhos teóricos funcionaria bem na prática. Empresas que vendem tanto a consumidores finais quanto a outras empresas (imagine uma empresa de farinha de trigo que vende tanto a pessoas, receita tributável, quanto a padarias, não tributável) possuiriam um forte incentivo a tentar mascarar a distribuição da sua receita jogando o máximo possível para o não tributável. Será que é fácil o controle fiscal desse modelo? Existe uma vantagem: o número de empresas de produtos/serviços finais na economia é bem menor do que o total de empresas existentes e portanto a base de fiscalização seria menor. Mas ainda assim, será que o nosso modelo de imposto distribuído não ganha na prática pela sua uniformidade de aplicação? Honestamente não sei, suponho que um dia os mecanismos de fiscalização tributária serão precisos e eficientes o suficiente para que a economia possa migrar de um sistema tributário a outro. Espero que sim. Curva de Laffer Imagine que o nosso governo coloque as taxas de todos os impostos na alíquota de 0%, o que acontece com a sua arrecadação? Necessariamente a sua arrecadação seria igualmente nula. Imagine agora que ele coloque todas as alíquotas em 100%, nesse caso a arrecadação dele seria igual ao próprio PIB. Quanto dinheiro seria isso: R$1 trilhão? R$2 trilhões? Na verdade a sua arrecadação também seria igual a zero. “ – Oh João, aquele cara dos artigos estranhos ta dizendo umas coisas estranhas de novo. Ele falou que se o imposto fosse de 100% o governo não ia ter imposto algum. - Ah Maria, esses garotos de hoje, você nunca sabe o que eles começaram a fumar. - Que pena, parecia um garoto tão inteligente...” Espera, é sério, se o governo fizesse tal ação seria como dar um tiro no próprio pé. Entenda, todo imposto é um desincentivo à produção, quanto maior o imposto, maior o desincentivo. Levando então esse fato ao extremo temos que um imposto que suga toda a produção de uma economia leva também ao desincentivo máximo de ninguém produzir nada. Por que alguém gastaria seu tempo se não vai obter nada em retorno? Ou toda a economia morre ou ela se torna subterrânea fugindo dos impostos. Ok, então nós sabemos a arrecadação tributária em função das cargas tributárias de 0% e 100%. Sabemos também por experiência prática que valores entre esses extremos acarretam em uma arrecadação positiva. Logicamente então, temos que a nossa curva deve ser algo do tipo: Se os extremos estão fixos e o meio é positivo, então temos que a nossa curva é uma curva de máximo. Não necessariamente simétrica como essa, mas necessariamente uma curva de máximo. Vamos usar esse conceito e tentar demonstrar o que foi dito pelo nosso experimento teórico. Vamos utilizar o Modelo de Tributação em Mercado Final, variando a sua carga tributária e verificando como variam os valores de PIB, Arrecadação Tributária e Bem-Estar de Mercado: No nosso modelo a Curva de Laffer não é tão simétrica, possuindo um ponto de otimização fiscal ao redor de alíquotas de 60%. Nessa figura se torna facilmente perceber que: 1) Tributação é um desincentivo à produção*. 2) Toda a economia simplesmente morre conforme as alíquotas se aproximam de 100%. * Embora seja verdade que tributação é um desincentivo direto à produção. O modelo utilizado é demasiado simples e não considera todos os benefícios que os impostos nos dão. Não consideram os benefícios de sistema jurídico, um sistema policial, pavimentação de ruas, coleta de esgoto, políticas de equidade,... Provavelmente em um mundo sem impostos, a desorganização da sociedade seria tão grande, que havendo uma economia, essa seria muito menos eficiente que a nossa. Conclusão Impostos é o melhor mal necessário que nós temos. Ele suga boa parte da produção da nossa economia, mas mantém a nossa espécie sob estado civilizado, ou pelo menos evita um estado de barbárie. Não é fácil determinar o quanto um Estado deve cobrar da sua sociedade para que este exista. Tampouco determinar como isso deve ser feito. Pior ainda, como tal recurso deve ser utilizado. Mas ao final do dia decisões devem ser tomadas, e modelos são muito úteis para isso. Evitam que nossa cabeça comece a procurar subterfúgios para respostas que evitamos e ajudam a achar a melhor solução para determinado problema. O modelo de tributação apenas em mercados finais apresenta uma eficiência teórica maior que o seu concorrente, mas será que tal vantagem se mantém na prática? É possível que não, mas é também possível que as deficiências que evitam sua existência se atenuem com o tempo. Keep it simple. Dúvidas, críticas e sugestões: [email protected] Bruno Peruchi