AS CIÊNCIAS ANÁLISE DO DISCURSO E LINGUÍSTICA:
REFLEXÕES PRELIMINARES
Luciene Cristina Paredes Müller (PPGL - UEMS)1
[email protected]
Adriana Pereira Santana (IESF/CG)2
[email protected]
Resumo
Ao observamos a comunicação entre as pessoas, percebemos as diferentes formas de se compreender
o que um falante quer dizer ou redigir em um texto, dependendo de sua maneira de viver, de seu gênero, da
sociedade em que o falante está inserido, entre tantos outros motivos. Para tratar desse assunto, inúmeras
reflexões foram feitas, desde os primeiros estudos de Saussure sobre a linguagem. O estudo sobre a
linguagem é uma preocupação latente há décadas, por isso, pesquisas relacionadas à compreensão desse fato
passaram por reformulações até chegarmos a uma disciplina que viesse explicar esses dados, reconhecida
hoje como Análise do Discurso. Além das reflexões realizadas tendo como corpus o discurso, destaca-se a
Linguística, que tem o objetivo de explicar fenômenos relacionados à linguagem. Dessa maneira, essas
ciências estão muito próximas, e às vezes, a olhos menos atentos, chegam a ser confundidas. Por esse
motivo, o presente artigo tem o objetivo de apresentar um recorte dos primeiros estudos da disciplina
Análise do Discurso, fazendo um paralelo com a Linguística, a fim de diferenciar as abordagens dessas
áreas.
Palavras-chave: Linguagem, Análise, Discurso.
1
Mestranda em Letras pela UEMS, Especialista em Planejamento Educacional, Técnica da Secretaria Municipal de Educação de
Campo Grande – MS.
2
Mestre em Estudos de Linguagens pela UFMS; Docente do Instituto de Ensino Superior da FUNLEC; Técnica da Secretaria
Municipal de Educação de Campo Grande – MS.
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Introdução
A comunicação é um fenômeno que, racionalmente, ocorre entre os seres humanos, por esse motivo
pesquisadores procuraram interpretá-la e analisá-la. A linguagem está inter-relacionada nesse processo de
comunicação, principalmente, relacionada ao tempo e às influências sofridas de geração em geração.
Estudiosos têm discutido e pesquisado esse assunto há muito tempo. Várias mudanças ocorreram até
chegarmos ao que temos hoje, ciências exclusivas a analisar o ato de comunicação, o discurso, baseadas em
dados importantes de pesquisas realizadas em diversos processos.
Dentre elas, destaca-se a ciência Análise do Discurso que procura analisar construções ideológicas
presentes em um ato de comunicação ou em um texto. É proposta inicialmente, pela filosofia materialista,
colocando em questão as ciências humanas de maneira reflexiva. Acontece em um ambiente social e envolve
vários fatores, em conjunto, nunca individualmente, seu discurso ocorre de maneira que reflita um mundo
determinado, vinculado aos protagonistas desse discurso e à sociedade em que estão inseridos.
Já a Linguística tem como objeto de estudo a linguagem, observada a partir de enunciados falados e
escritos. Os linguistas trabalham com dados verificáveis por meio de observações e experiências.
Dessa maneira, percebe-se que as duas ciências encontram-se próximas, chegando a ser confundidas
por indivíduos leigos no assunto. Assim, este artigo pretende mostrar um pouco da criação e introdução da
disciplina Análise e da Linguística, trazendo uma reflexão preliminar acerca do tema abordado, por meio de
citações de algumas pesquisas e de reflexões sobre o assunto, como por exemplo na Disciplina Análise do
Discurso tomaremos como base os estudos iniciais da disciplina elaborados por Brandão (2003) e de
Bakhtin, e na Linguística seguiremos as pesquisas de Lopes (1995) e Câmara Jr. (1974).
A Ciência Análise do Discurso: Abordagens Preliminares
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A disciplina Análise do Discurso passou por diversas transformações e estudos até alcançar sua
maturidade como ciência de análise da linguagem. A autora, Brandão (2003), descreve o percurso de
formulação de teorias percorrido por vários teóricos para se chegar à disciplina AD.
Antes da Análise do Discurso ser estabelecida como ciência, o que determinava os estudos sobre a
linguagem eram as questões colocadas por Saussure, que serviam para separar as noções de “fala e
diacronia” e as de “língua e sincronia”.
Como mencionado, muitos estudos foram e são realizados sobre o processo de evolução da língua.
Do ponto de vista sincrônico, a língua e estudada a partir de um dado momento, já do ponto de vista
diacrônico é estudada de um período, ou fase a outra.
É um grande erro afirmar que a língua se apresenta em forma de sistema e normas imutáveis e
incontestáveis. A língua constitui uma consciência individual, um sistema de normas imutáveis, sendo este o
modo de existência da língua para todo membro de uma comunidade linguística. Dessa maneira, no ato de
comunicação, a língua serve de instrumento concreto para esse processo de comunicação, na construção do
enunciado de fala. O locutor utiliza-se de formas normativas dependendo do contexto que estiver inserido,
sabendo desempenhar essa função no meio adequado a cada situação, porque o signo linguístico é variável e
flexível.
Outro destaque é que o locutor deve saber interpretar e compreender o processo de comunicação,
nesse momento são utilizadas formas linguísticas que, na realidade, não são palavras que pronunciamos ou
escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou ruins, importantes ou triviais, etc., ou seja, a palavra e
seu significado em um contexto dependem da vivência de cada um, do seu histórico de vida carregados de
conteúdos.
Baseada nessas questões, Brandão (2003) traça a história da AD, apresentado desde as primeiras
tentativas de elaboração de uma teoria, como o modelo harrisiano. No ano de 1952, Harris lança a obra
“Análise do Discurso”, que tem como objetivo elaborar um procedimento formal de análises, porém esse
procedimento não buscava o sentido do texto como uma reflexão da sua significação e suas considerações
sócio-históricas. Seguindo essa trajetória, temos a teoria da enunciação, que visava elaborar um conceito que
colocasse em relação língua e fala. Os pioneiros desse modelo são Jakobson (1951) e Benveniste (1974), que
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tinham algumas diferenças, mas convergiam ao colocarem em evidência unidades da língua, definidas como:
os embrantes (shifters) para Jakobson ou dêiticos para Benveniste.
Benveniste afirmava que o que transforma a língua em discurso é o ato da enunciação, visto como
um trabalho individual do sujeito falante ao transformar a língua em discurso. Infelizmente, essas teorias não
atingiram seu objetivo, por continuarem presas à dicotomia saussuriana, excluindo, de certa forma a história
e caracterizando o sujeito de forma idealizada.
A Criação da Disciplina Análise do Discurso
Os fundadores da disciplina Análise do Discurso de linha francesa são Jean Dubois e Michel
Pêcheux. Os dois teóricos têm formações distintas, Dubois é linguista, lexicólogo e Pêcheux é filósofo,
centrado no campo da história das ciências, sendo influenciado pelos ideais de Foucault. O que eles têm em
comum são o marxismo e a política. Contudo, Dubois pensava a AD baseado em sua formação, como o
estudo das palavras, via o sujeito falante nas questões enunciativas. Para Pêcheux, a AD é uma ruptura
epistemológica em relação às ciências humanas, em que a questão do discurso articulava-se com o sujeito e
sua ideologia, procurava teorizar um objeto novo de estudo, com relação às condições de produção e os
processos de produção do discurso, nesse sentido, o sujeito é constituído no discurso. Mesmo com certas
diferenças de pensamento, esses dois teóricos instituíram uma disciplina nova que tinha a preocupação de
pensar e entender o objeto do discurso e os instrumentos de sua análise.
A AD divide-se em duas fases, a primeira, datada no fim dos anos 70, pautava-se em pesquisas e
estudos concretos sobre a realidade, sendo muito criticada por repetir as teorias consolidadas por Saussure.
Na sua segunda fase, depois de 1975, ocorre um momento de transformações na França, marcado por
desconstruções e reconstruções de teorias que envolviam a AD. Sendo assim, Pêcheux, reformula sua noção
de FD (formação discursiva), defendendo a ideia que FD não é um espaço estrutural fechado.
No ano de 1979 surge Bakhtin no Ocidente, que trata a AD na concepção de linguagem como uma
dimensão sócio-interacionista. Atualmente, a AD baseia-se nas teorias da linguista J. Authier-Revuz,
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influenciada por Bakhtin e sua concepção polifônica da linguagem, afirma que a linguagem é
constitutivamente heterogênea.
A análise de Brandão (2003) acerca da trajetória da AD é positiva, pois ela traz momentos
importantes da história e as concepções dos precursores nesse estudo, mostrando dados que influenciaram a
disciplina atual estudada em sala de aula.
Bakhtin e a Disciplina Análise do Discurso
Em seus estudos Bakhtin descreve o pensamento filosófico-linguístico, o qual ele afirma ter o
objetivo de explicar por meio de teorias o real objeto de estudos da filosofia da linguagem. Para ele, a
linguagem, como objeto específico de estudo ainda não é encontrada, pois ela depende de três fatores da
realidade do homem, são eles os fatores físicos, fisiológicos e o psicológico, tais elementos são relacionados
e são complexos.
Todos os fatores citados por Bakhtin, só tem sentido se estiverem inseridos em um meio social, no
caso da comunicação, que ela aconteça em um meio social de unicidade e em um contexto social imediato,
para que esses fatores possam vincular-se à língua, à fala e assim, tornar-se um fato de linguagem. Dessa
maneira, o autor afirma que a linguagem torna-se mais complexa, pois o falante passa a ter contato com o
meio em que vive, passando a ter relações de múltiplas facetas, sendo necessária a redução a um
determinante comum.
A posição de Bakhtin quanto à língua, é sintetizada em quatro proposições: 1 – a língua como
processo de construção, se materializa em forma de fala; 2 – a criação linguística é regida pela lei da
psicologia individual; 3 – a criação linguística é uma criação significativa; 4 – a língua, enquanto produto
acabado é abstratamente construída para ser usada, pois está pronta e acabada.
Bakhtin, ainda, nos apresenta por meio de suas pesquisas, levantando hipóteses acerca do objeto de
estudo da linguagem sob a orientação do pensamento filosófico-linguístico, levantando questionamentos
sobre as teorias já existentes, apresentando as divergências entre o subjetivismo individual e as antíteses do
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objetivismo abstrato. Conclui-se que os linguistas têm liberdade para escolher uma modalidade de pesquisa,
dependendo de sua realidade e seu campo de conhecimento.
A Ciência Linguística: Abordagens Preliminares
A Linguística é uma ciência que estuda cientificamente a linguagem e procura explicar seus
fenômenos e suas mudanças, ela é interdisciplinar, ou seja, envolve outros conhecimentos e interessa-se pela
linguagem no momento de comunicação, no ato de interação, no seu processo de formação, de construção e
de mudanças (LOPES, 1995).
Relatos mostram que os primeiros a preocupar-se com os estudos linguísticos foram os hindus, que
Inspirados na convicção de que os textos sagrados dos Vedas somente
surtiram o efeito desejado pelo fiel se eles fossem corretamente recitados,
os hindus deram início à Prosódia e a Ortoépia. (LOPES, p. 26, 1995)
Desse modo, os hindus iniciaram seus estudos linguísticos, visto que, registros comprovam que eles
os iniciaram antes dos gregos. Para eles, o importante era o estudo da matéria, entendida como linguagem.
Assim, para entendermos a Linguística precisamos compreender o seu objeto de estudo, a linguagem,
que é descrita como “uma criação do homem na base de suas faculdades humanas” (CAMARA JR, p. 21,
1974), ou seja, está presente em atos de comunicação do ser humano enquanto ser social, pois a língua
representa a cultura, ou simplesmente, faz parte dela, a expressa enquanto comunicação social. Dessa
maneira, percebe-se que a linguagem está relacionada à atividade mental humana, no seu processo de
comunicação. Assim, o linguista procura explicar as modificações ocorridas na linguagem sistematizando
suas observações por meio de teorias construídas para esse propósito e são pesquisados enunciados orais e
verbais, falados ou escritos.
A partir desse momento, a Linguística passa a fazer parte de um processo investigativo, conhecido
como linguística sincrônica. Então o estudioso da linguística afirma que
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A essência da linguística, assim concebida, é a análise interpretativa das
formas atuais de uma língua em funcionamento, como meio de
comunicação mental e comunicação social. (...) Trata de deduzir o estado
linguístico cientificamente, isto é, por um método objetivo à maneira de
qualquer outra ciência descritiva. (CAMARA JR, p. 42, 1974).
Compreendemos que a Linguística tem a preocupação em analisar ou interpretar a linguagem ou a
língua em seu funcionamento, desde tempos mais remotos, ou seja, o passado, para entendermos o presente e
explicarmos ou estarmos preparados para as transformações futuras no nosso meio comunicativo e que ela
está relacionada a outras ciências, principalmente aquelas afins no campo de pesquisa do mesmo
conhecimento.
A Relação da Linguística com Outras Ciências
Assim como outras ciências, a Linguística relaciona-se com as que têm afinidade, pois são várias as
pesquisas e teorias que envolvem o estudo da linguagem, cada uma com sua especificidade.
Os primeiros estudos da linguagem eram subordinados à filosofia, e a partir das pesquisas de
Saussure, no século XX, a Linguística passa a ter autonomia como ciência, com a publicação do “Curso de
linguística geral”, considerado o início da linguística moderna. Por meio dessa publicação afirma-se que
Os estudiosos da linguagem adquirem consciência da tarefa que lhes cabe:
utilizando-se de uma metodologia adequada, estudar, analisar e descrever
as línguas a partir dos elementos formais que lhes são próprios.
(MARTELOTTA, p. 22, 2009).
Então, a partir desse momento, a Linguística buscou evidenciar-se como ciência, visto que, traçava
uma teoria para explicar suas pesquisas. Contudo, ela não se encontra isolada, é nítida sua relação com
outras ciências, que têm o propósito de estudar a linguagem, nas suas várias manifestações.
Nesse contexto, Batista (2013) descreve os temas abordados pela linguística, como:
● as estruturas linguísticas como objeto de estudo;
● os pressupostos desenvolvidos para a sistematização, a descrição e a análise das línguas;
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● as possíveis teorias sobre a linguagem;
● as diferenças sobre língua e linguagem;
● as metalinguagens de tratamento linguístico;
● as maneiras como as religiões, os mitos e as mitologias tratam as línguas e a linguagem;
● as percepções dos indivíduos sobre linguagem e seus fenômenos;
● os estudiosos da linguagem;
● a relação entre linguística e a sociedade;
● as relações entre ideias linguísticas e a história-sociedade-ideologia-cultura;
● os materiais elaborados nas mais diferentes questões linguísticas;
● as maneiras de ensino da língua;
● e o desenvolvimento da língua e da linguagem.
Esses temas também estão presentes em outras ciências, são fundamentais para se elaborar uma
teoria, para se estudar a linguagem, por isso, é necessário aprofundar-se nos teóricos que defendem suas
análises, com teorias próprias para cada ciência, sabendo fazer a distinção entre elas, para não entrar em
confrontos teóricos.
Considerações finais
Compreender um ato de comunicação, a linguagem em uso, o discurso realizado a partir desse fato
levando-nos a refletir acerca da cultura de determinada população, da maneira de agir e ver o mundo, seu
contexto social e demográfico, entre tantos outros fatores importantes é o papel fundamental dos estudos
voltados ao processo de comunicação desse meio social. Por isso, as discussões acerca desse processo
ultrapassam décadas, e, a Linguística e a ciência Análise do Discurso tem contribuído, imensamente, para
esse processo de entendimento do discurso, tanto oral quanto escrito, dando ao falante, quando se comunicar,
a possibilidade de conhecer as formas de como usar sua linguagem nas mais diferentes manifestações.
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Portanto, o artigo apresentou um recorte preliminar das duas ciências, no que diz respeito às
reformulações porque passaram os estudos até chegarmos ao entendimento que nos é dado hoje em dia,
destacando pontos positivos e os estudos de alguns teóricos sobre o discurso, levando-nos a reflexões
importantes acerca das diferentes formas de funcionamento da linguagem.
Concluímos que se o indivíduo for capaz de perceber e compreender um discurso, levando em
consideração seus estudos e teorias para explicar seu funcionamento, saberá utilizar a multiplicidade de
formas possíveis da língua, desde os falares populares aos termos acadêmicos, e dessa forma saberá
distingui-los e usá-los nas ocasiões adequadas.
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Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lhud e Yara F. Vieira com a colaboração de Lúcia
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BATISTA, Ronaldo de Oliveira. Introdução à historiografia da linguística. São Paulo: Cortez, 2013.
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MARTELOTTA, M. E. et alii. Linguística. In: Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2009, p. 15 – 29.
SCHERER, Amanda Eloina. A História e a Memória na Constituição do discurso da Linguística Aplicada
no Brasil. _____ O desejo da teoria e a contingência da prática: discursos sobre e na sala de aula: (língua
materna e língua estrangeira). Maria José Coracini e Ernesto Sérgio Bertolo (orgs). Campinas, SP: Mercado
de Letras, 2003.
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